A Justiça de São Paulo executou nesta terça-feira, 7, a reintegração de posse de uma casa da Rua Estados Unidos, no Jardim Paulista, bairro de alto padrão da zona oeste da capital paulista. A casa, de propriedade de uma empresa da área da saúde, foi invadida em 13 de fevereiro, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP). Seis famílias, incluindo crianças, moravam no local.
Conforme os proprietários, que preferem não ser identificados, a residência estava à venda quando foi invadida. Eles dizem, por meio de sua assessoria, que os invasores chegaram a pedir R$ 10 mil para deixar a casa.
A Polícia Civil de São Paulo afirma investigar a invasão. As famílias que estavam no espaço alegaram à reportagem que requisitaram apenas ajuda para arcar com custos do aluguel para uma futura moradia, o que não foi acatado pelos proprietários.
Reportagens do Estadão mostraram que casas desocupadas do bairros do Pacaembu, Perdizes e Barra Funda, também na zona oeste, têm sofrido com uma onda de invasões. Ao menos cinco ocorrências do crime de alteração de limites foram registradas no 23º Distrito Policial (Perdizes) de janeiro a abril.
Segundo o artigo 161 do Código Penal, é crime “suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia”. A pena prevista é de detenção de um a seis meses, além de multa.
A solicitação de dinheiro já tinha sido feito pelos ocupantes da casa em outras ocasiões no contato com PMs e donos do imóvel.
“Eles (os invasores) pediram ajuda pecuniária para se manterem na forma de aluguel, em outro local, até encontrarem um lugar para ficar”, disse o tenente da Polícia Militar, Ricardo Martins, que coordenou a reintegração nesta terça-feira.
Os invasores também apresentaram a mesma justificativa quando questionados pela reportagem.
“Em conversa com um dos invasores, foi solicitada a saída do imóvel, porém, durante procedimento de retirada dos pertences, um indivíduo, o qual se identificou como líder, chegou ao imóvel com outras pessoas, sendo mulheres e crianças, os quais relutaram para deixar o local, solicitando o pagamento de três alugueres (aluguéis) para deixar a residência”, informa o histórico do boletim de ocorrência, ao qual a reportagem teve acesso.
A SSP disse, em nota, que a “Polícia Civil investiga um caso de alteração de limites, ocorrido em 13 de fevereiro deste ano, na Rua Estados Unidos, no Jardim Paulista, região central de São Paulo”, sem citar o relato de extorsão.
Conforme a pasta, um funcionário da empresa responsável pelo imóvel foi ao 78º DP (Jardins) e declarou que pessoas teriam entrado na casa “com o objetivo de estabelecer moradia”. A polícia chegou a ir ao local pedir pela saída dos supostos invasores, mas os ocupantes teriam resistido à abordagem.
Em sites de venda de imóveis na internet, um anúncio informa que a casa invadida tem nove quartos, dois pavimentos, um terraço e uma edícula nos fundos. A área do espaço é de 403 m², e o imóvel está avaliado em R$ 4,09 milhões, e com IPTU de R$ 53.663.
Reintegração de posse
A saída das famílias ocorre dias depois de os proprietários moverem ação na Justiça pedindo a reintegração da casa. A juíza Clara Lacerda de Almeida Barros, da 14ª Vara Cível de São Paulo, deferiu o pedido. Na decisão, ela disse que o imóvel vinha sendo ocupado por poucas pessoas e dispensou a necessidade de atuação do Grupo de Apoio às Ordens de Reintegração de Posse (Gaorp).
A reintegração foi executada no início da tarde desta terça e o Estadão esteve no local para acompanhar a ação. O oficial de Justiça precisou pedir ajuda da Polícia Militar para conduzir a saída das famílias. Mais de 10 agentes, em cinco viaturas, compareceram ao endereço.
