Sítio arqueológico com quase mil peças é achado em obras de metrô em SP; veja fotos


Fragmentos foram achados no sítio Lavapés; equipe especializada pediu autorização para ‘resgate emergencial’ de peças, que podem ter relação com história negra de São Paulo

Por Priscila Mengue
Atualização:

Em meio à mobilização pela preservação de possíveis remanescentes do Quilombo Saracura no Bixiga, acaba de ser registrado o 12º sítio arqueológico identificado em meio às obras da Linha 6-Laranja do metrô, desta vez na Liberdade, também no centro de São Paulo. Quase mil fragmentos de louça, cerâmica, vidro e outros materiais foram encontrados a mais de 2 metros de profundidade em um terreno onde antes funcionavam quadras cobertas de tênis, entre as Ruas Conselheiro Furtado e Senador Felício dos Santos. A estimativa é que datem dos séculos 19 e 20, nas imediações do Ribeirão do Lavapés, com a hipótese de que possam ter relação parcialmente com a história negra paulistana.

A descoberta foi batizada de sítio Lavapés, em referência ao ribeirão que passa pelo entorno, e ao caminho histórico percorrido por tropeiros rumo à Serra do Mar. O sítio foi registrado pela A Lasca — responsável pelo monitoramento arqueológico das obras do consórcio Linha Uni — no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deverá responder nos próximos dias sobre o pedido de “resgate emergencial” de novas peças. Os achados ficam em uma área de 587 m², parte das obras do poço de ventilação VSE Felício dos Santos, a pouco mais de 1 km da última estação da Linha 6, a São Joaquim.

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Após a autorização do Iphan, o procedimento padrão nesses casos é de novas escavações e a retirada de todos os artefatos, seguidos da posterior liberação da obra, como ocorreu em 10 dos 11 sítios até então identificados — com exceção do Saracura/Vai-Vai, cujo trabalho mais aprofundado aguarda novas diretrizes nacionais, diante da possibilidade de envolver vestígios de um quilombo urbano, e a conclusão da contenção do solo. As obras continuam no local, com acompanhamento arqueológico.

As primeiras peças do sítio Lavapés foram achadas no começo de abril, durante o acompanhamento da abertura de valas. A descoberta motivou novas prospecções em abril e maio, com o auxílio de maquinário pesado, como retroescavadeiras e escavadeiras.

No relatório enviado ao Iphan, a equipe arqueológica destaca que a região do Lavapés e do Glicério tem ocupação urbana de mais de um século, instalada na periferia das áreas paulistanas mais valorizadas (como o centro velho, por exemplo) e com forte presença da população negra.

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Nos últimos anos, o resgate da memória negra tanto do Bixiga quanto da Liberdade tem mobilizado pesquisadores e o movimento negro, com forte atuação pela garantia da preservação dos achados do sítio arqueológico da Estação 14 Bis, possivelmente ligados ao quilombo urbano Saracura, e do antigo Cemitério dos Aflitos, que será transformado em um memorial.

Fragmentos arqueológicos encontrados no Sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Professora da USP e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Cultura, Cidade e Diáspora (Labdias), a arquiteta e urbanista Ana Barone explicou ao Estadão que se trata de região com poucos registros históricos, pelo passado envolvendo um povoamento marginalizado e de obras urbanas que apagaram parte do passado.

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“A população mais pobre ocupava os terrenos mais baixos, sujeitos à inundação. Descia tanto para o lado do (Córrego) Saracura, à oeste do Morro da Liberdade, quanto do lado do Glicério, Lavapés, que fica a leste. Essas duas ocupações estão relacionadas”, afirma.

O VSE Felício dos Santos já havia passado por uma prospecção arqueológica em junho de 2021, porém apenas um fragmento de cerâmica havia sido encontrado nos quase 50 poços-teste (furos de cavadeira) feitos pela equipe especializada. Já os trabalhos de abril e maio deste ano identificaram ao todo 983 peças, das quais mais de dois terços são de louças e vidros, com a presença também de cerâmicas, couros, metais, ossos e outros materiais.

