Em busca de mais qualidade de vida, a advogada Ana Paula Halla, sócia do escritório Anders Advogados, que morava nos Jardins, em São Paulo, acaba de mudar-se para a cidade de Itu, município a 101 quilômetros da capital. Com o marido, o filho, de 13 anos, e o enteado, de 8, ela optou por um viver em um condomínio fechado de casas, local escolhido depois que a pandemia alterou o ritmo da vida e paralisou a metrópole.
“Eu mudei mesmo, não é só temporada, não”, disse a advogada ao Estadão na última quarta-feira. Ana Paula é um exemplo de uma migração em busca de chácaras e casas de aluguel, que pode ser um alento para os negócios do mercado imobiliário paralisado pela pandemia do coronavírus. Com as regras de restrição de movimento e aglomeração de pessoas esvaziando hotéis e pousadas para evitar a disseminação da doença, a saída encontrada por paulistanos para fugir do estresse da crise sanitária, que já matou meio milhão no mundo e mais de 57 mil pessoas no País desde março, está sendo a locação de imóveis de lazer por temporada para moradia e isolamento social em família em locais como serra, campo e litoral.
A advogada paulistana contou que a pandemia foi decisiva na mudança da capital para a pacata cidade interiorana que, no passado, foi palco dos casarões dos barões do café e conserva patrimônio histórico relevante na formação paulista. Ana Paula destacou que a troca de cidade foi facilitada também pela oportunidade de trabalhar de casa. “Eu trabalho de casa “, disse ela, ressaltando que “ir a São Paulo, só quando for realmente necessário”. Ana Paula explicou ainda que um dos fatores adicionais na decisão foi o menor custo de vida no interior. Itu tem cerca de 160 mil habitantes. “A metrópole está muito cara”, argumentou a advogada. “Meus filhos estudavam em boa escola, mas aqui também vão ter excelente escola e com uma ótima redução de custos”, afirmou.
Com a onda da covid-19 se espalhando também para o Interior, que já tem mais de 120 mil casos confirmados (28/06), o clima fora da capital é de apreensão para quem vive do mercado de imóveis. “As pessoas estão procurando casas para manter o isolamento mesmo durante o lazer”, explicou ao Estadão o dirigente do Crecisp em Campinas, José Carlos Sioto, que atende a regional da entidade responsável pelas cidades de turismo de campo e serra, refúgio habitual de paulistanos em finais de semana, feriados e tempos normais de férias. Em locais que aproveitam a economia do turismo, como Serra Negra, Águas de Lindóia, Amparo, ou no litoral, como Riviera de São Lourenço, município de Bertioga, locadores contam que, passados cem dias da crise do coronavírus, o movimento teve aumento, mas ainda está muito abaixo daquele registrado em outros períodos.
“A gente nota que as pessoas estão buscando alternativas para convivência em família, sem grande aglomeração, ocupando imóveis com mais espaços de lazer, como casas com cozinhas mais amplas”, disse Sioto. “Nisso, a pandemia tem até um fator positivo, que é a maior convivência das pessoas em família”, argumentou. Ele afirmou que o setor imobiliário e de turismo enfrenta forte paralisação pela crise sanitária, com os serviços de hospedagem fechados, mas acredita que os negócios diretos entre proprietários o clientes podem fixar os turistas na região, ajudando a economia de quem trabalha ou tem negócios na área.
“Hoje, as pessoas até estão circulando pelas cidades, mas sem os restaurantes e os hotéis, elas passam o dia e depois vão embora”, contou Sioto. “É um momento muito difícil para a economia dessas cidades”, afirmou. O corretor disse ainda que o setor de locação está se redesenhando para enfrentar o trauma provocado na queda do movimento. Mas fez um alerta. Segundo ele, ainda há muito temor dos locadores e locatários com a segurança. “Alugar pela imobiliária, com profissional credenciado, é mais seguro e confortável”, disse o dirigente do Crecisp.
De acordo com Sioto, os negócios na região das cidades de campo e serra estão com preços bem abaixo dos registrados em períodos gordos de temporada. “Dependendo do imóvel, uma diária vai custar em torno de R$ 250, R$ 300, podendo chegar até R$ 1 mil, depende do imóvel que a pessoa deseja”, avaliou o diretor do Crecisp. Para o corretor Luis Guilherme, corretor que também atua na região, os preços praticados como diárias estão abaixo do mercado por causa da pandemia. “Começa a haver procura, mas ainda é pouco, e os preços estão abaixo do mercado”, afirmou.
Para um outro locador de Chácaras, habituado ao mercado naquela região do interior paulista, porém, as regras do governo para controle do isolamento social travam os negócios e os visitantes também temem, além da doença, o rigor da fiscalização. “Não, não estou alugando. Estou parado”, resumiu, o corretor, negando que esteja fechando negócios no setor. “Tudo parado. Estamos respeitando o isolamento”, resumiu em telefonema na última quarta-feira. “As cidades abrem parcialmente e voltam a fechar o comércio outras atividades por causa da doença”, argumentou o dirigente do Crecisp. “É um momento muito difícil para a população”, argumentou.
Saída para o litoral
Na praia da Riviera de São Lourenço, em Bertioga, área de residências de alto padrão, o aluguel mensal de uma casa de temporada para uma família média pode ficar na faixa de até R$ 10 mil. A avaliação é de Ricardo Portugal, da RDR Portugal Consultoria de Imóveis, que opera com locação de imóveis da região. Portugal disse ao Estadão, na última terça-feira, que após o início da pandemia “houve até um aumento, em torno de 15%, nos negócios”. Ele acredita que essa procura pode ter ocorrido já pela necessidade de pessoas da capital de optarem por descer para o litoral em busca do isolamento já nos primeiros meses da pandemia. “Mas são contratos curtos, de uma semana ou duas, no máximo de 30 dias”, explicou Portugal.
