Líder do MTST, Boulos é detido em reintegração na zona leste


Local abrigava 700 famílias havia mais de um ano - policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e jato d'água durante ação

Por Luiz Fernando Toledo
O líder do MTST, Guilherme Boulos, durante reintegração deposse em terreno em São Mateus, na zona leste de São Paulo, um pouco antes de ser detido pela PM Foto: Peter Leone / Futura Press

O coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi detido pela Polícia Militar após reintegração de posse de um terreno particular na Rua André de Almeida, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, na manhã desta terça-feira, 17. Segundo o MTST, ao menos 700 famílias moravam no local, conhecido como Ocupação Colonial. Além dele, José Ferreira Lima, morador do terreno, também foi levado para a delegacia. Ambos assinaram Termo Circunstanciado e foram liberados no fim do dia.

A reintegração de posse, que havia sido pedida ainda em 2015 pelo proprietário do terreno, foi cumprida no início da manhã e marcada pelo conflito entre os sem-teto e os policiais. De um lado, manifestantes atiraram pedras e tijolos – a polícia alega que também houve rojões. Eles aguardaram a chegada da polícia desde a madrugada e montaram uma barricada com pneus e sofás. Já a Tropa de Choque reagiu com o uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta e jato d’água. 

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Boulos foi detido sob as acusações de desobediência e incitação à violência. Questionado sobre as provas da conduta do líder do MTST, a polícia informou que o delegado José Francisco Rodrigues Filho, do 49.º DP, justificou a prisão com a teoria do domínio do fato. “Verifica-se que o autor (Boulos), pela sua notoriedade e ativa participação nas ações do movimentos populares (...), possui forte influência nas pessoas que destes participam”, escreveu.

O delegado prosseguiu afirmando que, embora Boulos não fosse líder da invasão, foi chamado pelos manifestantes para representá-los. “Daí verifica-se que por possuir essa representatividade, poderia sim Guilherme, caso fosse realmente de seu interesse, senão impedido, ao menos minorado a reação dos manifestantes.” O delegado então diz que “a este tipo de comportamento por parte de Guilherme, modernamente a doutrina o tem inserido na chamada teoria do domínio do fato”.

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O major Rogério Calderari, que esteve à frente da ação, disse que o líder do MTST “usou seu nível sociocultural para ganhar pessoas e incentivá-las a arremessar coisas contra a polícia”. De acordo com ele, o grupo de policiais foi recebido a pedradas. “Feriram a perna de um dos nossos policiais que estava de escudo balístico. Ele (Boulos) está colocando em risco a vida de pessoas”, disse o major.

Depois de chegar ao 49.º DP, o líder dos sem-teto rebateu as acusações e disse que a prisão foi “eminentemente política”. “Não há nenhum motivo razoável. Eu fui lá negociar para evitar que houvesse a reintegração. Foi uma prisão evidentemente política”, afirmou.

Boulos ressaltou que pediu ao oficial de Justiça que esperasse o julgamento de uma manifestação do Ministério Público Estadual (MPE), que pediu a revisão da reintegração de posse, uma vez que as famílias, que lá moravam desde 2015, não estariam cadastradas na fila de moradia social da Prefeitura. “Fui negociar com o oficial de Justiça. Ele estava presente para oficiar que o Ministério Público havia pedido a suspensão da reintegração ontem (segunda-feira) e o juiz ainda não tinha julgado. E (fui falar) que seria razoável eles esperarem o resultado antes de reintegrar as pessoas. Foi o que eu disse para eles”, afirmou Boulos. “Se isso é incitação à violência, então eu incitei a violência.”

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Boulos disse ainda que o policial que o deteve teria mencionado outras manifestações do MTST ao ser questionado sobre o motivo da prisão, “especialmente” o conflito que aconteceu em um ato na frente da casa do presidente Michel Temer, em 2016. “O capitão da Tropa de Choque, quando me deteve, e perguntei a ele o motivo, disse ‘incitação à violência, outros crimes’ e se referiu a outras manifestações do movimento, em especial uma na frente da casa do Temer, na ocasião em que houve um conflito com o MTST.”

Resistência. A Secretaria da Segurança Pública informou que “após tentativa de negociação com as famílias”, sem acordo, os moradores resistiram, “arremessando pedras, tijolos, rojões e montando três barricadas com fogo”. Um PM ficou ferido e duas viaturas foram danificadas. O Estado não localizou o dono da área invadida. O TJ informou que o pedido do MPE foi negado. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) publicou no Twitter crítica à prisão. “É inaceitável. Os movimentos sociais devem ter garantidos a liberdade e os direitos sociais.”

