Um dos principais alvos da Operação Salus et Dignitas é Leonardo Monteiro Moja, o Leo do Moinho. Acusado de ser o patrão do Primeiro Comando da Capital (PCC) no centro da cidade, ele foi preso nesta terça-feira em um apartamento na Praia Grande, no litoral de São Paulo. Leo do Moinho teve sua movimentação financeira atípica examinada em um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) que fechou o cerco da lavagem do dinheiro do homem apontado como o “responsável pelo abastecimento de drogas na região da Cracolândia”.
Seria na Favela do Moinho que Moja armazenava a droga antes de distribuí-la para seus entrepostos na Cracolândia, como a rede de hotéis e hospedarias compradas pela facção. Preso em 2021, ele foi posto em liberdade condicional em 23 de junho de 2023, quando, segundo os promotores, “voltou a gerir, mediante interposta pessoa, empresas na Cracolândia”. Moja exploraria outras atividades ilícitas na região por meio do irmão, Jefferson Francisco Moja Teixeira, sócio do Ferro-Velho Moinho.
Uma das empresas que Leonardo utilizava para encobrir crimes financeiros seria a L.M. Moja Hotel, que se transformou na Hospedaria Barão de Piracicaba, cujo nome fantasia era Chonn Kap Hotel. Segundo os promotores, há indícios do uso de laranjas para esconder a ligação de Leonardo com os hotéis. O esquema seria de responsabilidade do contador David de Godoy, um dos alvos da operação. O Estadão não conseguiu localizar as defesas dos acusados.
Segundo o Gaeco, “chama a atenção que Wellington Tavares Pereira (um dos laranjas de Leo do Moinho) trabalhou como ‘camareiro de hotel’, com salário de R$ 786,28 até 2013, no Hotel Flipper Ltda”. Os promotores encontraram registros trabalhistas do suspeito também nos hotéis Manaus e Vectra. “Todos os hotéis integram a rede de empresas do Primeiro Comando da Capital, em que todas as empresas têm mudanças orquestradas de seus quadros societários”, escreveram os investigadores.
Outro camareiro que teria sido usado para esconder o patrimônio do “patrão” seria Alfredo da Silva Bertelli Prado. Com salário de R$ 1.342, entre janeiro de 2021 e outubro do mesmo ano. Em 2023, ele teria movimentado mais de R$ 560 mil, dos quais R$ 62,9 mil foram depositados em terminais de “autoatendimento aparentemente em espécie, o que pode indicar tentativa de dificultar a origem dos recursos”.
Os promotores então concluem: “Verifica-se que Alfredo da Silva Bertelli Prado atua como interposta pessoa de Leonardo Monteiro Moja”. Leonardo seria ainda dono de empresas de revenda de automóveis, de salão de beleza e de um restaurante na Praia Grande, além de quatro imóveis, que fizeram com que ele se tornasse réu por lavagem de dinheiro na 2.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital. Ele alega inocência nesses casos.
Outro sócio do acusado seria Joilson de Souza Santos, também acusado de tráfico de drogas. Conforme os promotores, ele seria apenas o laranja que figura como proprietário de uma lanchonete e de um restaurante em um shopping em Osasco, na Grande São Paulo.
Moja, o Leo do Moinho, teria entre as redes criminosas sob seu mando a dos hotéis do PCC no centro, alvo em 13 de junho da Operação Downtown, feita pelo Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc). Na época, os policiais encontraram 78 hotéis e hospedarias que seriam usados para auxiliar a logística da distribuição da droga, permitindo ao PCC deslocar o fluxo de usuários para diversas regiões do centro.
Agora, os promotores afirmam que “os hotéis, hospedarias e pensões, na sua maioria de baixo padrão” também servem eventualmente “como estoque de mercadorias furtadas ou roubadas, principalmente aparelhos celulares, para posterior destinação”. Os investigadores da Salus et Dignitas também encontraram indícios de lavagem de dinheiro nas diversas operações de compra e venda dos hotéis.
