Revolução de 1924 deixou SP sob bombardeio: ‘Muitos bairros ficaram com o aspecto de Gaza’


Um dos maiores conhecedores sobre o conflito, o jornalista e historiador Moacir Assunção argumenta que estratégia das tropas federais foi aterrorizar a população

Por Edison Veiga
Foto: Moacir Assunção/Arquivo
Entrevista comMoacir AssunçãoJornalista, professor e autor do livro ‘São Paulo Deve Ser Destruída: A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924’

Moacir Assunção era um jovem repórter do jornal Diário Popular quando, no início dos anos 1990, em suas andanças pelos bairros paulistanos, começou a ouvir histórias sobre tiros, bombas e marcas “da revolução”. “Da de 32?”, perguntava ele a esses interlocutores, acreditando que estava diante de memórias do movimentos constitucionalista de 1932. “Não, não. De 24″, ouvia de volta.

Aquilo o intrigou. Afinal, se tratava de um capítulo praticamente desconhecido do grande público. E ele passou a entrevistar gente, pesquisar — apurar, como todo bom jornalista. “Queria contar a história dos cidadãos comuns”, recorda ele, sobre seu foco nos moradores da cidade, e não nos líderes da revolta ou nos legalistas que buscaram contê-la.

Sua pesquisa acabou virando mestrado — defendido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) — e o livro ‘São Paulo Deve Ser Destruída: A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924′.

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O jornalista, historiador e professor universitário Assunção concedeu entrevista ao Estadão sobre o maior conflito armado da história paulistana.

Leia os principais trechos:

Seu livro lança luz a um episódio muitas vezes negligenciado da história brasileira. Não à toa, a revolta de 1924 é chamada de a “revolução esquecida”. Por que houve esse apagamento?

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Esse apagamento se deu por vários fatores. Um deles é a própria Revolução de 1932, um momento de grande comoção nacional e com participação das elites, das principais famílias quatrocentonas de São Paulo participando diretamente. (...) Os tenentes não eram paulistas, vieram quase todos de fora. Então havia pouca identificação. Ao mesmo tempo, boa parte deles depois apoiaria Getúlio Vargas, com quem São Paulo se indispôs. Eles ficaram com uma pecha de getulistas, que não eram… Teve um deputado aliado do (então presidente Artur) Bernardes que disse: “vamos fazer essa revolução ficar 100 anos esquecida”. E de fato ela não é muito estudada. (…) Os próprios historiadores, exceto os especializados, desconhecem. E na população em geral, ninguém fala. Muitos confundem as coisas de 24 com as de 32.

Esse desconhecimento dificultou a produção do livro?

A principal dificuldade para fazer esse trabalho é que há muito pouco material sobre a Revolução de 24. A de 32 tem muito cartaz porque é reconhecida como um dos marcos da paulistanidade, um dos marcos da cidade e do Estado de São Paulo.

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Chamada de 'Revolução Esquecida', os conflitos de julho de 1924 podem ter provocado a morte de mais de 1 mil civís. Foto: Acervo Estadão

Seu livro traz algumas interpretações então inéditas para o conflito

Os números oficiais falam em 500 e poucos mortos, mas estima-se que tenham sido de mil a 1,5 mil. Com 5 mil feridos e 2 mil prédios destruídos. Os mortos, quase todos civis. Empregou-se contra a cidade o chamado bombardeio terrificante, que matou muita gente, com tiros a esmo. Bombardeio terrificante é um crime de guerra. (...) Fui o primeiro a explorar o aspecto do crime de guerra cometido por causa do bombardeio terrificante. Houve crime de guerra e ninguém foi responsabilizado por isso. (...) Depois de episódios como (as revoltas de) Canudos e Contestado, em que (as tropas do governo) quase perderam, em São Paulo eles iriam enfrentar outros militares (os tenentes e os aliados da Força Pública).

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Eles não tinham clareza de quantos eram, mas sabiam que estavam armados, eram treinados e contavam com canhões, artilharia, ainda que menos eficientes do que os que o governo tinha. Então chegaram à conclusão de que em campo aberto seriam destruídos. Optaram pela estratégia do chamado bombardeio terrificante, em que você aterroriza a população e a própria população expulsa os rebeldes. Mas esse tipo de bombardeio causa muitas baixas civis. Dois terços dos prédios atacados são civis. Dois terços dos mortos também. Os civis foram as principais vítimas dessa guerra. (…) Foi uma grande mortandade. Há relatos de 1,5 mil mortos, em vez dos 500 oficiais. Em determinado momento a prefeitura parou de contar os mortos, não tinham mais nem onde enterrá-los. A cidade ficou semidestruída. Um dano terrível. Muitos bairros ficaram com o aspecto de Gaza. Bombas eram jogadas de aviões, havia ataques de tanques. E a população estava sendo atingida ao tempo todo, atacada. Quem conseguiu fugiu: de trem, bicicleta, carro, a pé, de todo jeito possível, até de carro funerário. Só ficou quem não tinha condições de sair.

