Mais de 20 anos após ser indicada em lei, a maior operação urbana em extensão prevista para a cidade de São Paulo teve o projeto aprovado na Câmara Municipal na tarde desta quinta-feira, 14. A proposta abarca bairros de passado industrial e ferroviário nas zonas leste e sul — como Ipiranga, Mooca, Cambuci, Parque da Mooca, Vila Zelina e Vila Prudente —, que podem receber regras construtivas especiais, incentivos para a verticalização e investimentos em obras públicas.
O projeto de lei envolve a Operação Urbana Bairros do Tamanduateí, remetido aos vereadores pela então gestão Fernando Haddad (PT), em 2015. A 1.ª votação foi em 2021, enquanto a 2.ª ocorreu somente nesta quinta-feira e teve 46 votos favoráveis e cinco contrários.
Entre as principais intervenções, estão obras de drenagem, a criação de 12 parques e a reversão do tamponamento do Rio Tamanduateí. Trata-se de um plano a longo prazo, a fim de dobrar a população de um perímetro (de 1,6 hectare) em cerca de duas décadas.
Estima-se que a operação urbana chegue a R$ 2,85 bilhões em intervenções públicas. A captação de recursos abrange especialmente o leilão de 5,1 milhões de m² de créditos construtivos (os Cepacs), necessários para obras que verticalizem a região, como ocorre nas operações urbanas Faria Lima e Água Espraiada. A maioria desses certificados é prevista para o Ipiranga, a Mooca e o Parque da Mooca, com a estimativa de um total de R$ 4 bilhões.
Há a previsão, ainda, de 856 mil m² a serem aplicados gratuitamente em habitação para baixa renda. Esses Cepacs são necessários para a área construída que for superior à metragem do terreno (com exceção do que é “não computável” por meio de incentivos, como uma vaga de garagem para cada apartamento de 30 m², por exemplo). O cronograma e a priorização de obras serão definidos por um grupo gestor, formado por representantes do poder público e da sociedade civil.
Na sessão, também foi aprovada uma emenda de Aurélio Nomura (PSDB), que prevê a implantação de um estacionamento subterrâneo na área do Parque da Independência com recursos da operação urbana ou da iniciativa privada. “De modo a facilitar o acesso de usuários”, diz a justificativa do vereador.
Parte dos vereadores de oposição criticou a tramitação do projeto. Entre os pontos, estão a falta de um dispositivo que garanta o “chave a chave”, quando famílias de baixa renda são removidas apenas quando já tem outra moradia garantida. “É um projeto de 2015, que ressurge das cinzas. Não é um projeto que está atualizado. Nós temos vários problemas para que se faça o debate”, disse Celso Giannazi (PSOL).
Já Senival Moura (PT) defendeu a proposta da gestão Haddad. “É um projeto muito bem pensado pelos urbanistas, planejado para a cidade”, destacou.
Esse é o terceiro grande projeto regional de transformação urbana aprovado neste ano na cidade. Soma-se aos Planos de Intervenção Vila Leopoldina (que abrange áreas no entorno da Ceagesp e do Parque Villa-Lobos) e Jurubatuba (o qual envolve Santo Amaro, Vila Andrade e outros bairros da zona sul). Além disso, a Câmara aprovou a revisão do Plano Diretor e está em tramitação final da revisão da Lei de Zoneamento, que será votada em 21 de dezembro.
A proposta tem sido alvo de algumas críticas e dúvidas ao longo dos anos. Entre os pontos mais citados, estão discussões sobre possível impacto na atividade industrial ainda presente em parte do entorno e, também, e risco de subdimensionamento da população em situação de vulnerabilidade (como em cortiços) que precisará de atendimento habitacional.
A criação de uma empresa de economia mista (Bairros do Tamanduateí S/A) foi retirada do projeto após questionamentos, de modo que a gestão será da SP Urbanismo, empresa pública da Prefeitura.
