SÃO PAULO - É preciso ficar “de olho no relógio” para tomar banho na casa da artista plástica Isabella Hohagen, de 47 anos, na zona sul da cidade de São Paulo. Moradora de Cidade Monções, ela se organiza diariamente para ir para o chuveiro antes das 22 horas. Ou fica sem água.
A situação não é excepcional: o Estado ouviu moradores das zonas sul, norte e oeste da capital paulista que enfrentam problemas no fornecimento de água todas as noites, há quatro anos. Grande parte mantém uma rotina típica de crise hídrica, mesmo após ela ter sido oficialmente encerrada em março de 2016. Além disso, o Sistema Cantareira está em estado de alerta há quase dois meses, com 34,3% da capacidade.
Na prática, a cada quatro minutos um morador da região metropolitana faz uma reclamação de falta d’água para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Isso significa 75.250 reclamações entre janeiro e julho, número menor do que o do mesmo período do ano passado (88.728) e durante o auge da crise (257.835, em 2015).
Em geral, a água começa a rarear por volta das 22 ou 23 horas e retorna entre 5 e 6 horas. O motivo é a política de redução de pressão, ampliada pela Sabesp durante a crise hídrica e que atinge, hoje, 28 municípios da região metropolitana e 96% dos bairros da capital. No próprio site, a companhia afirma que a medida “pode significar longas horas sem água nas torneiras”, o que, segundo ela, afeta uma “minoria da população”.
Segundo relatos, ao voltar, a água costuma fazer um barulho alto e, por vezes, vir com uma pressão maior que o normal. “Uma das vezes o cano da pia estourou e danificou o armário da cozinha”, conta Ana Paula Siqueira, moradora do Brooklin Novo, na zona sul. Segundo ela, a Sabesp arcou com o prejuízo após “várias” ligações. O desabastecimento faz a dona de casa Veridiana Braga Dias, de 41 anos, planejar se mudar pela segunda vez em um ano. “Não vou pagar pela água e não ter.”
Moradora da Vila Carolina, na zona norte, Solange Raposo Moretto enfrenta o problema desde que a neta era bebê. Hoje, a menina está com 4 anos. “Somos todos conscientes, não abusamos. É uma injustiça pagar direitinho e não receber.”
Também na zona norte, na Casa Verde, a cabeleireira Rosangela Nicoletti, de 49 anos, se organiza para fazer tudo antes das 23 horas. “No meu banheiro, a água é da rua.” Situação semelhante é relatada pelo segurança João Paulo Viana, de 35 anos, no Butantã, zona oeste.
Diferentemente dos demais casos, que enfrentam o problema há quatro anos, uma zeladora que vive em escola pública do Alto de Santana, também na zona norte, contou ao Estado que a falta de água começou em janeiro. “Estragou quatro chuveiros por não ter pressão.”
Redução de pressão é eficaz, mas pede reforço, diz professor
A redução de pressão é uma "medida bastante eficaz" para reduzir perdas físicas de água, de acordo com Antônio Eduardo Giansante, professor de Engenharia Hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele ressalta, contudo, que é preciso fazer "reforço de água" nos "pontos críticos", com caminhão-pipa ou investimento em melhoria.
Segundo ele, os locais afetados costumam ser em áreas altas. "Não é difícil detectar esses pontos. A própria população reclama."
Giansante explica que, como o consumo é menor durante a noite, a tubulação fica mais cheia, o que causa mais vazamentos. Com a redução da pressão, o espaço ocupado pela água é tomado de ar, o que explica o barulho ouvido por moradores quando o fornecimento retorna. Ele ressalta, ainda, que, nesses casos, é comum que a água venha esbranquiçada inicialmente e que, nesse caso, é indicado reservá-la para atividades de limpeza.
A perda de água ocorre principalmente nas conexões dos canos e na entrada das residências, explica Jorge Giroldo, professor de Engenharia Hidráulica do Centro Universitário FEI.
"Durante o dia, essa pressão não é muito elevada, porque está todo mundo consumindo água. De noite, a pressão é naturalmente mais elevada, porque se consome menos, aí é mais drástico, são milhares de microvazamentos."
Diante desse cenário, ele aponta que o "jeito mais fácil" é diminuir a pressão. "A perda de água no sistema de São Paulo inteiro é calamitoso, é um absurdo. Se investe, se gasta com isso, se trata a água e, depois, ele volta para o solo."
"Não foi feito dentro da melhor técnica na época, com os melhores materiais. Hoje pagamos esse preço de vazamento alto", diz. Como comparação, Giroldo comenta que o remédio seria trocar as redes de distribuição gradativamente por materiais mais resistentes.
Em 2016, o índice de perdas da Sabesp era de 31,8% segundo a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), número superior ao dos três anos anteriores (era de 28,5% em 2015, por exemplo). Como aponta relatório, de outubro de 2017, o controle de perdas tem "um impacto direto nos custos de produção, pois maiores perdas exigem uma maior produção de água".
No Japão, Giroldo cita, a perda é em torno de 8%, pois se usa aço inoxidável. Por aqui, o material é polietileno e PVC. "Temos quilômetros e quilômetros de redes de distribuição de PVC com quase 50 anos, um material com residências para 30, 40 anos, que fica frágil mesmo e causa muito rompimento."
Sabesp nega falta d'água
Procurada, a Sabesp negou desabastecimento nos lugares citados e informou que cerca de 60% da rede tem válvulas redutoras de pressão, número que era de 46% em 2015. A companhia ainda destaca que a população seria obrigada a ter caixas-d’água e distribuiu 25 mil itens em 2015. Por meio de nota, a Arsesp diz ter intensificado “as fiscalizações referentes à falta d’água” na capital.