Canteiro de obras da VSE Felício dos Santos, onde foi encontrado sítio arqueológico durante obras da Linha 6-Laranja Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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‘Áreas do núcleo central de urbanização de SP associadas à comunidade negra’

O relatório de arqueologia da A Lasca destaca que a Liberdade é um dos bairros mais antigos de São Paulo, conhecido no século 17 como Campo dos Enforcados, marcado pela presença da forca e do Cemitério dos Aflitos, onde era sepultada a população mais marginalizada, principalmente a negra. “A população negra era a maioria no bairro desde o séc. XVII, sendo obrigada a se deslocar para as áreas menos centralizadas ao passo que a urbanização avançava no centro paulista”, aponta.

O sítio Lavapés reúne materiais que remetem à primeira metade do século 19 e ao período entre os séculos 19 e 20. “Logo se estivermos frente a um contexto secundário, ou de deposição em local específico, pode-se pensar na correlação entre estas áreas do núcleo central de urbanização de São Paulo associadas à comunidade negra, com destaque também para o sítio Cemitério dos Aflitos, no bairro da Liberdade, e o sítio Saracura/Vai-Vai, no bairro do Bixiga”, destaca o relatório.

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Fragmentos arqueológicos de vidro encontrados no Sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Como explica a equipe arqueológica, a região da Liberdade, Glicério e Cambuci era em parte ocupada historicamente por uma população majoritariamente negra, que trabalhava em ofícios variados, como de sapateiros, lavadeiras e alfaiates. Parte das edificações centenárias desse entorno são tombadas na esfera municipal desde 2019. Um dos marcos da memória negra desse entorno é a escola de samba Lavapés, uma das mais antigas em atividade na cidade, datada dos anos 1930.

Segundo o relatório, o sítio arqueológico fica em uma vizinhança sem vestígios de estruturas arquitetônicas antigas, o que indica que possivelmente seja um local de descarte de materiais. “É uma área que até meados da década de 1950 não tinha habitações representadas na cartografia histórica e por onde corria o Ribeirão do Lavapés”, explica.

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Além disso, pode estar associado em parte ao aterramento do Ribeirão do Lavapés. “Processo no qual pode ter havido movimentação de solo de lugares próximos e, com isso, a transposição de objetos de diferentes lugares, aspecto este comum na formação de sítios históricos em áreas urbanizadas”, diz o documento.

Peças encontradas no sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Milhares de artefatos arqueológicos foram encontrados nas obras da Linha 6-Laranja

A Linha 6-Laranja irá ligar a zona norte e o centro expandido paulistanos, da futura Estação Brasilândia até a São Joaquim, que hoje opera exclusivamente pela Linha 1-Azul. Após anos de obras paradas, os trabalhos arqueológicos foram retomados em 2021. Antes disso, em 2015 e 2016, já haviam sido identificados sítios na Freguesia do Ó, na zona norte, e Água Branca, oeste.

Como o Estadão mostrou, milhares de fragmentos arqueológicos dos séculos 19 e 20 foram encontrados durante as obras da Linha 6-Laranja, como trilhos de bonde, uma galeria subterrânea, louças variadas, vidros de medicamentos, brinquedos em meio a restos fabris e possíveis resquícios de um quilombo urbano. Os itens são basicamente testemunhos da industrialização e urbanização da capital paulista, majoritariamente identificados na zona oeste.

Peças de vidro encontradas no sítio arqueológico Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

O monitoramento arqueológico da Linha 6-Laranja envolve o acompanhamento de parte da rotina dos canteiros, geralmente durante intervenções no solo, como abertura de valas e terraplenagem, por exemplo. No caso do sítio Saracura/Vai-Vai, nas obras da Estação 14 Bis, as atividades ocorrem 24 horas diante do caráter excepcional do sítio, que com indícios de ligação a um quilombo urbano.

Nas obras da Linha 6-Laranja, a maioria dos achados é de louças, vidros e cerâmicas e foram encontrados em áreas no entorno do Rio Tietê. Na área da Estação Sesc Pompeia, por exemplo, foram coletados 18.695 remanescentes arqueológicos.

Também foram feitas descobertas na área central. Próximo do sítio Lavapés, o sítio São Joaquim I passou por trabalhos de resgate no início de 2022, por exemplo, com um total de 640 remanescentes variados, como cerâmica, louça, vidro, metal e outros, além de piso de tijolos de “dimensões reduzidas”. Pela história da região e características dos itens, os arqueólogos estimam que estejam ligados a descartes de medicamentos de hospitais e casas de saúde da região em meados do século passado.