Qual foi o legado deixado pelo episódio?

O impacto foi a consolidação de um Estado policial. (…) Começou-se a criar leis de exceção. Já existiam algumas. E isso propicia a criação de um Estado policial que foi se fortalecendo com o tempo. Chegou no Estado Novo (a ditadura varguista) quase em sua expressão máxima e se consolidou em 64 (com a ditadura militar). Alguns tenentes estarão com Getúlio Vargas, e alguns tenentes estarão ao lado dos golpistas em 64 também.

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Agora você está produzindo um filme sobre o episódio. Serão as mesmas histórias?

O filme terá coisas que não estão no livro. Acabei de descobri, por exemplo, um professor da USP (Universidade de São Paulo) que tem em sua casa uma granada que não explodiu e acabou ficando como um souvenir. (…) Importante frisar que ainda não temos financiamento para o documentário. Não é barato, mas a gente está fazendo.

Moacir Assunção era um jovem repórter do jornal Diário Popular quando, no início dos anos 1990, em suas andanças pelos bairros paulistanos, começou a ouvir histórias sobre tiros, bombas e marcas “da revolução”. “Da de 32?”, perguntava ele a esses interlocutores, acreditando que estava diante de memórias do movimentos constitucionalista de 1932. “Não, não. De 24″, ouvia de volta.

Aquilo o intrigou. Afinal, se tratava de um capítulo praticamente desconhecido do grande público. E ele passou a entrevistar gente, pesquisar — apurar, como todo bom jornalista. “Queria contar a história dos cidadãos comuns”, recorda ele, sobre seu foco nos moradores da cidade, e não nos líderes da revolta ou nos legalistas que buscaram contê-la.

Sua pesquisa acabou virando mestrado — defendido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) — e o livro ‘São Paulo Deve Ser Destruída: A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924′.

O jornalista, historiador e professor universitário Assunção concedeu entrevista ao Estadão sobre o maior conflito armado da história paulistana.

Leia os principais trechos:

Seu livro lança luz a um episódio muitas vezes negligenciado da história brasileira. Não à toa, a revolta de 1924 é chamada de a “revolução esquecida”. Por que houve esse apagamento?

Esse apagamento se deu por vários fatores. Um deles é a própria Revolução de 1932, um momento de grande comoção nacional e com participação das elites, das principais famílias quatrocentonas de São Paulo participando diretamente. (...) Os tenentes não eram paulistas, vieram quase todos de fora. Então havia pouca identificação. Ao mesmo tempo, boa parte deles depois apoiaria Getúlio Vargas, com quem São Paulo se indispôs. Eles ficaram com uma pecha de getulistas, que não eram… Teve um deputado aliado do (então presidente Artur) Bernardes que disse: “vamos fazer essa revolução ficar 100 anos esquecida”. E de fato ela não é muito estudada. (…) Os próprios historiadores, exceto os especializados, desconhecem. E na população em geral, ninguém fala. Muitos confundem as coisas de 24 com as de 32.

Esse desconhecimento dificultou a produção do livro?

A principal dificuldade para fazer esse trabalho é que há muito pouco material sobre a Revolução de 24. A de 32 tem muito cartaz porque é reconhecida como um dos marcos da paulistanidade, um dos marcos da cidade e do Estado de São Paulo.

Chamada de 'Revolução Esquecida', os conflitos de julho de 1924 podem ter provocado a morte de mais de 1 mil civís. Foto: Acervo Estadão

Seu livro traz algumas interpretações então inéditas para o conflito

Os números oficiais falam em 500 e poucos mortos, mas estima-se que tenham sido de mil a 1,5 mil. Com 5 mil feridos e 2 mil prédios destruídos. Os mortos, quase todos civis. Empregou-se contra a cidade o chamado bombardeio terrificante, que matou muita gente, com tiros a esmo. Bombardeio terrificante é um crime de guerra. (...) Fui o primeiro a explorar o aspecto do crime de guerra cometido por causa do bombardeio terrificante. Houve crime de guerra e ninguém foi responsabilizado por isso. (...) Depois de episódios como (as revoltas de) Canudos e Contestado, em que (as tropas do governo) quase perderam, em São Paulo eles iriam enfrentar outros militares (os tenentes e os aliados da Força Pública).

