Não mudaremos contratos nem modelo da concessão de cemitérios em SP, diz chefe de agência reguladora


Responsável pela fiscalização das concessões da Prefeitura rebate críticas de cobranças abusivas nos serviços funerários, mas reconhece ‘falhas na execução dos serviços’

Por Gonçalo Junior
Atualização:
Foto: Isabela Laloni
Entrevista comJoão Manoel da Costa NetoDiretor-presidente da SP Regula

A Prefeitura de São Paulo descarta propor alterações nos contratos com as concessionárias dos serviços funerários da cidade. A concessão tem sido alvo de reclamações dos usuários, desde relatos de preços abusivos para velórios e sepultamentos, falta de transparência sobre gratuidade até os valores pela cobrança por manutenção.

“Não há necessidade de ajustes na modelagem da concessão”, afirma João Manoel da Costa Neto, diretor-presidente da SP Regula, agência reguladora da Prefeitura de São Paulo responsável pela fiscalização das concessões, em entrevista exclusiva ao Estadão. “E pretendemos respeitar os contratos. Precisamos zelar pela segurança jurídica”.

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A discussão sobre serviços funerários chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF). Após pedido do PCdoB, o ministro Flávio Dino determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários praticados antes da concessão, iniciada em janeiro de 2023.

As concessionárias e a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmam cobrar menos do que o estabelecido pela decisão do ministro Flávio Dino e dizem ter enviado para a Corte documentos que comprovam a afirmação.

Paralelamente, vistoria do Tribunal de Contas do Município (TCM) revelou ossos humanos não identificados e restos de material fúnebre misturados às obras de escavação em dez cemitérios da cidade, o que fez o órgão cobrar das concessionárias e da Prefeitura respostas sobre a manutenção das unidades.

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Responsável pela fiscalização rebate críticas de cobranças abusivas, mas reconhece ‘falhas na execução dos serviços’

Veja os principais trechos da entrevista:

O STF determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários de antes da concessão. Houve aumento abusivo?

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Não. Já enviamos ao ministro Flávio Dino todos os elementos que comprovam que não houve esse aumento. Foram mantidos os preços da tabela de 2019. O ministro determinou que voltasse aos preços de 2019 e aplicasse até o teto do IPCA (inflação) do período.

Hoje, vigoram os valores de 2019 mais o IPCA do primeiro ano de contrato, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024. Nesse período tivemos um IPCA de 3,49%. Se aplicássemos o IPCA do início da concessão, de janeiro de 2023 até novembro de 2024, o porcentual seria de 8,68%.

Cemitério da Quarta Parada, na zona leste de São Paulo,  Foto: Tiago Queiroz / Estadão
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O Sindicato dos Servidores Municipais (Sindsep) divulgou uma tabela mostrando que o valor dos sepultamentos triplicou após a concessão...

Enviamos uma notificação extrajudicial e esperamos que possam responder sobre os comparativos errôneos. Eles começaram a comparar produtos distintos, banana com laranja. Nós tínhamos três resoluções com tabela esparsas antes da concessão. Hoje, a tabela é única, como anexo do contrato.

Como avalia esses quase dois anos de concessão?

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O balanço é bastante positivo. Eram 13 agências funerárias públicas, algumas degradadas. Hoje são 42 com melhoria do padrão de acolhimento. Tivemos aumento dos veículos de transporte de corpos, passando de 20 para 82. Um dos marcos é que as concessionárias zeraram o sepultamento em terra, chamado de “cova rasa”. Mantivemos os cinco pacotes do serviço funerário ao mesmo valor de 2019 e criamos um pacote inicial, chamado social, que é 25% mais barato que antes da concessão.

Existem reclamações sobre falta de transparência nas gratuidades.

Não adianta querermos sustentar que está tudo lindo e maravilhoso. Como qualquer serviço público, existem pontos em que vamos utilizando o poder de polícia da Prefeitura para fazer as fiscalizações e entrar num ponto de correção. Assim como a política tarifária, determinamos que a gratuidade seja fixada nos locais de contratação. Ela consta nos sites e temos feito a fiscalização desses produtos. Autuamos a concessionária por isso, mas são casos pontuais.