O próprio poder público também mapeou alguns “pontos de atenção”, expostos em audiência pública em novembro. Entre eles, estão a necessidade de atualizar os dados de demanda habitacional e do plano de mobilidade e, ainda, o histórico recente de renovações da Licença Ambiental Prévia por meio de solicitações específicas após ter expirado, em 2020. O entendimento municipal é de que não atrapalham o desenrolar da operação urbana.
A proposta tem histórico que remonta ao início dos anos 2000, embora tenha passado por modificações. Chamada de Bairros do Tamanduateí em 2014, já foi conhecida também como Operação Consorciada Mooca-Vila Carioca e Operação Urbana Diagonal Sul.
Essas nomenclaturas remetem às gestões Gilberto Kassab (então no DEM, hoje no PSD), especialmente a partir de 2010, e Marta Suplicy (então no PT, hoje sem partido), com o Plano Diretor de 2002. Projetos para a área chegaram até a chamar a atenção de escritórios britânicos e italianos, mas não foram adiante.
O entendimento é de que a operação urbana propiciaria melhor aproveitamento de áreas subutilizadas após o enfraquecimento de indústrias locais nas décadas recentes, de modo a potencializar uma função de centro metropolitano (principalmente ligado ao ABC e à Baixada Santista). A proposta também fala em reverter um cenário de poucas áreas verdes, impermeabilização do solo e com histórico de ilhas de calor e inundações — e, principalmente, em aumentar a oferta de moradia e emprego em bairros bem servidos de transporte coletivo, com metrô, trem e fura-fila.
A operação urbana é dividida em perímetros de adesão (onde são captados os recursos e há maior investimento) e de expansão. A partir de dados georreferenciados públicos, o Estadão desenvolveu o mapa interativo abaixo com as duas áreas. Há também um espaço de busca por endereço. Confira mais informações sobre o projeto após a visualização da ferramenta.
Na audiência pública de novembro, a gestão Ricardo Nunes (MDB) enumerou os objetivos principais da operação urbana. São eles: ampliação populacional (com incremento da atividade econômica), qualificação ambiental (com especial atenção à mitigação de alagamentos), aproveitamento da infraestrutura de mobilidade, aumento da conectividade entre os bairros, valorização do patrimônio cultural e promoção de projetos de habitação para a baixa renda.
A proposta inclui, por exemplo, o restauro de três imóveis industriais históricos (e tombados) da Mooca, transformando-os em equipamentos públicos, com usos a serem posteriormente definidos. A lista abrange a antiga fábrica da Companhia Antártica Paulista, na Avenida Presidente Wilson, a Tecelagem Labor, na Rua da Mooca, e as Oficinas Casas Vanorden, na Rua Borges de Figueiredo.
Dos 12 parques previstos no projeto, parte deles são “inundáveis”. Isto é, planejados para auxiliar no escoamento de água das cheias e dispostos em locais estratégicos, como nas proximidades do Córrego Moinho Velho e da foz do Córrego Ipiranga.
O projeto inclui, ainda, a abertura e o alargamento de vias (visto que o passado industrial deixou grandes quarteirões), arborização, reformas de calçadas e outras intervenções públicas. Ao menos 35% dos recursos deverão ser voltados à habitação para baixa renda.
Na audiência pública de novembro, o secretário-adjunto de Urbanismo e Licenciamento, José Armênio de Brito Cruz, disse que o aumento populacional não seria apenas uma das metas, mas uma forma de transformar a região. “Qual o objetivo? É colocar mais gente morando perto do centro. E como vamos transformar esse território? Colocando gente morando perto do centro”, disse.
O aumento populacional é previsto por meio do leilão dos créditos construtivos. O coeficiente de aproveitamento (quantas vezes a área construída pode ser maior que a metragem do terreno) varia conforme subdivisões feitas pelo projeto, de modo a incentivar mais a verticalização no entorno da Avenida Teresa Cristina, por exemplo, e restringi-la nas proximidades da Avenida Henry Ford (a fim de manter parte das atividades industriais).