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Especialistas veem uso ‘controverso’

O uso da teoria do domínio do fato para a detenção de Guilherme Boulos foi recebido com críticas por especialistas e policiais. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rubens Glezer disse haver um “exagero perigoso” no uso desse entendimento jurídico. Para ele, a teoria deveria se reservar “especialmente a atos criminosos que ocorrem em uma estrutural organizacional rígida e hierárquica, ou no qual o ato não teria como deixar de ser praticado sem a ordem ou aval de determinada pessoa”. 

“No caso, a polícia aplicou a teoria por considerar Boulos influente, ou seja, por ser uma liderança em movimentos sociais. É preocupante que se equipare esses movimentos a organizações criminosas”, disse.

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O coronel da reserva da PM José Vicente da Silva disse que o conceito jurídico é “controverso”. “Isso é um aspecto talvez a ser abordado em uma decisão judicial. Não me parece o caso de um delegado apontar a teoria no boletim de ocorrência.” Ele sustentou que a configuração do crime de desobediência deve ser objetiva, diante de uma ordem legal. “Há uma ordem clara sobre o que deve ser feito, que é a reintegração de posse. Obstruir a entrada de equipes policiais, por exemplo, configura desobediência de forma objetiva a essa determinação. É bem verdade que, por a resistência ser esperada, a PM aguenta uma série de situações quando já haveria previsão de prisão.”

Glezer diz ser “extremamente perigosa” a ideia de que o crime de desobediência ocorre sempre que um particular opõe qualquer resistência à ação policial. “Essa interpretação funciona em sacrifício da liberdade de expressão e manifestação.” / BRUNO RIBEIRO E MARCO ANTONIO CARVALHO

O líder do MTST, Guilherme Boulos, durante reintegração deposse em terreno em São Mateus, na zona leste de São Paulo, um pouco antes de ser detido pela PM Foto: Peter Leone / Futura Press

O coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi detido pela Polícia Militar após reintegração de posse de um terreno particular na Rua André de Almeida, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, na manhã desta terça-feira, 17. Segundo o MTST, ao menos 700 famílias moravam no local, conhecido como Ocupação Colonial. Além dele, José Ferreira Lima, morador do terreno, também foi levado para a delegacia. Ambos assinaram Termo Circunstanciado e foram liberados no fim do dia.

A reintegração de posse, que havia sido pedida ainda em 2015 pelo proprietário do terreno, foi cumprida no início da manhã e marcada pelo conflito entre os sem-teto e os policiais. De um lado, manifestantes atiraram pedras e tijolos – a polícia alega que também houve rojões. Eles aguardaram a chegada da polícia desde a madrugada e montaram uma barricada com pneus e sofás. Já a Tropa de Choque reagiu com o uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta e jato d’água. 

Boulos foi detido sob as acusações de desobediência e incitação à violência. Questionado sobre as provas da conduta do líder do MTST, a polícia informou que o delegado José Francisco Rodrigues Filho, do 49.º DP, justificou a prisão com a teoria do domínio do fato. “Verifica-se que o autor (Boulos), pela sua notoriedade e ativa participação nas ações do movimentos populares (...), possui forte influência nas pessoas que destes participam”, escreveu.

O delegado prosseguiu afirmando que, embora Boulos não fosse líder da invasão, foi chamado pelos manifestantes para representá-los. “Daí verifica-se que por possuir essa representatividade, poderia sim Guilherme, caso fosse realmente de seu interesse, senão impedido, ao menos minorado a reação dos manifestantes.” O delegado então diz que “a este tipo de comportamento por parte de Guilherme, modernamente a doutrina o tem inserido na chamada teoria do domínio do fato”.

O major Rogério Calderari, que esteve à frente da ação, disse que o líder do MTST “usou seu nível sociocultural para ganhar pessoas e incentivá-las a arremessar coisas contra a polícia”. De acordo com ele, o grupo de policiais foi recebido a pedradas. “Feriram a perna de um dos nossos policiais que estava de escudo balístico. Ele (Boulos) está colocando em risco a vida de pessoas”, disse o major.