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Auditoria do Tribunal de Contas do Município revelou ossadas expostas em dez cemitérios. Como a SP Regula fiscaliza a manutenção?

Antigamente, o serviço funerário trabalhava com um procedimento chamado refunda. As covas eram feitas na terra. Depois de três anos, os corpos eram exumados e eram feitas covas mais fundas, abrindo espaço para sepultamentos mais perto da superfície. Isso vigorou por sete ou oito décadas. As quadras gerais foram encerradas em 2023.

Agora existe um procedimento técnico para abrir novamente as covas e criar as estruturas para construção das gavetas. Quando uma ossada é encontrada, o trabalho é paralisado, com o recolhimento das ossadas.

Sobre a fiscalização, tivemos autorização para a contratação de 150 servidores no meio do ano. São 30 fiscais que já tomaram posse e vão atuar nos cemitérios e outros serviços.

Não tinha nada errado em relação às ossadas?

É um procedimento técnico para reutilizar essas áreas, construir novas gavetas e garantir dignidade às famílias. Nós esclarecemos o que foi apontado pelo Tribunal de Contas (TCM). É uma cena impactante da forma que foi mostrada, mas é um procedimento técnico. Um dos problemas dos grandes centros urbanos é a área para ocupação. Precisamos aproveitar o espaço e oferecer condições para as próximas gerações sepultar os entes queridos.

As concessionárias foram autuadas 149 vezes. Não é um número elevado?

Não é um número alto, considerando que ele está dividido em quatro lotes e em diversos serviços, como zeladoria de cemitérios, atendimento em dois anos.

Por outro lado, foram apenas 22 multas decorrentes dessas autuações.

Criamos um grupo de trabalho para dar celeridade a essas multas. O município não foi prejudicado. O importante foi ter feito o auto de infração no momento devido, o que caracteriza a prestação irregular.

Considerando as manifestações do STF, do Tribunal de Contas e da Câmara, a Prefeitura cogita alguma mudança na modelagem?

A modelagem da concessão foi feita previamente, olhando o serviço público e projetando melhorias num cenário de 20 anos. Temos de respeitar as regras de modelagem porque houve concorrência pública com outorgas milionárias para execução do serviço. Pode ser que, no decorrer da gestão, precisemos ajustar. Afinal, são contratos longevos. Hoje, até por ser recente, entendemos que não há necessidade de remodelação. A modelagem foi pensada em melhorias para o serviço público.

A Prefeitura pensa em ajustes no contrato?

O contrato é feito entre as partes e precisamos zelar pela segurança jurídica. O contrato foi analisado pelo Tribunal de Contas, com consultas públicas. Pretendemos respeitar contratos. É um princípio que o prefeito Ricardo Nunes nos coloca: respeitar contratos. Se houver mudança de cenário, consultada a outra parte e com parecer jurídico da Procuradoria do Município, poderia haver alguma mudança.

Numa audiência pública na Câmara, várias pessoas pediam o fim da concessão. Há risco de caducidade do contrato?

Acompanhamos a audiência pública. Tivemos a participação do sindicato dos servidores públicos. Centenas de servidores do serviço funerário foram realocados, mas nem todos ficaram felizes com essa realocação. A gente respeita. Outra categoria são jardineiros e construtores de cemitério. É outra classe que se aproxima dos sindicatos e partidos de oposição. Isso faz parte da democracia.

Mas existe risco de caducidade do contrato?

Não. Não existe.

O que pode ser melhorado na concessão?

Falhas na execução dos serviços já foram constatadas e ainda há desafios a serem superados. Nos últimos meses, a fiscalização foi intensificada e a SP Regula está ampliando a comunicação sobre a tabela de preços, a gratuidade dos serviços e os canais de atendimento para garantir que as empresas concessionárias cumpram com suas obrigações contratuais.

