Episódios de furtos e roubos de bicicletas dentro dos condomínios residenciais em São Paulo mais que dobraram na capital nos dois últimos anos após a pandemia de covid-19. Os principais alvos dos criminosos são as bikes que ficam estacionadas nas garagens térreas ou nos subsolos dos prédios. Segundo registros policiais e vítimas ouvidas pelo Estadão, os assaltantes, que agem em grupo, dupla ou sozinhos, conseguem superar a barreira de portões eletrônicos, câmeras de segurança e até dos cadeados e correntes que são usados para fixar o veículo.
Os crimes variam de região. A reportagem ouviu pessoas que tiveram suas bicicletas furtadas em condomínios localizados em Santa Cecília, no centro; na Vila Prudente, distrito da zona leste; e também na Vila Gumercindo e bairro do Ipiranga, ambos na zona sul, onde na semana passada imagens de segurança flagraram um grupo de adolescentes tentando arrombar o portão de um prédio. Por conta de uma trava de segurança, eles não conseguiram invadir o local.
Uma das vítimas recentes foi o representante comercial Edson Lustosa, de 41 anos, morador de um prédio na Vila Graciosa, na região da Vila Prudente. No último dia 20, ele notou que a sua bicicleta não estava no suporte de chumbo onde costumava prender o veículo com chave e cadeado.
Mesmo com câmeras apontadas para a cena do furto e com o prédio dispondo de uma portaria com o monitoramento presencial de porteiros, a bicicleta de Lustosa foi furtada pelos criminosos. “Se tinha um lugar que eu não imaginava ser roubado era em casa”, disse o representante comercial.
Pelas imagens das câmeras de monitoramento, é possível ver que o suspeito entrou e saiu pela portaria de entrada se misturando aos moradores do prédio “Me roubem na rua, mas não dentro do local onde eu deveria ter segurança”, disse ironicamente.
Em 2022, a capital paulista registrou o maior número de ocorrências de bicicletas furtadas e roubadas nos últimos cinco anos: foram 3.795 casos, o que representa 11,1% a mais que em 2021 (3.415 ocorrências). Os dados são do levantamento da Aliança Bike - Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, feito a partir dos dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP). As informações consideram apenas os episódios que foram notificados por meio de boletins de ocorrência.
Deste total de quase 3,8 mil ocorrências registradas em 2022, 264 aconteceram dentro de condomínios residenciais, totalizando 373 bicicletas. Os números do ano passado são inferiores aos de 2021, que somou 380 casos. Mas, na comparação com 2019 (165 ocorrências), as estatísticas mostram que, nos dois últimos anos, o aumento de notificações para esse tipo de crime aumentou em 130% em 2021, e 60% em 2022.
A quantidade de bicicletas furtadas é maior que o número de ocorrências porque pode haver a subtração de mais de um veículo dentro de uma mesma ação.
Foi o que aconteceu com o publicitário Alan Ristow, de 48 anos, morador de um prédio na Vila Gumercindo, zona sul. Em junho do ano passado, ele teve três bicicletas furtadas, que costumavam ser guardadas na garagem, sem o uso de correntes, no subsolo do edifício. Os veículos eram dele, do seu filho mais velho, ambas do tipo Mountain Bike - e da sua esposa, que era do tipo elétrica.
Pelas imagens de segurança , é possível perceber que furto foi praticado por três jovens, por volta das 19h. O trio conseguiu ter acesso à garagem forçando a abertura dos dois portões elétricos que dão acesso ao subsolo, e fugiram montado nas bicicletas pelo mesmo local por onde entraram. O condomínio funciona sem porteiro presencial, apenas com o monitoramento à distância.
A empresa terceirizada responsável pela segurança do condomínio indenizou Alan Ristow com um reembolso de R$ 10 mil - valores somados das três bicicletas na época em que foram compradas. Mas um ano depois do furto, só ele da família acabou voltando a pedalar. “Meu filho e minha esposa não quiseram comprar uma nova. Minha mulher até usava (a bicicleta) para trabalhar. Mas, por segurança, ela preferiu não ter mais”, diz o publicitário.