Depois de chegar ao 49.º DP, o líder dos sem-teto rebateu as acusações e disse que a prisão foi “eminentemente política”. “Não há nenhum motivo razoável. Eu fui lá negociar para evitar que houvesse a reintegração. Foi uma prisão evidentemente política”, afirmou.

Boulos ressaltou que pediu ao oficial de Justiça que esperasse o julgamento de uma manifestação do Ministério Público Estadual (MPE), que pediu a revisão da reintegração de posse, uma vez que as famílias, que lá moravam desde 2015, não estariam cadastradas na fila de moradia social da Prefeitura. “Fui negociar com o oficial de Justiça. Ele estava presente para oficiar que o Ministério Público havia pedido a suspensão da reintegração ontem (segunda-feira) e o juiz ainda não tinha julgado. E (fui falar) que seria razoável eles esperarem o resultado antes de reintegrar as pessoas. Foi o que eu disse para eles”, afirmou Boulos. “Se isso é incitação à violência, então eu incitei a violência.”

Boulos disse ainda que o policial que o deteve teria mencionado outras manifestações do MTST ao ser questionado sobre o motivo da prisão, “especialmente” o conflito que aconteceu em um ato na frente da casa do presidente Michel Temer, em 2016. “O capitão da Tropa de Choque, quando me deteve, e perguntei a ele o motivo, disse ‘incitação à violência, outros crimes’ e se referiu a outras manifestações do movimento, em especial uma na frente da casa do Temer, na ocasião em que houve um conflito com o MTST.”

Resistência. A Secretaria da Segurança Pública informou que “após tentativa de negociação com as famílias”, sem acordo, os moradores resistiram, “arremessando pedras, tijolos, rojões e montando três barricadas com fogo”. Um PM ficou ferido e duas viaturas foram danificadas. O Estado não localizou o dono da área invadida. O TJ informou que o pedido do MPE foi negado. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) publicou no Twitter crítica à prisão. “É inaceitável. Os movimentos sociais devem ter garantidos a liberdade e os direitos sociais.”

Especialistas veem uso ‘controverso’

O uso da teoria do domínio do fato para a detenção de Guilherme Boulos foi recebido com críticas por especialistas e policiais. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rubens Glezer disse haver um “exagero perigoso” no uso desse entendimento jurídico. Para ele, a teoria deveria se reservar “especialmente a atos criminosos que ocorrem em uma estrutural organizacional rígida e hierárquica, ou no qual o ato não teria como deixar de ser praticado sem a ordem ou aval de determinada pessoa”. 

“No caso, a polícia aplicou a teoria por considerar Boulos influente, ou seja, por ser uma liderança em movimentos sociais. É preocupante que se equipare esses movimentos a organizações criminosas”, disse.

O coronel da reserva da PM José Vicente da Silva disse que o conceito jurídico é “controverso”. “Isso é um aspecto talvez a ser abordado em uma decisão judicial. Não me parece o caso de um delegado apontar a teoria no boletim de ocorrência.” Ele sustentou que a configuração do crime de desobediência deve ser objetiva, diante de uma ordem legal. “Há uma ordem clara sobre o que deve ser feito, que é a reintegração de posse. Obstruir a entrada de equipes policiais, por exemplo, configura desobediência de forma objetiva a essa determinação. É bem verdade que, por a resistência ser esperada, a PM aguenta uma série de situações quando já haveria previsão de prisão.”

Glezer diz ser “extremamente perigosa” a ideia de que o crime de desobediência ocorre sempre que um particular opõe qualquer resistência à ação policial. “Essa interpretação funciona em sacrifício da liberdade de expressão e manifestação.” / BRUNO RIBEIRO E MARCO ANTONIO CARVALHO

O líder do MTST, Guilherme Boulos, durante reintegração deposse em terreno em São Mateus, na zona leste de São Paulo, um pouco antes de ser detido pela PM Foto: Peter Leone / Futura Press

O coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi detido pela Polícia Militar após reintegração de posse de um terreno particular na Rua André de Almeida, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, na manhã desta terça-feira, 17. Segundo o MTST, ao menos 700 famílias moravam no local, conhecido como Ocupação Colonial. Além dele, José Ferreira Lima, morador do terreno, também foi levado para a delegacia. Ambos assinaram Termo Circunstanciado e foram liberados no fim do dia.