A comunicação é um ponto a ser aprimorado, a exemplo da campanha de rádio e TV que está sendo iniciada. Também temos cobrado um plano de remodelação da zeladoria dos cemitérios pelas concessionárias.

Todos os 21 cemitérios têm problemas?

Queremos revisitar os 21 cemitérios. Teremos a reforma geral dos 21 cemitérios, do Crematório da Vila e a construção de mais três crematórios. É preciso lembrar que a manutenção dos cemitérios pode ser comparada à gestão de um condomínio: a administração cuida das reformas gerais, mas cada morador cuida de sua casa, do jazigo. Hoje, o serviço funerário é melhor do que era. Por meio de fiscalização mais efetiva, deve melhorar ano a ano.

Se o senhor atribuísse conceitos aos serviços funerários, como ótimo, bom, regular e péssimo, qual utilizaria?

O serviço funerário municipal antes da concessão foi avaliado como um dos piores e a Prefeitura realizou a concessão da operação dos serviços funerários e cemiteriais da cidade para acabar com uma rotina de escândalos e ineficiência no atendimento da população.

Os serviços estão com avanços em relação ao modelo anterior, mas com potencial para alcançar um patamar ainda mais elevado.

Quando se fala em concessão, a área de energia elétrica está presente nos debates. É possível relacionar a concessão da Enel e dos cemitérios?

São situações bem distintas. A Enel envolve uma concessão federal, sob responsabilidade da Aneel. É um contrato mais antigo. Já os serviços funerários envolvem o poder municipal. Por isso, não possível comparar ou relacionar as duas concessões.

A Prefeitura de São Paulo descarta propor alterações nos contratos com as concessionárias dos serviços funerários da cidade. A concessão tem sido alvo de reclamações dos usuários, desde relatos de preços abusivos para velórios e sepultamentos, falta de transparência sobre gratuidade até os valores pela cobrança por manutenção.

“Não há necessidade de ajustes na modelagem da concessão”, afirma João Manoel da Costa Neto, diretor-presidente da SP Regula, agência reguladora da Prefeitura de São Paulo responsável pela fiscalização das concessões, em entrevista exclusiva ao Estadão. “E pretendemos respeitar os contratos. Precisamos zelar pela segurança jurídica”.

A discussão sobre serviços funerários chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF). Após pedido do PCdoB, o ministro Flávio Dino determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários praticados antes da concessão, iniciada em janeiro de 2023.

As concessionárias e a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmam cobrar menos do que o estabelecido pela decisão do ministro Flávio Dino e dizem ter enviado para a Corte documentos que comprovam a afirmação.

Paralelamente, vistoria do Tribunal de Contas do Município (TCM) revelou ossos humanos não identificados e restos de material fúnebre misturados às obras de escavação em dez cemitérios da cidade, o que fez o órgão cobrar das concessionárias e da Prefeitura respostas sobre a manutenção das unidades.

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Responsável pela fiscalização rebate críticas de cobranças abusivas, mas reconhece ‘falhas na execução dos serviços’

Veja os principais trechos da entrevista:

O STF determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários de antes da concessão. Houve aumento abusivo?

Não. Já enviamos ao ministro Flávio Dino todos os elementos que comprovam que não houve esse aumento. Foram mantidos os preços da tabela de 2019. O ministro determinou que voltasse aos preços de 2019 e aplicasse até o teto do IPCA (inflação) do período.

Hoje, vigoram os valores de 2019 mais o IPCA do primeiro ano de contrato, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024. Nesse período tivemos um IPCA de 3,49%. Se aplicássemos o IPCA do início da concessão, de janeiro de 2023 até novembro de 2024, o porcentual seria de 8,68%.

Cemitério da Quarta Parada, na zona leste de São Paulo,  Foto: Tiago Queiroz / Estadão

O Sindicato dos Servidores Municipais (Sindsep) divulgou uma tabela mostrando que o valor dos sepultamentos triplicou após a concessão...