‘Encontrei minhas bicicletas sendo vendidas na internet’
O prédio onde o empresário Fernando Dantas, 46 anos, mora, no Alto Ipiranga, já soma duas invasões em dois anos.
Na primeira, em março de 2021, dois garotos menores de idade conseguiram entrar na garagem do condomínio enquanto um dos moradores saía com o carro. O caso aconteceu por volta das 21h30. De acordo com Dantas, os garotos ficaram por cerca de 30 minutos dentro do prédio. Eles encontraram um controle que aciona a abertura dos portões dentro de um dos veículos que estava com o vidro aberto. Eles levaram duas bicicletas do empresário.
“Poucos dias depois, elas estavam em plataformas de compra e venda na internet. Entrei em contato com os vendedores, mas desconfiaram e deletaram as contas”, conta Dantas. “Tudo isso aconteceu porque o condomínio contratou o serviço de portaria remota e, infelizmente, sempre falham quando a gente precisa”, critica.
A empresa que faz o serviço de portaria pagou as duas bicicletas ao empresário, avaliadas em R$ 8 mil. À reportagem, ele conta que, depois dos furtos, ele guarda os veículos só dentro do apartamento ou no escritório onde trabalha.
O segundo episódio aconteceu em dezembro do ano passado. De acordo com Fernando Dantas, um grupo de adolescentes forçou o portão e levou uma bicicleta e uma moto dos moradores. A polícia, segundo ele, conseguiu recuperar os veículos.
Entre um furto e outro, o empresário diz que o prédio fez algumas melhorias na área de segurança do condomínio, como a instalação de câmeras e sensores. Mas, depois da segunda ocorrência, não houve ainda novas medidas para evitar novos furtos: “Só pediram para usar algum dispositivo, tipo cadeado, corrente”.
Delegado diz que casos são esporádicos e não vê ‘onda’
O delegado-titular do bairro Ipiranga, Douglas Silveira, diz que os casos de furtos são esporádicos e afirma que não há uma ação padronizada e organizada praticada por algum grupo em específico. “Não podemos taxar essas ocorrências de recorrentes. Existem, mas não pode ser consideradas um movimento. Quando acontece, é de forma mais aleatória”, afirma o delegado.
Sobre a tentativa de arrombamento de um portão no Ipiranga por um grupo de jovens na semana passada, o delegado informou que o caso é “isolado”, e segue sendo investigado. “Estamos em busca de outras imagens para identificar melhor quem são os suspeitos e ver se havia a ação de outras pessoas, que pudessem estar em um veículo,”, disse. “É um caso que, apesar já ter imagens mostrando a ação do grupo, é uma investigação demorada e que exige paciência.”
Silveira diz que as pessoas que furtam as bicicletas praticam o crime para usar o veículo para uso próprio ou, então, para revender, como aconteceu com o empresário Fernando Dantas. “Geralmente (o furto é feito) para venda. Quando a gente investiga, no final da curva está sempre um receptador”, diz.
28% dos furtos e roubos de bikes no Estado acontecem em locais de residência
Ainda de acordo com o levantamento da Aliança Bike, o Estado de São Paulo registrou, em 2022, o maior número de ocorrências de bicicletas furtadas e roubadas nos últimos cinco anos. Foram 17.872 casos, que representam 12% a mais que em 2021 (15.783).
Deste total, 28% das bicicletas foram furtadas ou roubadas (4.943) nas moradias das vítimas, como prédios, casas, sítios e chácaras. E, dentro desse montante, 25% (1.093) dos delitos registrados foram cometidos em condomínios residenciais - 6,1% entre todas as quase cinco mil ocorrências no Estado ao longo de 2022. Na comparação com 2019 (867 ocorrências), os números apontam para um aumento de 18,2% em relação ao período de pré-pandemia da covid-19.