Em nota, a Linha Uni confirmou a identificação do novo sítio arqueológico. “O plano de trabalho já foi elaborado pela empresa A Lasca e está em aprovação pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A concessionária aguarda a manifestação do instituto para dar seguimento aos trabalhos.”

Em meio à mobilização pela preservação de possíveis remanescentes do Quilombo Saracura no Bixiga, acaba de ser registrado o 12º sítio arqueológico identificado em meio às obras da Linha 6-Laranja do metrô, desta vez na Liberdade, também no centro de São Paulo. Quase mil fragmentos de louça, cerâmica, vidro e outros materiais foram encontrados a mais de 2 metros de profundidade em um terreno onde antes funcionavam quadras cobertas de tênis, entre as Ruas Conselheiro Furtado e Senador Felício dos Santos. A estimativa é que datem dos séculos 19 e 20, nas imediações do Ribeirão do Lavapés, com a hipótese de que possam ter relação parcialmente com a história negra paulistana.

A descoberta foi batizada de sítio Lavapés, em referência ao ribeirão que passa pelo entorno, e ao caminho histórico percorrido por tropeiros rumo à Serra do Mar. O sítio foi registrado pela A Lasca — responsável pelo monitoramento arqueológico das obras do consórcio Linha Uni — no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deverá responder nos próximos dias sobre o pedido de “resgate emergencial” de novas peças. Os achados ficam em uma área de 587 m², parte das obras do poço de ventilação VSE Felício dos Santos, a pouco mais de 1 km da última estação da Linha 6, a São Joaquim.

Após a autorização do Iphan, o procedimento padrão nesses casos é de novas escavações e a retirada de todos os artefatos, seguidos da posterior liberação da obra, como ocorreu em 10 dos 11 sítios até então identificados — com exceção do Saracura/Vai-Vai, cujo trabalho mais aprofundado aguarda novas diretrizes nacionais, diante da possibilidade de envolver vestígios de um quilombo urbano, e a conclusão da contenção do solo. As obras continuam no local, com acompanhamento arqueológico.

As primeiras peças do sítio Lavapés foram achadas no começo de abril, durante o acompanhamento da abertura de valas. A descoberta motivou novas prospecções em abril e maio, com o auxílio de maquinário pesado, como retroescavadeiras e escavadeiras.

No relatório enviado ao Iphan, a equipe arqueológica destaca que a região do Lavapés e do Glicério tem ocupação urbana de mais de um século, instalada na periferia das áreas paulistanas mais valorizadas (como o centro velho, por exemplo) e com forte presença da população negra.

Nos últimos anos, o resgate da memória negra tanto do Bixiga quanto da Liberdade tem mobilizado pesquisadores e o movimento negro, com forte atuação pela garantia da preservação dos achados do sítio arqueológico da Estação 14 Bis, possivelmente ligados ao quilombo urbano Saracura, e do antigo Cemitério dos Aflitos, que será transformado em um memorial.

Fragmentos arqueológicos encontrados no Sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Professora da USP e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Cultura, Cidade e Diáspora (Labdias), a arquiteta e urbanista Ana Barone explicou ao Estadão que se trata de região com poucos registros históricos, pelo passado envolvendo um povoamento marginalizado e de obras urbanas que apagaram parte do passado.

“A população mais pobre ocupava os terrenos mais baixos, sujeitos à inundação. Descia tanto para o lado do (Córrego) Saracura, à oeste do Morro da Liberdade, quanto do lado do Glicério, Lavapés, que fica a leste. Essas duas ocupações estão relacionadas”, afirma.

O VSE Felício dos Santos já havia passado por uma prospecção arqueológica em junho de 2021, porém apenas um fragmento de cerâmica havia sido encontrado nos quase 50 poços-teste (furos de cavadeira) feitos pela equipe especializada. Já os trabalhos de abril e maio deste ano identificaram ao todo 983 peças, das quais mais de dois terços são de louças e vidros, com a presença também de cerâmicas, couros, metais, ossos e outros materiais.

Canteiro de obras da VSE Felício dos Santos, onde foi encontrado sítio arqueológico durante obras da Linha 6-Laranja Foto: Daniel Teixeira/Estadão

‘Áreas do núcleo central de urbanização de SP associadas à comunidade negra’

O relatório de arqueologia da A Lasca destaca que a Liberdade é um dos bairros mais antigos de São Paulo, conhecido no século 17 como Campo dos Enforcados, marcado pela presença da forca e do Cemitério dos Aflitos, onde era sepultada a população mais marginalizada, principalmente a negra. “A população negra era a maioria no bairro desde o séc. XVII, sendo obrigada a se deslocar para as áreas menos centralizadas ao passo que a urbanização avançava no centro paulista”, aponta.

