A Justiça de São Paulo negou na quarta-feira, 9, pedido de tutela de urgência da Prefeitura de São Paulo para a demolição imediata do prédio de luxo irregularmente construído no Itaim Bibi, área nobre da capital paulista. A decisão é preliminar e manteve a suspensão da obra e o veto à venda de apartamentos do edifício, erguido sem alvará de execução. Responsável pela construção, a construtora São José é contrária à derrubada e tem defendido um acordo para a regularização.
Na liminar, o juiz Otavio Tioiti Tokuda, da 10.ª Vara de Fazenda Pública, argumentou que a demolição seria uma medida de “impossível reversibilidade” para ser tomada neste momento do processo. “Notória a irregularidade da construção edificada à margem da legislação, sem o necessário alvará de execução. No entanto, o pedido de tutela deverá ser deferido com ponderação”, salientou.
A decisão se refere a um pedido de tutela de urgência. A ação segue em andamento, assim como um segundo processo judicial aberto pelo Ministério Público, no qual defende a demolição no fim da tramitação e o pagamento de indenizações estimadas em cerca de meio bilhão de reais.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem falado publicamente sobre o desenvolvimento de um “Plano B” no caso de um indeferimento definitivo para a derrubada do prédio. A alternativa seria a Prefeitura comercializar o empreendimento e destinar os recursos arrecadados para o programa Pode Entrar, de habitação para a população de baixa renda.
Os demais pedidos de tutela de urgência da Prefeitura foram acatados pelo magistrado, com a permanência da desocupação do imóvel e a paralisação de qualquer ato de alienação, como vendas, reservas, permutas e afins. Ele citou que a São José diz não ter comercializado unidades do edifício, porém ressaltou que há anúncio de empreendimento no site de uma imobiliária, com a sinalização de “pronto para morar”.
O magistrado define que a construtora deverá comprovar o cumprimento da decisão em até cinco dias úteis. Um eventual descumprimento será penalizado com uma multa diária de R$ 50 mil.
A Prefeitura se manifestou em nota sobre a liminar, na qual destacou que os demais pedidos foram acatados e que a recusa para a demolição foi motivada pela irreversibilidade da medida. “Assim, não é correto afirmar que o prédio não será demolido. O pedido demolitório poderá ser apreciado na fase processual oportuna”, pontuou.
Como é o prédio de luxo construído sem alvará no Itaim Bibi?
O Edifício St. Barth tem 80 metros de altura e 14,5 mil m² de área construída. De alto padrão, tem 23 pavimentos de 20 apartamentos, divididos em unidades de 382 m² (com cinco vagas de garagem) e duplex de 739 m² (com oito vagas).
Também anunciado como St. Barths, o prédio fica na Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, nas proximidades da Avenida Brigadeiro Faria Lima. São 20 andares e três subsolos, voltados principalmente para vagas de garagem.
A obra foi interrompida apenas em fevereiro, quando estava com todos os pavimentos adiantados. O embargo feito pela Prefeitura determinou multa de R$ 2,5 milhões.
Vender prédio de luxo e destinar recursos para habitação social: o ‘Plano B’ da Prefeitura
Nunes tem defendido a demolição, assim como a Subprefeitura de Pinheiros. O pedido da derrubada do prédio ocorreu até mesmo após um parecer contrário do secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Rodrigo Pimentel Pinto Ravena, destacar o impacto ambiental da medida e defender um acordo de compensação ambiental, em que a São José implantaria dois parques e reformaria outros dois.
Em agenda pública nesta semana, o prefeito voltou a dizer que a demolição é a primeira opção. “Se o juiz conceder a determinação de demolição, que eu espero que conceda, vai ficar como exemplo. Havendo a demolição, eles (os responsáveis pela obra irregular) terão de cuidar da questão dos impactos ambientais. Terão de prover ações para mitigar os impactos ambientais”, afirmou.
Ele sinalizou, contudo, que se discute uma alternativa. “Se a Justiça não autorizar a demolição, eu acho que uma saída que a gente pode construir é que aquele imóvel passe para a Prefeitura e que a Prefeitura, através da SP Negócios, possa comercializar, porque é de alto padrão. E o recurso integral da comercialização vá para o programa Pode Entrar, de aquisição de habitações de interesse social”, explicou. “O maior interesse da Prefeitura é de que tenha uma ação exemplar de demolição, o que, evidentemente, depende da Justiça. O que a Justiça determinar, a gente vai respeitar.”
