A revisão do Plano Diretor de São Paulo foi aprovada na noite desta segunda-feira, 26, na Câmara Municipal, com 44 votos favoráveis e 11 contrários. As alterações envolvem a mais importante lei urbanística da cidade e têm dividido opiniões em diferentes frentes, como urbanistas, associações de moradores, movimentos por moradia, setor da construção civil e outros entes privados e da sociedade civil. O texto seguirá para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que poderá acatá-lo em parte, totalmente ou vetá-lo. Ele já declarou publicamente que irá aprovar as mudanças.
O Plano Diretor reúne regras e incentivos variados destinados a nortear o desenvolvimento urbano da cidade. Um dos resultados mais evidentes do texto hoje em vigor, de 2014, é a concentração da verticalização perto de metrô, trem e corredor de ônibus. O texto aprovado é um substitutivo, apresentado pelo relator, Rodrigo Goulart (PSD), na quarta-feira, 21, com algumas modificações aprovadas por meio de emenda, como a retirada da criticada isenção de imposto municipal para estádios de futebol.
O Estadão procurou alguns dos principais nomes envolvidos neste processo de revisão, dentre organizações, especialistas e vereadores, dentre críticos e apoiadores do projeto. Todos foram convidados a citar pontos de destaque do texto, positivos ou negativos, e a fazer uma avaliação geral do texto e da tramitação. Veja a seguir:
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) respondeu que considera como positiva a aprovação e que o texto vai “ajudar a promover a inclusão social e o adensamento urbano inteligente”. “Com a mudança, o comprador de imóvel passa a contar com mais opções de produto à sua escolha”, salientou em nota. Também lembrou que parte das “sugestões fundamentadas em amplos debates técnicos” que apresentou (em conjunto com outras organizações) aos vereadores foram acolhidas pela Câmara.
A organização não elencou os principais pontos positivos, mas disse que “algumas das propostas apresentadas foram melhorias nos textos originais elaborados pela Prefeitura, garantindo a aplicação objetiva dos instrumentos e priorizando a segurança jurídica”.
Relator do Plano Diretor (de 2014) e professor da USP, o urbanista Nabil Bonduki chama de “péssimo” o texto aprovado, “na forma e no conteúdo”, pois seria “confuso” em diferentes trechos e, portanto, “criará duplo entendimento, em inúmeros aspectos, e insegurança jurídica”. Ele considera “enorme” o risco de judicialização e salienta que essa é a primeira vez que essa lei é modificada sem a participação de um urbanista responsável. Além disso, argumenta que o projeto aprovado descaracteriza o atual Plano. “A definição do zoneamento, que deverá ocorrerá em seguida, se transformará em uma guerra, quarteirão e quarteirão.”
Entre os pontos negativos, cita a mudança que reduz o mínimo de apartamentos por empreendimento perto de metrô, trem e corredor de ônibus e o trecho que permite grandes unidades residenciais com mais de uma vaga de garagem, dentre outros. Como ponto positivo, o único que vê é a exclusão das vilas e do bairro do Bixiga dos eixos de verticalização, mudança que defendeu nas últimas semanas em audiências públicas e substitutivos apresentados pela oposição.
A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) avalia que o texto aprovado tem pontos negativos e positivos e que o Plano Diretor é uma peça em um contexto complexo, no qual são necessárias medidas adicionais para “mudar as realidades problemáticas” da cidade. Além disso, por meio da coordenadora técnica de Política Urbana, Beatriz Messeder Sanches Jalbut, pondera que é “difícil afirmar” quais serão os resultados, pois uma parte das diretrizes do Plano Diretor de 2014 não se concretizaram ou obtiveram os resultados esperados, por exemplo. Também destacou que a organização tem se posicionado favoravelmente à revisão e que teve metade dos pleitos contemplada no texto aprovado.
Entre os pontos positivos que destaca, estão trechos que preveem o controle de destinação e fiscalização dos apartamentos voltados à baixa renda e a criação dos conselhos locais de comércio. Entre os criticados, estão o trecho que permite a destinação de parte dos recursos de mobilidade do Fundo Desenvolvimento Urbano (Fundurb) para a pavimentação e o recapeamento de vias, dentre outros.
