Nos Jardins, revisão de tombamento libera ‘condomínios horizontais’; entenda regras


Minuta está em consulta pública e ainda pode sofrer alterações; abaixo-assinado contrário reúne 6,3 mil pessoas

Por Priscila Mengue
Atualização:

Quase 40 anos depois do tombamento, o conselho estadual de patrimônio cultural propôs mais uma revisão nas regras para os bairros dos Jardins, no centro expandido da cidade de São Paulo. As principais alterações previstas envolvem o uso dos terrenos, a fim de permitir a construção de pequenos condomínios horizontais e vilas e, também, vincular o tipo de ocupação à Lei de Zoneamento, o que poderia facilitar uma futura autorização para imóveis não residenciais.

O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) colocou a minuta da revisão de tombamento do Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulista e Jardim Paulistano em consulta pública até 26 de junho, por meio de um formulário virtual (em condephaat.sp.gov.br). Uma audiência pública está marcada para 3 de julho, quando será apresentada a versão final da revisão. A expectativa é finalizar todo o processo até o dia 23 do próximo mês, quando termina o mandato dos atuais conselheiros.

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A proposta divide opiniões. A revisão atraiu críticas de uma parte dos moradores e da população em geral, tanto que um abaixo-assinado contrário reúne cerca de 6,3 mil apoiadores na internet. Por outro lado, outra parcela dos moradores, dos proprietários e de setores da iniciativa privada avaliam que mudanças são necessárias, embora haja divergência em relação a algumas propostas da minuta.

Para o Condephaat, a mudança poderá proporcionar um “repovoamento” dos Jardins, conhecidos pela alta vacância e uma parte dos imóveis desocupados ou subutilizados. A proposta também visa a unificar as normas construtivas para os quatro bairros, a fim de otimizar a aprovação de obras na esfera estadual. Ao Estadão, o presidente do conselho, Carlos Augusto Mattei Faggin, garante que a revisão não é um “destombamento” e que as características da região serão mantidas.

Os bairros que possivelmente serão mais transformados são o Jardim América – o primeiro dos quatro, criado nos anos 1910 pela Companhia City – e o Jardim Europa. Isso porque são os que têm os maiores terrenos, alguns superiores a 2 mil metros quadrados. O Condephaat estima que cerca de 3,1 mil imóveis existam no perímetro de todo o tombamento, que envolve a configuração dos terrenos, ruas e vegetação do bairro e não incide sobre a arquitetura em si das casas (desde que obedeçam limites de altura, recuo etc).

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A resolução mais recente sobre o tombamento, de 2021, delimita o máximo de uma residência por lote, exceto em 19 vias mais movimentadas, como as Avenidas Europa, Nove de Julho e Estados Unidos, o qual foi removido na revisão. A nova proposta também retirou o veto a vilas, condomínios horizontais/verticais e edificações sobrepostas.

Outra alteração que favorece a criação de pequenos condomínios é a que permite a fusão de terrenos até atingirem a metragem do maior lote daquela quadra. Também é proposto o contrário, o “desmembramento”, desde que os novos lotes gerados tenham ao menos o tamanho do menor existente naquela quadra. Esse dispositivo facilitará a expansão de lotes grandes, o que poderá tornar os bairros mais atrativos para o mercado imobiliário.

Obra em imóvel no Jardim América, o mais propenso a receber condomínios horizontais se a revisão de tombamento for aprovada.  Foto: Taba Benedicto/Estadão
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Hoje, o “remembramento” de grandes lotes é permitido desde que respeite o tamanho médio dos demais da quadra. Já, no caso dos menores de 900 metros quadrados, é autorizado desde que “a área resultante não conflite com o padrão de ocupação da quadra em que se insere, com área resultante não superior ao maior lote existente na quadra”. Além disso, a minuta propõe que o uso deixe de ser obrigatoriamente residencial e fique submetido ao zoneamento local, podendo ser alterado se o Município fizer mudanças nessa lei, que também está em revisão.

Presidente do Condephaat, Faggin fala das dificuldades técnicas em identificar se as mansões dos Jardins são de fato unifamiliares, como o tombamento originalmente previa, e que há diversos casos de sublocação irregular para mais de uma família e escritórios de empresas na região. Ele também comenta sobre o esvaziamento e as possíveis motivações:

“É algo visível. Não só com placa aluguel e venda, mas pelas casas abandonadas mesmo”, aponta. ”Há proprietários que não tem dinheiro para pagar o custo de manutenção dessas casas, que é muito alto. Se tenta alugar, não consegue. Se tenta vender, ninguém compra”, comenta.