Na Câmara, o projeto passou por modificações. A versão mais recente, publicada na quarta-feira, 13, tem relatoria de Rodrigo Goulart (PSD). O vereador tem destacado que as mudanças são voltadas especialmente a alinhar a proposta às revisões da Lei de Zoneamento (recém-aprovada em 1ª votação) e do Plano Diretor (promulgada pelo prefeito em julho), textos em que ele também atuou como relator.
Goulart também tem citado o que considera uma alta vacância de imóveis no perímetro da operação urbana. No projeto, há incentivos municipais atraentes especialmente para a construção de prédios altos com apartamentos nos imóveis alcançados por um raio de 400 m das estações de metrô e trem e de 200 m do Expresso Tiradentes (o fura fila) — repetindo a lógica do zoneamento e do Plano Diretor, de adensamento nos “eixos”, a fim de aumentar a população que vive perto e utiliza o transporte coletivo de média e alta capacidade.
O projeto indica alguns perfis de empreendimentos desestimulados e vedados (como cercados por muros) e incentivados (com comércio no térreo, por exemplo). Os benefícios e exigências dependem da localização e porte das construções.
O que dizem sobre a operação urbana
O Estadão entrevistou três nomes de diferentes áreas e pontos de vista para comentar sobre a proposta: Eduardo Della Manna, coordenador executivo da vice-presidência de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP (que representa o mercado imobiliário); Andréa Tourinho, professora de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas e pesquisadora com artigos publicados sobre essa operação urbana; e Dafne Sena, covereadora da Bancada Feminista (PSOL), que faz oposição à gestão Nunes na Câmara.
O representante do Secovi-SP avalia que o projeto teve uma tramitação morosa na Câmara (oito anos), que prejudicou o desenvolvimento da região. “Deveria estar na rua faz tempo”, declara. Por outro lado, diz que a operação urbana é bem vinda para fomentar a transformação na região e desafogar a concentração da verticalização em algumas áreas mais valorizadas da cidade.
Além disso, critica especialmente as restrições construtivas no setor da Henry Ford, ao defender que deveria ter também regras e incentivos para uma maior verticalização (em vez de uma orientação para manter um uso mais industrial) e estímulo ao uso misto (que alia residencial e não residencial). “Para outros setores, esse substitutivo estabeleceu coeficientes até que melhores, mas, no Henry Ford (onde há grande volume de galpões), é muito pouco, e é o que mais carece de transformação”, avalia.
Já a urbanista tem opinião oposta: ela destaca, inclusive, que uma parte do setor Henry Ford terá incentivos para prédios altos (no entorno da Estação Ipiranga, da CPTM). “É onde se concentra a maioria dos galpões dessa área. As indústrias que ainda funcionam podem ser totalmente expulsas pelo mercado imobiliário”, avalia.
Para ela, os raios de abrangência dos incentivos a prédios altos não deveriam ser estabelecidos em uma regra geral, mas discutidos caso a caso, a partir de uma análise das características de cada local. “O adensamento pode ser bem vindo, mas não se pode tratar dessa forma abstrata”, explica.
Já a covereadora critica a tramitação mais recente do projeto na Câmara, com uma audiência pública neste ano, enquanto as demais foram promovidas entre 2016 e 2021. Goulart tem dito que o projeto foi “massivamente” discutido na casa e que as alterações recentes são mais para a compatibilização com as mudanças aprovadas e em tramitação na legislação urbanística.
Ela também defende o desenvolvimento de estudos de impacto ambiental adicionais, por envolver uma área com histórico de inundações. Além disso, considera que o projeto é demasiadamente “rodoviarista”, por listar uma série de obras em vias para automóveis, e “genérico” ao tratar de atendimento habitacional. “Não diz quantas habitações serão produzidas, nem onde, não diz número remoções”, argumenta.
Em 2016, um estudo do LabCidade da USP e da ONG Peabiru identificou que o número de moradias precárias era superior ao previsto pelo poder público à época, chegando a 892 imóveis, dentre cortiços (principalmente), habitações em favelas e outros, nos perímetros de adesão e expandido da operação urbana. Os pesquisadores então falavam em um “subdimensionamento” do problema habitacional para atender a uma população altamente vulnerável.
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