Basta começar a chover que muitos paulistanos já ficam apreensivos com a possibilidade de apagão na rede elétrica. Neste feriado, a tempestade prejudicou o abastecimento de energia de 2,1 milhões de consumidores na Grande São Paulo - cerca de 500 mil ainda estavam no escuro no início da manhã desta segunda-feira, 6. E, com o agravamento das mudanças climáticas, a tendência é de que temporais e ventanias fiquem mais intensos e frequentes.
E qual é a saída para não terminar o dia à luz de velas? Segundo especialistas, as soluções passam por melhor manejo de árvores e enterrar a fiação, o que envolve custos altos e desafios logísticos. A previsão da concessionária Enel, responsável por fornecer energia na cidade de São Paulo, é de restabelecimento total só nesta terça-feira, 7. O Ministério da Justiça e o governo estadual já cobraram resposta mais veloz da empresa.
Entre os que enfrentam transtornos, estão pacientes que dependem da rede de energia para continuar o tratamento médico. “Meu filho precisa dos aparelhos ligados para sobreviver”, diz Cristiane Ducati, cuja criança tem Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1. Na casa deles, há uma UTI domiciliar para o garoto, Pedro, de 12 anos.
“A rede elétrica é essencialmente aérea desde que Thomas Edison (1847-1931) fez a 1ª iluminação pública em Nova Iorque”, afirma Paulo Barreto, coordenador da Divisão de Sistemas do Instituto de Engenharia. “Debate-se muito a rede elétrica passar a ser subterrânea, mas é uma ação de longo prazo. Embora não se possa pensar nisso para o próximo verão, é preciso começar agora para que mais adiante os efeitos sejam minimizados.”
Ele sugere um mapeamento para enterrar as redes prioritariamente em locais de grande concentração de árvores, as principais responsáveis pelo rompimento das redes, e outros que sejam relevantes, como áreas hospitalares, de escolas e serviços públicos.
“Obviamente é algo que já deveria ter sido feito há muitos anos. Agora não há tempo e dinheiro para se fazer de forma geral, daí a necessidade de um programa de prioridades.” Conforme Barreto, o problema expõe falhas do modelo de privatização. “Quando a distribuição de energia saiu da estatal para a empresa privada, isso deveria estar previsto no contrato”, diz.
“Não se concebe uma cidade sem arborização, mas há contingente enorme de árvores em condições de queda por envelhecimento, podridão e concretagem da raiz. O concreto restringe o crescimento das raízes e deixa a árvore vulnerável. Além disso, galhos com água e seiva, ao tocar a fiação, produzem o curto-circuito.” Segundo Barreto, há soluções técnicas para enterrar a fiação sem interferir no enraizamento das árvores - Alemanha e França avançaram nessa direção.
“Para se adaptar às novas condições impostas, uma das questões básicas é cuidar intensamente da manutenção das áreas verdes, verificar se as árvores estão saudáveis, a necessidade de podas corretivas para que possam resistir a eventos climáticos mais extremos”, diz Pedro Luis Côrtes, professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da USP.
Projeto de 2018 para enterrar fios atrasou
Em 2018, a primeira etapa do projeto SP Sem Fio foi entregue pelo então prefeito João Doria (na época no PSDB), com o enterramento de 30 quilômetros de cabos aéreos e a remoção de 102 postes, no Bom Retiro, região central.
O projeto previa enterrar 65,2 km de fios e retirar cerca de 3 mil postes até 2018, mas depois adiou a meta para 2024. Houve novas ações na Vila Olímpia e no centro, mas o projeto ainda não foi concluído. Segundo a Prefeitura, até o momento estão em execução ou foram enterrados 24,3 km de fios de redes aéreas na capital. Com a retirada da fiação, 707 postes foram removidos.
A Prefeitura de São Paulo informou que, através da Secretaria Municipal das Subprefeituras, gerencia o programa SP Sem Fios, e organiza o interesse das empresas em um plano comum de trabalho para retirada dos fios e postes na cidade. “O programa está em andamento e 57% já foi concluído. As empresas que estão no SP Sem Fios são: Enel, Ilumina SP, empresas de telecomunicação e a SPTrans (por conta dos trólebus)”, disse, em nota.
Segundo o Município, essas empresas não são obrigadas a enterrar os cabos, mas essa medida melhora o serviço, combatendo o furto e a queda na rede. “A Prefeitura não arca com os custos de reposição de cabos e fios e nem com a retirada deles. As vias contempladas atendem aos seguintes critérios: vias com grande número de furtos, alta queda da rede e excesso de fiação aérea, além da quantidade de árvores na região.”
Para o engenheiro civil Silvio Peres, consultor em engenharia industrial, a fiação subterrânea pode abranger, além da rede elétrica, os cabos de telefonia e TV, reduzindo o risco de apagões e da queda de raios em áreas urbanas.
“Há também melhoria no impacto visual, mas a transformação de rede aérea para subterrânea não é simples”, alerta ele.
“Em uma metrópole como São Paulo, é preciso encontrar espaço entre as ruas e calçadas para as canaletas que receberão os cabos enterrados e a construção das caixas de passagem para as câmaras de transformação, onde ficam os transformadores e chaves de desligamento”.
Os custos da transformação são elevados, mas ele entende que os benefícios são maiores. “Além de evitar ou reduzir os apagões causados por vento e chuva, os postes de concreto podem ser substituídos por um projeto de iluminação mais leve.”