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Faggin destaca que eventuais condomínios horizontais deverão respeitar a entrada única e outras características dos lotes. Segundo ele, a consulta pública tem recebido “sugestões interessantes” e questionamentos. “É uma revisão conservadora, não há nada aqui de revolucionário”, garante. “Não acho que seja uma coisa definitiva, mas um avanço muito grande”, diz.

Essa não é a primeira revisão das regras para os Jardins, cujo tombamento está em vigor desde 1986 e foi pioneiro no Estado ao propor a preservação do traçado e de características ambientais de uma área urbana. Outras revisões foram discutidas nas últimas décadas, uma parte acatada e outra arquivada. A mais recente data de 2021, mas há o entendimento de que não foi suficiente e que é preciso tratar de todas as normas em uma resolução única, a fim de evitar textos discordantes entre si.

Assessor executivo do Secovi-SP (que representa o setor das incorporadoras), Eduardo Della Manna avalia que as características de parte dos Jardins podem ser atrativas para a criação de condomínios horizontais de quatro a dez casas, com a possibilidade também de construção de uma única edificação subdividida. “Mas não condomínios muito grandes”, destaca. “E não vai ter uma mudança de padrão (socioeconômico).”

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Ele comenta que a região tende a atrair empreendimentos com um perfil de morador semelhante ao do entorno. “A minuta ajuda a dar uma renovada naquele território dentro de certos limites. Tende a transformar, criar as condições necessárias para a transformação desses grandes lotes”, destaca. “A pior coisa para um bairro é perder morador. Imóveis abandonados estão sujeitos a invasões, a uso irregular, clandestino.”

Associação critica parte das mudanças e faz contraproposta

Em paralelo, associações de bairro têm se organizado em relação à revisão. A Ame Jardins marcou um debate sobre o tema para 26 de junho. A organização está preparando uma carta em resposta às propostas do Condephaat e vai reivindicar mais tempo para a discussão pública.

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Conselheiro e um dos fundadores da Ame Jardins, Joca Levy cita a “pressão” da indústria imobiliária na região e avalia que a minuta é um “afrouxamento” de alguns pontos do tombamento. Ele é crítico à retirada da exigência de uso residencial, pois os locais do entorno em que foi permitida a instalação de comércios e serviços perderam em arborização e outras características.

Levy também é contrário à nova regra de remembramento. Isso porque o loteamento dos Jardins originalmente misturava terrenos de diferentes dimensões. “A característica é de lotes pequenos e grandes juntos. Pode passar a ter quadras inteiras de lotes de 5 mil metros quadrados.”

Por outro lado, ele não faz oposição aos condomínios horizontais, desde que a minuta delimite a uma única edificação por lote e com a subdivisão em uma fração mínima por unidade, calculada a partir do terreno. Ele sugere que o parâmetro deva ser uma fração de 500 metros quadrados para cada unidade autônoma. Isto é, uma mansão em terreno de 2 mil metros quadrados seria subdividida em quatro unidades.

A minuta traz mais mudanças. Também isenta a submissão ao conselho de pedidos de instalação de antenas de telecomunicações se respeitarem a altura máxima de imóveis (que é de 10 metros na maioria do tombamento, exceto nas zonas de transição). Outro ponto é que as edículas e afins deverão ser incluídas no cálculo de área construída (chamado de “coeficiente de aproveitamento”), que é limitada a uma vez a metragem do terreno em quase todo o perímetro tombado.

Revisão também gerou discussão no conselho estadual

As mudanças são discutidas por um grupo de trabalho criado em junho de 2022, composto por 11 pessoas, dentre conselheiros do Condephaat e técnicos da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) – ligada à Secretaria da Cultura. A proposta também foi apreciada em uma reunião do Conselho em 22 de maio, na qual as principais mudanças foram submetidas para aprovação e tiveram votos favoráveis da grande maioria.

Alguns trechos geraram discussão no Condephaat. Conselheira pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Andréa de Oliveira Tourinho disse que há questões que “carecem de esclarecimentos e estudos técnicos mais aprofundados”. Na reunião, também comentou sobre a possibilidade de projetos de condomínios horizontais envolverem subsolos e várias garagens, o que poderia aumentar a poluição e causar um prejuízo à arborização do entorno, que é tombada.