A reintegração de posse, que havia sido pedida ainda em 2015 pelo proprietário do terreno, foi cumprida no início da manhã e marcada pelo conflito entre os sem-teto e os policiais. De um lado, manifestantes atiraram pedras e tijolos – a polícia alega que também houve rojões. Eles aguardaram a chegada da polícia desde a madrugada e montaram uma barricada com pneus e sofás. Já a Tropa de Choque reagiu com o uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta e jato d’água. 

Boulos foi detido sob as acusações de desobediência e incitação à violência. Questionado sobre as provas da conduta do líder do MTST, a polícia informou que o delegado José Francisco Rodrigues Filho, do 49.º DP, justificou a prisão com a teoria do domínio do fato. “Verifica-se que o autor (Boulos), pela sua notoriedade e ativa participação nas ações do movimentos populares (...), possui forte influência nas pessoas que destes participam”, escreveu.

O delegado prosseguiu afirmando que, embora Boulos não fosse líder da invasão, foi chamado pelos manifestantes para representá-los. “Daí verifica-se que por possuir essa representatividade, poderia sim Guilherme, caso fosse realmente de seu interesse, senão impedido, ao menos minorado a reação dos manifestantes.” O delegado então diz que “a este tipo de comportamento por parte de Guilherme, modernamente a doutrina o tem inserido na chamada teoria do domínio do fato”.

O major Rogério Calderari, que esteve à frente da ação, disse que o líder do MTST “usou seu nível sociocultural para ganhar pessoas e incentivá-las a arremessar coisas contra a polícia”. De acordo com ele, o grupo de policiais foi recebido a pedradas. “Feriram a perna de um dos nossos policiais que estava de escudo balístico. Ele (Boulos) está colocando em risco a vida de pessoas”, disse o major.

Depois de chegar ao 49.º DP, o líder dos sem-teto rebateu as acusações e disse que a prisão foi “eminentemente política”. “Não há nenhum motivo razoável. Eu fui lá negociar para evitar que houvesse a reintegração. Foi uma prisão evidentemente política”, afirmou.

Boulos ressaltou que pediu ao oficial de Justiça que esperasse o julgamento de uma manifestação do Ministério Público Estadual (MPE), que pediu a revisão da reintegração de posse, uma vez que as famílias, que lá moravam desde 2015, não estariam cadastradas na fila de moradia social da Prefeitura. “Fui negociar com o oficial de Justiça. Ele estava presente para oficiar que o Ministério Público havia pedido a suspensão da reintegração ontem (segunda-feira) e o juiz ainda não tinha julgado. E (fui falar) que seria razoável eles esperarem o resultado antes de reintegrar as pessoas. Foi o que eu disse para eles”, afirmou Boulos. “Se isso é incitação à violência, então eu incitei a violência.”

Boulos disse ainda que o policial que o deteve teria mencionado outras manifestações do MTST ao ser questionado sobre o motivo da prisão, “especialmente” o conflito que aconteceu em um ato na frente da casa do presidente Michel Temer, em 2016. “O capitão da Tropa de Choque, quando me deteve, e perguntei a ele o motivo, disse ‘incitação à violência, outros crimes’ e se referiu a outras manifestações do movimento, em especial uma na frente da casa do Temer, na ocasião em que houve um conflito com o MTST.”

Resistência. A Secretaria da Segurança Pública informou que “após tentativa de negociação com as famílias”, sem acordo, os moradores resistiram, “arremessando pedras, tijolos, rojões e montando três barricadas com fogo”. Um PM ficou ferido e duas viaturas foram danificadas. O Estado não localizou o dono da área invadida. O TJ informou que o pedido do MPE foi negado. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) publicou no Twitter crítica à prisão. “É inaceitável. Os movimentos sociais devem ter garantidos a liberdade e os direitos sociais.”

Especialistas veem uso ‘controverso’

O uso da teoria do domínio do fato para a detenção de Guilherme Boulos foi recebido com críticas por especialistas e policiais. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rubens Glezer disse haver um “exagero perigoso” no uso desse entendimento jurídico. Para ele, a teoria deveria se reservar “especialmente a atos criminosos que ocorrem em uma estrutural organizacional rígida e hierárquica, ou no qual o ato não teria como deixar de ser praticado sem a ordem ou aval de determinada pessoa”. 

“No caso, a polícia aplicou a teoria por considerar Boulos influente, ou seja, por ser uma liderança em movimentos sociais. É preocupante que se equipare esses movimentos a organizações criminosas”, disse.