Assim como na Operação Downtown, os promotores também identificaram Marcelo Carames como um dos chefes da rede de hotéis da facção. “O proprietário do ‘Hotel Tupy’, desde 20 de março de 2023, é Marcelo Carames, que também é o dono da ‘Pensão Paraíso’, constituída em 3 de junho de 2022″, afirmam os promotores. Carames teve a prisão decretada e está foragido. O Estadão não conseguiu localizar sua defesa.
Além de serem usados na rede de tráfico de drogas, os imóveis de Carames abrigariam integrantes do Tribunal do Crime do PCC. Quase uma dezena dos hotéis da rede da facção no centro têm como contador David de Godoy. Entre eles o Hotel Manaus, usado para a prostituição e o edifício Majestic, que tem uma entrada na Rua Aurora e outra na Rua Guaianases. O prédio é apontado por dados de GPS como ponto usado para esconder celulares roubados no centro.
Outro dos endereços investigados, uma hospedaria na Rua Barão de Piracicaba, seria ponto de encontro da gangue da bicicleta, responsável pelos furtos de celulares no centro. Um endereço investigado é o chamado “prédio do sexo”, na Alameda Barão de Limeira. “Trata-se de um edifício de dez andares. Na recepção há um guarda-volumes para frequentadores que portam objetos e desejam armazená-los ali, ao preço de R$ 3, mas o acesso é livre, sem qualquer tipo de controle para os demais”, constataram os promotores.
Eles afirmaram que tudo isso ocorre sob o domínio dos antigos porteiros, “que se filiaram ao crime organizado para gerenciarem o local e estabelecerem a ‘disciplina’ do PCC”. O ecossistema do crime detectado pelos promotores envolve ainda lojas de ferro-velho. De acordo com o Gaeco, os “dependentes químicos da região” praticam roubos e furtos e vendem os objetos roubados ali mesmo na Cracolândia.
Material reciclado na mão de grandes empresas
“É possível considerar a existência de uma cadeia organizada de comerciantes que recebe e armazena esses objetos, especialmente aqueles que atuam em ferros-velhos, lojas, hotéis ou similares, bem como bares e lanchonetes”, afirmaram os integrantes do Gaeco. Nos ferros-velhos da região foi constatada a presença de crianças trabalhando, além de usuários de drogas, que eram pagos com pedras de crack e cachaça.
Além disso, os promotores localizaram a rede que leva o material “reciclado” da Cracolândia até grandes empresas de reciclagem da cidade. Segundo os promotores, majoritariamente, os galpões de reciclagem e de ferro-velho investigados são de propriedade da mesma pessoa ou família.
Para o Gaeco, essa circunstância ajuda a compreender a formação de “uma cadeia estruturada de operação, que abrange desde o recebimento de materiais recicláveis coletados por usuários de drogas, passando por empresas intermediárias que realizam a compactação do lixo, até o possível encaminhamento desse material para grandes empresas do setor de reciclagem”.
Entre os principais produtos roubados receptados está o celular. Segundo a investigação, os bandidos pagam de R$ 200 a R$ 500 por aparelho. Os promotores se valeram de anúncios de vendas de celulares na internet para chegar até lojas da Rua Santa Ifigênia que vendem peças de aparelhos.
As suspeitas levaram eles a estabelecimentos que se destacaram “em decorrência do estado de conservação intacto dos produtos e à enorme movimentação nos locais”. Tudo isso configuraria “indícios fundados de que adquirem, ocultam, têm em depósito, desmontam, montam, remontam e vendem aparelhos celulares e suas peças, sabendo-o serem produtos de crime”.
Os homens do Gaeco foram a essas duas lojas e fizeram uma experiência reveladora: “Foi possível montar um aparelho top de linha inteiro, com peças originais e em estado intacto de conservação, por apenas R$ 1.500,00, quando um aparelho novo, desse modelo, custaria por volta de R$ 5.000,00.”