Enviamos uma notificação extrajudicial e esperamos que possam responder sobre os comparativos errôneos. Eles começaram a comparar produtos distintos, banana com laranja. Nós tínhamos três resoluções com tabela esparsas antes da concessão. Hoje, a tabela é única, como anexo do contrato.

Como avalia esses quase dois anos de concessão?

O balanço é bastante positivo. Eram 13 agências funerárias públicas, algumas degradadas. Hoje são 42 com melhoria do padrão de acolhimento. Tivemos aumento dos veículos de transporte de corpos, passando de 20 para 82. Um dos marcos é que as concessionárias zeraram o sepultamento em terra, chamado de “cova rasa”. Mantivemos os cinco pacotes do serviço funerário ao mesmo valor de 2019 e criamos um pacote inicial, chamado social, que é 25% mais barato que antes da concessão.

Existem reclamações sobre falta de transparência nas gratuidades.

Não adianta querermos sustentar que está tudo lindo e maravilhoso. Como qualquer serviço público, existem pontos em que vamos utilizando o poder de polícia da Prefeitura para fazer as fiscalizações e entrar num ponto de correção. Assim como a política tarifária, determinamos que a gratuidade seja fixada nos locais de contratação. Ela consta nos sites e temos feito a fiscalização desses produtos. Autuamos a concessionária por isso, mas são casos pontuais.

Auditoria do Tribunal de Contas do Município revelou ossadas expostas em dez cemitérios. Como a SP Regula fiscaliza a manutenção?

Antigamente, o serviço funerário trabalhava com um procedimento chamado refunda. As covas eram feitas na terra. Depois de três anos, os corpos eram exumados e eram feitas covas mais fundas, abrindo espaço para sepultamentos mais perto da superfície. Isso vigorou por sete ou oito décadas. As quadras gerais foram encerradas em 2023.

Agora existe um procedimento técnico para abrir novamente as covas e criar as estruturas para construção das gavetas. Quando uma ossada é encontrada, o trabalho é paralisado, com o recolhimento das ossadas.

Sobre a fiscalização, tivemos autorização para a contratação de 150 servidores no meio do ano. São 30 fiscais que já tomaram posse e vão atuar nos cemitérios e outros serviços.

Não tinha nada errado em relação às ossadas?

É um procedimento técnico para reutilizar essas áreas, construir novas gavetas e garantir dignidade às famílias. Nós esclarecemos o que foi apontado pelo Tribunal de Contas (TCM). É uma cena impactante da forma que foi mostrada, mas é um procedimento técnico. Um dos problemas dos grandes centros urbanos é a área para ocupação. Precisamos aproveitar o espaço e oferecer condições para as próximas gerações sepultar os entes queridos.

As concessionárias foram autuadas 149 vezes. Não é um número elevado?

Não é um número alto, considerando que ele está dividido em quatro lotes e em diversos serviços, como zeladoria de cemitérios, atendimento em dois anos.

Por outro lado, foram apenas 22 multas decorrentes dessas autuações.

Criamos um grupo de trabalho para dar celeridade a essas multas. O município não foi prejudicado. O importante foi ter feito o auto de infração no momento devido, o que caracteriza a prestação irregular.

Considerando as manifestações do STF, do Tribunal de Contas e da Câmara, a Prefeitura cogita alguma mudança na modelagem?

A modelagem da concessão foi feita previamente, olhando o serviço público e projetando melhorias num cenário de 20 anos. Temos de respeitar as regras de modelagem porque houve concorrência pública com outorgas milionárias para execução do serviço. Pode ser que, no decorrer da gestão, precisemos ajustar. Afinal, são contratos longevos. Hoje, até por ser recente, entendemos que não há necessidade de remodelação. A modelagem foi pensada em melhorias para o serviço público.

A Prefeitura pensa em ajustes no contrato?