O serralheiro Eduardo Cury, de 32 anos, que mora em Guarulhos, na Grande São Paulo, teve a bicicleta da filha furtada no feriado de Natal no ano passado, enquanto a família estava fora de casa. Segundo a vítima, as imagens de segurança mostraram o suspeito usando as latas de lixo como escada para pular o muro e fugir com a bicicleta. “O rapaz ainda roubou o rádio de um carro e um presente que uma moradora ia dar para a filha, e que também estava dentro do veículo”, contou o serralheiro.
Silvana Bernegossi, de 56, de Campinas, interior do Estado, comprou uma bicicleta em janeiro deste ano, avaliada em R$ 10 mil reais. Em março, porém, o veículo foi roubado durante a madrugada. Ela diz que não sabe como o crime aconteceu, porque um raio, de uma chuva que caiu um dia antes, danificou as câmeras de segurança do condomínio onde mora. “Isso dificultou para saber se teve alguém que entrou no prédio ou se (a bicicleta) acabou sendo levada por alguém de dentro”, diz. “Eu até tinha o seguro, mas é um transtorno. Fiquei um mês sem pedalar.”
Condomínios não devem ser responsabilizados, diz entidade
O presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (Aabic), José Roberto Graiche Junior, diz que os condomínios não devem se responsabilizar pelos crimes, a menos que haja uma decisão judicial. “Só se torna responsável quando o juiz determinar que o culpado é o empreendimento”, afirma Júnior.
Questionado sobre a frequência de roubos e furtos, ele afirma que não há uma onda desses crimes, e que não chegaram relatos para ele do tipo durante 2023. “Neste ano, não tive ocorrências”, diz.
Um dos condomínios citados pela reportagem diz em nota assinada pela síndica do empreendimento que, segundo entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ”inexiste a responsabilidade do empreendimento por danos ou furtos acontecidos em áreas de uso comum ou nas áreas privativas do empreendimento”, uma vez que “o regulamento interno e a convenção declaram que não há a previsão do dever de guarida”.
“O fato de existir porteiro ou vigia na guarita não resulta na assunção da guarda e vigilância dos automóveis e bicicletas que se encontram estacionados na área comum, a ponto de incidir em responsabilidade por eventuais subtrações ou danos perpetrados”, disse o condomínio.
O empreendimento diz também que cabe ao condomínio guardar as imagens das câmeras de segurança e auxiliar as autoridades policiais nas investigações, enquanto os moradores (vítimas) devem fazer o Boletim de Ocorrência e pedido de instauração de Inquérito.
Casos são investigados, segundo secretaria
Em relação aos casos citados pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) informou que as ocorrências que acontecerem na região do Ipiranga são investigadas pelas delegacias da área e que as autoridades analisam as câmeras de monitoramento e consultam testemunhas para identificar a autoria do crime.
Sobre o caso do comerciante Edson Lustosa, na zona leste, a SSP afirmou “que diligências são realizadas pelo 42º Distrito Policial (Parque São Lucas)”, e que na última sexta-feira, 2, um ofício solicitando as imagens foi apresentado ao representante legal do condomínio onde o furto aconteceu.
A ocorrência de Campinas, segundo a pasta, é investigada pelo 3º Distrito Policial da cidade. Não houve retorno sobre o caso de Guarulhos, porque os dados fornecidos pela reportagem foram insuficientes para localizar a ocorrência.
Ainda de acordo com a SSP, 50 pessoas foram indiciadas e 27 presas em razão de furtos e roubos nos condomínios em todo o Estado em 2023. A pasta informou também as ocorrências para este tipo de delito caíram 1,2% em todo território paulista na comparação do primeiro quadrimestre de 2023 com o mesmo período do ano passado, e que houve queda de 24,9% para este tipo de delito de 2021 para 2022.
Para investigar os crimes, a secretaria afirma também que a polícia monitora o comércio ilícito de peças de bicicletas em busca de receptadores. “Diligências também são realizadas em busca de imagens de câmeras de ciclovias e corredores de ciclistas, além do cruzamento de dados das ferramentas de inteligência policial”, informou.