O coronel da reserva da PM José Vicente da Silva disse que o conceito jurídico é “controverso”. “Isso é um aspecto talvez a ser abordado em uma decisão judicial. Não me parece o caso de um delegado apontar a teoria no boletim de ocorrência.” Ele sustentou que a configuração do crime de desobediência deve ser objetiva, diante de uma ordem legal. “Há uma ordem clara sobre o que deve ser feito, que é a reintegração de posse. Obstruir a entrada de equipes policiais, por exemplo, configura desobediência de forma objetiva a essa determinação. É bem verdade que, por a resistência ser esperada, a PM aguenta uma série de situações quando já haveria previsão de prisão.”

Glezer diz ser “extremamente perigosa” a ideia de que o crime de desobediência ocorre sempre que um particular opõe qualquer resistência à ação policial. “Essa interpretação funciona em sacrifício da liberdade de expressão e manifestação.” / BRUNO RIBEIRO E MARCO ANTONIO CARVALHO

O líder do MTST, Guilherme Boulos, durante reintegração deposse em terreno em São Mateus, na zona leste de São Paulo, um pouco antes de ser detido pela PM Foto: Peter Leone / Futura Press

O coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi detido pela Polícia Militar após reintegração de posse de um terreno particular na Rua André de Almeida, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, na manhã desta terça-feira, 17. Segundo o MTST, ao menos 700 famílias moravam no local, conhecido como Ocupação Colonial. Além dele, José Ferreira Lima, morador do terreno, também foi levado para a delegacia. Ambos assinaram Termo Circunstanciado e foram liberados no fim do dia.

A reintegração de posse, que havia sido pedida ainda em 2015 pelo proprietário do terreno, foi cumprida no início da manhã e marcada pelo conflito entre os sem-teto e os policiais. De um lado, manifestantes atiraram pedras e tijolos – a polícia alega que também houve rojões. Eles aguardaram a chegada da polícia desde a madrugada e montaram uma barricada com pneus e sofás. Já a Tropa de Choque reagiu com o uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta e jato d’água. 

Boulos foi detido sob as acusações de desobediência e incitação à violência. Questionado sobre as provas da conduta do líder do MTST, a polícia informou que o delegado José Francisco Rodrigues Filho, do 49.º DP, justificou a prisão com a teoria do domínio do fato. “Verifica-se que o autor (Boulos), pela sua notoriedade e ativa participação nas ações do movimentos populares (...), possui forte influência nas pessoas que destes participam”, escreveu.

O delegado prosseguiu afirmando que, embora Boulos não fosse líder da invasão, foi chamado pelos manifestantes para representá-los. “Daí verifica-se que por possuir essa representatividade, poderia sim Guilherme, caso fosse realmente de seu interesse, senão impedido, ao menos minorado a reação dos manifestantes.” O delegado então diz que “a este tipo de comportamento por parte de Guilherme, modernamente a doutrina o tem inserido na chamada teoria do domínio do fato”.

O major Rogério Calderari, que esteve à frente da ação, disse que o líder do MTST “usou seu nível sociocultural para ganhar pessoas e incentivá-las a arremessar coisas contra a polícia”. De acordo com ele, o grupo de policiais foi recebido a pedradas. “Feriram a perna de um dos nossos policiais que estava de escudo balístico. Ele (Boulos) está colocando em risco a vida de pessoas”, disse o major.

Depois de chegar ao 49.º DP, o líder dos sem-teto rebateu as acusações e disse que a prisão foi “eminentemente política”. “Não há nenhum motivo razoável. Eu fui lá negociar para evitar que houvesse a reintegração. Foi uma prisão evidentemente política”, afirmou.

Boulos ressaltou que pediu ao oficial de Justiça que esperasse o julgamento de uma manifestação do Ministério Público Estadual (MPE), que pediu a revisão da reintegração de posse, uma vez que as famílias, que lá moravam desde 2015, não estariam cadastradas na fila de moradia social da Prefeitura. “Fui negociar com o oficial de Justiça. Ele estava presente para oficiar que o Ministério Público havia pedido a suspensão da reintegração ontem (segunda-feira) e o juiz ainda não tinha julgado. E (fui falar) que seria razoável eles esperarem o resultado antes de reintegrar as pessoas. Foi o que eu disse para eles”, afirmou Boulos. “Se isso é incitação à violência, então eu incitei a violência.”