Opinião divergente foi apresentada pelo conselheiro André Luiz dos Santos Nakamura, da Procuradoria Geral do Estado. Ele argumentou que mudanças são necessárias, pois “os proprietários não têm mais condições econômicas de manter as residências unifamiliares, o que tem trazido degradação ao bairro”. “A possibilidade de vilas pode ressignificar a ocupação do bairro tombado e não haverá descaracterização”, afirmou, também na reunião.

A minuta traz mais mudanças. Também isenta a submissão ao conselho de pedidos de instalação de antenas de telecomunicações se respeitarem a altura máxima de imóveis (que é de 10 metros na maioria do tombamento, exceto nas zonas de transição). Outro ponto é que as edículas e afins deverão ser incluídas no cálculo de área construída (chamado de “coeficiente de aproveitamento”), que é limitado a uma vez a metragem do terreno em quase todo o perímetro tombado.

A revisão mantém o veto a alterações no desenho do traçado de vias, das praças e da largura das calçadas. No caso da vegetação, os novos projetos de construção, reforma ou regularização deverão apresentar um mínimo de área ajardinada sobre terra, de 40% da metragem do terreno no Jardim América e de 30% nos Jardins Europa, Paulista e Paulistano, com ao menos um árvore ou outro elemento arbóreo para cada 25 metros quadrados.

No caso dos muros frontais, a proposta também mantém basicamente as normas atuais. Os muros podem ter até 2 metros, quando menos da metade for de superfície vazada, ou de até 3 metros, quando tiver mais de 50% de superfície vazada, como portões, transparências etc.

Quase 40 anos depois do tombamento, o conselho estadual de patrimônio cultural propôs mais uma revisão nas regras para os bairros dos Jardins, no centro expandido da cidade de São Paulo. As principais alterações previstas envolvem o uso dos terrenos, a fim de permitir a construção de pequenos condomínios horizontais e vilas e, também, vincular o tipo de ocupação à Lei de Zoneamento, o que poderia facilitar uma futura autorização para imóveis não residenciais.

O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) colocou a minuta da revisão de tombamento do Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulista e Jardim Paulistano em consulta pública até 26 de junho, por meio de um formulário virtual (em condephaat.sp.gov.br). Uma audiência pública está marcada para 3 de julho, quando será apresentada a versão final da revisão. A expectativa é finalizar todo o processo até o dia 23 do próximo mês, quando termina o mandato dos atuais conselheiros.

A proposta divide opiniões. A revisão atraiu críticas de uma parte dos moradores e da população em geral, tanto que um abaixo-assinado contrário reúne cerca de 6,3 mil apoiadores na internet. Por outro lado, outra parcela dos moradores, dos proprietários e de setores da iniciativa privada avaliam que mudanças são necessárias, embora haja divergência em relação a algumas propostas da minuta.

Para o Condephaat, a mudança poderá proporcionar um “repovoamento” dos Jardins, conhecidos pela alta vacância e uma parte dos imóveis desocupados ou subutilizados. A proposta também visa a unificar as normas construtivas para os quatro bairros, a fim de otimizar a aprovação de obras na esfera estadual. Ao Estadão, o presidente do conselho, Carlos Augusto Mattei Faggin, garante que a revisão não é um “destombamento” e que as características da região serão mantidas.

Os bairros que possivelmente serão mais transformados são o Jardim América – o primeiro dos quatro, criado nos anos 1910 pela Companhia City – e o Jardim Europa. Isso porque são os que têm os maiores terrenos, alguns superiores a 2 mil metros quadrados. O Condephaat estima que cerca de 3,1 mil imóveis existam no perímetro de todo o tombamento, que envolve a configuração dos terrenos, ruas e vegetação do bairro e não incide sobre a arquitetura em si das casas (desde que obedeçam limites de altura, recuo etc).

A resolução mais recente sobre o tombamento, de 2021, delimita o máximo de uma residência por lote, exceto em 19 vias mais movimentadas, como as Avenidas Europa, Nove de Julho e Estados Unidos, o qual foi removido na revisão. A nova proposta também retirou o veto a vilas, condomínios horizontais/verticais e edificações sobrepostas.

