Uma decisão preliminar determinou o tombamento provisório de mais de 600 casarões, templos religiosos, casas de vila, predinhos e outras construções na subprefeitura Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. A preservação temporária abrange imóveis de períodos diversos do século 20, como o Mercadão de Pinheiros, a sede do Instituto Goethe, o Templo Espiritualista de Umbanda São Benedito, a Igreja do Calvário, vilas, conjuntos de casas, desenho de ruas, escadarias, predinhos e até um edifício projetado pelo icônico arquiteto Vilanova Artigas.
A estimativa do total de imóveis foi feita pelo Estadão a partir dos endereços divulgados após a decisão da abertura do estudo de tombamento, determinada há duas semanas pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). A proteção é válida até uma decisão final, feita após um levantamento especializado aprofundado.
O tombamento abrange especialmente imóveis nos eixos de verticalização, que ficam nas imediações de estações de metrô (como Fradique Coutinho e Sumaré, respectivamente das Linhas 4-Amarela e 2-Verde) e são os locais que concentram a maioria da produção imobiliária recente na cidade. Também há construções em Zona Mista e Zona de Centralidade (os “miolos” e “centrinhos de bairro”). Parte dos proprietários (como do setor de empreendimentos) se prepara para uma contestação à decisão, inclusive com o envolvimento de escritórios de advocacia.
O tombamento da antiga Vila Cerqueira César foi motivado por quatro pedidos de moradores e associações de bairro em cerca de dois anos. Esses processos envolviam alguns pontos de Pinheiros, como a Escadaria das Bailarinas e as chamadas Vilas do Sol, e foram reunidos em um novo, que ampliou o escopo para outros trechos. Esse mapeamento foi feito por uma equipe especializada do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), ligado à Secretaria Municipal de Cultura.
A estimativa de mais de 600 construções considera cada casa de vila individualmente, por exemplo, enquanto um edifício com vários apartamentos foi contabilizado como um único bem. A contagem feita no processo de tombamento é distinta, de modo que abrange oficialmente 15 “manchas de urbanização” (perímetros com várias casas, prédios etc) e 52 imóveis avulsos.
Os pedidos foram motivados em parte pelo “boom” de prédios altos na vizinhança. Como o Estadão mostrou, o entorno da Estação Sumaré, da Linha 2-Verde, é o terceiro eixo de verticalização com mais apartamentos lançados na cidade nos últimos anos. Esses eixos têm incentivos municipais para a construção de apartamentos e concentram a maioria da produção recente.
Com esse boom, casas, sobrados e predinhos têm sido demolidos para dar lugar à verticalização, o que é criticado por alguns movimentos de moradores e defendido pelo mercado imobiliário. Ao longo da tramitação, o setor poderá se manifestar favorável ou contrariamente. Mais da metade dos bens provisoriamente tombados estão nos eixos de verticalização, ou seja, em endereços que permitem prédios sem limite de altura.
O tombamento chama a atenção pelo volume de imóveis, algo pouco comum na cidade. Um dos principais exemplos é o do Bixiga, que contempla cerca de duas centenas de imóveis. Alguns espaços precisarão manter apenas as características da ocupação, como a altura, o recuo da calçada e as medidas fundiárias, assemelhando-se a normativas dos tombamentos dos bairros-jardim, por exemplo.
Nem todos os imóveis são assinados por arquitetos famosos ou têm quase um século de história. Embora esses não sejam fatores essenciais para o tombamento, costumam ser questionados no debate público e, por vezes, por proprietários insatisfeitos com uma possível preservação compulsória.
A maior parte dos tombamentos provisórios em Pinheiros determina a manutenção das características externas, o que inclui todas as fachadas, o telhado e afins. Também há a determinação de algumas “áreas envoltórias”, com limite de altura nos vizinhos, a fim de evitar que novas construções “escondam” bens que tiveram a preservação determinada.
Entre os tombamentos temporários, estão obras centenárias e construções mais recentes, da segunda metade do século 20. Como o estudo ainda é inicial, não há informações sobre o histórico individual de casa uma das edificações, tampouco sobre o estado de conservação, o que será tratado ao longo do estudo que embasará a decisão definitiva. O Estadão conferiu os endereços e apresenta a seguir alguns bens temporariamente tombados.
Mercadão de Pinheiros e outros equipamentos estão na lista
O tombamento temporário inclui alguns equipamentos públicos e privados. O Mercado Municipal de Pinheiros talvez seja o mais conhecido. O mercadão oficialmente se chama Engenheiro João Pedro de Carvalho Neto e está no endereço atual desde 1971, embora sua história remonte a 1910.