Já a Rede Nossa São Paulo tem se posicionado criticamente ao texto aprovado por meio da campanha “São Paulo não está à venda”. Coordenador de relações institucionais da rede, Igor Pantoja diz que o projeto não está bom e não atende “às maiores necessidades atuais da cidade”, especialmente da população de baixa renda, mas, sim, às demandas do mercado imobiliário. Também salientou considerar a tramitação como corrida e com “pouquíssimos estudos efetivos”.
Ao Estadão, Pantoja disse não identificar aspectos positivos no projeto. Entre os pontos negativos, destaca a permissão para que o Fundurb seja em parte destinado para asfalto (”é muito grave”) e os trechos relativos aos eixos de verticalização, pois avalia que direcionam as áreas mais bem estruturadas da cidade para as classes média e alta, enquanto se deveria priorizar a população que utiliza o transporte coletivo.
Já o presidente da Comissão de Política Urbana, Rubinho Nunes (União Brasil), considera que o projeto de lei aprovado é um “grande avanço” para São Paulo, que irá “melhorar a qualidade de vida da população e reduzir as desigualdades”, além de “atrair investimentos da iniciativa privada”. Também salientou que foi garantida a participação de todos os setores nas mais de 50 audiências públicas, além de citar trechos alterados após reivindicação popular, como a retirada do que liberava prédios no entorno da estação meteorológica do Mirante de Santana.
O vereador citou os seguintes pontos positivos: “adensamento inteligente”, incentivo às moradias sociais, possibilidade de resolver o déficit habitacional e incentivos às fachadas ativas (comércios e serviços no térreo), “incentivando o comércio e caminhabilidade”.
Integrante da Comissão de Política Urbana e líder do PSOL na Câmara, Silvia Ferraro, da Bancada Feminista, considera que o projeto é um retrocesso em relação à legislação atual. Ela avalia que irá gerar uma “verticalização desenfreada” e uma “elitização das regiões próximas à rede de transporte público coletivo”. Também argumenta que a tramitação no legislativo foi “totalmente atropelada” e “aquém do necessário”, visto que mudanças significativas no segundo texto substitutivo, apresentado a menos de cinco dias da votação.
A vereadora elencou três pontos negativos. São eles: a expansão das áreas dos eixos de estruturação da transformação urbana; o incentivo à construção de apartamentos “de luxo” e com mais de uma vagas de garagem isentas de outorga onerosa perto do transporte coletivo; e a destinação de parte dos recursos do Fundurb para o recapeamento de vias.
Expansão dos eixos de verticalização
Uma das principais discussões em torno do substitutivo ao atual Plano Diretor é o aumento da extensão dos eixos de verticalização. Esses locais abrangem o entorno de trem, metrô e corredores de ônibus e têm uma série de incentivos municipais para a construção de mais apartamentos, como a liberação para prédios sem limite de altura (o máximo varia pela cidade, mas não costuma passar de 48 metros), com volume construído “computável” de quatro vezes a metragem do terreno (a proporção é de até duas vezes no restante da capital; em um cálculo que excluir algumas áreas, como o comércio no térreo e outros) e descontos em parte da principal taxa cobrada das construtoras e incorporadoras (a outorga onerosa).
No Plano Diretor vigente, é permitido construir prédios sem limites de altura dentro de um raio de até 600 metros de distância das estações de metrô e trem e de até 300 metros de corredores de ônibus. A medida busca atrair moradores para perto do transporte público e, assim, reduzir longos deslocamentos.
A regra passou por diversas mudanças ao longo da tramitação na Câmara e prevê expandir os eixos para todas as quadras “alcançadas” por um raio de 700 metros de metrô e trem e um perímetro de até 400 metros nos corredores. Como o Estadão mostrou, essa mudança permite que quadras mesmo que parcialmente tocadas pelo raio se tornem eixo, inclusive alcançando imóveis a mais de um quilômetro da estação.
A ampliação dependerá de anuência da Lei de Zoneamento, que será enviada pela Prefeitura para revisão na Câmara em breve. O texto do projeto do Plano Diretor diz que a autorização para expansão deverá ser norteada pelos seguintes critérios: características de uso e ocupação local, áreas de interesse histórico, cultural, ambiental e de paisagem urbana e características do sistema viário e relevo.
Segundo um levantamento feito pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, o atual texto da revisão aumenta em até 148% a expansão dos eixos. A proporção da alta é parecida com a da versão aprovada pelos vereadores na primeira votação, no final de maio. Na proposta antiga, com área de verticalização de até 1.000 metros de estações e a até 450 metros de corredor de ônibus, o aumento de trechos de verticalização seria de 160%.