“Veja, a pessoa vai pagar aqui uma diária em torno de R$ 300 a R$ 400”, avaliou. “E note que isso é apenas 30% do valor que a gente costuma praticar na temporada do fim do ano, aí sim, temporada movimento forte”, disse o corretor. No caso do mercado de aluguéis da tradicional temporada de julho, porém, Portugal acredita que a crise vai permanecer afetando o mercado. Nesta semana, o governo estadual anunciou a retomada gradual das aulas no começo de setembro, mas mas o corretor lembra que as classes de maior poder aquisitivo já mantêm os filhos em aulas mesmo em casa. Isso pode, segundo ele, ser reforçado em julho.
Cético em relação aos negócios por causa da expansão violenta do coronavírus, que chegou ao Interior e cidades menores, e retomou o ritmo de mortes na capital na segunda metade de junho, Portugal lembrou que como a Riviera é um mercado diferenciado, de alto padrão, com frequentadores que têm maior poder aquisitivo, gente que tem propriedades no local e não precisam alugar imóveis. Mas diante da crise que não cede, ele acredita que possa até haver uma descida de paulistanos em julho para o litoral exatamente porque a cidade está tranquila nesta época e temperatura fria que não permite acesso à praia. Mas ponderou: “As pessoas mais de classe média, que são aquelas que alugam em temporada, essas já pensam melhor porque uma família vai gastar uns R$ 10 mil no mês”, reforçou. “E a situação financeira na pandemia é diferente”, observou Portugal.
Com imobiliária na Praia Grande, o vice-presidente do Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci), José Augusto Viana Neto, lembrou que o movimento na direção do Interior é uma tendência já há mais tempo. Ele explicou que, por causa da pandemia, a procura por casas está ocorrendo até mesmo por moradores das áreas urbanas. “A gente não tem pesquisas deste período da pandemia, mas quem trabalha no mercado fala que esse movimento de mudanças de apartamentos para casas também está acontecendo dentro das próprias cidades. As pessoas estão ficando mais com a família e querem mais espaços”, disse o empresário.
Numa pesquisa do Crecisp, feita com 600 imobiliárias, corretores e donos de imobiliárias, divulgada no último dia 15, a entidade constatou que 52% dos escritórios de negócios com imóveis foram totalmente fechados durante a quarentena da covid-19. Pelo menos 44% permaneceram funcionando parcialmente e apenas 2,8% mantiveram atividades normais. O levantamento mostra que 74,3% dos consultados atua com venda e locação.
Em outra conferência do setor na internet, no último dia 10, o Secovi-SP, Sindicato das empresas do setor da habitação, o vice-presidente da entidade para o Interior, Frederico Marcondes César, explicou que há uma demanda maior por casas grandes e espaço para as famílias no interior do Estado, num raio de até 100 quilômetros, mas destacou que esse movimento segue uma forte tendência que ocorre há mais tempo, e que ela acontece também nos negócios de compra e venda. De acordo com assessoria do Secovi, a entidade não tem dados consolidados sobre a locação de temporada.
Segundo o depoimento do vice-presidente, nos últimos 40 anos praticamente dobrou a população do interior: de 16,2 milhões para 32 milhões habitantes. E ele destacou que o aumento do número de loteamentos. “Entre 2012 e 2019, foram licenciados 550 loteamentos por ano em cidades do entorno da capital”, informou.
Durante a conferência online, Leonardo Paz, CEO do ImovelWeb, site que oferece compra, venda e locação de imóveis na internet, contou que houve aumento das buscas por imóveis para alugar no período da pandemia, mas que a maior parte das consultas ainda é de compra e venda. E que a maior demanda se concentra principalmente em cidades como São José dos Campos, Bragança Paulista, Sorocaba. “A busca duplicou”, disse Paz na live. “Há grande demanda por casas maiores, com quintal para as crianças e animais, em cidades com acesso fácil, boas escolas e estrutura de saúde”, disse o CEO do ImovelWeb.
Durante a reunião na web, promovida pelo Secovi, Gustavo Coimbra Costa, sócio-diretor da consultoria de Recursos Humanos Unique Group, observou que há uma transformação do mercado de trabalho que fortalece, durante a pandemia, a prática do trabalho em casa.
Psicóloga desceu para a praia em busca de sossego
A psicóloga paulistana Denise Cieplinski antecipou-se à crise da covid-19 e escolheu a Barra do Sahy, no litoral de São Paulo, para se proteger. Mudou-se para a casa dos pais, na tranquila praia paulista, onde está já há mais de 100 dias. “Aqui é um condomínio com 12 casas, é muito tranquilo, posso andar, tomar sol, e até fazer passeios às ilhas”, contou a psicóloga ao Estadão. Ela relatou que durante o feriado de cinco dias, no início do mês, porém, o ambiente mudou. A praia encheu de gente.
“Houve uma invasão aqui. Fui às ilhas passear e havia 120 barcos lá, com gente por tudo, barracas funcionando”, contou. Denise não precisou alugar imóvel para seu retiro de fuga das aglomerações na capital. A casa da família estava vazia porque os pais dela, idosos, foram também isolados na fazenda da família. “Em São Paulo, eu estava muito confinada. Aqui tenho mais liberdade”, afirmou. Na sexta-feira, 26,informou a psicóloga, a prefeitura de São Sebastião determinou o fechamento dos acessos à região, temendo o fluxo de visitantes de áreas do Estado com contaminação elevada.