Eles não tinham clareza de quantos eram, mas sabiam que estavam armados, eram treinados e contavam com canhões, artilharia, ainda que menos eficientes do que os que o governo tinha. Então chegaram à conclusão de que em campo aberto seriam destruídos. Optaram pela estratégia do chamado bombardeio terrificante, em que você aterroriza a população e a própria população expulsa os rebeldes. Mas esse tipo de bombardeio causa muitas baixas civis. Dois terços dos prédios atacados são civis. Dois terços dos mortos também. Os civis foram as principais vítimas dessa guerra. (…) Foi uma grande mortandade. Há relatos de 1,5 mil mortos, em vez dos 500 oficiais. Em determinado momento a prefeitura parou de contar os mortos, não tinham mais nem onde enterrá-los. A cidade ficou semidestruída. Um dano terrível. Muitos bairros ficaram com o aspecto de Gaza. Bombas eram jogadas de aviões, havia ataques de tanques. E a população estava sendo atingida ao tempo todo, atacada. Quem conseguiu fugiu: de trem, bicicleta, carro, a pé, de todo jeito possível, até de carro funerário. Só ficou quem não tinha condições de sair.

Qual foi o legado deixado pelo episódio?

O impacto foi a consolidação de um Estado policial. (…) Começou-se a criar leis de exceção. Já existiam algumas. E isso propicia a criação de um Estado policial que foi se fortalecendo com o tempo. Chegou no Estado Novo (a ditadura varguista) quase em sua expressão máxima e se consolidou em 64 (com a ditadura militar). Alguns tenentes estarão com Getúlio Vargas, e alguns tenentes estarão ao lado dos golpistas em 64 também.

Agora você está produzindo um filme sobre o episódio. Serão as mesmas histórias?

O filme terá coisas que não estão no livro. Acabei de descobri, por exemplo, um professor da USP (Universidade de São Paulo) que tem em sua casa uma granada que não explodiu e acabou ficando como um souvenir. (…) Importante frisar que ainda não temos financiamento para o documentário. Não é barato, mas a gente está fazendo.

Moacir Assunção era um jovem repórter do jornal Diário Popular quando, no início dos anos 1990, em suas andanças pelos bairros paulistanos, começou a ouvir histórias sobre tiros, bombas e marcas “da revolução”. “Da de 32?”, perguntava ele a esses interlocutores, acreditando que estava diante de memórias do movimentos constitucionalista de 1932. “Não, não. De 24″, ouvia de volta.

Aquilo o intrigou. Afinal, se tratava de um capítulo praticamente desconhecido do grande público. E ele passou a entrevistar gente, pesquisar — apurar, como todo bom jornalista. “Queria contar a história dos cidadãos comuns”, recorda ele, sobre seu foco nos moradores da cidade, e não nos líderes da revolta ou nos legalistas que buscaram contê-la.

Sua pesquisa acabou virando mestrado — defendido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) — e o livro ‘São Paulo Deve Ser Destruída: A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924′.

O jornalista, historiador e professor universitário Assunção concedeu entrevista ao Estadão sobre o maior conflito armado da história paulistana.

Leia os principais trechos:

Seu livro lança luz a um episódio muitas vezes negligenciado da história brasileira. Não à toa, a revolta de 1924 é chamada de a “revolução esquecida”. Por que houve esse apagamento?

Esse apagamento se deu por vários fatores. Um deles é a própria Revolução de 1932, um momento de grande comoção nacional e com participação das elites, das principais famílias quatrocentonas de São Paulo participando diretamente. (...) Os tenentes não eram paulistas, vieram quase todos de fora. Então havia pouca identificação. Ao mesmo tempo, boa parte deles depois apoiaria Getúlio Vargas, com quem São Paulo se indispôs. Eles ficaram com uma pecha de getulistas, que não eram… Teve um deputado aliado do (então presidente Artur) Bernardes que disse: “vamos fazer essa revolução ficar 100 anos esquecida”. E de fato ela não é muito estudada. (…) Os próprios historiadores, exceto os especializados, desconhecem. E na população em geral, ninguém fala. Muitos confundem as coisas de 24 com as de 32.