O contrato é feito entre as partes e precisamos zelar pela segurança jurídica. O contrato foi analisado pelo Tribunal de Contas, com consultas públicas. Pretendemos respeitar contratos. É um princípio que o prefeito Ricardo Nunes nos coloca: respeitar contratos. Se houver mudança de cenário, consultada a outra parte e com parecer jurídico da Procuradoria do Município, poderia haver alguma mudança.

Numa audiência pública na Câmara, várias pessoas pediam o fim da concessão. Há risco de caducidade do contrato?

Acompanhamos a audiência pública. Tivemos a participação do sindicato dos servidores públicos. Centenas de servidores do serviço funerário foram realocados, mas nem todos ficaram felizes com essa realocação. A gente respeita. Outra categoria são jardineiros e construtores de cemitério. É outra classe que se aproxima dos sindicatos e partidos de oposição. Isso faz parte da democracia.

Mas existe risco de caducidade do contrato?

Não. Não existe.

O que pode ser melhorado na concessão?

Falhas na execução dos serviços já foram constatadas e ainda há desafios a serem superados. Nos últimos meses, a fiscalização foi intensificada e a SP Regula está ampliando a comunicação sobre a tabela de preços, a gratuidade dos serviços e os canais de atendimento para garantir que as empresas concessionárias cumpram com suas obrigações contratuais.

A comunicação é um ponto a ser aprimorado, a exemplo da campanha de rádio e TV que está sendo iniciada. Também temos cobrado um plano de remodelação da zeladoria dos cemitérios pelas concessionárias.

Todos os 21 cemitérios têm problemas?

Queremos revisitar os 21 cemitérios. Teremos a reforma geral dos 21 cemitérios, do Crematório da Vila e a construção de mais três crematórios. É preciso lembrar que a manutenção dos cemitérios pode ser comparada à gestão de um condomínio: a administração cuida das reformas gerais, mas cada morador cuida de sua casa, do jazigo. Hoje, o serviço funerário é melhor do que era. Por meio de fiscalização mais efetiva, deve melhorar ano a ano.

Se o senhor atribuísse conceitos aos serviços funerários, como ótimo, bom, regular e péssimo, qual utilizaria?

O serviço funerário municipal antes da concessão foi avaliado como um dos piores e a Prefeitura realizou a concessão da operação dos serviços funerários e cemiteriais da cidade para acabar com uma rotina de escândalos e ineficiência no atendimento da população.

Os serviços estão com avanços em relação ao modelo anterior, mas com potencial para alcançar um patamar ainda mais elevado.

Quando se fala em concessão, a área de energia elétrica está presente nos debates. É possível relacionar a concessão da Enel e dos cemitérios?

São situações bem distintas. A Enel envolve uma concessão federal, sob responsabilidade da Aneel. É um contrato mais antigo. Já os serviços funerários envolvem o poder municipal. Por isso, não possível comparar ou relacionar as duas concessões.

A Prefeitura de São Paulo descarta propor alterações nos contratos com as concessionárias dos serviços funerários da cidade. A concessão tem sido alvo de reclamações dos usuários, desde relatos de preços abusivos para velórios e sepultamentos, falta de transparência sobre gratuidade até os valores pela cobrança por manutenção.

“Não há necessidade de ajustes na modelagem da concessão”, afirma João Manoel da Costa Neto, diretor-presidente da SP Regula, agência reguladora da Prefeitura de São Paulo responsável pela fiscalização das concessões, em entrevista exclusiva ao Estadão. “E pretendemos respeitar os contratos. Precisamos zelar pela segurança jurídica”.

A discussão sobre serviços funerários chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF). Após pedido do PCdoB, o ministro Flávio Dino determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários praticados antes da concessão, iniciada em janeiro de 2023.

As concessionárias e a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmam cobrar menos do que o estabelecido pela decisão do ministro Flávio Dino e dizem ter enviado para a Corte documentos que comprovam a afirmação.

Paralelamente, vistoria do Tribunal de Contas do Município (TCM) revelou ossos humanos não identificados e restos de material fúnebre misturados às obras de escavação em dez cemitérios da cidade, o que fez o órgão cobrar das concessionárias e da Prefeitura respostas sobre a manutenção das unidades.