O sítio Lavapés reúne materiais que remetem à primeira metade do século 19 e ao período entre os séculos 19 e 20. “Logo se estivermos frente a um contexto secundário, ou de deposição em local específico, pode-se pensar na correlação entre estas áreas do núcleo central de urbanização de São Paulo associadas à comunidade negra, com destaque também para o sítio Cemitério dos Aflitos, no bairro da Liberdade, e o sítio Saracura/Vai-Vai, no bairro do Bixiga”, destaca o relatório.

Fragmentos arqueológicos de vidro encontrados no Sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Como explica a equipe arqueológica, a região da Liberdade, Glicério e Cambuci era em parte ocupada historicamente por uma população majoritariamente negra, que trabalhava em ofícios variados, como de sapateiros, lavadeiras e alfaiates. Parte das edificações centenárias desse entorno são tombadas na esfera municipal desde 2019. Um dos marcos da memória negra desse entorno é a escola de samba Lavapés, uma das mais antigas em atividade na cidade, datada dos anos 1930.

Segundo o relatório, o sítio arqueológico fica em uma vizinhança sem vestígios de estruturas arquitetônicas antigas, o que indica que possivelmente seja um local de descarte de materiais. “É uma área que até meados da década de 1950 não tinha habitações representadas na cartografia histórica e por onde corria o Ribeirão do Lavapés”, explica.

Além disso, pode estar associado em parte ao aterramento do Ribeirão do Lavapés. “Processo no qual pode ter havido movimentação de solo de lugares próximos e, com isso, a transposição de objetos de diferentes lugares, aspecto este comum na formação de sítios históricos em áreas urbanizadas”, diz o documento.

Peças encontradas no sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Milhares de artefatos arqueológicos foram encontrados nas obras da Linha 6-Laranja

A Linha 6-Laranja irá ligar a zona norte e o centro expandido paulistanos, da futura Estação Brasilândia até a São Joaquim, que hoje opera exclusivamente pela Linha 1-Azul. Após anos de obras paradas, os trabalhos arqueológicos foram retomados em 2021. Antes disso, em 2015 e 2016, já haviam sido identificados sítios na Freguesia do Ó, na zona norte, e Água Branca, oeste.

Como o Estadão mostrou, milhares de fragmentos arqueológicos dos séculos 19 e 20 foram encontrados durante as obras da Linha 6-Laranja, como trilhos de bonde, uma galeria subterrânea, louças variadas, vidros de medicamentos, brinquedos em meio a restos fabris e possíveis resquícios de um quilombo urbano. Os itens são basicamente testemunhos da industrialização e urbanização da capital paulista, majoritariamente identificados na zona oeste.

Peças de vidro encontradas no sítio arqueológico Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

O monitoramento arqueológico da Linha 6-Laranja envolve o acompanhamento de parte da rotina dos canteiros, geralmente durante intervenções no solo, como abertura de valas e terraplenagem, por exemplo. No caso do sítio Saracura/Vai-Vai, nas obras da Estação 14 Bis, as atividades ocorrem 24 horas diante do caráter excepcional do sítio, que com indícios de ligação a um quilombo urbano.

Nas obras da Linha 6-Laranja, a maioria dos achados é de louças, vidros e cerâmicas e foram encontrados em áreas no entorno do Rio Tietê. Na área da Estação Sesc Pompeia, por exemplo, foram coletados 18.695 remanescentes arqueológicos.

Também foram feitas descobertas na área central. Próximo do sítio Lavapés, o sítio São Joaquim I passou por trabalhos de resgate no início de 2022, por exemplo, com um total de 640 remanescentes variados, como cerâmica, louça, vidro, metal e outros, além de piso de tijolos de “dimensões reduzidas”. Pela história da região e características dos itens, os arqueólogos estimam que estejam ligados a descartes de medicamentos de hospitais e casas de saúde da região em meados do século passado.

Em nota, a Linha Uni confirmou a identificação do novo sítio arqueológico. “O plano de trabalho já foi elaborado pela empresa A Lasca e está em aprovação pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A concessionária aguarda a manifestação do instituto para dar seguimento aos trabalhos.”