Esse desconhecimento dificultou a produção do livro?

A principal dificuldade para fazer esse trabalho é que há muito pouco material sobre a Revolução de 24. A de 32 tem muito cartaz porque é reconhecida como um dos marcos da paulistanidade, um dos marcos da cidade e do Estado de São Paulo.

Chamada de 'Revolução Esquecida', os conflitos de julho de 1924 podem ter provocado a morte de mais de 1 mil civís. Foto: Acervo Estadão

Seu livro traz algumas interpretações então inéditas para o conflito

Os números oficiais falam em 500 e poucos mortos, mas estima-se que tenham sido de mil a 1,5 mil. Com 5 mil feridos e 2 mil prédios destruídos. Os mortos, quase todos civis. Empregou-se contra a cidade o chamado bombardeio terrificante, que matou muita gente, com tiros a esmo. Bombardeio terrificante é um crime de guerra. (...) Fui o primeiro a explorar o aspecto do crime de guerra cometido por causa do bombardeio terrificante. Houve crime de guerra e ninguém foi responsabilizado por isso. (...) Depois de episódios como (as revoltas de) Canudos e Contestado, em que (as tropas do governo) quase perderam, em São Paulo eles iriam enfrentar outros militares (os tenentes e os aliados da Força Pública).

Eles não tinham clareza de quantos eram, mas sabiam que estavam armados, eram treinados e contavam com canhões, artilharia, ainda que menos eficientes do que os que o governo tinha. Então chegaram à conclusão de que em campo aberto seriam destruídos. Optaram pela estratégia do chamado bombardeio terrificante, em que você aterroriza a população e a própria população expulsa os rebeldes. Mas esse tipo de bombardeio causa muitas baixas civis. Dois terços dos prédios atacados são civis. Dois terços dos mortos também. Os civis foram as principais vítimas dessa guerra. (…) Foi uma grande mortandade. Há relatos de 1,5 mil mortos, em vez dos 500 oficiais. Em determinado momento a prefeitura parou de contar os mortos, não tinham mais nem onde enterrá-los. A cidade ficou semidestruída. Um dano terrível. Muitos bairros ficaram com o aspecto de Gaza. Bombas eram jogadas de aviões, havia ataques de tanques. E a população estava sendo atingida ao tempo todo, atacada. Quem conseguiu fugiu: de trem, bicicleta, carro, a pé, de todo jeito possível, até de carro funerário. Só ficou quem não tinha condições de sair.

Qual foi o legado deixado pelo episódio?

O impacto foi a consolidação de um Estado policial. (…) Começou-se a criar leis de exceção. Já existiam algumas. E isso propicia a criação de um Estado policial que foi se fortalecendo com o tempo. Chegou no Estado Novo (a ditadura varguista) quase em sua expressão máxima e se consolidou em 64 (com a ditadura militar). Alguns tenentes estarão com Getúlio Vargas, e alguns tenentes estarão ao lado dos golpistas em 64 também.

Agora você está produzindo um filme sobre o episódio. Serão as mesmas histórias?

O filme terá coisas que não estão no livro. Acabei de descobri, por exemplo, um professor da USP (Universidade de São Paulo) que tem em sua casa uma granada que não explodiu e acabou ficando como um souvenir. (…) Importante frisar que ainda não temos financiamento para o documentário. Não é barato, mas a gente está fazendo.

Moacir Assunção era um jovem repórter do jornal Diário Popular quando, no início dos anos 1990, em suas andanças pelos bairros paulistanos, começou a ouvir histórias sobre tiros, bombas e marcas “da revolução”. “Da de 32?”, perguntava ele a esses interlocutores, acreditando que estava diante de memórias do movimentos constitucionalista de 1932. “Não, não. De 24″, ouvia de volta.

Aquilo o intrigou. Afinal, se tratava de um capítulo praticamente desconhecido do grande público. E ele passou a entrevistar gente, pesquisar — apurar, como todo bom jornalista. “Queria contar a história dos cidadãos comuns”, recorda ele, sobre seu foco nos moradores da cidade, e não nos líderes da revolta ou nos legalistas que buscaram contê-la.

Sua pesquisa acabou virando mestrado — defendido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) — e o livro ‘São Paulo Deve Ser Destruída: A História do Bombardeio à Capital na Revolta de 1924′.

O jornalista, historiador e professor universitário Assunção concedeu entrevista ao Estadão sobre o maior conflito armado da história paulistana.