O engenheiro lembra que, onde não for possível enterrar a fiação, o risco de interferência na rede aérea pode ser reduzido com arborização adequada. “A iluminação pública por cabos aéreos e a arborização urbana, que traz muitos benefícios ambientais, devem andar juntas”, disse.
Para o engenheiro elétrico Ermínio Cesar Belvedere, consultor e ex-coordenador de rede subterrânea da então Eletropaulo, enterrar os cabos de eletricidade que hoje são aéreos não é viável para toda a cidade de São Paulo devido ao custo e à dificuldade de implantação. “É uma obra complicada, teria de parar a cidade. Levamos quase um ano para fazer 2,2 quilômetros na Avenida 9 de Julho. Estimo que levaria 300 anos para fazer o processo na cidade toda, a um custo absurdo.”
Ele considera que o uso intensivo de cabos para distribuição de energia pode estar com os dias contados. “Hoje já temos o aquecimento solar ou o gás para aquecer a água, o sistema fotovoltaico para alimentar as lâmpadas, baterias que armazenam a energia. No futuro, não vamos ser tão dependentes dos cabos, então talvez não valha a pena investir tanto em algo que a gente pode não usar.”
Enel diz ter ampliado investimentos
A Enel São Paulo informou em nota que seus indicadores de qualidade estão em patamares melhores do que as metas regulatórias e que, desde a aquisição da Eletropaulo, realiza média anual de investimentos de R$ 1,3 bilhão, ante R$ 800 milhões por ano investidos anteriormente.
Neste ano, a resposta de recuperação da rede está mais efetiva do que em 2019, quando a capital foi atingida por fortes chuvas. Segundo a empresa, após a ventania, 960 mil clientes tiveram o fornecimento normalizado em 24 horas.
A concessionária não comentou sobre o programa de enterramento de fios na capital. Procuradas pela reportagem, a Prefeitura e o governo paulista não responderam.
Em coletiva de imprensa, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que o Estado não está “preparado” para eventos climáticos extremos. Disse também que pretende propor um termo de ajustamento de conduta (TAC) para ressarcir os afetados.
Aneel diz cobrar empresas e promete discutir medidas preventivas
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor, informou que, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia, tem monitorado os impactos provocados pelas fortes chuvas no Estado de São Paulo, no que se refere ao fornecimento de energia elétrica.
A Aneel disse ter cobrado o restabelecimento da energia “com a maior brevidade possível”.
Perguntada sobre alternativas tecnológicas e para reduzir a vulnerabilidade das redes, como o enterramento dos fios, e se planos de contingência estão previstos nos contratos com as distribuidoras, a agência informou que nesta segunda, se reunirá na Prefeitura de São Paulo com representantes do município e das distribuidoras para “discutir ações futuras e medidas preventivas para deixar a rede de distribuição menos vulnerável aos eventos climáticos”.
A cidade de São Paulo tem aproximadamente 7% de sua rede elétrica em formato subterrâneo, segundo a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp).
Tecnicamente, é possível aumentar esse percentual, mas haverá impacto na tarifa devido ao maior custo, segundo a agência. No Brasil, apenas 0,4% das redes urbanas de energia são enterradas, sendo que a cidade do Rio de Janeiro tem o maior percentual: cerca de 11%.
Conforme a agência, eventos climáticos como o ocorrido na última sexta-feira, 3, no município de São Paulo e em outras regiões do Estado são muito graves para as redes de distribuição, considerando que elas também são diretamente expostas ao tempo. “Existem várias tecnologias de construção de redes mais robustas para mitigar interrupções de energia elétrica, sendo que muitas delas vêm sendo aplicadas pelas distribuidoras em áreas de muita arborização”, disse.
Ainda segundo a Arsesp, até que ocorra uma mudança tecnológica, o manejo de arborização por espécies mais adequadas ao cenário urbano pode ser uma solução atenuante para eventos climáticos mais severos.
“As redes subterrâneas também são uma alternativa técnica viável em substituição às redes aéreas convencionais, porém seu custo é bem superior, o que pode impactar nas tarifas pagas pelos consumidores. Para que isso ocorra, é necessário a realização de estudos específicos de viabilidade, versus impacto tarifário, por parte da Aneel, a agência federal”, disse.
Em Sorocaba, um 1/3 da cidade no escuro e remédios perdidos
Em Sorocaba, interior de São Paulo, cerca de 30% da cidade continuava sem energia elétrica na manhã desta segunda, conforme a prefeitura. O apagão já durava mais de 60 horas e até medicamentos se perderam por falta de refrigeração.
O município e o Procon notificaram a empresa CPFL Piratininga pela demora no restabelecimento da energia. Na noite deste domingo, 5, veículos da CPFL receberam escolta da Polícia Militar para atender as ocorrências.
Alguns bairros estavam também sem água em razão do apagão elétrico – a prefeitura informou que em 90% da cidade o abastecimento foi normalizado. Moradores relataram perda de alimentos e medicamentos, como insulina, armazenados em geladeiras e freezers. Na região, a falta de energia atingiu também Salto de Pirapora, Araçoiaba da Serra, São Roque e Capela do Alto.
Em nota, a CPFL Piratininga informou que “ventos acima de 151 km/h, velocidade equivalente à de um furacão” provocaram severos impactos sobre trechos da rede elétrica em diversas cidades, inclusive Sorocaba.
Todo o efetivo da distribuidora foi mobilizado e, apesar dos danos, cerca de 90% dos clientes tiveram o fornecimento restabelecido. A CPFL disse que, só em Sorocaba, investiu R$ 22,5 milhões em obras e iniciativas de expansão e manutenção do atendimento.