Nunes também explicou que a Controladoria ainda está apurando o eventual envolvimento de agentes públicos nas irregularidades e que, se comprovado, será punido de “forma exemplar”. “É muito difícil imaginar que um prédio naquele padrão, naquela localização, daquele tamanho, tenha sido construído sem que os agentes públicos tenham observado”, admitiu.
MP requer indenização de meio bilhão de reais e demolição
O MP-SP defende que a São José pague danos sociais, ambientais, urbanísticos e morais em indenizações de mais de meio bilhão de reais. Os promotores requerem também a demolição do edifício ao fim do processo. A defesa da empresa diz buscar a regularização do empreendimento e uma solução consensual.
“Quando deu início às obras sem o alvará de execução (pedido de emissão indeferido por três vezes), a empresa requerida decidiu agir em desconformidade com a legislação, não havendo qualquer fundamento para sustentar uma eventual alegação de boa-fé”, disse a Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital à Justiça.
Ao ajuizar a ação, os promotores também criticaram a gestão Nunes por propor outra ação sobre o caso, pois avaliam que o Município tem responsabilidade pela execução da obra sem alvará. “Inviável que o Município pretenda, portanto, a pretexto de deter a legitimidade ativa para a propositura de demanda, esquivar-se de tal responsabilidade, que deverá abarcar, solidariamente com os demais codemandados, os custos com a demolição do empreendimento”, apontou.
Para o MP, “é mais do que evidente a falha do poder público municipal em seu dever de fiscalização”, sobretudo por se tratar “de um edifício de enormes proporções, construído ao longo de alguns anos, em pleno Itaim Bibi, sem alvará de execução, sob os olhos complacentes do poder público local”.
A Promotoria fala em dano moral coletivo e dano social, com a justificativa de que “violou a ordem urbanística difusa, que é de especial relevância para toda sociedade”. A indenização é estimada em R$ 479,8 milhões, calculada com base no dobro do valor do metro quadrado estimado do imóvel. Se a decisão final for favorável, o recurso será destinado ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados e ao Fundo Social de São Paulo.
Além disso, defende o pagamento de indenização por danos urbanísticos e ambientais, de ao menos o valor dos créditos construídos não adquiridos e que eram necessários para a obra, de R$ 61,8 milhões. Esse valor seria voltado ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). Também pede o bloqueio de bens e valores da São José, responsável pelo empreendimento, a fim de garantir o pagamento das indenizações ao fim da ação.
Os promotores identificaram que a São José Empreendimentos começou a anunciar o edifício ao menos oito meses antes de protocolar o pedido de edificação nova na Prefeitura, em novembro de 2016. Além disso, averiguaram que um estande de vendas esteve aberto ao menos entre julho de 2016 a agosto de 2017 (que incluía o St. Barths e outro edifício) e que a construção foi iniciada sem o alvará de execução, que é obrigatório.
O pedido foi indeferido pela Prefeitura porque a São José não adquiriu os créditos construtivos (chamados de Cepacs) necessários para a obra, por estar na área da Operação Urbana Consorciada Faria Lima. Hoje, não há mais estoque previsto para leilão. “Ocorre que a edificação não é passível de regularização, conforme já demonstrado. Portanto, não sendo o empreendimento passível de regularização, a edificação deverá ser demolida”, destaca.
“Vale lembrar que a empresa requerida tinha pleno conhecimento de que precisaria apresentar a certidão de pagamento de outorga onerosa em 3.514 (três mil, quinhentos e catorze) Cepacs, desde o apostilamento do alvará de aprovação publicado em 09 de fevereiro de 2018, que expressamente não lhe dava o direito de iniciar as obras”, completou.
Nos autos da ação, a defesa da São José disse que não adquiriu Cepacs porque o último leilão teria “insegurança jurídica” para a aplicação naquele endereço. Afirmou também que não tratou do tema com descaso e que busca regularizar a situação do imóvel. “A judicialização não se demonstra a via mais adequada, célere, nem mesmo eficiente para solucionar a questão”, destacou.
Além disso, ressaltou não ter comercializado apartamentos do edifício irregular. “O empreendimento em questão não foi disponibilizado à comercialização, portanto, não há que se falar em violação à direitos de adquirentes consumidores.”
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