O projeto que eleva os limites de barulho em eventos e shows de grande porte em São Paulo, que deve ser votado na Câmara Municipal nesta terça-feira, 29, beneficia os grandes empreendedores de eventos da cidade sem trazer detalhes importantes, como a regulamentação dos grandes eventos ou estudos técnicos que justifiquem o aumento do barulho. Essa é a avaliação do promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, Jorge Mamede Masseran.
A votação definitiva do projeto na Câmara deve acontecer nesta terça-feira. Na primeira apreciação, o poder municipal aprovou um substitutivo que eleva de 55 para 85 decibéis a média de barulho em shows e grandes eventos. Diante da repercussão negativa, das críticas do Ministério Público, que considera a medida um “retrocesso”, os vereadores recuaram e diminuíram o teto para 75 decibéis. Isso não significa redução, mas elevação menos drástica. Pela proposta inicial, essa elevação seria de 30 decibéis, agora subiria 20 decibéis.
Em entrevista ao Estadão, o promotor afirma que deverá encaminhar uma representação ao Tribunal de Justiça alegando inconstitucionalidade da lei, caso ela seja aprovada.
Leia a entrevista.
Como o Ministério Público analisa o projeto de lei que está em discussão na Câmara Municipal e prevê a elevação do nível de ruído em shows e grandes eventos em São Paulo?
O projeto de lei é muito pobre de conteúdo. Ele não dispõe de um princípio de regulamentação sobre o que seriam grandes eventos. Também não é possível definir a partir de qual estatística social ou empresarial o prefeito mandou esse projeto de lei para Câmara. Nenhuma associação comercial ou associação da construção civil é citada. Além disso, não existe um estudo técnico. É um projeto de lei que veio do nada. Ninguém sabe a que interesse está servindo esse projeto.
Na última audiência pública, no dia 22, Fabricio Cobra Arbex, secretário municipal da Casa Civil, afirmou que o projeto regulamenta uma atividade que não estava regulamentada...
Se a Prefeitura parte da premissa de que existe uma questão que precisa ser regulamentada, coloque os atores sociais responsáveis por esses pedidos às claras para que a cada audiência pública da Câmara Municipal possa ser feita a negociação social em bases corretas.
Qual é o impacto que a aprovação dessa lei pode causar à cidade?
Essa aprovação pode gerar uma quantidade ainda mais alta de reclamações. Outra consequência é uma quebra de isonomia. Por exemplo, um bar não vai poder colocar música ao vivo porque será multado. Os grandes eventos terão a pecha da legitimidade. Eu vejo um favorecimento aos grandes empreendedores de eventos.
Quais as providências do Ministério Público se o projeto de lei for aprovado?
Se a lei for aprovada, vamos entrar com uma representação para o procurador-geral do Tribunal de Justiça pedindo a declaração da inconstitucionalidade dessa lei.
Qual é a argumentação para esse pedido de inconstitucionalidade?
Quem pode produzir Direito Ambiental no Brasil são os três níveis federativos: União, Estados e municípios. A lei municipal não pode inovar com relação à lei estadual e à lei federal, diminuindo a proteção ambiental. O município pode legislar desde que seja para manter o nível de proteção, da mesma forma que o nível estadual e a União, que legisla sobre normas gerais. A Norma Federal 10151, referência para ruídos permitidos, determina que o maior nível permitido de ruídos é de 55 decibéis.
Qual é a importância do tema poluição sonora dentro da Promotoria de Justiça Ambiental?
O total de investigações em andamento na Promotoria era de 1.647 até o dia 11 de novembro. Do total, cerca de 550 investigações em andamento são de poluição sonora. É praticamente um terço.
Dentre essas investigações, quantas são relacionadas aos grandes eventos?
A grande maioria é de estabelecimentos comerciais. Isso significa que cerca de 80% são de bares e restaurantes; 10% de pancadões e 10% de fontes diversas, entre elas, as arenas de shows.
Quais são as regiões mais barulhentas de São Paulo?
Não é possível determinar essa informação. A Câmara Municipal adiou em cinco anos o prazo para o município produzir o mapa de ruídos da cidade de São Paulo. Hoje, a cidade não possui nenhum levantamento sobre as regiões com maior barulho. Ele seria fundamental. Todas as políticas públicas no mundo são voltadas para reduzir os ruídos dentro e fora das casas. São Paulo não tem uma política pública de controle de combate e controle de ruído.
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Outro lado
Abraham Gurvitch, diretor de relacionamento com o mercado da Associação Brasileira das Empresas de Eventos em São Paulo (Abeoc), considera os níveis de ruído previstos na nova lei razoáveis. “No dia do jogo do Brasil, eu estava sozinho na minha sala, com a TV ligada, os picos do decibelímetro foram de 80 decibéis. Acho que está havendo um exagero. Os níveis da nova legislação são razoáveis. A sociedade evolui mais rápido que a regulamentação das atividades”, disse.
A Real Arenas, administradora do Allianz, não se manifestou. Na audiência pública do dia 26 de maio, Claudio Macedo, CEO da WTorre Entretenimento, afirmou que a lei deve ser discutida de forma ampla. “Gostaria de intimar o IPT e o PSIU a fazer esses levantamentos e estudos nos vários ativos que estão sendo discutidos porque me parece que só um ativo está sendo discutido na lei. Quando a gente ouve a população, a maioria das reclamações não é desse ativo. A maioria não é falando do Allianz Parque”, afirmou Macedo.
A GL Events, gestora do Distrito Anhembi, informou que não ia comentar. Na audiência do dia 28 de abril, Rodolfo Andrade, diretor da empresa, compartilhou dados de um estudo interno para mostrar o retorno econômico dos eventos para a cidade. “15% ficam no destino do evento, e os outros 85% estão na cidade, estão nos empregos, estão na hotelaria, nos bares, serviços e restaurantes.”
Procurada, a Prefeitura não comentou as críticas do promotor até a publicação deste texto.