O predinho na esquina da Praça da Sé e da Rua Floriano Peixoto pode passar despercebido por muitos dos que andam pelo centro velho. Debaixo de uma grande tela que esconde a degradação dos últimos anos, está o que já foi um dos maiores edifícios de São Paulo: o quase centenário Edifício Rolim.
Outrora considerado endereço renomado para escritórios de médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais liberais, o prédio viveu um período de esvaziamento diante da desvalorização do entorno ao longo de décadas. A partir do mês que vem, contudo, voltará a ficar cheio após ter a sua degradação e o passado de supostos crimes ressignificados em uma inédita experiência de horror.
Com a inauguração neste Halloween (31 de outubro), a nova experiência transformou o Rolim em um “centro de entretenimento do terror”, que mistura teatro, imersão e jogo de fuga ao longo de diferentes cômodos e andares da construção histórica. Os ingressos estão à venda, por R$ 99, com alguns dos primeiros dias esgotados. A classificação indicativa é a partir dos 13 anos.
A iniciativa é de Facundo Guerra (do Cine Joia, Bar dos Arcos e outros), Caire Aoas (do Bar Brahma, Riviera e mais) — sócios do Love Cabaret — e Cadu Dib e Rafael Bechara, ambos da Abadom — Experiências de Horror, de Santo Amaro. A venda inicial de entradas é para novembro, como fase de testes, mas a ideia é que as atividades continuem, com novos subgêneros do horror a cada ano.
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Edifício Rolim está em retoques finais antes da inauguração, no Halloween
Na estreia, optou-se pelo subgênero do crime — em alta com podcasts, documentários e mais produções de “true crime”, embora os sócios neguem que seja essa a motivação. Para criar a experiência, a pesquisa em jornais antigos sobre o Rolim (onde algumas mortes teriam ocorrido) e casos de grande repercussão na cidade (como o “crime da mala”) inspiraram a imersão do prédio.
Como é uma experiência de horror?
Um dos primeiros pavimentos do Rolim foi adaptado para ser a recepção. O espaço é como uma grande sala de estar, com móveis, papel de parede e peças de decoração inspirados nas décadas de 1950, 1960 e 1970, inclusive com cenografia que imita animais empalhados.
Após a recepção, os visitantes são encaminhados para um cômodo decorado como se fosse um museu da história do Edifício Rolim. Nesse momento, passam a ser perseguidos por uma horda de zumbis, dando início à fuga por seis andares.
Com cerca de uma hora, a narrativa inclui mais de 20 ambientes, desde de uma sala de chá com ares de abandono até um quarto invertido (com cama e demais móveis presos no teto, de ponta-cabeça). Durante o percurso, cerca de 20 atores caracterizados interagem em diversos momentos. A cenografia, a iluminação, cheiros e efeitos sonoros fazem parte da ambientação.
Ao fim, os participantes são convidados a tomar um drinque (alcoólico ou não alcoólico) no Grito Bar, no 7º andar. O espaço também servirá pizzas. Outros pavimentos incluirão escape games (jogo imersivo de escape, em um ambiente único), um desafio (com prêmio de R$ 2,5 mil) e espaços para eventos, como festas e lançamentos (o que inclui o terraço, com vista para a Catedral e o Farol Santander).
Como o prédio foi adaptado? Qual é a inspiração?
A experiência é inspirada especialmente em atrações de Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos. Dentre elas, estão as “haunted houses” (casas assombradas) e a peça shakespeariana imersiva Sleep No More, apresentada pela companhia teatral Punchdrunk em diferentes ambientes de um prédio de Nova York.
Desde fevereiro, o Rolim tem passado por remodelação: reformas em instalações, como elétricas, um novo elevador, que manteve a estética do anterior. Alguns cômodos tiveram o pé-direito reduzido, para aumentar a sensação de claustrofobia e a proximidade com o cenário e os atores, embora os antigos escritórios já fossem pequenos.
Buscou-se valorizar (e até intensificar) a atmosfera de decadência, com efeitos de teto descascado, mofo e paredes quebradas. Com exceção de parte de cenografia de horror (como peças que remetem a corpos), os objetos, a decoração e os móveis foram garimpados em brechós, feirinhas e antiquários. “A gente usa objetos reais para trazer a imersão para o processo”, diz Cadu Dib, um dos sócios.
Outro dos idealizadores, Facundo Guerra diz que a experiência de horror genuinamente paulistana envolveria mais um edifício do que uma casa mal assombrada. “São Paulo é muito verticalizada. Grandes tragédias foram em prédios.” Para ele, também é uma oportunidade de as pessoas descobrirem o Rolim.
“A gente está fazendo entretenimento, teatro, que São Paulo tem muita tradição, e, ao mesmo tempo repensamos a história do edifício e da cidade. É um pouco o meu trabalho, de descobrir imóveis abandonados e trazer de volta para São Paulo”, completa. Ele também prepara a abertura do bar Formosa, em um espaço abaixo do Viaduto do Chá, também no centro.
O empresário também menciona crimes e fenômenos “inexplicáveis” que teriam ocorrido no prédio, como de tábuas de madeira que voavam, noticiados em publicações de época. O passado de horror foi buscado pela escritora Paula Febbe, autora de um livro de contos fictícios inspirados no Rolim e na São Paulo do século passado — que estará disponível em versão digital e impressa para os visitantes.