Seu navegador não suporta esse video.

Responsável pela fiscalização rebate críticas de cobranças abusivas, mas reconhece ‘falhas na execução dos serviços’

Veja os principais trechos da entrevista:

O STF determinou que os cemitérios retomem os preços dos serviços funerários de antes da concessão. Houve aumento abusivo?

Não. Já enviamos ao ministro Flávio Dino todos os elementos que comprovam que não houve esse aumento. Foram mantidos os preços da tabela de 2019. O ministro determinou que voltasse aos preços de 2019 e aplicasse até o teto do IPCA (inflação) do período.

Hoje, vigoram os valores de 2019 mais o IPCA do primeiro ano de contrato, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024. Nesse período tivemos um IPCA de 3,49%. Se aplicássemos o IPCA do início da concessão, de janeiro de 2023 até novembro de 2024, o porcentual seria de 8,68%.

Cemitério da Quarta Parada, na zona leste de São Paulo,  Foto: Tiago Queiroz / Estadão

O Sindicato dos Servidores Municipais (Sindsep) divulgou uma tabela mostrando que o valor dos sepultamentos triplicou após a concessão...

Enviamos uma notificação extrajudicial e esperamos que possam responder sobre os comparativos errôneos. Eles começaram a comparar produtos distintos, banana com laranja. Nós tínhamos três resoluções com tabela esparsas antes da concessão. Hoje, a tabela é única, como anexo do contrato.

Como avalia esses quase dois anos de concessão?

O balanço é bastante positivo. Eram 13 agências funerárias públicas, algumas degradadas. Hoje são 42 com melhoria do padrão de acolhimento. Tivemos aumento dos veículos de transporte de corpos, passando de 20 para 82. Um dos marcos é que as concessionárias zeraram o sepultamento em terra, chamado de “cova rasa”. Mantivemos os cinco pacotes do serviço funerário ao mesmo valor de 2019 e criamos um pacote inicial, chamado social, que é 25% mais barato que antes da concessão.

Existem reclamações sobre falta de transparência nas gratuidades.

Não adianta querermos sustentar que está tudo lindo e maravilhoso. Como qualquer serviço público, existem pontos em que vamos utilizando o poder de polícia da Prefeitura para fazer as fiscalizações e entrar num ponto de correção. Assim como a política tarifária, determinamos que a gratuidade seja fixada nos locais de contratação. Ela consta nos sites e temos feito a fiscalização desses produtos. Autuamos a concessionária por isso, mas são casos pontuais.

Auditoria do Tribunal de Contas do Município revelou ossadas expostas em dez cemitérios. Como a SP Regula fiscaliza a manutenção?

Antigamente, o serviço funerário trabalhava com um procedimento chamado refunda. As covas eram feitas na terra. Depois de três anos, os corpos eram exumados e eram feitas covas mais fundas, abrindo espaço para sepultamentos mais perto da superfície. Isso vigorou por sete ou oito décadas. As quadras gerais foram encerradas em 2023.

Agora existe um procedimento técnico para abrir novamente as covas e criar as estruturas para construção das gavetas. Quando uma ossada é encontrada, o trabalho é paralisado, com o recolhimento das ossadas.

Sobre a fiscalização, tivemos autorização para a contratação de 150 servidores no meio do ano. São 30 fiscais que já tomaram posse e vão atuar nos cemitérios e outros serviços.

Não tinha nada errado em relação às ossadas?

É um procedimento técnico para reutilizar essas áreas, construir novas gavetas e garantir dignidade às famílias. Nós esclarecemos o que foi apontado pelo Tribunal de Contas (TCM). É uma cena impactante da forma que foi mostrada, mas é um procedimento técnico. Um dos problemas dos grandes centros urbanos é a área para ocupação. Precisamos aproveitar o espaço e oferecer condições para as próximas gerações sepultar os entes queridos.

As concessionárias foram autuadas 149 vezes. Não é um número elevado?