Com o Plano Diretor atual, de 2014, os eixos passaram a concentrar mais da metade dos apartamentos lançados, principalmente em distritos valorizados, como Brooklin, Butantã e Pinheiros. A lei prevê incentivos para esses locais a fim de aumentar o número de apartamentos e, assim, a população que mora perto e é usuária frequente de meios de transporte coletivo.
‘Zonas de exceção’
A nova versão do Plano Diretor também prevê “zonas de exceção”, áreas onde não poderão ser construídos edifícios tão altos, mesmo se estiverem localizados perto de transporte coletivo. Hoje, o raio de influência dos eixos não incide em algumas áreas de zoneamentos da cidade, como de Zonas Exclusivamente Residenciais, de Ocupação Especial e Especiais de Preservação Ambiental, por exemplo, onde o limite de altura varia, mas sem passar de 10 metros - além de ter outras restrições e regras menos atrativas para o mercado imobiliário.
O texto final amplia essas “zonas de exceção” previstas no Plano Diretor, algumas delas já previstas na Lei de Zoneamento. Alguns exemplos são as Zonas Predominantemente Residenciais, que abrange núcleos com limite de altura de 10 metros, em alguns casos, perto de eixo de transporte. Nesses locais, não será permitido ter as características horizontais transformadas pela revisão do zoneamento, que ocorrerá nos próximos meses.
Verticalização em vilas e no Bixiga
O texto final incorporou também parte das sugestões propostas nas audiências públicas e para a sociedade civil para a proteção do Bixiga, no centro, e de vilas – como apontou o Estadão. Os novos trechos adicionados impedem que os locais sejam considerados como eixos de verticalização mesmo quando localizados perto de estações de trem e metrô e de corredores de ônibus, o que impede a construção de prédios sem limite de altura.
O objetivo é reduzir a atratividade do bairro histórico e das vilas para o setor das grandes incorporadoras. No caso do Bixiga, a proteção é temporária até ser formulado um projeto de lei específico para a área, que “deverá incluir articulação com políticas habitacionais que garantam a manutenção da população residente e do perfil racial deste perímetro, usando como parâmetro o perfil racial do último censo”.
No caso das vilas, a mudança abrangeria os locais oficialmente considerados como vilas, com a seguinte definição: “conjunto de lotes fiscais originalmente destinados à habitação constituído de casas geminadas cujo acesso se dá por meio de via de circulação de veículos de modo a formar rua ou praça no interior da quadra, com ou sem caráter de logradouro público”, semelhante ao que é definido desde 2022 por resolução da Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU) – ligada à Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.
Essa definição engloba as vilas que se enquadram em ao menos uma de quatro condições. Uma delas é a descrita pela Lei de Zoneamento, de 2016. Ela é: “conjunto de lotes fiscais, originalmente destinados à habitação, constituído de casas geminadas, cujo acesso se dá por meio de via de circulação de veículos de modo a formar rua ou praça no interior da quadra com ou sem caráter de logradouro público”.
Caso não se encaixe nesse entendimento, o conjunto ainda pode ser reconhecido como vila se for considerado como tal por: uma decisão judicial com trânsito em julgado; o Cartório de Registro de Imóveis até 16 de dezembro de 1985; a Prefeitura até 16 de dezembro de 1985; uma avaliação pela CTLU.
Criação de parques municipais
O texto final da revisão do Plano Diretor de São Paulo prevê a criação de 18 novos parques municipais não incluídos na versão aprovada em primeira discussão e, também, exclui outras 11 áreas que estavam previstas. Entre as principais unidades propostas, estão os Parques do Jockey (zona sul), Campo de Marte (norte) e a transformação oficial da Praça Princesa Isabel (centro), que está em obras.
Dos 18 novos endereços, nove estão no distrito do Butantã, zona oeste. Entre eles, estão a Mata Esmeralda, que abriga espécies da Mata Atlântica e mais de 5 mil nascentes em seus 400 mil m², e o Parque da Joia, área de manancial com mata fechada, além de nascentes. A expansão do Parque Burle Marx estava prevista no primeiro substitutivo e foi mantida. Veja parte dos parques previstos no projeto de revisão do Plano Diretor.
