Quando os arqueólogos fizeram as primeiras escavações na área que seria inundada pela atual usina hidrelétrica Sérgio Motta, em Rosana, no oeste paulista, na década de 1980, tiveram uma surpresa. Em meio aos pastos, foram achados sítios arqueológicos com material indígena produzido há 7 mil anos. Com a ampliação das buscas, foram localizados 100 sítios e resgatadas 11 mil peças que agora irão compor o acervo do futuro Museu Arqueológico Histórico do Oeste Paulista (Mahop), em Presidente Epitácio, naquela região.
A barragem da hidrelétrica, no Rio Paraná, alagou uma área equivalente a sete vezes a Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro. O projeto de salvamento arqueológico já fazia, na época, parte obrigatória do licenciamento ambiental da obra.
É sobre um dos sítios mais ricos, encontrado na Fazenda Lagoa São Paulo 02 que o museu será construído. Em novembro, a prefeitura de Presidente Epitácio, que vai entrar com R$ 2,29 milhões para a obra, assinou contrato com a Caixa Econômica Federal, que vai repassar outros R$ 9,4 milhões – a verba é de compensação ambiental pela represa, obra federal.
O museu será vinculado à Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que já opera dois museus em Presidente Prudente, na mesma região: o Museu de Arqueologia Regional e o Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia.
Conforme o professor Jean Ítalo de Araújo Cabrera, da FCT, a maior parte do acervo foi desenterrada no local em que o museu será erguido. Algumas peças, como urnas funerárias indígenas, foram mantidas no local da escavação, o que permitirá ter um acervo “vivo”, a céu aberto.
O sítio foi descoberto em 1995, dois anos antes do enchimento total do reservatório, mas não foi atingido pelas águas do lago. “Uma remoção das peças levaria à perda de muitas informações importantes. A criação de um museu garantirá a preservação do patrimônio histórico e permitirá sua exposição ao público em seu local de origem”, disse.
Com essa proposta, as arqueólogas Rosângela Thomaz, professora da FCT, e Ruth Kunzli, docente aposentada do campus da Unesp em Rosana, iniciaram gestões para obter a participação da prefeitura no projeto.
As trocas na administração municipal e o fato de o sítio estar em área particular atrasaram o plano do museu, concebido há mais de dez anos. Os donos da fazenda concordaram em doar a área ao município, possibilitando a destinação de recursos para a obra.
A mais recente rodada de escavações no terreno foi realizada em 2017, já direcionada ao projeto do museu. O restante do acervo provém de outras 38 escavações conduzidas pelos arqueólogos no lado paulista do lago.
Museu vai permitir que visitantes conheçam escavações reais
De acordo com Cabrera, a nova instituição vai proporcionar ao público e aos estudantes da Unesp uma nova forma de ver e estudar arqueologia. Como o museu se situa em um sítio arqueológico de 600 metros de comprimento por 200 de largura, os visitantes terão a experiência de conhecer escavações reais e observar as peças no local onde foram encontradas.
Um guia irá explicar as etapas da escavação e o trabalho que os pesquisadores realizam após descobrir os materiais.
Entre as peças selecionadas para compor o acervo estão urnas funerárias cerâmicas, conchas, pedras lascadas e polidas, ferramentas e vasilhas usadas pelo homem pré-histórico. Rosângela disse que a inspiração veio de museus históricos da Europa e do Museu a Céu Aberto do Centro Histórico Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. O museu gaúcho exibe vestígios de um antigo templo jesuítico do século 18, além de artefatos dos jesuítas e dos índios guaranis.
Além da exibição fixa e de exposições temporárias, a nova instituição abrigará um centro de pesquisas geoambientais. Também será usado por alunos do curso de Geografia da Unesp de Presidente Prudente e de Turismo da Unesp de Rosana para estágio e monitoria.
“O museu, hoje, é um espaço dinâmico, sempre em transformação, até porque ainda há pontos a serem pesquisados. Queremos que o visitante possa se identificar com o material exposto e entender sua relação com a origem do nosso país”, disse Cabrera.
O projeto prevê recursos como um piso translúcido, permitindo que as pessoas visualizem o solo escavado enquanto caminham e obtenham informações sobre as peças em exibição por meio de dispositivos tecnológicos.
O plano é instalar impressoras 3D para produzir cópias das peças que podem ser comercializadas como lembranças. O espaço contará com tecnologias que vão estimular os visitantes PCD (com alguma deficiência física) durante a visita, como placas com texto em braille.
Conforme a arqueóloga Neide Barrocá Faccio, da Unesp, que vem conduzindo escavações na região desde os anos 1990, os primeiros indícios de presença humana nesta região datam de cerca de 7 mil anos. Os ocupantes pertenciam à tradição Umbu, levavam vida nômade, vivendo de caça e coleta, e deixaram fragmentos de pedra lascada.
Mais tarde o sítio foi ocupado por populações guarani. Entre os objetos desse grupo que foram recuperados, além de lâminas de machado, faca, furadores e raspadores de pedra, estão os enfeites labiais, chamados de tembetás.