Segundo a Prefeitura, o mercado tem 4,1 mil m², com projeto de Eurico Prado Lopes e Luiz Telles, conhecidos pelo Centro Cultural São Paulo (CCSP). Após mudanças recentes, tornou-se endereço de vários novos espaços gastronômicos e ganhou maior potencial turístico. Nesse caso, o tombamento envolve tanto características externas quanto internas.
Outro equipamento é a Biblioteca Alceu Amoroso Lima, na esquina das Ruas Henrique Schaumann e Cardeal Arcoverde, originalmente chamada Biblioteca Pública de Pinheiros. A unidade foi criada nos anos 1970, mas foi substituída por uma nova edificação nos anos 1990.
A construção de 2 mil m² é assinada por José Oswaldo Vilela, caracterizada pelo uso do concreto e formas geométricas que se destacam. Nesse caso da biblioteca, o tombamento envolve não só características externas, mas também das internas e da área ajardinada.
Mais um exemplo é o prédio da Fundacentro, do governo Federal, na Rua Capote Valente. Datado dos anos 1980, tem projeto do arquiteto Miguel Juliano (um dos autores do pavilhão de exposições do Anhembi), com cerca de 11 mil m².
No caso privado, está o Colégio Stella Maris. O tombamento provisório abarca a parte voltada à Rua Cardeal Arcoverde, como a entrada. A instituição é ligada às Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição de Maria, fundada em 1943.
Um Vilanova Artigas e outros prédios da segunda metade do séc. 20
O tombamento provisório inclui prédios datados da segunda metade do século 20, de pequeno e médio porte. Entre eles, está o Edifício Tabafer, um dos poucos projetos para apartamentos assinados pelo arquiteto modernista João Batista Vilanova Artigas — conhecido pelo Estádio do Morumbi, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e o Edifício Louveira.
O Edifício Tabafer fica localizado na Rua João Moura, 942, e é datado de 1958. Como o Louveira (em Higienópolis), tem as fachadas da frente e dos fundos sem janelas, com as abertura voltadas às laterais, porém fica mais “escondido” no caso de Pinheiros, pelas árvores e prédios vizinhos.
Outro incluído no tombamento é o Edifício Emília, da Rua dos Pinheiros, 401. Com três pavimentos de apartamentos e comércio no térreo, data dos anos 1950. Foi projetado pelo arquiteto romeno Israel Galman e também tem características modernas, como as janelas voltadas paras laterais e a fachada principal estreita e “cega”.
Também há vários predinhos mais antigos, da primeira metade do século 20. Um dos mais conhecidos é o Prédio Santo Antônio, restaurado há poucos anos e que chama a atenção nas redes sociais pelas cores e ornamentos. Ele fica na Rua João Moura.
Tombamento provisório inclui Praça Benedito Calixto, Instituto Goethe e outras construções do entorno
Conhecida pela feira dos sábados, a Praça Benedito Calixto é uma das “manchas” tombadas provisoriamente. Isto é, está incluída no estudo em companhia com outros bens vizinhos, o que inclui quatro predinhos, um conjunto de sobrados da Rua Francisco Leitão, uma casa na Rua Lisboa, 493, (que funciona hoje como um pequeno hotel) e outros imóveis.
A praça precisará manter as características da vegetação atual e a distribuição dos espaços livres. Entre os vizinhos, está a atual sede do Instituto Goethe. A instituição alemã ocupa o antigo Mosteiro de Santa Gema, que se mudou do espaço décadas atrás.
Outra construção religiosa incluída é a Igreja do Calvário, que integra a Paróquia São Paulo da Cruz, datada dos anos 1920, com expansões nas décadas seguintes. Segundo a Arquidiocese de São Paulo, a obra foi projetada pelo engenheiro Padre Armelini, enquanto o altar foi do engenheiro Benedito Calixto.
Nesse caso, o tombamento proposto prevê a preservação das características arquitetônicas internas e externas. Além disso, propõe que novas construções no terreno não possam ultrapassar a altura da parte principal da igreja.
Templos religiosos variados foram incluídos no tombamento
Além da já citada Igreja do Calvário, na Praça Benedito Calixto, outros espaços religiosos estão incluídos no tombamento provisório. A preservação envolve não só construções católicas, mas também de outras religiões cristãs e de matriz africana.
Um exemplo é a matriz da Paróquia Senhor Bom Jesus dos Passos, na Praça Portugal, 20. Construída na primeira metade do século 20, é conhecida pela torre única centralizada, com uma cruz no topo.
Outro caso é o da Igreja Presbiteriana da Aliança, na Rua Artur de Azevedo, 1.007, antes conhecida como Igreja Presbiteriana Betânia. Perto dali, o tombamento provisório envolve também o Conjunto de Santa Luzia (incluindo a preservação da parte interna da capela), na Rua Cônego Eugênio Leite, 825, e sede da congregação das Irmãs Passionistas.
