O Ministério Público investiga a legalidade do contrato da Prefeitura de São Paulo com o Colégio Liceu Coração de Jesus, firmado no final do ano passado. O acordo prevê que a administração repasse R$ 527,8 mil por mês à escola para pagar por 500 matrículas de estudantes da pré-escola e Fundamental I, além de custear o aluguel do prédio, localizado no bairro Campos Elíseos, centro da capital paulista.
O MP acatou a representação feita pelos vereadores Celso Giannazi (PSOL) e Toninho Vespoli (PSOL), que alegam inconstitucionalidade na parceria. O convênio foi firmado depois que a escola, de 137 anos, ameaçou fechar as portas por queda de alunos matriculados e falta de receita para arcar com as despesas.
Para Gianazzi, a administração está beneficiando uma administração privada em detrimento da rede de ensino municipal. “O prefeito não pode investir dinheiro público em uma escola privada. Isso vai abrir um precedente grande. Hoje é o Liceu, mas amanhã pode ser outro colégio”, diz. “O que a Constituição veda”, afirma Vespoli, “é fazer esse tipo de parceria com uma entidade com escopo de lucratividade. O Liceu é uma escola particular. Então, é altamente inconstitucional na nossa visão”.
Em agosto do ano passado, o Liceu Coração de Jesus anunciou que encerraria as suas atividades escolares por problemas financeiros agravados pela queda gradual de matrículas (caiu de 500 para 190 alunos em cinco anos). Na época, o padre Cássio Rodrigo de Oliveira, porta-voz da Inspetoria Salesiana de São Paulo, disse ao Estadão que um dos motivos para a queda de inscrições foi o aumento da presença de usuários de drogas da Cracolândia nas proximidades da escola.
Para socorrer o Liceu, a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SME), assinou no dia 30 de dezembro de 2022 um termo de fomento com o colégio, integrando a unidade à rede de ensino da cidade. O contrato prevê que o poder público faça o pagamento de R$ 388,3 mil por 250 vagas na pré-escola e 250 no Ensino Fundamental I, e R$ 139,4 mil para o aluguel do prédio.
A medida, sem debate no Legislativo, é similar ao modelo adotado para creches conveniadas. Mas, esse tipo de uso de verba pública para custear matrículas na rede privada não costuma ser celebrado para o ensino fundamental paulistano, que não tem o mesmo déficit de vagas públicas do que a educação infantil.
O artigo 213 da Constituição prevê repasses para o ensino fundamental e o médio para alunos pobres, “quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando”.
O Executivo precisa demonstrar que a aplicação da verba será feita com base em diagnóstico que mostre que haverá o preenchimento das vagas custeadas, e que a rede de ensino seja incapaz de absorver a quantidade de alunos que vivem naquela região.
“Eu tenho 10 anos como vereador, e (nesse tempo), a demanda nunca foi maior que a oferta de vagas no Centro. Então, pedimos, na nossa representação ao Ministério Público, se havia mais demanda do que vaga na área central”, afirmou o vereador Toninho Vespoli. Ao Estadão, Celso Giannazi disse que vai acionar o Tribunal de Contas da União (TCU) para ampliar as investigações.
Entre várias solicitações, o MP pediu também à prefeitura e à Secretaria Municipal de Educação que apresentem “justificativas de fato e de direito para a celebração” do contrato, e também que expliquem as fontes do repasse, especificando se serão usados recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), do orçamento próprio da SME ou de outras fontes orçamentárias.
A prefeitura respondeu que já prestou os esclarecimentos para o MP. Em pronunciamentos anteriores, a administração disse que a parceria foi analisada pelos setores jurídicos e que não foi identificada nenhuma inconstitucionalidade no modelo de contrato. À reportagem, o MP disse que as respostas da administração estão em análise pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc).
O Liceu Coração de Jesus foi questionado, mas não se manifestou até a publicação deste texto.