Uma transformação que vai além da troca de uma grife por outra chama a atenção na Rua Oscar Freire. Novas lojas, sorveterias e restaurantes atraem um público curioso por experiências gastronômicas e de compras com milhares de visualizações em redes sociais, como o TikTok. Ao mesmo tempo, a construção de prédios altos altera a paisagem em trechos de uma das mais famosas vias de São Paulo. Seria esse o início de uma nova Oscar Freire?
Na parte da via mais próxima de Pinheiros, na zona oeste, oito empreendimentos de apartamentos de alto padrão foram recém-entregues ou estão em obras onde antes havia casas, sobrados e predinhos. Do outro lado, ao menos 16 comércios abertos desde o ano passado renovam a experiência dos frequentadores dos Jardins, no centro expandido. Há, ainda, neste trecho, ao menos seis estabelecimentos comerciais em reformas antes da abertura.
A construção de prédios altos se concentra principalmente nas quadras mais próximas da Avenida Rebouças, no eixo de verticalização da Estação de Metrô Oscar Freire, da Linha 4-Amarela. Um empreendimento da Gafisa ainda em fase de projeto vai, contudo, transpor essa “barreira” na esquina com a Rua da Consolação. Procurada, a construtora prefere não se manifestar por enquanto.
A galeria e as antigas lojas da Asics e de outras marcas que ficavam no endereço estão em demolição. O local está no trecho mais badalado da rua, composto pelas cinco quadras reformuladas há quase 20 anos em um projeto urbanístico que renovou a rua, feito pelos donos de butiques e outros estabelecimentos da região, conhecida pelo luxo, em parceria com a Prefeitura.
Nessas quadras mais conhecidas da Oscar Freire, não havia obras de prédios altos por décadas. A situação preocupa uma parte dos lojistas, que temem perder contratos de aluguel. A verticalização também envolve outras ruas vizinhas e, recentemente, chamou a atenção pela possibilidade de fechamento do bar Balcão.
Especialistas ouvidos pelo Estadão falam em movimento natural do mercado, com reaquecimento da economia no pós-pandemia e busca do setor imobiliário por endereços valorizados e aptos para prédios altos. Por ora, a aposta não é em verticalização total das quadras mais icônicas, mas em convívio entre prédios e lojas.
A curiosidade pela “rua mais chique do Brasil” é intensa. Vídeos com a proposta “dia na Oscar Freire” somam mais de 21,5 milhões de visualizações no TikTok e são frequentes também em outras redes sociais.
Os influenciadores citam “cenários incríveis para quem gosta de fotos”, dizem que a moda faz você “pirar” e recomendam ir com fome, para experimentar sorvetes instagramáveis e mais opções gastronômicas que formam filas no fim de semana.
Um dos locais mais “hitados” é a Dumbo, que traz sorvetes com versões de waffle com o formato de peixe. “É difícil ter alguém que pede o ‘sorvete do peixinho’ e não tira foto. Retira o pedido com uma mão já sacando o celular ao mesmo tempo”, narra Fausto Mendonça, fundador da marca. Segundo ele, as pessoas vão pela imagem, mas voltam pelo sabor.
O empresário explica que escolheu o endereço por ser “icônico”. Mas pelo aluguel, que descreve como “caríssimo”, escolheu um quiosque. Ele é um dos que se preocupam com o avanço dos edifícios altos e teme que a reduzir o número de lojas tire parte da essência local. “A Oscar Freire tem de tudo: um exemplo clássico do que é São Paulo, uma cidade cosmopolita.”
Além das guloseimas, a decoração e o próprio perfil de alguns espaços atraem o público pela internet. Isso é ainda mais forte na BT House, primeiro comércio físico da marca de maquiagens da influenciadora Bruna Tavares — que tem 3,3 milhões de seguidores no Instagram.
Ao Estadão, a empresária explicou que a Oscar Freire era a principal opção. “A gente queria loja de rua pela acessibilidade e porque tem muito mais espaço. Queria construir bastante espaço instagramável e, no shopping, não teria como fazer uma loja desse tamanho.”
Além disso, o endereço foi escolhido por ser referência nacional e internacional de “lojas conceito” — espaços que oferecem experiências mais exclusivas e personalizadas, como a Galeria Melissa e o Espaço Havaianas, localizadas na via e que foram inspirações. “É uma loja com imersão tanto sensorial quanto informativa”, define Bruna.