Boulos disse ainda que o policial que o deteve teria mencionado outras manifestações do MTST ao ser questionado sobre o motivo da prisão, “especialmente” o conflito que aconteceu em um ato na frente da casa do presidente Michel Temer, em 2016. “O capitão da Tropa de Choque, quando me deteve, e perguntei a ele o motivo, disse ‘incitação à violência, outros crimes’ e se referiu a outras manifestações do movimento, em especial uma na frente da casa do Temer, na ocasião em que houve um conflito com o MTST.”

Resistência. A Secretaria da Segurança Pública informou que “após tentativa de negociação com as famílias”, sem acordo, os moradores resistiram, “arremessando pedras, tijolos, rojões e montando três barricadas com fogo”. Um PM ficou ferido e duas viaturas foram danificadas. O Estado não localizou o dono da área invadida. O TJ informou que o pedido do MPE foi negado. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) publicou no Twitter crítica à prisão. “É inaceitável. Os movimentos sociais devem ter garantidos a liberdade e os direitos sociais.”

Especialistas veem uso ‘controverso’

O uso da teoria do domínio do fato para a detenção de Guilherme Boulos foi recebido com críticas por especialistas e policiais. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rubens Glezer disse haver um “exagero perigoso” no uso desse entendimento jurídico. Para ele, a teoria deveria se reservar “especialmente a atos criminosos que ocorrem em uma estrutural organizacional rígida e hierárquica, ou no qual o ato não teria como deixar de ser praticado sem a ordem ou aval de determinada pessoa”. 

“No caso, a polícia aplicou a teoria por considerar Boulos influente, ou seja, por ser uma liderança em movimentos sociais. É preocupante que se equipare esses movimentos a organizações criminosas”, disse.

O coronel da reserva da PM José Vicente da Silva disse que o conceito jurídico é “controverso”. “Isso é um aspecto talvez a ser abordado em uma decisão judicial. Não me parece o caso de um delegado apontar a teoria no boletim de ocorrência.” Ele sustentou que a configuração do crime de desobediência deve ser objetiva, diante de uma ordem legal. “Há uma ordem clara sobre o que deve ser feito, que é a reintegração de posse. Obstruir a entrada de equipes policiais, por exemplo, configura desobediência de forma objetiva a essa determinação. É bem verdade que, por a resistência ser esperada, a PM aguenta uma série de situações quando já haveria previsão de prisão.”

Glezer diz ser “extremamente perigosa” a ideia de que o crime de desobediência ocorre sempre que um particular opõe qualquer resistência à ação policial. “Essa interpretação funciona em sacrifício da liberdade de expressão e manifestação.” / BRUNO RIBEIRO E MARCO ANTONIO CARVALHO

O líder do MTST, Guilherme Boulos, durante reintegração deposse em terreno em São Mateus, na zona leste de São Paulo, um pouco antes de ser detido pela PM Foto: Peter Leone / Futura Press

O coordenador-geral do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, foi detido pela Polícia Militar após reintegração de posse de um terreno particular na Rua André de Almeida, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, na manhã desta terça-feira, 17. Segundo o MTST, ao menos 700 famílias moravam no local, conhecido como Ocupação Colonial. Além dele, José Ferreira Lima, morador do terreno, também foi levado para a delegacia. Ambos assinaram Termo Circunstanciado e foram liberados no fim do dia.

A reintegração de posse, que havia sido pedida ainda em 2015 pelo proprietário do terreno, foi cumprida no início da manhã e marcada pelo conflito entre os sem-teto e os policiais. De um lado, manifestantes atiraram pedras e tijolos – a polícia alega que também houve rojões. Eles aguardaram a chegada da polícia desde a madrugada e montaram uma barricada com pneus e sofás. Já a Tropa de Choque reagiu com o uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta e jato d’água. 

Boulos foi detido sob as acusações de desobediência e incitação à violência. Questionado sobre as provas da conduta do líder do MTST, a polícia informou que o delegado José Francisco Rodrigues Filho, do 49.º DP, justificou a prisão com a teoria do domínio do fato. “Verifica-se que o autor (Boulos), pela sua notoriedade e ativa participação nas ações do movimentos populares (...), possui forte influência nas pessoas que destes participam”, escreveu.