Outra alteração que favorece a criação de pequenos condomínios é a que permite a fusão de terrenos até atingirem a metragem do maior lote daquela quadra. Também é proposto o contrário, o “desmembramento”, desde que os novos lotes gerados tenham ao menos o tamanho do menor existente naquela quadra. Esse dispositivo facilitará a expansão de lotes grandes, o que poderá tornar os bairros mais atrativos para o mercado imobiliário.

Obra em imóvel no Jardim América, o mais propenso a receber condomínios horizontais se a revisão de tombamento for aprovada.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Hoje, o “remembramento” de grandes lotes é permitido desde que respeite o tamanho médio dos demais da quadra. Já, no caso dos menores de 900 metros quadrados, é autorizado desde que “a área resultante não conflite com o padrão de ocupação da quadra em que se insere, com área resultante não superior ao maior lote existente na quadra”. Além disso, a minuta propõe que o uso deixe de ser obrigatoriamente residencial e fique submetido ao zoneamento local, podendo ser alterado se o Município fizer mudanças nessa lei, que também está em revisão.

Presidente do Condephaat, Faggin fala das dificuldades técnicas em identificar se as mansões dos Jardins são de fato unifamiliares, como o tombamento originalmente previa, e que há diversos casos de sublocação irregular para mais de uma família e escritórios de empresas na região. Ele também comenta sobre o esvaziamento e as possíveis motivações:

“É algo visível. Não só com placa aluguel e venda, mas pelas casas abandonadas mesmo”, aponta. ”Há proprietários que não tem dinheiro para pagar o custo de manutenção dessas casas, que é muito alto. Se tenta alugar, não consegue. Se tenta vender, ninguém compra”, comenta.

Faggin destaca que eventuais condomínios horizontais deverão respeitar a entrada única e outras características dos lotes. Segundo ele, a consulta pública tem recebido “sugestões interessantes” e questionamentos. “É uma revisão conservadora, não há nada aqui de revolucionário”, garante. “Não acho que seja uma coisa definitiva, mas um avanço muito grande”, diz.

Essa não é a primeira revisão das regras para os Jardins, cujo tombamento está em vigor desde 1986 e foi pioneiro no Estado ao propor a preservação do traçado e de características ambientais de uma área urbana. Outras revisões foram discutidas nas últimas décadas, uma parte acatada e outra arquivada. A mais recente data de 2021, mas há o entendimento de que não foi suficiente e que é preciso tratar de todas as normas em uma resolução única, a fim de evitar textos discordantes entre si.

Assessor executivo do Secovi-SP (que representa o setor das incorporadoras), Eduardo Della Manna avalia que as características de parte dos Jardins podem ser atrativas para a criação de condomínios horizontais de quatro a dez casas, com a possibilidade também de construção de uma única edificação subdividida. “Mas não condomínios muito grandes”, destaca. “E não vai ter uma mudança de padrão (socioeconômico).”

Ele comenta que a região tende a atrair empreendimentos com um perfil de morador semelhante ao do entorno. “A minuta ajuda a dar uma renovada naquele território dentro de certos limites. Tende a transformar, criar as condições necessárias para a transformação desses grandes lotes”, destaca. “A pior coisa para um bairro é perder morador. Imóveis abandonados estão sujeitos a invasões, a uso irregular, clandestino.”

Associação critica parte das mudanças e faz contraproposta

Em paralelo, associações de bairro têm se organizado em relação à revisão. A Ame Jardins marcou um debate sobre o tema para 26 de junho. A organização está preparando uma carta em resposta às propostas do Condephaat e vai reivindicar mais tempo para a discussão pública.

Conselheiro e um dos fundadores da Ame Jardins, Joca Levy cita a “pressão” da indústria imobiliária na região e avalia que a minuta é um “afrouxamento” de alguns pontos do tombamento. Ele é crítico à retirada da exigência de uso residencial, pois os locais do entorno em que foi permitida a instalação de comércios e serviços perderam em arborização e outras características.

Levy também é contrário à nova regra de remembramento. Isso porque o loteamento dos Jardins originalmente misturava terrenos de diferentes dimensões. “A característica é de lotes pequenos e grandes juntos. Pode passar a ter quadras inteiras de lotes de 5 mil metros quadrados.”

Por outro lado, ele não faz oposição aos condomínios horizontais, desde que a minuta delimite a uma única edificação por lote e com a subdivisão em uma fração mínima por unidade, calculada a partir do terreno. Ele sugere que o parâmetro deva ser uma fração de 500 metros quadrados para cada unidade autônoma. Isto é, uma mansão em terreno de 2 mil metros quadrados seria subdividida em quatro unidades.

