Cinco meses antes de ser morto no Aeroporto de Guarulhos, o empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach entregou aos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) documentos, mensagens e gravações sobre o esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas com a compra de imóveis na Riviera de São Lourenço, condomínio de alto padrão no litoral norte paulista.
E ainda colocou luz sobre o acusado de ser um dos principais operadores financeiros do Primeiro Comando da Capital (PCC): Ademir Pereira de Andrade - a defesa dele não foi localizada pela reportagem.
O nome de Andrade aparece ao lado de seis réus no processo sobre lavagem de dinheiro na 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital – são dois parentes de Gritzbach, usados como laranjas pelo delator, os empresários Francisco José Schmidt Correa e Claudemir Bonfim e o corretor de imóveis Manoel Leopoldino Neto.
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Os sete estariam supostamente envolvidos na venda de duas casas ao traficante Cláudio Marcos de Almeida, o Django, que adquiria imóveis na Riviera para familiares e amantes. Só em duas das operações teriam sido lavados R$ 11,5 milhões.
Os réus negam as acusações. Já Gritzabach confessou em seu acordo de delação premiada que atuava para traficantes do PCC a fim de lavar dinheiro do tráfico na compra de imóveis.
Trata-se da primeira denúncia do Ministério Público Estadual que usa informações da delação premiada de Gritzbach, executado em 8 de novembro com tiros de fuzil em Guarulhos, na Grande São Paulo.
A denúncia do Gaeco, a turma do Tatuapé e o tráfico na zona leste
Segundo a delação de Gritzbach e a denúncia apresentada pelo Gaeco, Ademir Andrade, Leopoldino Neto e Gritzbach foram em 6 de outubro de 2021 a um tabelião de notas, na Avenida São Luís, no centro de São Paulo, e usaram o nome do Douglas da Silva Relva, tio do delator, para registrar em nome dele uma casa na Alameda Brava, na Riviera de São Lourenço.
Pagaram R$ 2,5 milhões pelo imóvel. O verdadeiro comprador, no entanto, não estava lá. Era Django.
Meses antes, outro parente de Gritzbach – o primo Douglas Lopes Relva – havia sido usado como laranja em outro negócio na Riviera: a compra de uma casa na mesma Rua Brava. Era um negócio de R$ 2,2 milhões. Daquela vez, os mesmos personagens compareceram em outro tabelião de notas, na Vila Regente Feijó, na região do Tatuapé, zona leste, onde a operação foi registrada.
Mais uma vez se tratava de lavar dinheiro dos negócios ilícitos de Django, que seria assassinado em 23 de janeiro de 2022. Django foi réu no primeiro megaprocesso sobre a facção, aberto em 2013, por iniciativa do Gaeco, após quatro anos de investigações. Ele era sócio do traficante Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta – assassinado em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé – e responsável por fornecer fuzis ao PCC.
Os dois, em parceria com Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, gerenciavam o tráfico para a facção. Tinham como base de atuação a Cooperativa de Transportes Autônomos, na zona leste, conhecida como Aliança Paulista – a cooperativa seria a origem da empresa de ônibus UPBus, hoje sob intervenção da Prefeitura de São Paulo após a investigação sobre a captura de parte do sistema de transporte público pela facção. Foi ali que Cebola foi preso com 654 quilos de maconha, em 2012 – atualmente, ele está foragido.
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De acordo com os promotores, Gritzbach usou laranjas para registrar imóveis dos três - o que Cebola nega. Foi nos dois imóveis de Django na Riviera de São Lourenço que apareceu o nome de Ademir. O imóvel de Schmidt Correa teria sido posto à venda por seu proprietário pelo valor de R$ 3 milhões. O traficante ofereceu, por intermédio de um corretor uma proposta de R$ 2,5 milhões, sendo R$ 1,5 milhão à vista e R$ 1 milhão em dez parcelas.
Conforme o Gaeco, Leopoldino, o corretor de imóveis, pediu ajuda a Gritzbach para a negociação. Ainda segundo o delator, o empresário sabia que o verdadeiro comprador era Django.
Schmidt Correa teria combinado com o futuro delator que a escritura iria registrar a venda por R$ 2,5 milhões, mas o imóvel seria negociado por R$ 5,5 milhões ou R$ 6 milhões, conforme mensagens trocadas pelos dois e entregues por Gritzbach aos promotores.
A primeira parcela – de R$ 1,5 milhão – foi levada pelo primo de Gritzbach, de helicóptero, até a casa do empresário, em Rio Claro, no interior paulista. As outras dez parcelas previstas na escritura foram pagas por Gritzbach ao empresário por intermédio de empresas dele e por meio de Ademir Andrade.
Ademir costumava se dirigir a Gritzbach como “patrão”. O nome de Ademir havia ficado de fora das investigações que levaram à Operação Fim da Linha, sobre a captura de contratos de ônibus pelo PCC, mas havia aparecido no inquérito sobre a morte de Rafael Maeda, o Japa do PCC.
O imóvel comprado por Django na Riviera foi alvo de busca e apreensão e lá foi encontrado um compartimento secreto em um guarda-roupa. Segundo o Gaeco, esse local “dá acesso direto ao telhado do imóvel, o que possibilitaria, além do armazenamento de drogas, armas e dinheiro, a fuga.
No outro imóvel comprado na Riviera, o vendedor foi o empresário Claudemir Bonfim. Ele e Gritzbach teriam se conhecido dentro de uma empresa de gestão e negócios imobiliários, no Jardim Anália Franco, na região do Tatuapé. A exemplo do primeiro imóvel, segundo os promotores, o valor que constou na escritura de venda foi de R$ 2,2 milhões enquanto a transação saiu por R$ 5,5 milhões.