O tombamento envolve também o Templo Espiritualista de Umbanda São Benedito, na Rua Alves Guimarães, 940. O espaço é ligado à União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil.
Escadão Marielle e das Bailarinas também estão protegidas
Duas escadarias foram incluídas no tombamento, assim como alguns imóveis do entorno. Ambas ganharam nomes populares nos últimos anos por causa de intervenções: Escadão Marielle Franco (na Rua Cristiano Viana) e Escadaria das Bailarinas (na Rua Alves Guimarães).
O escadão que homenageia a ex-vereadora deverá manter por enquanto as características arquitetônicas e as luminárias cênicas. O tombamento provisório desse trecho inclui ainda uma vila na Rua Cristiano Viana, três conjuntos de casas e dois prédios.
Já a Escadaria das Bailarinas precisará seguir com as características dos lances, dos canteiros e das árvores. Também deverá manter as duas casas restantes com a entrada voltada para o escadão (as demais foram demolidas nos últimos anos) e outros dois conjuntos de casinhas.
Vilas e conjuntos de casas são maioria do tombamento
Em meio à verticalização do entorno, o tombamento reúne principalmente casinhas e sobrados de vilas e outros conjuntos residenciais. Algumas dessas vilinhas têm um acesso pela rua (geralmente com portão) uma pequena via interna sem saída e o nome sinalizado na entrada.
Parte dos tombamentos prevê a preservação das características urbanísticas. Isso inclui o traçado viário, o calçamento (alguns de parelelepípedo ou mosaico português) e os portais de acesso, por exemplo.
Entre elas, estão a Vila Fortunato (entrada pela Avenida Pedroso de Morais), a Vila Santa Adelaide (Rua Simão Álvares), a Vila Cândida (Rua João Moura), as vilas das Travessas Roberto Santos e Julio Sevestre e a vila da Rua Doutor Virgílio de Carvalho Pinto, dentre outras.
Além das vilas, o tombamento inclui conjuntos de casas geminadas ou com outras características semelhantes, por vezes em ruas estreitas e pouco movimentadas. Entre elas, uma das principais é a da Rua Irmão Lucas, em que as construções seguem basicamente dois tipos de padrão construtivo, e a da Rua Francisco Iasi.
Outro caso desses conjuntos são as chamadas Vilas do Sol, como os moradores batizaram. Esse perímetro abarca as Ruas Estela Sezefreda, Pascoal Del Gaizo e Doutor Phidias de Barros Monteiro, além de trechos das Ruas Doutor Virgílio de Carvalho Pinto, dos Pinheiros, Mateus Grou e Artur de Azevedo.
Qual é a justificativa para o tombamento provisório?
Integrado por uma socióloga e dois arquitetos, o grupo especializado do DPH mapeou Pinheiros durante um ano, após 13 visitas à região. Também fez levantamentos variados de espaços, ambientes e imóveis com características que justificariam um tombamento provisório.
“A gente vasculhou o território tentando entender um pouco da constituição dele, junto com a pesquisa bibliográfica, até chegar nessa proposta, com colaboração de vários colegas”, afirmaram os técnicos do estudo durante a reunião”, justificou-se o grupo na reunião.
Os especialistas da Prefeitura destacaram que o estudo não envolve apenas edificações em si, mas a ambiência (como traçado da rua, tamanho de lotes etc) e o registro de diferentes modos de ocupação e vivência da trajetória de Pinheiros. Citaram também, por exemplo, que algumas ruas e travessas têm um arruamento que remete ao loteamento do século 19, mas adaptado ao século 20.
O boom imobiliário é indiretamente citado na minuta da resolução da abertura de estudo de tombamento. O texto fala das “rápidas transformações que vêm ocorrendo no perímetro de estudo”, além de destacar outras motivações para a decisão.
O documento aponta que os ambientes e edifícios de Pinheiros “expressam as suas sucessivas fases e formas de ocupação, contribuindo de maneira determinante para o lastreamento do caráter e da história do bairro e, por extensão, da cidade em elementos materiais”. Além disso, cita a “importância de preservar a multiplicidade de tipologias arquitetônicas e padrões urbanísticos do século 20 em prol da memória coletiva, da identidade e de uma cidade reconhecível e qualificada”.
A decisão ocorreu em meio a um aquecimento das discussões urbanas na cidade, após a aprovação da nova lei do Plano Diretor. A recém-iniciada tramitação da revisão do zoneamento da Câmara também envolverá medidas para expandir e restringir o avanço de prédios altos na cidade, dentre outros temas.
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