A minuta traz mais mudanças. Também isenta a submissão ao conselho de pedidos de instalação de antenas de telecomunicações se respeitarem a altura máxima de imóveis (que é de 10 metros na maioria do tombamento, exceto nas zonas de transição). Outro ponto é que as edículas e afins deverão ser incluídas no cálculo de área construída (chamado de “coeficiente de aproveitamento”), que é limitada a uma vez a metragem do terreno em quase todo o perímetro tombado.

Revisão também gerou discussão no conselho estadual

As mudanças são discutidas por um grupo de trabalho criado em junho de 2022, composto por 11 pessoas, dentre conselheiros do Condephaat e técnicos da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) – ligada à Secretaria da Cultura. A proposta também foi apreciada em uma reunião do Conselho em 22 de maio, na qual as principais mudanças foram submetidas para aprovação e tiveram votos favoráveis da grande maioria.

Alguns trechos geraram discussão no Condephaat. Conselheira pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Andréa de Oliveira Tourinho disse que há questões que “carecem de esclarecimentos e estudos técnicos mais aprofundados”. Na reunião, também comentou sobre a possibilidade de projetos de condomínios horizontais envolverem subsolos e várias garagens, o que poderia aumentar a poluição e causar um prejuízo à arborização do entorno, que é tombada.

Opinião divergente foi apresentada pelo conselheiro André Luiz dos Santos Nakamura, da Procuradoria Geral do Estado. Ele argumentou que mudanças são necessárias, pois “os proprietários não têm mais condições econômicas de manter as residências unifamiliares, o que tem trazido degradação ao bairro”. “A possibilidade de vilas pode ressignificar a ocupação do bairro tombado e não haverá descaracterização”, afirmou, também na reunião.

A minuta traz mais mudanças. Também isenta a submissão ao conselho de pedidos de instalação de antenas de telecomunicações se respeitarem a altura máxima de imóveis (que é de 10 metros na maioria do tombamento, exceto nas zonas de transição). Outro ponto é que as edículas e afins deverão ser incluídas no cálculo de área construída (chamado de “coeficiente de aproveitamento”), que é limitado a uma vez a metragem do terreno em quase todo o perímetro tombado.

A revisão mantém o veto a alterações no desenho do traçado de vias, das praças e da largura das calçadas. No caso da vegetação, os novos projetos de construção, reforma ou regularização deverão apresentar um mínimo de área ajardinada sobre terra, de 40% da metragem do terreno no Jardim América e de 30% nos Jardins Europa, Paulista e Paulistano, com ao menos um árvore ou outro elemento arbóreo para cada 25 metros quadrados.

No caso dos muros frontais, a proposta também mantém basicamente as normas atuais. Os muros podem ter até 2 metros, quando menos da metade for de superfície vazada, ou de até 3 metros, quando tiver mais de 50% de superfície vazada, como portões, transparências etc.

Quase 40 anos depois do tombamento, o conselho estadual de patrimônio cultural propôs mais uma revisão nas regras para os bairros dos Jardins, no centro expandido da cidade de São Paulo. As principais alterações previstas envolvem o uso dos terrenos, a fim de permitir a construção de pequenos condomínios horizontais e vilas e, também, vincular o tipo de ocupação à Lei de Zoneamento, o que poderia facilitar uma futura autorização para imóveis não residenciais.

O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) colocou a minuta da revisão de tombamento do Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulista e Jardim Paulistano em consulta pública até 26 de junho, por meio de um formulário virtual (em condephaat.sp.gov.br). Uma audiência pública está marcada para 3 de julho, quando será apresentada a versão final da revisão. A expectativa é finalizar todo o processo até o dia 23 do próximo mês, quando termina o mandato dos atuais conselheiros.

A proposta divide opiniões. A revisão atraiu críticas de uma parte dos moradores e da população em geral, tanto que um abaixo-assinado contrário reúne cerca de 6,3 mil apoiadores na internet. Por outro lado, outra parcela dos moradores, dos proprietários e de setores da iniciativa privada avaliam que mudanças são necessárias, embora haja divergência em relação a algumas propostas da minuta.