Em meio à mobilização pela preservação de possíveis remanescentes do Quilombo Saracura no Bixiga, acaba de ser registrado o 12º sítio arqueológico identificado em meio às obras da Linha 6-Laranja do metrô, desta vez na Liberdade, também no centro de São Paulo. Quase mil fragmentos de louça, cerâmica, vidro e outros materiais foram encontrados a mais de 2 metros de profundidade em um terreno onde antes funcionavam quadras cobertas de tênis, entre as Ruas Conselheiro Furtado e Senador Felício dos Santos. A estimativa é que datem dos séculos 19 e 20, nas imediações do Ribeirão do Lavapés, com a hipótese de que possam ter relação parcialmente com a história negra paulistana.

A descoberta foi batizada de sítio Lavapés, em referência ao ribeirão que passa pelo entorno, e ao caminho histórico percorrido por tropeiros rumo à Serra do Mar. O sítio foi registrado pela A Lasca — responsável pelo monitoramento arqueológico das obras do consórcio Linha Uni — no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deverá responder nos próximos dias sobre o pedido de “resgate emergencial” de novas peças. Os achados ficam em uma área de 587 m², parte das obras do poço de ventilação VSE Felício dos Santos, a pouco mais de 1 km da última estação da Linha 6, a São Joaquim.

Após a autorização do Iphan, o procedimento padrão nesses casos é de novas escavações e a retirada de todos os artefatos, seguidos da posterior liberação da obra, como ocorreu em 10 dos 11 sítios até então identificados — com exceção do Saracura/Vai-Vai, cujo trabalho mais aprofundado aguarda novas diretrizes nacionais, diante da possibilidade de envolver vestígios de um quilombo urbano, e a conclusão da contenção do solo. As obras continuam no local, com acompanhamento arqueológico.

As primeiras peças do sítio Lavapés foram achadas no começo de abril, durante o acompanhamento da abertura de valas. A descoberta motivou novas prospecções em abril e maio, com o auxílio de maquinário pesado, como retroescavadeiras e escavadeiras.

No relatório enviado ao Iphan, a equipe arqueológica destaca que a região do Lavapés e do Glicério tem ocupação urbana de mais de um século, instalada na periferia das áreas paulistanas mais valorizadas (como o centro velho, por exemplo) e com forte presença da população negra.

Nos últimos anos, o resgate da memória negra tanto do Bixiga quanto da Liberdade tem mobilizado pesquisadores e o movimento negro, com forte atuação pela garantia da preservação dos achados do sítio arqueológico da Estação 14 Bis, possivelmente ligados ao quilombo urbano Saracura, e do antigo Cemitério dos Aflitos, que será transformado em um memorial.

Fragmentos arqueológicos encontrados no Sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Professora da USP e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Cultura, Cidade e Diáspora (Labdias), a arquiteta e urbanista Ana Barone explicou ao Estadão que se trata de região com poucos registros históricos, pelo passado envolvendo um povoamento marginalizado e de obras urbanas que apagaram parte do passado.

“A população mais pobre ocupava os terrenos mais baixos, sujeitos à inundação. Descia tanto para o lado do (Córrego) Saracura, à oeste do Morro da Liberdade, quanto do lado do Glicério, Lavapés, que fica a leste. Essas duas ocupações estão relacionadas”, afirma.

O VSE Felício dos Santos já havia passado por uma prospecção arqueológica em junho de 2021, porém apenas um fragmento de cerâmica havia sido encontrado nos quase 50 poços-teste (furos de cavadeira) feitos pela equipe especializada. Já os trabalhos de abril e maio deste ano identificaram ao todo 983 peças, das quais mais de dois terços são de louças e vidros, com a presença também de cerâmicas, couros, metais, ossos e outros materiais.

Canteiro de obras da VSE Felício dos Santos, onde foi encontrado sítio arqueológico durante obras da Linha 6-Laranja Foto: Daniel Teixeira/Estadão

‘Áreas do núcleo central de urbanização de SP associadas à comunidade negra’

O relatório de arqueologia da A Lasca destaca que a Liberdade é um dos bairros mais antigos de São Paulo, conhecido no século 17 como Campo dos Enforcados, marcado pela presença da forca e do Cemitério dos Aflitos, onde era sepultada a população mais marginalizada, principalmente a negra. “A população negra era a maioria no bairro desde o séc. XVII, sendo obrigada a se deslocar para as áreas menos centralizadas ao passo que a urbanização avançava no centro paulista”, aponta.

