A Câmara Municipal de São Paulo votará em primeiro turno nesta quarta-feira, 31, a nova versão do projeto de lei de revisão do Plano Diretor, que define as regras e incentivos para construções na cidade. A proposta tem sido criticada por liberar prédios mais altos a até 1 km de estações de metrô e trem e por outras mudanças. O Ministério Público ajuizou uma ação para suspender temporariamente a tramitação, mas o pedido de liminar ainda não foi apreciado. A contestação na Justiça foi criticada pelos vereadores que lideram a revisão.
Em coletiva de imprensa na terça-feira, 30, o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), destacou que o texto que será submetido para votação é o mesmo substitutivo apresentado na semana passada pelo relator da revisão, o vereador Rodrigo Goulart (PSD). Há a previsão de que novas mudanças sejam feitas ao longo da tramitação até a segunda votação, ainda sem data definida.
A revisão do Plano Diretor estará em vigor ao menos até 2029, quando uma nova versão a princípio deverá ser aprovada. Esta terça-feira também foi marcada por novas manifestações públicas sobre o projeto de lei. Há posicionamentos favoráveis e contrários à aprovação.
Uma das críticas é da campanha “SP não está à venda”, que chama a população a lotar a caixa de e-mails dos vereadores com mensagens contrárias e alega que o projeto atenderia às demandas das empreiteiras, não da população. A mobilização é liderada pela Minha Sampa, em parceria com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Rede Nossa São Paulo, o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SP), o Instituto Pólis, o Perifa Sustentável e o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (Labcidade), ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
“Se for aprovada, vai perpetuar um modelo de verticalização excludente que prioriza prédios de alto padrão com vagas de garagem para uma única família morar, ou seja, construímos mais para quem tem mais dinheiro, e o acesso de quem realmente precisa fica prejudicado”, diz a campanha. “É preciso questionar a ausência de estudos de viabilidade, as mudanças na obrigatoriedade das construtoras investirem em Moradia Social e Desenvolvimento Urbano e a liberação da construção de prédios de qualquer tamanho, em qualquer lugar e de qualquer jeito.”
Entre os pontos criticados pela campanha, está a ausência de estudos de viabilidade apresentados para o substitutivo, as mudanças na obrigatoriedade das construtoras investirem em moradia para a baixa renda e a liberação da construção de prédios sem limite de altura. “O debate é cheio de termos técnicos que a maioria da população nunca ouviu falar, e as discussões ocorreram sem a ampla participação da população: a parte mais importante nesta história”, argumenta.
A outra manifestação pública desta terça foi feita pelo Secovi-SP, organização que representa as empresas do mercado imobiliário, como construtoras e incorporadoras. Em comunicado institucional, afirma que a nova versão proposta para o Plano Diretor “amplia o que deu certo na sua concepção e permite maior inclusão de pessoas em áreas dotadas de infraestrutura urbana”.
Também diz que a proposta faz a “adequação necessária aos parâmetros que determinaram o adensamento ao longo dos eixos de transporte”, que são as quadras mais próximas de metrô, trem e corredor de ônibus, onde há uma série de incentivos vantajosos para a construção e que o projeto propõe ampliar de um raio de 600 m para até 1 km de distância. “Uma revisão é isso: examinar como está, prevenir e corrigir o que for necessário, garantir que funcione”,
O Secovi-SP argumenta que a ampliação dos eixos e outras mudanças — como a liberação para que prédios construam três vezes a área do terreno no miolo dos bairros, em vez de duas, como é hoje — permitirão que a população que mora em áreas mais afastadas se mude para apartamentos mais próximos de comércios, serviços e emprego. O texto ainda cita um documento elaborado por 35 entidades do setor, que analisou a proposta como uma “evolução” e sugeriu 18 alterações (segundo a organização, 8 foram atendidas). “É inadmissível que, nesse território com infraestrutura instalada, não se estruturem modelos de ocupação compatíveis com as necessidades dos seus habitantes e da cidade”, diz.
Em coletiva de imprensa na terça-feira, a Presidência da Câmara alegou que a tramitação estaria ocorrendo de forma transparente. Também destacou ter acatado um dos pedidos da Promotoria ao aumentar as próximas audiências públicas para um total de oito, a próxima na quinta-feira, 1º.
Na ação, o MP alega que o texto substitutivo “desconfigurou” a proposta da gestão Nunes, que era até então discutida nas audiências públicas, e que pontos sensíveis foram alterados “sem qualquer critério técnico”. Por isso, seria necessária a suspensão temporária em tutela de urgência até a apresentação de estudos técnicos sobre os impactos das mudanças e um maior volume de discussão pública, visto que estavam marcadas apenas três audiências públicas para discutir a nova versão.
Uma das mudanças foi a retirada de um trecho proposto pela Prefeitura para “frear” o boom de 250 mil microapartamentos perto de estações de metrô e corredores de ônibus, que limitaria a liberação para a construção de vagas de estacionamento “gratuitas” (sem a cobrança da chamada outorga onerosa) apenas para unidades de ao menos 30 m². O substitutivo propõe essa regra apenas para empreendimento totalmente residenciais, que são menos da metade do que é construído nessas áreas, enquanto os de uso misto (apartamento com comércio no térreo, por exemplo) poderá ter uma vaga para cada unidade habitacional.