Para o Condephaat, a mudança poderá proporcionar um “repovoamento” dos Jardins, conhecidos pela alta vacância e uma parte dos imóveis desocupados ou subutilizados. A proposta também visa a unificar as normas construtivas para os quatro bairros, a fim de otimizar a aprovação de obras na esfera estadual. Ao Estadão, o presidente do conselho, Carlos Augusto Mattei Faggin, garante que a revisão não é um “destombamento” e que as características da região serão mantidas.

Os bairros que possivelmente serão mais transformados são o Jardim América – o primeiro dos quatro, criado nos anos 1910 pela Companhia City – e o Jardim Europa. Isso porque são os que têm os maiores terrenos, alguns superiores a 2 mil metros quadrados. O Condephaat estima que cerca de 3,1 mil imóveis existam no perímetro de todo o tombamento, que envolve a configuração dos terrenos, ruas e vegetação do bairro e não incide sobre a arquitetura em si das casas (desde que obedeçam limites de altura, recuo etc).

A resolução mais recente sobre o tombamento, de 2021, delimita o máximo de uma residência por lote, exceto em 19 vias mais movimentadas, como as Avenidas Europa, Nove de Julho e Estados Unidos, o qual foi removido na revisão. A nova proposta também retirou o veto a vilas, condomínios horizontais/verticais e edificações sobrepostas.

Outra alteração que favorece a criação de pequenos condomínios é a que permite a fusão de terrenos até atingirem a metragem do maior lote daquela quadra. Também é proposto o contrário, o “desmembramento”, desde que os novos lotes gerados tenham ao menos o tamanho do menor existente naquela quadra. Esse dispositivo facilitará a expansão de lotes grandes, o que poderá tornar os bairros mais atrativos para o mercado imobiliário.

Obra em imóvel no Jardim América, o mais propenso a receber condomínios horizontais se a revisão de tombamento for aprovada.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Hoje, o “remembramento” de grandes lotes é permitido desde que respeite o tamanho médio dos demais da quadra. Já, no caso dos menores de 900 metros quadrados, é autorizado desde que “a área resultante não conflite com o padrão de ocupação da quadra em que se insere, com área resultante não superior ao maior lote existente na quadra”. Além disso, a minuta propõe que o uso deixe de ser obrigatoriamente residencial e fique submetido ao zoneamento local, podendo ser alterado se o Município fizer mudanças nessa lei, que também está em revisão.

Presidente do Condephaat, Faggin fala das dificuldades técnicas em identificar se as mansões dos Jardins são de fato unifamiliares, como o tombamento originalmente previa, e que há diversos casos de sublocação irregular para mais de uma família e escritórios de empresas na região. Ele também comenta sobre o esvaziamento e as possíveis motivações:

“É algo visível. Não só com placa aluguel e venda, mas pelas casas abandonadas mesmo”, aponta. ”Há proprietários que não tem dinheiro para pagar o custo de manutenção dessas casas, que é muito alto. Se tenta alugar, não consegue. Se tenta vender, ninguém compra”, comenta.

Faggin destaca que eventuais condomínios horizontais deverão respeitar a entrada única e outras características dos lotes. Segundo ele, a consulta pública tem recebido “sugestões interessantes” e questionamentos. “É uma revisão conservadora, não há nada aqui de revolucionário”, garante. “Não acho que seja uma coisa definitiva, mas um avanço muito grande”, diz.

Essa não é a primeira revisão das regras para os Jardins, cujo tombamento está em vigor desde 1986 e foi pioneiro no Estado ao propor a preservação do traçado e de características ambientais de uma área urbana. Outras revisões foram discutidas nas últimas décadas, uma parte acatada e outra arquivada. A mais recente data de 2021, mas há o entendimento de que não foi suficiente e que é preciso tratar de todas as normas em uma resolução única, a fim de evitar textos discordantes entre si.

Assessor executivo do Secovi-SP (que representa o setor das incorporadoras), Eduardo Della Manna avalia que as características de parte dos Jardins podem ser atrativas para a criação de condomínios horizontais de quatro a dez casas, com a possibilidade também de construção de uma única edificação subdividida. “Mas não condomínios muito grandes”, destaca. “E não vai ter uma mudança de padrão (socioeconômico).”

Ele comenta que a região tende a atrair empreendimentos com um perfil de morador semelhante ao do entorno. “A minuta ajuda a dar uma renovada naquele território dentro de certos limites. Tende a transformar, criar as condições necessárias para a transformação desses grandes lotes”, destaca. “A pior coisa para um bairro é perder morador. Imóveis abandonados estão sujeitos a invasões, a uso irregular, clandestino.”

