O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), defendeu nesta sexta-feira, 13, a internação involuntária das pessoas que usam crack há mais de cinco anos na Cracolândia. Nunes afirmou ainda que o poder municipal vai trabalhar em conjunto com o governo de São Paulo para oferecer o atendimento aos usuários. Nesta parceria, Nunes citou, por exemplo, a revitalização do Cratod (Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas), mantido pelo governo estadual.
“Quem está no consumo há mais de cinco anos – são os estudos que demonstram – precisa de um atendimento do poder público. Se o atendimento for a internação involuntária, compulsória, comunidade terapêutica, seja ele qual for, a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado darão o atendimento que ele precisa. A gente não pode ter as pessoas jogadas na rua, se consumindo com o crack, numa situação que elas não conseguem sair sozinhas. Ele vai se debilitando até chegar a morte”, afirmou.
A avaliação do prefeito foi feita durante uma visita de vistoria às obras de uma unidade do programa Vila Reencontro, conjunto de moradias modulares para população em situação de rua, localizada na Ladeira da Memória, na região central.
Na chamada internação involuntária, o consentimento de um familiar e a assinatura de um médico são suficientes para a hospitalização, sem a necessidade da anuência do próprio usuário de drogas. A medida é permitida por lei. No ano passado, a Prefeitura de São Paulo internou 22 usuários de drogas para tratamento sem o consentimento deles no Hospital Bela Vista, referência no tratamento de dependentes químicos. Há ainda a internação compulsória, também realizada sem o aval do paciente, mas por determinação da Justiça.
Há entendimento diferente entre psiquiatras sobre a opção pela internação involuntária e compulsória. Uma linha de especialistas defende que ela é necessária em alguns casos como uma das etapas do tratamento, quando outras abordagens já foram tentadas sem sucesso e nos momentos de crises agudas do paciente, em especial quando ele coloca outra pessoa ou a si mesmo em risco. Essa linha aposta na abstinência completa da droga como fundamental para o sucesso do tratamento.
Outra linha de especialistas defende que as internações, em especial as compulsórias ou involuntárias, podem levar a experiências traumáticas para os usuários de drogas e aumentam o risco de posterior recaída. Para eles, o tratamento deve ser multidisciplinar, com acompanhamento médico ambulatorial, ações assistenciais e políticas de reinserção social para que o dependente possa reconstruir sua vida e tenha meios de subsistência e rede de apoio para manter-se longe do vício.
Em alguns casos, a abordagem tem um viés de redução de danos, ou seja, não espera-se do usuário que ele interrompa totalmente o consumo, mas que haja uma diminuição do uso de drogas.
Para mostrar os danos à saúde trazidos pelo consumo abusivo de crack, Nunes citou dois estudos. O primeiro é da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De acordo com a pesquisa, 57% dos usuários estão na Cracolândia há mais de 5 anos, enquanto 27% circulam pela maior aglomeração de dependentes químicos do País estão há mais de dez anos.
O segundo estudo, da Secretaria Municipal de Saúde, sobre a atividade pulmonar dos usuários, mostra que 51% das pessoas da Cracolândia estão com comprometimento da capacidade pulmonar. “As pessoas estão degradando a sua vida. Não vamos fazer nada? Precisamos de um pouco mais de amor com as pessoas. Precisamos agir. A ação que a medicina indicar, a gente vai fazer”, afirmou.
Nunes considera que o atendimento médico aos usuários será o próximo passo das ações realizadas nos últimos meses. “Conseguimos evoluir bastante. Em 2016, eram 4 mil usuários na Cracolândia, hoje são 900 a 1 mil. Precisamos continuar avançando. Nessa ação, a gente conseguiu fazer algo que estava previsto: não ter novos ingressantes na Cracolândia. Essas ações todas que tiveram êxito e sucesso e acabar com aquela grande aglomeração e o domínio da organização criminosa. Agora precisamos dar um tratamento especial”, afirmou.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que o vice-governador Felicio Ramuth (PSD) vai coordenar um projeto específico para a Cracolândia, que inclui aumentar a capacidade de triagem, a quantidade de comunidades terapêuticas para atender os dependentes químicos e instituir uma política habitacional para a população usuária.
Governos já tentaram diferentes abordagens para enfrentar problema
Ao longo dos últimos anos, diferentes abordagens terapêuticas já foram implantadas pelas administrações estadual e municipal para tentar reduzir o amplo consumo de crack na região central da capital paulista
Em 2013, o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou um programa em parceria com o Poder Judiciário para facilitar as internações involuntárias e compulsórias de usuários da região. A busca pelo serviço, concentrado no Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas (Cratod), no bairro da Luz, foi grande nas primeiras semanas, em especial por parte de familiares que tentavam internar à força parentes usuários de crack.
Segundo balanço de dois anos do programa, foram 1.378 internações à força, das quais somente 19 foram compulsórias (por determinação da Justiça). As demais foram a partir de pedidos das famílias.
No ano seguinte, em 2014, a gestão municipal do prefeito Fernando Haddad criou o programa De Braços Abertos, que apostava no atendimento ambulatorial e na oferta de moradia em hotéis e de emprego em pequenos serviços de zeladoria para os dependentes, na tentativa de reinseri-los no mercado de trabalho.
O programa recebeu críticas porque alguns usuários foram flagrados usando a remuneração para comprar droga, mas pesquisa feita em 2016 mostrou que dois terços dos participantes reduziram o consumo da droga.
Dispersão dos usuários pelas ruas do Centro
Na última quarta-feira, 11, uma ação da Polícia Militar (PM) para combater o tráfico de drogas na Cracolândia terminou com a utilização de bombas de gás e de efeito moral e correria pelas ruas do centro. Esses conflitos estão se repetindo nos últimos meses. Após ações da Prefeitura e da polícia dispersarem o fluxo de usuários de drogas no centro de São Paulo, a Cracolândia se espalhou por vários endereços.
A gestão municipal instalou cercas permanentes na Praça Princesa Isabel, local de concentração dos dependentes químicos até maio do ano passado, quando houve uma megaoperação da Polícia Civil.
A partir daí, os dependentes químicos passaram a se concentrar em ruas próximas à Santa Ifigênia, como Gusmões, Andradas e Triunfo, e também nos arredores do Elevado João Goulart (Minhocão).