Quando você estiver andando na região da Sé, no centro da cidade, vai ter um motivo especial para olhar para cima, nem que seja por alguns segundos. O prédio do número 167 da rua Tabatinguera ganhou uma obra de arte que ocupa os 18 andares de sua parede lateral.
A obra intitulada “Respirar” retrata uma mulher negra sorridente, satisfeita e feliz, olhando para cima. O retrato foi criado pela artista visual e grafiteira Gugie Cavalcanti, de 31 anos. Como artista multimídia, esta brasiliense que cresceu e vive atualmente em Florianópolis (SC) desenvolve sua poética em muros, telas, performances e desenhos digitais. É sua segunda empena em São Paulo, a outra está localizada em Guarulhos na região metropolitana.
Como mulher negra e mãe, ela utiliza a arte nas ruas como um espaço de diálogo e visibilização. Juntando a artista e a mulher, ela pesquisa “o processo criativo do afeto”. A obra é um afago, um cafuné, uma homenagem. A mulher retratada é real: a costureira criativa Aldelice Braga, dona de um ateliê de afroartesanato também em Floripa, dançarina afro e amiga de Gugie.
“Eu pintei a Aldelice porque ela é minha amiga e uma referência pessoal de uma mulher negra forte, autônoma, livre, que dança... ela respira. Quando eu apresento amigos desta forma, o público geralmente vê com carinho as memórias de seus próprios amigos”, diz.
A produção da obra ficou a cargo da Gentilização, produtora de arte urbana em grandes proporções criada em 2015 e que prioriza, em sua curadoria, artistas negros, periféricos, mulheres e LGBTQIA+. A arte “Respirar”, por exemplo, foi feita majoritariamente por mulheres.
A produtora facilita o acesso dos artistas às ferramentas legais de produção de arte pública, utilizando os espaços como plataforma de arte, denúncia e manifestação de vivências diversas. A produtora participa de editais públicos, privados e também de projetos específicos de marcas e empresas.
Ao longo de nove anos, a empresa já viabilizou a construção de mais de 120 obras em São Paulo, Campinas, Salvador, Brasília e Belém.
A empresária, curadora e produtora cultural Vera Nunes, fundadora da Gentilização, explica que o nome da entidade nasceu em oposição ao termo “gentrificação”, transformação do perfil social dos bairros que provoca sua valorização mercadológica e a expulsão de antigos moradores.
“Decidi trabalhar outra narrativa, que seria a gentilização. O meu contraponto é que a cidade não precisa ser gentrificada; ela precisa ser gentilizada. Uma cidade que pudesse exibir nas suas paredes e nos seus territórios comuns a gentileza como prática”, diz Vera.
Para a produtora, a localização da obra em uma região marcada por carências, principalmente para a população negra, também representa uma ruptura.
“Com essa arte, nós estamos trazendo um recado, no marco zero da cidade, de que nós queremos mais do que resistir, queremos existir. E mais do que existir, queremos respirar. Não queremos só viver na luta, queremos tranquilidade e plenitude para viver”, completa.
O projeto da rua Tabatinguera foi realizado com recursos financeiros do projeto Museu de Arte de Rua de São Paulo, iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura para ampliar a produção de arte urbana. Entre 2021 e 2023, foram entregues à cidade 306 murais de arte urbana entre empenas e muros.
* Este conteúdo foi produzido em parceria com a Gentilização, produtora de arte urbana em grandes proporções que prioriza, em sua curadoria, artistas negros, periféricos, mulheres, entre outros públicos discriminados socialmente, a partir de uma perspectiva decolonial