Uma alteração na Lei de Zoneamento de São Paulo, que foi alvo de críticas de especialistas, passou a permitir a construção de prédios em áreas antes restritas a casas e pequenos imóveis em Alto de Pinheiros, como o Estadão revelou A alteração era reivindicada há anos pela Igreja Presbiteriana de Pinheiros (IPP), que poderá construir um megatemplo em uma “cabeceira de ponte” diante da Marginal do Pinheiros, em bairro nobre da zona oeste paulistana.
Com a sanção da mudança pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), em janeiro, os presbiterianos têm intensificado a expansão em seu entorno. Algumas casas vizinhas foram demolidas no fim de junho, com uso temporário como estacionamento e planos de instalação de uma tenda temporária.
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Projeto foi apresentado em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros em julho do ano passado
A alteração na lei motiva críticas por envolver uma mudança pontual (não em todas as vizinhanças com as mesmas características) e por estar em desacordo com as diretrizes da legislação urbana paulistana. Procuradas pelo Estadão, a Câmara e a Prefeitura dizem ter seguido critérios técnicos.
A principal associação de moradores do bairro procurou o Ministério Público de São Paulo. Ao Estadão, a Igreja disse que “só se manifestará após decisão da Justiça”. Após ser procurada pela reportagem, tirou do ar grande parte dos cultos transmitidos no último ano, antes disponíveis no YouTube e Facebook.
A IPP tem comprado imóveis vizinhos e de quadras adjacentes nos últimos anos. Em 2021, por exemplo, o braço missionário da igreja abriu um polo de ensino superior a distância, enquanto um novo colégio de “valores cristãos” será instalado temporariamente em algumas casas no ano que vem, até a conclusão do megatemplo.
Como é o projeto de megatemplo evangélico de Alto de Pinheiros?
Segundo apresentado em culto de julho do ano passado, o projeto é que o megatemplo ocupe um terreno de cerca de 5 mil m². A indicação é que tenha de 12 a 13 andares, com estacionamento subterrâneo, capela 24 horas, escola de ensino básico, praça de alimentação e quadras desportivas no topo, dentre outros espaços. A estimativa é que custe ao menos R$ 80 milhões, sem contar o que foi investido na compra dos imóveis vizinhos.
A previsão é que o megatemplo tenha cerca de 2,6 mil assentos na área de culto e 253 vagas de estacionamento. Ao todo, estão previstos 14,7 mil m² de área construída computável, além de 6,6 mil m² de área não computável (térreo, estacionamento etc). Hoje, o espaço de culto não consegue comportar todos os frequentadores em alguns períodos da semana.
“Será um marco para a história de São Paulo, porque nunca uma igreja cristã, evangélica, esteve na marginal. A marginal tem tudo, tem sambódromo, tem Anhembi, tem motel, tem C&A, tem shopping... Mas não tem uma igreja pregando a Bíblia, ensinando a palavra de Deus. E vai ter”, destacou o reverendo Arival Dias Casimiro durante culto em julho do ano passado.
Ele mencionou que seriam dois anos para a finalização e aprovação do projeto e cerca de quatros anos para a obra. A igreja fica entre a Rua Guerra Junqueiro, a Avenida Doutora Ruth Cardoso e a Praça Arcipreste Andelmo de Oli.
A Igreja Presbiteriana de Pinheiros (IPP) tem mais de 1,1 milhão de seguidores no YouTube. É a mais rica entre as integrantes da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), segundo balanço de 2023.
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Participação do prefeito de São Paulo em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros ocorreu nove dias após nova lei entrar em vigor
Igreja consegue mudar lei para construir megatemplo em Alto de Pinheiros e agradece a Nunes em culto
Um empreendimento desse porte era até então proibido naquela vizinhança, em grande parte restrita a construções baixas, de até 10 metros de altura. O megatemplo passou a ser viável após mudanças na Lei de Zoneamento pleiteadas pela Igreja, com aprovação pela Câmara em dezembro e sanção pela Prefeitura em janeiro.
Ao Estadão, a gestão Nunes disse que a mudança “buscou compatibilizar urbanisticamente o lote ao seu entorno, que apresenta características de zonas de centralidade”. Já o Legislativo afirmou não haver “impedimento técnico e legal” para a alteração. Acrescentou ter feito debate “amplo e transparente” para a revisar as normas.
Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção da lei que mudou o zoneamento, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da igreja.
A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Todos subiram ao púlpito e foram recebidos com hinos de gratidão. Procurada, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto.
Estava também um representante do vereador Isac Félix (PL), da bancada evangélica, autor da emenda que permitiu a revisão da lei para esse local. Procurado, Félix não se manifestou. O vereador havia justificado na emenda que aquela área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.
“Estamos aqui em uma jornada de gratidão. Agradecendo a Deus pelas bênçãos. Agradecendo a benção também do final do ano, da transformação do zoneamento daqui, desse local. E nós estamos com muita honra, muita alegria, recebendo autoridades aqui, inclusive nosso querido prefeito Nunes”, disse o pastor Arival. “Tudo foi feito tecnicamente, tudo foi feito corretamente, tudo foi feito conforme as leis e as argumentações técnicas”, continuou.
No culto, o prefeito também discursou. “Tem um time na Prefeitura de São Paulo que não é perfeito. Perfeito é só o Senhor, nosso Deus, mas que, com muita fé, com os princípios cristãos, está tocando essa cidade”, disse.
Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura. A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de maior porte.
Igreja tenta mudar zoneamento do entorno há anos; entenda
A Igreja Presbiteriana de Pinheiros pleiteia mudanças na sua vizinhança ao menos desde 2021, quando a Prefeitura revisava o Plano Diretor — lei que determina as diretrizes da Lei de Zoneamento. Essas são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, determinando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, os locais que receberão incentivos para a verticalização, as áreas de proteção ambiental etc.
Com a revisão do zoneamento na Câmara, no ano passado, Isac Félix apresentou a emenda que altera o entorno do templo. O documento traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, embora o conteúdo não faça menção direta ao templo religioso. A alteração foi incorporada à versão final do projeto de revisão, aprovada com 46 votos favoráveis, dos 55 vereadores.