Entre os novos espaços, estão as sorveterias Bachir e Momo Gelato (outros hit nas redes), a Belong Be (de maquiagem, com opções personalizadas), o empório e restaurante Casa La Pastina (de enogastronomia mediterrânea), uma unidade da hamburgueria Z Deli e lojas das marcas cariocas Le Bronstein (roupas) e M.Pondé (joias).
Também há novidades ligadas a grandes grupos. Com presença na Oscar Freire há décadas, o Grupo Arezzo é um exemplo: abriu a primeira loja da marca Brizza este ano e prepara um grande espaço ligado à Ana Capri, a ser inaugurado nos próximos meses.
Por outro lado, há pontos vagos na parte mais valorizada da rua, com placas de “aluga-se”. Os dois principais ficam na esquina com a Rua Haddock Lobo, um deles abrigava a loja conceito da Riachuelo até maio.
Autora de uma tese de doutorado sobre a rua, que está sendo transformada em livro, Ana Maria Sala Minucci diz que a Oscar Freire tem atraído especialmente espaços voltados à classe média, não tanto do alto luxo que a tornou famosa. “São empresas brasileiras com capital de giro alto, que aproveitam a aura de elegância e glamour que a Oscar Freire mantém.”
Por outro lado, a urbanista avalia que mesmo lojas mais acessíveis têm dificuldade de atrair um público de menor renda à região. “O glamour ainda intimida algumas pessoas”, afirma.
Por que os edifícios se concentram em um dos lados da Oscar Freire?
Quatro incorporadoras concentram a maioria dos prédios lançados, em desenvolvimento e recém-entregues na Oscar Freire. Em comum, são voltados às classes média alta e alta e têm diferenciais “premium”, como pé direito alto (até 5,6 m), apartamentos de até quatro suítes e áreas comuns com quadra de tênis, piscina de borda infinita e spa.
“Rompeu com os limites da sofisticação, design e arquitetura com um projeto icônico em uma das localizações mais desejadas da cidade: Oscar Freire. Bem-vindo ao topo”, diz o anúncio de um dos novos condomínios. “Um dos pontos mais altos da cidade em uma de suas ruas mais desejadas”, define outro. Parte dos empreendimentos faz referência à rua no próprio nome, como o Oscar2525, da Idea!Zarvos e o Oscar Freire Unlimited, da You,Inc.
Os empreendimentos ficam em quadras próximas das estações Sumaré, da Linha 2-Verde, e Oscar Freire, da Linha 4. Esses locais estão nos eixos de verticalização, áreas com incentivos da Prefeitura para construção de novos apartamentos e que permitem prédios sem limite de altura.
Hoje, a área de influência da Oscar Freire abrange da Rua Bela Cintra à Doutor Arnaldo, mas a nova lei do Plano Diretor permite a ampliação em mais três quadras, chegando à esquina com a Rua João Emanuel, caso a expansão seja permitida na revisão da Lei de Zoneamento, prevista para este semestre. Hoje, os trechos fora de eixo da Oscar Freire permitem apenas construções com altura de até 28 e 48 metros, a depender do endereço.
A concentração dos novos empreendimentos nesses eixos é um dos motivos que fazem o lado mais próximo de Pinheiros reunir mais prédios: há menos quadras com incentivos do outro lado da Rebouças. Além disso, imóveis comerciais na área mais conhecida da Oscar Freire são valorizados e rendem alto retorno aos proprietários por meio do aluguel e da “luva” pagos por locatários.
“A verticalização não atingiu esse lado da Oscar Freire, não consegue ainda pagar pela retirada do comércio, que é muito potente”, diz Antonio Claudio Fonseca, professor de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie. Ele compara que outras metrópoles, como Roma, Paris e Nova York, também têm vias influentes que concentram comércios de alto padrão. Por outro lado, avalia que ainda há terrenos passíveis de transformação nas quadras mais próximas de Pinheiros.
Presidente da Associação Comercial dos Jardins e do Itaim (antiga Associação de Lojistas da Oscar Freire), Rosangela Lyra avalia que os comércios e a verticalização vão coexistir. “Nos Jardins, a maioria é de prédios antigos. Os prédios novos trarão pessoas com estilos de vida e formato de famílias diferentes”, afirma.