Associação critica parte das mudanças e faz contraproposta

Em paralelo, associações de bairro têm se organizado em relação à revisão. A Ame Jardins marcou um debate sobre o tema para 26 de junho. A organização está preparando uma carta em resposta às propostas do Condephaat e vai reivindicar mais tempo para a discussão pública.

Conselheiro e um dos fundadores da Ame Jardins, Joca Levy cita a “pressão” da indústria imobiliária na região e avalia que a minuta é um “afrouxamento” de alguns pontos do tombamento. Ele é crítico à retirada da exigência de uso residencial, pois os locais do entorno em que foi permitida a instalação de comércios e serviços perderam em arborização e outras características.

Levy também é contrário à nova regra de remembramento. Isso porque o loteamento dos Jardins originalmente misturava terrenos de diferentes dimensões. “A característica é de lotes pequenos e grandes juntos. Pode passar a ter quadras inteiras de lotes de 5 mil metros quadrados.”

Por outro lado, ele não faz oposição aos condomínios horizontais, desde que a minuta delimite a uma única edificação por lote e com a subdivisão em uma fração mínima por unidade, calculada a partir do terreno. Ele sugere que o parâmetro deva ser uma fração de 500 metros quadrados para cada unidade autônoma. Isto é, uma mansão em terreno de 2 mil metros quadrados seria subdividida em quatro unidades.

A minuta traz mais mudanças. Também isenta a submissão ao conselho de pedidos de instalação de antenas de telecomunicações se respeitarem a altura máxima de imóveis (que é de 10 metros na maioria do tombamento, exceto nas zonas de transição). Outro ponto é que as edículas e afins deverão ser incluídas no cálculo de área construída (chamado de “coeficiente de aproveitamento”), que é limitada a uma vez a metragem do terreno em quase todo o perímetro tombado.

Revisão também gerou discussão no conselho estadual

As mudanças são discutidas por um grupo de trabalho criado em junho de 2022, composto por 11 pessoas, dentre conselheiros do Condephaat e técnicos da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) – ligada à Secretaria da Cultura. A proposta também foi apreciada em uma reunião do Conselho em 22 de maio, na qual as principais mudanças foram submetidas para aprovação e tiveram votos favoráveis da grande maioria.

Alguns trechos geraram discussão no Condephaat. Conselheira pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Andréa de Oliveira Tourinho disse que há questões que “carecem de esclarecimentos e estudos técnicos mais aprofundados”. Na reunião, também comentou sobre a possibilidade de projetos de condomínios horizontais envolverem subsolos e várias garagens, o que poderia aumentar a poluição e causar um prejuízo à arborização do entorno, que é tombada.

Opinião divergente foi apresentada pelo conselheiro André Luiz dos Santos Nakamura, da Procuradoria Geral do Estado. Ele argumentou que mudanças são necessárias, pois “os proprietários não têm mais condições econômicas de manter as residências unifamiliares, o que tem trazido degradação ao bairro”. “A possibilidade de vilas pode ressignificar a ocupação do bairro tombado e não haverá descaracterização”, afirmou, também na reunião.

A minuta traz mais mudanças. Também isenta a submissão ao conselho de pedidos de instalação de antenas de telecomunicações se respeitarem a altura máxima de imóveis (que é de 10 metros na maioria do tombamento, exceto nas zonas de transição). Outro ponto é que as edículas e afins deverão ser incluídas no cálculo de área construída (chamado de “coeficiente de aproveitamento”), que é limitado a uma vez a metragem do terreno em quase todo o perímetro tombado.

A revisão mantém o veto a alterações no desenho do traçado de vias, das praças e da largura das calçadas. No caso da vegetação, os novos projetos de construção, reforma ou regularização deverão apresentar um mínimo de área ajardinada sobre terra, de 40% da metragem do terreno no Jardim América e de 30% nos Jardins Europa, Paulista e Paulistano, com ao menos um árvore ou outro elemento arbóreo para cada 25 metros quadrados.

No caso dos muros frontais, a proposta também mantém basicamente as normas atuais. Os muros podem ter até 2 metros, quando menos da metade for de superfície vazada, ou de até 3 metros, quando tiver mais de 50% de superfície vazada, como portões, transparências etc.

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