Leia os principais trechos:

Seu livro lança luz a um episódio muitas vezes negligenciado da história brasileira. Não à toa, a revolta de 1924 é chamada de a “revolução esquecida”. Por que houve esse apagamento?

Esse apagamento se deu por vários fatores. Um deles é a própria Revolução de 1932, um momento de grande comoção nacional e com participação das elites, das principais famílias quatrocentonas de São Paulo participando diretamente. (...) Os tenentes não eram paulistas, vieram quase todos de fora. Então havia pouca identificação. Ao mesmo tempo, boa parte deles depois apoiaria Getúlio Vargas, com quem São Paulo se indispôs. Eles ficaram com uma pecha de getulistas, que não eram… Teve um deputado aliado do (então presidente Artur) Bernardes que disse: “vamos fazer essa revolução ficar 100 anos esquecida”. E de fato ela não é muito estudada. (…) Os próprios historiadores, exceto os especializados, desconhecem. E na população em geral, ninguém fala. Muitos confundem as coisas de 24 com as de 32.

Esse desconhecimento dificultou a produção do livro?

A principal dificuldade para fazer esse trabalho é que há muito pouco material sobre a Revolução de 24. A de 32 tem muito cartaz porque é reconhecida como um dos marcos da paulistanidade, um dos marcos da cidade e do Estado de São Paulo.

Chamada de 'Revolução Esquecida', os conflitos de julho de 1924 podem ter provocado a morte de mais de 1 mil civís. Foto: Acervo Estadão

Seu livro traz algumas interpretações então inéditas para o conflito

Os números oficiais falam em 500 e poucos mortos, mas estima-se que tenham sido de mil a 1,5 mil. Com 5 mil feridos e 2 mil prédios destruídos. Os mortos, quase todos civis. Empregou-se contra a cidade o chamado bombardeio terrificante, que matou muita gente, com tiros a esmo. Bombardeio terrificante é um crime de guerra. (...) Fui o primeiro a explorar o aspecto do crime de guerra cometido por causa do bombardeio terrificante. Houve crime de guerra e ninguém foi responsabilizado por isso. (...) Depois de episódios como (as revoltas de) Canudos e Contestado, em que (as tropas do governo) quase perderam, em São Paulo eles iriam enfrentar outros militares (os tenentes e os aliados da Força Pública).

Eles não tinham clareza de quantos eram, mas sabiam que estavam armados, eram treinados e contavam com canhões, artilharia, ainda que menos eficientes do que os que o governo tinha. Então chegaram à conclusão de que em campo aberto seriam destruídos. Optaram pela estratégia do chamado bombardeio terrificante, em que você aterroriza a população e a própria população expulsa os rebeldes. Mas esse tipo de bombardeio causa muitas baixas civis. Dois terços dos prédios atacados são civis. Dois terços dos mortos também. Os civis foram as principais vítimas dessa guerra. (…) Foi uma grande mortandade. Há relatos de 1,5 mil mortos, em vez dos 500 oficiais. Em determinado momento a prefeitura parou de contar os mortos, não tinham mais nem onde enterrá-los. A cidade ficou semidestruída. Um dano terrível. Muitos bairros ficaram com o aspecto de Gaza. Bombas eram jogadas de aviões, havia ataques de tanques. E a população estava sendo atingida ao tempo todo, atacada. Quem conseguiu fugiu: de trem, bicicleta, carro, a pé, de todo jeito possível, até de carro funerário. Só ficou quem não tinha condições de sair.

Qual foi o legado deixado pelo episódio?

O impacto foi a consolidação de um Estado policial. (…) Começou-se a criar leis de exceção. Já existiam algumas. E isso propicia a criação de um Estado policial que foi se fortalecendo com o tempo. Chegou no Estado Novo (a ditadura varguista) quase em sua expressão máxima e se consolidou em 64 (com a ditadura militar). Alguns tenentes estarão com Getúlio Vargas, e alguns tenentes estarão ao lado dos golpistas em 64 também.

Agora você está produzindo um filme sobre o episódio. Serão as mesmas histórias?

O filme terá coisas que não estão no livro. Acabei de descobri, por exemplo, um professor da USP (Universidade de São Paulo) que tem em sua casa uma granada que não explodiu e acabou ficando como um souvenir. (…) Importante frisar que ainda não temos financiamento para o documentário. Não é barato, mas a gente está fazendo.

Entrevista por Edison Veiga

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