Verba de mobilidade para obras de asfaltamento
O texto final da revisão do Plano Diretor de São Paulo adicionou uma proposta semelhante à de um projeto de lei defendido pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), mas que fora suspenso pela Justiça em abril. O trecho permite o uso de parte da verba do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) – majoritariamente voltada à moradia popular e mobilidade urbana – para obras de recapeamento e pavimentação de ruas e avenidas.
O novo trecho faz uma redistribuição da destinação do fundo, hoje de ao menos 30% para habitação e outros 30% para mobilidade, enquanto os demais podem ser voltados a outras intervenções urbanas listadas. Agora, a revisão do Plano Diretor aumenta a fatia de habitação para baixa renda para 40%. Mas, no caso dos 30% da lei vigente destinada para “implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres”, adicionou a “implantação e realização de melhorias nas vias estruturais” .
O texto passou a mencionar explicitamente os termos “pavimentação” e “recapeamento”. O Fundurb arrecada cerca de R$ 1 bilhão anuais, por meio da outorga onerosa, taxa cobrada das empresas para erguer prédios com uma área construída maior do que a metragem do terreno.
Quais áreas que podem ganhar prédios mais altos?
Os lotes que poderão ser verticalizados sem limite de altura e com incentivos para atrair o setor imobiliário estão no mapeamento interativo abaixo. O mapa contempla uma projeção do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper sobre a expansão permitida para os eixos, que poderá chegar a um aumento de 148%.
A maioria da ampliação dependerá de aval da Lei de Zoneamento, que será revisada nos próximos meses pela Câmara. No caso de eixos no entorno do chamado “Arco Tietê”, serão oficialmente ativados pelo Plano Diretor com a promulgação, por isso, alguns locais não tinham áreas de verticalização e/ou terão um aumento mais expressivo que a média, como a Lapa.
O mapa interativo até o momento não inclui as vilas, pois não há uma base de dados oficial com todas as que existem na cidade. O projeto prevê que esses conjuntos não sejam transformados em eixo mesmo quando localizados perto de transporte. Uma zona de exceção semelhante também foi criada para o Bixiga, como é assinalado no mapa. Confira como a expansão pode mudar o seu bairro:
Veja abaixo como cada vereador votou no PL da revisão do Plano Diretor
Vereadores que votaram contra:
Celso Giannazi (PSOL)
Cris Monteiro (Novo)
Elaine do Quilombo (PSOL)
Eliseu Gabriel (PSB)
Hélio Rodrigues (PT)
João Ananias (PT)
Luana Alves (PSOL)
Jussara Basso (PSOL)
Luna Zarattini (PT)
Silvia da Bancada Feminista (PSOL)
Toninho Vespoli (PSOL)
Vereadores que votaram a favor:
Adilson Amadeu (União Brasil)
Alessandro Guedes (PT)
André Santos (Republicanos)
Arselino Tatto (PT)
Atílio Francisco (Republicanos)
Aurélio Nomura (PSDB)
Beto Social (PSDB)
Camilo Cristófaro (Avante)
Coronel Salles (União Brasil)
Danilo do Posto de Saúde (Podemos)
Dr. Sidney Cruz (Solidariedade)
Dr. Nunes Peixeiro (MDB)
Dra. Sandra Tadeu (União Brasil)
Edir Sales (PSD)
Eli Corrêa (União Brasil)
Ely Teruel (Podemos)
Fabio Riva (PSDB)
Fernando Holiday (Republicanos)
George Hato (MDB)
Gilson Barreto (PSDB)
Isac Félix (PL)
Jair Tatto (PT)
Janaína Lima (MDB)
João Jorge (PSDB)
Jorge Wilson Filho (Republicanos)
Major Palumbo (PP)
Manoel Del Rio (PT)
Marcelo Messias (MDB)
Marlon Luz (MDB)
Milton Ferreira (Podemos)
Milton Leite (União Brasil)
Paulo Frange (PTB)
Ricardo Teixeira (União Brasil)
Rinaldi Digilio (União Brasil)
Roberto Tripoli (PV)
Rodolfo Despachante (PSC)
Rodrigo Goulart (PSD)
Rubinho Nunes (União Brasil)
Rute Costa (PSDB)
Sandra Santana (PSDB)
Sansão Pereira (Republicanos)
Senival Moura (PT)
Thammy Miranda (PL)
Xexéu Trípoli (PSDB)