As famílias demonstraram revolta, mas acataram a decisão. Alguns ficaram se perguntando para onde iam, enquanto outros afirmavam estar doentes e que não podiam ir para as ruas por motivos de saúde.
À reportagem, eles afirmaram que estavam em seis famílias, incluindo seis crianças, mas apenas uma estava na casa na tarde desta terça - as outras, segundo os invasores, estariam na escola.
O número de pessoas na casa variou nesses meses de ocupação irregular, segundo o oficial de justiça que acompanhou a situação. Um casal de argentinos chegou para viver no imóvel cerca de duas semanas atrás.
A reportagem apurou que uma das famílias, da Argentina, passou a viver na casa recentemente, a menos de três semanas.
Os invasores dizem não fazer parte de movimento social por moradia. E afirmam que, antes de tomarem a casa da Estados Unidos, o imóvel já estava tomado por usuários de drogas. “A gente chegou e expulsou eles para morar aqui. Ninguém aqui usa drogas”, afirmou ao Estadão uma das invasoras, que disse estar desempregada.
O imóvel tem dois pavimentos e uma edícula nos fundos. O local, que foi acessado pela reportagem, apresentava salas com odor forte e muitos entulhos, incluindo paredes e teto rachados. Em outros cômodos, mais organizados, foram vistos brinquedos, carrinho de bebê, roupas no varal, uma cozinha adaptada com um fogão portátil e até uma televisão.
Os pertences das famílias foram levados por um caminhão de mudança para um depósito privado, pago pelos proprietários da empresa. “As famílias ficam encarregadas de ir ao local e retirar esses pertences”, disse o tenente Martins.
Outros invasores, que não quiseram ter os objetos levados ao depósito, optaram por carregar os próprios bens em carrinhos de supermercado e amontoados dentro de sacos de sanito.
Questionados, a Prefeitura de São Paulo e o Ministério Público do Estado informaram que não foram acionados pela Justiça para acompanhar o caso.
No Jardins, trabalhadores da Rua Estados Unidos disseram à reportagem que chegaram a escutar barulhos de brigas na casa invadida e relataram que crianças que vivem no imóvel costumavam entrar nos escritórios do entorno para pedir por água e café. Segundo eles, algumas vendiam doces e panos de prato na rua.
Orientação é acionar o 190, diz presidente do Conseg
Presidente do Conselho de Segurança (Conseg) do Jardins, Rodrigo Salles diz que a comunidade está atenta para crimes desse tipo. A orientação, afirma, é acionar o 190 e a Polícia Militar no caso de movimentações suspeitas.
“Além de orientar os moradores, ficamos de olho nos imóveis mais vulneráveis, que estão à venda, para locação ou que já foram comercializados, mas esperando alguma autorização para reforma ou demolição”, afirma o presidente do Conseg, que também cita a demora para resolver esse tipo de problema.
A depender do tempo em que o imóvel está ocupado, a Polícia Militar não tem o poder de colocar os invasores para fora da casa. Para conseguir a reintegração de posse, os donos precisam acionar a Justiça e provar ao juiz que são proprietários do espaço e que o local não foi abandonado. Esse processo, porém, pode demorar dias.
“De forma preventiva, a gente pede para que as pessoas nos informem quais são os imóveis mais vulneráveis para que o Conseg entre em contato com os proprietários e peça a eles que reforcem a segurança para evitar uma possível invasão”, diz Salles.
Invasões na zona oeste atingem sobrados e prédio inacabado
A onda de invasões em imóveis como Pacaembu, Barra Funda e Perdizes têm mobilizado proprietários a reforçarem a segurança. Na Rua Apiacás, na esquina com a Rua Ministro Gastão Mesquita, uma invasão ocorreu em um prédio inacabado de oito andares no mês passado.
Duas casas na mesma rua, a Heitor de Morais, também sofreram com invasões - uma delas foi desocupada logo em seguida. O 23º Distrito Policial (Perdizes) investiga se há relação entre os casos.