“São histórias com uma mistura dessa coisa lúdica, dessa imaginação do que teria acontecido no Rolim. Não queria falar do sofrimento real das pessoas que passaram de fato por coisas difíceis lá”, explica ela.
Paula conta que remeteu às sensações que teve na primeira vez que foi ao prédio, em 2022. “Ainda tinha uma ótica funcionando lá. Eu me lembro de olhar o prédio e ter uma aura de destruição, de carregar tristeza, uma coisa pesada”, descreve.
Ao comprar o prédio, em 2021, um dos sócios teve a ideia de usar espaços para hospedagem de curta duração. Depois entendeu-se que o entorno da Sé não teria esse potencial de atração naquele momento, na pandemia. O plano B veio quando a Abadom entrou no negócio após implantar uma experiência de horror em Santo Amaro, inaugurada em 2021.
Qual é a história do Edifício Rolim, e por que é importante para São Paulo?
O Rolim está em um trecho do centro antigo que passou por diversas mudanças ao longo do século 20, especialmente com intervenções relacionadas às obras da Catedral da Sé (que perduraram de 1913 a 1954) e da Linha 1-Azul, do Metrô, principalmente nos anos 1970.
De 1928, o Rolim ocupa parte da área do antigo Largo da Sé, onde antes havia a Igreja de São Pedro dos Clérigos. Ao seu lado, hoje, funciona a Caixa Cultural — anteriormente sede paulistana do banco.
“Uma localização interessante, que conectava a Sé e o Pátio do Colégio”, explica Roseli D’Elboux, professora de História da Arquitetura na Mackenzie. “Era a área onde quase tudo acontecia”, descreve.
O Rolim era um dos maiores edifícios da época, embora não tivesse chamado tanto a atenção quanto o Edifício Sampaio Moreira — considerado o “avô dos arranha-céus” paulistanos, que celebra o centenário este ano. “Tem um coroamento (no topo) todo elaborado. A ideia é que fosse um marco, mas as coisas andavam muito rapidamente. Logo em seguida veio o Edifício Martinelli”, conta.
O projeto é do engenheiro e arquiteto de ascendência catalã Hyppolito Gustavo Pujol Junior, que foi professor da Escola Politécnica e um dos pioneiros no uso de cimento armado em São Paulo — como destaca Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, professora de História da Urbanização da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Devia estar no auge quando foi contratado (pela família Prado Rolim) para fazer o prédio”, diz.
Pujol Junior é conhecido especialmente pelo prédio do atual Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo, o Edifício Guinle (precursor dos arranha-céus paulistanos) e o Theatro Pedro II, de Ribeirão Preto. Também assinou o projeto de loteamento do bairro Jardim Europa.
O Rolim se destaca por uma espécie de lanterna criada em sua cúpula. É tombado como patrimônio cultural de São Paulo desde 2015, em conjunto com outras construções do entorno do Pátio do Colégio.
Foi lançado como edifício de escritórios, com comércio no térreo. “Era um comercial style, como era habitual na época”, conta a professora da USP. “Se destacava em uma Praça da Sé ainda não tão verticalizada, pela sua altura e, sobretudo, pela sua imponência”, completa a professora.
Segundo os sócios da nova experiência de horror, o prédio estava praticamente vazio nos pavimentos acima do térreo. Não há previsão, por ora, de restauro da fachada, que seguirá coberta por uma tela.
“Esses prédios foram ficando ociosos nos últimos anos, com baixa taxa de ocupação e rendimento para os proprietários, que, normalmente, são de uma família ou um único dono. Eram palacetes comerciais importantes na época em que foram construídos”, explica Beatriz.
O edifício também está no inventário municipal de Memória Paulistana, por ter sido o endereço do semanário O Homem do Povo, fundado por Oswald de Andrade e Patrícia Galvão (Pagu). A redação funcionou em um dos últimos andares do Rolim por volta de 1931.
‘Arte, gosto, belleza, luxo e conforto’: os anúncios do Rolim no Estadão
Em anúncios publicados no Estadão em 1930 e 1931, são destacadas as “optimas salas de frente”, equipadas com cofre, voltadas especialmente a médicos, engenheiros, advogados, dentistas e corretores. “Instalações magníficas, com todo o luxo e conforto”, ressaltava-se.
“Único do gênero”, era outra expressão comum, assim como o destaque para as descrições de ser “novo e moderno” e “preferido pela elite dos profissionais”, no “melhor e mais commercial ponto da capital”. “Arte, gosto, belleza, luxo e conforto, tudo no melhor ponto de S. Paulo e pelos menores preços”, dizia outro anúncio.
Edifício Rolim
Praça da Sé, 87 - Centro
A partir de 31 de outubro, de quinta-feira a domingo, com sessões iniciadas das 18h às 22h30
Ingressos: R$ 99 (entrada + um drinque alcoólico ou não alcoólico), com venda exclusivamente online pelo site e app Fever
Público: a partir de 13 anos
Não é permitido fazer fotos e vídeos durante a experiência
Recomenda-se o uso de roupas confortáveis e que se evite chinelos e calçados plataforma.
Mais informações: edificiorolim.com.br