A mudança ocorre em conjunto com outra que amplia a área de influência dos eixos de transporte de 600 m para até 1 km, no caso de estações de trem e metrô, e de 300 m para até 450 m, em corredores de ônibus. Esses locais têm uma série de incentivos urbanísticos atrativos, como a permissão para construir sem limite de altura e alguns descontos na cobrança da chamada outorga onerosa quando seguem determinados padrões (como ter comércio no térreo, por exemplo). O novo texto do PL também prevê que a Prefeitura dê 10% de área construída “grátis” para os empreendimentos sem nenhuma vaga de garagem.
Por outro lado, há um desestímulo à construção de microapartamentos por meio do aumenta do fator de interesse social, pois os de até 30 m² passarão a exigir o mesmo pagamento daqueles que têm 70 m² ou mais, enquanto os de metragem mediada ficarão mais atrativos. Hoje, esse fator é mais vantajoso para imóveis até 50 m². A diferença será de fator 0,8 para 1 na base do cálculo.
Também há um trecho que prevê a expansão do Parque Burle Marx, com a anexação de áreas de Mata Atlântica do entorno, consideradas por especialistas como parte da última mata ciliar do Rio Pinheiros. Se for aprovada, a expansão vai mais do que dobrar a área do Burle Marx, ultrapassando os 330 mil m².
Outra mudança que chamou a atenção no novo texto do PL é a criação de um novo tipo de zoneamento: as Zonas de Concessões, que abrangerão todas as áreas públicas concedidas à iniciativa privada e com projetos de concessão em desenvolvimento. Esses locais ganharão regramentos específicos, como de limites de altura, por exemplo.
O novo texto também mantém as mudanças mais significativas da primeira versão do PL, como a que permitirá prédios com apartamentos maiores e mais vagas perto dos eixos de transporte. Um estudo do Insper identificou que o tamanho máximo de unidades em prédios residenciais perto de metrô, trem e corredores de ônibus passará de 80 m² a 120 m², com a possibilidade de terem duas garagens “gratuitas”, em vez do limite de uma sem o pagamento da outorga previsto hoje pela lei.
O mesmo estudo também apontou que empreendimentos com unidades medianas (de 60 a 80 metros quadrados) poderão ter até 33% mais vagas de garagem do que hoje. Os possíveis impactos da nova versão ainda serão ainda calculados.
A versão apresentada nesta semana também prevê regras diferenciadas para a criação de habitação de interesse social, como permitir que sejam alugadas. Para os especialistas ouvidos, algumas mudanças não estão claras e podem desestimular esse tipo de projeto imobiliário.
Câmara deve aprovar PL que mudará Santo Amaro, Interlagos e Vila Andrade
Nesta quarta-feira, também é esperado que a Câmara aprove em segunda e definitiva votação o PL do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Arco Jurubatuba, que prevê incentivos para a verticalização de Santo Amaro, Interlagos e da Vila Andrade. A proposta ainda inclui a criação e o prolongamento de vias, a implantação de cinco parques e a remoção de famílias de áreas de risco para habitação de interesse social.
A estimativa é captar cerca de R$ 1,9 bilhão para obras na região. Um dos objetivos é um aumento populacional de 56,2% em 30 anos, de 135 mil para 211 mil habitantes. A lista de locais com mais incentivos para serem transformados inclui o centrinho de Santo Amaro, algumas quadras das Avenidas das Nações Unidas, João Dias e Guido Caloi e as proximidades da Estação Autódromo, da Linha 9-Esmeralda, dentre outros.
A retomada do projeto de lei ocorre no momento em que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) busca acelerar investimentos e obras, com a proximidade do pleito em que tentará reeleição e o atraso no cumprimento das metas. O prefeito tem conseguido ampla maioria na Câmara para aprovar projetos urbanísticos, como o PIU do centro.
O projeto de lei do PIU Arco Jurubatuba esteve parado no último ano em parte pela judicialização. Com o argumento de que o PIU se encaixa em regra federal que exige Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima) para projetos de grandes dimensões, o Ministério Público de São Paulo obteve liminar para suspender a tramitação na Câmara. Esse tipo de levantamento é feito há décadas para as operações urbanas, por exemplo, como as da Água Branca e Faria Lima.
O PL também instituirá o Projeto Estratégico Interlagos, com regras específicas para a área do complexo que inclui o autódromo, o que tem gerado resistência por parte de associações ligadas ao automobilismo, principalmente por permitir o encerramento do kartódromo (ligado à história de Ayrton Senna). Entre as mudanças, estão a liberação para construir prédios e a implantação de um parque em parte do local.
A princípio, essas mudanças seriam viabilizadas por meio de concessão pública, aprovada em projeto de lei em 2019. Ao Estadão, a gestão Nunes confirmou ter desistido desse modelo de parceria público-privada, mas não há impedimento de que a medida seja retomada por outro prefeito.
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