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Mais uma vez, o operador que se encarregou de repassar o dinheiro de Django para o comprador foi Ademir Andrade, conforme comprovantes entregues por Gritzbach em sua delação. A propriedade foi transferida para o primo do delator – Douglas Relva.
Nesse imóvel os promotores encontraram um recibo de compra de remédio em nome da mãe de Django, o que para eles ajuda a demonstrar quem era o verdadeiro proprietário.
Em seus depoimentos á polícia os empresários apresentaram datas para os negócios diferentes daquelas usadas pelo Gaeco na denúncia.
O que dizem os acusados
A defesa de Ademir de Andrade não foi localizada. A reportagem não conseguiu contato com o advogado Jeferson Carlos Britto de Alcântara, que defende o tio e o primo do delator da acusação de lavagem de dinheiro. Nos autos do processo, a defesa pediu acesso às gravações dos depoimentos da delação de Gritzbach para poder se manifestar.
Também não conseguiu localizar os empresários Correa e Bonfim, bem como suas defesas, assim como a do corretor de imóveis Leopoldino Neto.
No inquérito que investigou o caso, Bonfim disse que construiu a casa e a pôs à venda em 2017. Disse ter sido procurado por Douglas Lopes Relva, o primo de Gritzbach. Afirmou ainda só que foi conhecer o delator quando fechou a venda. Depois, afirmou ter visto Django saindo de seu ex-imóvel, na Riviera, mas disse desconhecer que ele fosse do PCC.
Já Schmidt Correa afirmou ao depor que recebeu a proposta de R$ 3 milhões pelo imóvel por meio do corretor de imóveis Leopoldino. Ele disse que a proposta era de uma pessoa chamada Cláudio, que ele desconhecia.
“Apesar de não saber quem era Cláudio, soube que ele era proprietário de mais três casas na Riviera de São Lourenço”, afirmou o empresário. “Ele adquiria as casas para suas amantes”, afirmou o empresário.
Schmidt Correa afirmou ainda que só soube que Django era integrante do PCC quando a notícia sobre sua morte foi publicada pela imprensa.
Por fim, Leopoldino confirmou ter sido procurado por Django, mas que, a exemplo do empresário, só soube que se tratava de um traficante quando ele morreu. O corretor recebeu R$ 100 mil de comissão pela venda. Em nenhum momento, os acusados admitiram ter recebido qualquer quantia além daquelas registradas nas escrituras.
Já o criminalista Anderson Minichillo, que defende Cebola, afirmou que “não houve nenhuma negociação” por parte de Cebola com o imóvel que Gritzbach disse em sua delação ter sido vendido ao traficante.
Histórico das mortos e da lavagem de dinheiro
Com a delação de Gritzbach, os promotores do Gaeco o incluíram no processo que o delator respondia desde 2023 sob a acusação de lavagem de dinheiro. Até então, só o delator, seu tio e seu primo eram acusados de lavar dinheiro de Django, um dos líderes do tráfico na zona leste, operando na favela Caixa d’Água, na região de Cangaíba.
Django, Cara Preta e o Cebola eram os chefes do tráfico na região, o chamado progresso. Atuavam ainda na sintonia do tomate, o tráfico internacional de drogas do PCC. Rafael Maeda, o Japa do PCC, também atuava no progresso.
Todos lavavam dinheiro em imóveis no Tatuapé, no litoral e em Alphaville, em Barueri, na Grande Sâo Paulo. Também investiriam em fintechs e em jogadores de futebol. Os tentáculos da facção e de seus membros se estendem ainda pelos postos de gasolina, restaurantes, estacionamentos, máquinas de cartão bancário, shows de funk e sites de apostas.
Para o Ministério Público, a compra dos dois imóveis feitas por Django na Riviera de São Lourenço deve ser analisada dentro desse contexto e do que houve depois: a sequência de mortes dos traficantes Cara Preta, Django e Maeda, durante o acerto de contas ocorrido na facção por causa do sumiço de R$ 100 milhões que foram investidos em criptomoedas.
Gritzbach e um investidor em criptoativos foram acusados inicialmente como mandantes de um desses crimes – o assassinato de Cara Preta, em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé –, mas só Gritzbach e um policial penal, que teria sido o intermediário que contratou o pistoleiro, foram denunciados pelo crime.
Gritzbach negava ser mandante do homicídio. Logo depois de ser posto em liberdade, ele foi sequestrado por bandidos do PCC.
Django participava do chamado tribunal do crime e decidiu liberar o empresário sob o argumento de que se o matasse nunca mais seria possível recuperar a chave que permitiria reaver as criptomoedas. Acusado de ser leniente com Gritzbach em razão de seus negócios com o empresário, Django foi morto e seu corpo, jogado embaixo de um viaduto na zona leste.
O último a morrer entre os três, foi Maeda, o Japa do PCC. O corpo dele foi achado com um tiro na cabeça e uma pistola na mão, sentado no banco do motorista de um Toyota Corolla, às 17h30 de 4 de maio de 2023, na garagem de um prédio no Tatuapé. Maeda era suspeito de ter participado da morte de Django. Assim como no caso de Gritzbach e de Cara Preta, sua morte expôs as disputas internas da facção e a ação de policiais corruptos.
Em 16 de agosto de 2024, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e a Corregedoria da Polícia Civil fizeram a Operação Sexta-Feira, cumprindo mandados de busca em 13 endereços. A suspeita é de que Maeda tenha sido obrigado a se matar e que policiais civis teriam obstruído as investigações, sumindo com provas. Em 8 de novembro, foi a vez de Gritzbach ser executado a tiros de fuzil no Aeroporto de Guarulhos.