O delegado prosseguiu afirmando que, embora Boulos não fosse líder da invasão, foi chamado pelos manifestantes para representá-los. “Daí verifica-se que por possuir essa representatividade, poderia sim Guilherme, caso fosse realmente de seu interesse, senão impedido, ao menos minorado a reação dos manifestantes.” O delegado então diz que “a este tipo de comportamento por parte de Guilherme, modernamente a doutrina o tem inserido na chamada teoria do domínio do fato”.

O major Rogério Calderari, que esteve à frente da ação, disse que o líder do MTST “usou seu nível sociocultural para ganhar pessoas e incentivá-las a arremessar coisas contra a polícia”. De acordo com ele, o grupo de policiais foi recebido a pedradas. “Feriram a perna de um dos nossos policiais que estava de escudo balístico. Ele (Boulos) está colocando em risco a vida de pessoas”, disse o major.

Depois de chegar ao 49.º DP, o líder dos sem-teto rebateu as acusações e disse que a prisão foi “eminentemente política”. “Não há nenhum motivo razoável. Eu fui lá negociar para evitar que houvesse a reintegração. Foi uma prisão evidentemente política”, afirmou.

Boulos ressaltou que pediu ao oficial de Justiça que esperasse o julgamento de uma manifestação do Ministério Público Estadual (MPE), que pediu a revisão da reintegração de posse, uma vez que as famílias, que lá moravam desde 2015, não estariam cadastradas na fila de moradia social da Prefeitura. “Fui negociar com o oficial de Justiça. Ele estava presente para oficiar que o Ministério Público havia pedido a suspensão da reintegração ontem (segunda-feira) e o juiz ainda não tinha julgado. E (fui falar) que seria razoável eles esperarem o resultado antes de reintegrar as pessoas. Foi o que eu disse para eles”, afirmou Boulos. “Se isso é incitação à violência, então eu incitei a violência.”

Boulos disse ainda que o policial que o deteve teria mencionado outras manifestações do MTST ao ser questionado sobre o motivo da prisão, “especialmente” o conflito que aconteceu em um ato na frente da casa do presidente Michel Temer, em 2016. “O capitão da Tropa de Choque, quando me deteve, e perguntei a ele o motivo, disse ‘incitação à violência, outros crimes’ e se referiu a outras manifestações do movimento, em especial uma na frente da casa do Temer, na ocasião em que houve um conflito com o MTST.”

Resistência. A Secretaria da Segurança Pública informou que “após tentativa de negociação com as famílias”, sem acordo, os moradores resistiram, “arremessando pedras, tijolos, rojões e montando três barricadas com fogo”. Um PM ficou ferido e duas viaturas foram danificadas. O Estado não localizou o dono da área invadida. O TJ informou que o pedido do MPE foi negado. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) publicou no Twitter crítica à prisão. “É inaceitável. Os movimentos sociais devem ter garantidos a liberdade e os direitos sociais.”

Especialistas veem uso ‘controverso’

O uso da teoria do domínio do fato para a detenção de Guilherme Boulos foi recebido com críticas por especialistas e policiais. O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rubens Glezer disse haver um “exagero perigoso” no uso desse entendimento jurídico. Para ele, a teoria deveria se reservar “especialmente a atos criminosos que ocorrem em uma estrutural organizacional rígida e hierárquica, ou no qual o ato não teria como deixar de ser praticado sem a ordem ou aval de determinada pessoa”. 

“No caso, a polícia aplicou a teoria por considerar Boulos influente, ou seja, por ser uma liderança em movimentos sociais. É preocupante que se equipare esses movimentos a organizações criminosas”, disse.

O coronel da reserva da PM José Vicente da Silva disse que o conceito jurídico é “controverso”. “Isso é um aspecto talvez a ser abordado em uma decisão judicial. Não me parece o caso de um delegado apontar a teoria no boletim de ocorrência.” Ele sustentou que a configuração do crime de desobediência deve ser objetiva, diante de uma ordem legal. “Há uma ordem clara sobre o que deve ser feito, que é a reintegração de posse. Obstruir a entrada de equipes policiais, por exemplo, configura desobediência de forma objetiva a essa determinação. É bem verdade que, por a resistência ser esperada, a PM aguenta uma série de situações quando já haveria previsão de prisão.”

Glezer diz ser “extremamente perigosa” a ideia de que o crime de desobediência ocorre sempre que um particular opõe qualquer resistência à ação policial. “Essa interpretação funciona em sacrifício da liberdade de expressão e manifestação.” / BRUNO RIBEIRO E MARCO ANTONIO CARVALHO

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