O sítio Lavapés reúne materiais que remetem à primeira metade do século 19 e ao período entre os séculos 19 e 20. “Logo se estivermos frente a um contexto secundário, ou de deposição em local específico, pode-se pensar na correlação entre estas áreas do núcleo central de urbanização de São Paulo associadas à comunidade negra, com destaque também para o sítio Cemitério dos Aflitos, no bairro da Liberdade, e o sítio Saracura/Vai-Vai, no bairro do Bixiga”, destaca o relatório.

Fragmentos arqueológicos de vidro encontrados no Sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Como explica a equipe arqueológica, a região da Liberdade, Glicério e Cambuci era em parte ocupada historicamente por uma população majoritariamente negra, que trabalhava em ofícios variados, como de sapateiros, lavadeiras e alfaiates. Parte das edificações centenárias desse entorno são tombadas na esfera municipal desde 2019. Um dos marcos da memória negra desse entorno é a escola de samba Lavapés, uma das mais antigas em atividade na cidade, datada dos anos 1930.

Segundo o relatório, o sítio arqueológico fica em uma vizinhança sem vestígios de estruturas arquitetônicas antigas, o que indica que possivelmente seja um local de descarte de materiais. “É uma área que até meados da década de 1950 não tinha habitações representadas na cartografia histórica e por onde corria o Ribeirão do Lavapés”, explica.

Além disso, pode estar associado em parte ao aterramento do Ribeirão do Lavapés. “Processo no qual pode ter havido movimentação de solo de lugares próximos e, com isso, a transposição de objetos de diferentes lugares, aspecto este comum na formação de sítios históricos em áreas urbanizadas”, diz o documento.

Peças encontradas no sítio Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

Milhares de artefatos arqueológicos foram encontrados nas obras da Linha 6-Laranja

A Linha 6-Laranja irá ligar a zona norte e o centro expandido paulistanos, da futura Estação Brasilândia até a São Joaquim, que hoje opera exclusivamente pela Linha 1-Azul. Após anos de obras paradas, os trabalhos arqueológicos foram retomados em 2021. Antes disso, em 2015 e 2016, já haviam sido identificados sítios na Freguesia do Ó, na zona norte, e Água Branca, oeste.

Como o Estadão mostrou, milhares de fragmentos arqueológicos dos séculos 19 e 20 foram encontrados durante as obras da Linha 6-Laranja, como trilhos de bonde, uma galeria subterrânea, louças variadas, vidros de medicamentos, brinquedos em meio a restos fabris e possíveis resquícios de um quilombo urbano. Os itens são basicamente testemunhos da industrialização e urbanização da capital paulista, majoritariamente identificados na zona oeste.

Peças de vidro encontradas no sítio arqueológico Lavapés Foto: Projeto de Resgate Arqueológico - Sítio Lavapés/A Lasca

O monitoramento arqueológico da Linha 6-Laranja envolve o acompanhamento de parte da rotina dos canteiros, geralmente durante intervenções no solo, como abertura de valas e terraplenagem, por exemplo. No caso do sítio Saracura/Vai-Vai, nas obras da Estação 14 Bis, as atividades ocorrem 24 horas diante do caráter excepcional do sítio, que com indícios de ligação a um quilombo urbano.

Nas obras da Linha 6-Laranja, a maioria dos achados é de louças, vidros e cerâmicas e foram encontrados em áreas no entorno do Rio Tietê. Na área da Estação Sesc Pompeia, por exemplo, foram coletados 18.695 remanescentes arqueológicos.

Também foram feitas descobertas na área central. Próximo do sítio Lavapés, o sítio São Joaquim I passou por trabalhos de resgate no início de 2022, por exemplo, com um total de 640 remanescentes variados, como cerâmica, louça, vidro, metal e outros, além de piso de tijolos de “dimensões reduzidas”. Pela história da região e características dos itens, os arqueólogos estimam que estejam ligados a descartes de medicamentos de hospitais e casas de saúde da região em meados do século passado.

Em nota, a Linha Uni confirmou a identificação do novo sítio arqueológico. “O plano de trabalho já foi elaborado pela empresa A Lasca e está em aprovação pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A concessionária aguarda a manifestação do instituto para dar seguimento aos trabalhos.”

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