Com a obra quase concluída e parada há mais de um ano, o edifício de luxo construído sem alvará no Itaim Bibi pode passar a ter uma opção para evitar a demolição requerida pela Prefeitura de São Paulo na Justiça. Essa alternativa seria viável por meio de um aval à regularização de imóveis na Operação Urbana Faria Lima, proposta que deve ser incluída em um projeto de lei que será votado em definitivo pelos vereadores no fim deste mês.
O projeto permite a regularização por meio da compra em leilão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (conhecidos pela sigla Cepacs). Esses títulos são exigidos para erguer prédios com vários pavimentos no perímetro da operação urbana.
Hoje, os Cepacs estão praticamente esgotados em alguns locais e tipos de empreendimento. É o caso do prédio do Itaim Bibi, o Edifício St. Barths, que fica em área nobre da zona sul paulistana.
Adicionalmente ao aval à regularização, a proposta prevê a realização de um novo leilão com 250 mil m² em Cepacs. Isto é, uma empresa que arrematar parte do estoque de certificados poderia legalizar um edifício irregular. Uma regularização não eximiria, contudo, da aplicação de penalizações.
No caso do St. Barths, uma eventual compra de certificados pela incorporadora — a São José Desenvolvimento Imobiliário — poderia facilitar a regularização. Dessa forma, com a liberação da obra, seria possível retomar os acabamentos finais e realizar a venda dos apartamentos.
Uma possível retomada dependeria, contudo, também de aval judicial. Isso porque as obras do edifício estão congeladas por uma liminar obtida pela Prefeitura no ano passado. Tanto o Ministério Público de São Paulo (MPSP) quanto a gestão Ricardo Nunes (MDB) movem ações contra a São José.
A estimativa é de que o novo leilão obtenha cifra bilionária. Com o projeto de lei aprovado e sancionado, parte desse valor seria voltado preferencialmente para obras públicas no complexo Paraisópolis, na zona sul, o qual passaria a estar incluído no perímetro do programa de investimentos da operação urbana.
“Hoje pode regularizar em praticamente qualquer lugar da cidade”, justificou o relator do projeto de lei que discute essa e outras alterações na operação urbana, vereador Rodrigo Goulart (PSD), ao Estadão. Ele salienta, contudo, que o texto final ainda será apresentado e segue em discussão.
O relator considera que o projeto não daria uma “anistia”, pois traria também penalizações. Além disso, diz que o possível aval para regularizações e novo leilão possivelmente atrairiam outros interessados além da construtora do St. Barths. “Está há muito tempo sem ter leilão (para aquela região)”, aponta.
Procurada pelo Estadão, a incorporadora não se manifestou até o momento. Desde que o caso se tornou público, a empresa tem se posicionado contrariamente à possibilidade de demolição e buscado acordo pela regularização — como o termo de compensação discutido no ano passado, que previa obras em parques, posteriormente negado pela gestão Nunes.
O projeto de lei que altera a operação urbana é de 2022, com aprovação em primeira votação naquele ano. Enviado à Câmara Municipal pela Prefeitura, o texto original contempla exclusivamente a inclusão do complexo Paraisópolis no programa de intervenções (de obras públicas com recursos do leilão de Cepacs), o que abrange as apontadas favelas da Rua Coliseu, do Real Parque, Panorama, Paraisópolis, Jardim Colombo e Porto Seguro.
A possível regularização deve ser incluída em um substitutivo, ainda a ser apresentado na Câmara Municipal. O texto traria a possibilidade de novo leilão, proposta originalmente em outro projeto de lei da Prefeitura, remetido aos vereadores em 2020.
Outras mudanças também devem ser incorporadas ao texto antes da apreciação final pelos vereadores, prevista para a última semana de junho, pouco antes do recesso legislativo. A votação ocorrerá em conjunto com outros projetos urbanísticos — como o que facilita a implantação do Parque do Bixiga no entorno da sede do Teatro Oficina, no centro.
Em coletiva de imprensa sobre outro tema na terça-feira, 11, o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), estimou que o novo leilão de Cepacs poderia arrecadar cerca de R$ 3 bilhões. “O que permite um grande investimento na região de Paraisópolis, resolver a questão da canalização do córrego e a questão da canalização que temos lá”, disse. Em 2019, foi arrecadado R$ 1,6 bilhão com 93 mil m² de títulos.
Como é o prédio de luxo construído sem alvará no Itaim Bibi?
O Edifício St. Barths tem cerca de 80 metros de altura e 14,5 mil m² de área construída. De alto padrão, totaliza 23 pavimentos e 20 apartamentos, com unidades de 382 m² (cinco vagas de garagem) e 739 m² (duplex, com oito vagas).
O prédio fica na Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, nas proximidades da Avenida Brigadeiro Faria Lima. A obra foi interrompida em fevereiro do ano passado após a identificação da construção sem alvará.
A Prefeitura abriu apuração interna sobre a atuação dos fiscais municipais no caso, visto que a construção persistiu sem autuação por anos. Além disso, determinou multa de R$ 2,5 milhões.
À Justiça, no ano passado, o Município alegou que a São José adotou uma “tática de guerrilha” para erguer o edifício sem alvará. Disse também que o imóvel colocaria em risco pedestres e moradores do entorno e que, portanto, “a demolição imediata e integral do prédio é condição protetiva da segurança de transeuntes e vizinhos”. Já a empresa diz que a construção é segura.
O pedido de demolição foi negado pela Justiça no ano passado. Na decisão liminar, o juiz considerou que seria uma medida de “impossível reversibilidade” para ser tomada neste momento da tramitação. A ação segue em curso.
Já o MP move ação em que defende a demolição ao fim do processo e o pagamento de danos sociais, morais, ambientais e urbanísticos de mais de R$ 500 milhões. Também continua em tramitação.
No ano passado, a gestão Nunes chegou a discutir um “plano B” caso a demolição não fosse autorizada. A alternativa seria vender o empreendimento e destinar os recursos arrecadados para o programa Pode Entrar, de habitação para a população de baixa renda.