Ela diz que a Oscar Freire está em alta, mais diversa, equilibrada e acessível, sobretudo diante da proximidade maior do metrô.“É fascinante escutar todas as línguas e sotaques do Brasil e do mundo por lá. Quando uma pessoa vem para cá, não sabe qual shopping vai, mas sabe qual rua visitar.”
Os projetos dos condomínios têm comércio no térreo e unidades de diferentes metragens, de microapartamentos a opções de mais de 400 m². No caso dos compactos, parte é voltada a serviços não residenciais, para locação de curta temporada, como no Airbnb.
O preço do metro quadrado dos empreendimentos consultados gira de R$ 23 mil a R$ 28 mil, o que resulta em unidades grandes de mais de R$ 6 milhões. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o prédio da Gafisa deve chegar a valores ainda mais altos por estar na área mais valorizada da Oscar Freire.
“É uma região que a gente chama de ‘aspiracional’. As pessoas querem morar ali”, diz Joaquim Rocha Azevedo, CEO da Sequóia Properties, que tem dois empreendimentos na Oscar Freire. “Até há público de fora de São Paulo (de compradores de unidades) que é relevante”, acrescenta.
Já Tatiana Muszkat, CMO da You,Inc, diz que projetos para a região também se diferenciam pela arquitetura autoral e menos padronizada. Um dos empreendimentos da incorporadora é assinado, por exemplo, pelo escritório internacional Perkins & Will.
O empreendimento chama a atenção pela fachada com volumes de diferentes formas, janelas circulares e pilares de inspiração modernista. “São projetos que não são bons só para nossos moradores, mas também para o entorno”, afirma.
Uns chegam; outros reclamam ou têm de se mudar
A verticalização gera a saída de comércios de diferentes perfis. Em 2022, por exemplo, a chef Carolina Brandão teve de deixar os endereços em que criou e manteve os restaurantes Las Chicas e Clementina por cerca de dez anos. Ambos foram vendidos pelos proprietários para a construção de edifícios e foram recentemente demolidos. “Esse lado de cá não era super destacado. Era uma coisa bem ‘off’, da Oscar Freire para cá da Rebouças”, descreve sobre a mudança.
Como um dos restaurantes ficava em um terreno grande e ao lado de um estacionamento, a chef já esperava que um dia precisaria deixar o ponto. O que a surpreendeu foi a necessidade de deixar o outro, estabelecido em uma garagem no térreo de um predinho de quatro andares. “Nunca me passou na cabeça a possibilidade de demolirem um prédio daqueles”, conta.
A situação também motiva reclamações de moradores do entorno. No tapume de um dos empreendimentos, foi escrita a frase “Plano crime Diretor”, em referência aos estímulos municipais variados para incentivar a construção de novos apartamentos perto de metrô.
Em reunião do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades) Pinheiros em maio, integrantes defenderam a restrição de um máximo de construções simultâneas em uma mesma rua ou quadra e reclamaram de possíveis impactos no trânsito. Os conselheiros até decidiram enviar ofício à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) a fim de pedir “solução viária para as obras que estão ocorrendo simultaneamente na região da Rua Oscar Freire”.
Em nota, a CET informa que a gerência responsável pela região de Pinheiros tem atuado com o monitoramento das vias onde ocorrem as obras e com a fiscalização do comportamento dos motoristas para coibir o desrespeito às normas de trânsito. “Diariamente, quando necessário, também são realizados ajustes nos tempos semafóricos, favorecendo a fluidez do trânsito sem que haja prejuízo à segurança, principalmente dos pedestres.”
Ainda segundo o órgão, empreendimentos que trazem maior fluxo de pessoas e veículos precisam realizar contrapartidas na forma de investimentos na estrutura viária da região de abrangência da edificação. No entorno da Oscar Freire há oito empreendimentos classificados como Polos Geradores de Tráfego (de acordo com a previsão legal), que devem executar investimentos. As contrapartidas englobam melhorias na sinalização vertical e horizontal, obras de adequação da geometria viária, investimentos na otimização de semafóros, entre outras medidas necessárias e conforme o estudo de impacto feito pela CET.
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