Não é um número alto, considerando que ele está dividido em quatro lotes e em diversos serviços, como zeladoria de cemitérios, atendimento em dois anos.

Por outro lado, foram apenas 22 multas decorrentes dessas autuações.

Criamos um grupo de trabalho para dar celeridade a essas multas. O município não foi prejudicado. O importante foi ter feito o auto de infração no momento devido, o que caracteriza a prestação irregular.

Considerando as manifestações do STF, do Tribunal de Contas e da Câmara, a Prefeitura cogita alguma mudança na modelagem?

A modelagem da concessão foi feita previamente, olhando o serviço público e projetando melhorias num cenário de 20 anos. Temos de respeitar as regras de modelagem porque houve concorrência pública com outorgas milionárias para execução do serviço. Pode ser que, no decorrer da gestão, precisemos ajustar. Afinal, são contratos longevos. Hoje, até por ser recente, entendemos que não há necessidade de remodelação. A modelagem foi pensada em melhorias para o serviço público.

A Prefeitura pensa em ajustes no contrato?

O contrato é feito entre as partes e precisamos zelar pela segurança jurídica. O contrato foi analisado pelo Tribunal de Contas, com consultas públicas. Pretendemos respeitar contratos. É um princípio que o prefeito Ricardo Nunes nos coloca: respeitar contratos. Se houver mudança de cenário, consultada a outra parte e com parecer jurídico da Procuradoria do Município, poderia haver alguma mudança.

Numa audiência pública na Câmara, várias pessoas pediam o fim da concessão. Há risco de caducidade do contrato?

Acompanhamos a audiência pública. Tivemos a participação do sindicato dos servidores públicos. Centenas de servidores do serviço funerário foram realocados, mas nem todos ficaram felizes com essa realocação. A gente respeita. Outra categoria são jardineiros e construtores de cemitério. É outra classe que se aproxima dos sindicatos e partidos de oposição. Isso faz parte da democracia.

Mas existe risco de caducidade do contrato?

Não. Não existe.

O que pode ser melhorado na concessão?

Falhas na execução dos serviços já foram constatadas e ainda há desafios a serem superados. Nos últimos meses, a fiscalização foi intensificada e a SP Regula está ampliando a comunicação sobre a tabela de preços, a gratuidade dos serviços e os canais de atendimento para garantir que as empresas concessionárias cumpram com suas obrigações contratuais.

A comunicação é um ponto a ser aprimorado, a exemplo da campanha de rádio e TV que está sendo iniciada. Também temos cobrado um plano de remodelação da zeladoria dos cemitérios pelas concessionárias.

Todos os 21 cemitérios têm problemas?

Queremos revisitar os 21 cemitérios. Teremos a reforma geral dos 21 cemitérios, do Crematório da Vila e a construção de mais três crematórios. É preciso lembrar que a manutenção dos cemitérios pode ser comparada à gestão de um condomínio: a administração cuida das reformas gerais, mas cada morador cuida de sua casa, do jazigo. Hoje, o serviço funerário é melhor do que era. Por meio de fiscalização mais efetiva, deve melhorar ano a ano.

Se o senhor atribuísse conceitos aos serviços funerários, como ótimo, bom, regular e péssimo, qual utilizaria?

O serviço funerário municipal antes da concessão foi avaliado como um dos piores e a Prefeitura realizou a concessão da operação dos serviços funerários e cemiteriais da cidade para acabar com uma rotina de escândalos e ineficiência no atendimento da população.

Os serviços estão com avanços em relação ao modelo anterior, mas com potencial para alcançar um patamar ainda mais elevado.

Quando se fala em concessão, a área de energia elétrica está presente nos debates. É possível relacionar a concessão da Enel e dos cemitérios?

São situações bem distintas. A Enel envolve uma concessão federal, sob responsabilidade da Aneel. É um contrato mais antigo. Já os serviços funerários envolvem o poder municipal. Por isso, não possível comparar ou relacionar as duas concessões.

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