Desta vez, estava decidido: a Paulista ganharia uma ciclovia. Ideia posta, coube à CET desenhar um projeto. Debruçados sobre um tanto de variáveis, a orientação dada aos profissionais era pensar em uma estrutura que garantisse a segurança dos ciclistas e, ao mesmo tempo, interferisse o mínimo possível na rotina e fluidez dos outros modais.
Era uma determinação que invalidava de imediato um projeto já existente - que previa ciclovias à direita da pista -, segundo o qual seria necessário retirar uma das quatro faixas de rolamento dos carros e construir o corredor de ônibus junto ao canteiro central.
Se a decisão fosse pela construção da ciclovia ao lado do canteiro central, os veículos também perderiam o mesmo espaço. Colocar o ciclista na calçada significaria usar parte do espaço do pedestre, uma ideia fora de cogitação.
Nesse cenário, após uma série de estudos de viabilidade, o alargamento da área central e a construção da ciclovia sobre ele foi a alternativa definida como mais apropriada: os ciclistas teriam uma área segregada, os pedestres não perderiam espaço nas calçadas e o número de faixas dedicadas a ônibus e carros não seria alterado.
Obviamente, a complexidade da avenida obrigaria o projeto a levar em conta diversos fatores. Em todos os seus 2.7 km de extensão, a espessura do concreto utilizado, por exemplo, deveria ser muito maior do que a necessária para suportar o peso das bicicletas: aguenta, sem trincar, ambulâncias, viaturas do Corpo de Bombeiros e até carro-forte. Um cuidado para casos de urgência em que veículos como esses tenham de cruzar a ciclovia.
E já que a Paulista iria passar por essa repaginada para ganhar uma ciclovia, por que não aproveitar para resolver problemas antigos? Com a refação do canteiro central, foi definido que as ilhas de travessias de pedestres ficariam mais amplas, passando de larguras que chegavam no máximo a 2,40 metros para 4 metros.
Outra intervenção ajudaria diretamente os usuários de ônibus: a abertura do cruzamento com a Consolação para a ciclovia seguir rumo ao Pacaembu. Com isso, a faixa dos coletivos seria estendida até a avenida Angélica e eles não precisariam mais desviar o caminho pela rua Bela Cintra, reduzindo o tempo das viagens em até 15 minutos.
Por fim, a obra permitira a instalação de dutos para passagem de fibra óptica e outros cabeamentos, o que modernizou as câmeras de monitoramento da GCM, o funcionamento dos semáforos e permitiu que finalmente a Paulista pudesse contar com radares de fiscalização de velocidade.
Resistências e mudanças
O projeto enfrentou oposições desde o momento em que começou a ser apresentado. Os primeiros a serem ouvidos foram os moradores e comerciantes da região, que se opuseram sob a alegação de que os impactos da implantação da ciclovia não haviam sido discutidos com a sociedade. Dentre as queixas, o medo de que a estrutura descaracterizasse a ideia de bulevar da avenida, dificultasse a travessia de pedestres e a circulação de motos.
Os ciclistas também não aprovaram de imediato a estrutura. Apesar de comemorarem o fato de finalmente a Paulista ganhar uma ciclovia, eles defendiam que fossem duas faixas, uma em cada sentido do tráfego e ao lado da calçada, e que o canteiro central fosse arborizado. Foi um tempo e muito debate até que aceitassem e apoiassem o projeto. Em setembro de 2014, três meses antes do início das obras, uma audiência pública na Câmara Municipal validou a importância e a pertinência da estrutura.
Foi nesse aprimoramento da discussão que o projeto cresceu: além de toda a extensão da Paulista, a avenida Bernardino de Campos também ganharia uma ciclovia e ficaria com o mesmo padrão arquitetônico da Paulista. Juntas, elas formariam a estrutura cicloviária de 3,5 km que nasce na Praça dos Arcos, se conecta à avenida Vergueiro e segue até o bairro do Jabaquara. No total, seriam 10 km de vias para bikes em linha reta no espigão da maior cidade da América do Sul.
Com a mudança, o desafio do projeto ficou muito maior. Se na Paulista a construção dependia, em geral, apenas da adequação do canteiro central, a obra na Bernardino de Campos envolveria toda a requalificação urbanística da região. A orientação era deixar a via no "padrão Paulista", o que significava não somente mexer no canteiro central. Era preciso retirar postes e enterrar fios, readequar calçadas, redimensionar e recapear faixas de rolagem, repensar a iluminação, instalar dutos para passagem de fibra óptica e cabeamento e, claro,construir a ciclovia. E tudo isso sem retirar nenhuma das árvores existentes no canteiro central.
A dimensão da empreitada deixava claro que um único ente municipal não daria conta do trabalho. Assim, o projeto seria tocado numa parceria entre CET e a SP Trans. Se a primeira tem a vocação de pensar e organizar o tráfego dos diferentes modais, a segunda detém conhecimento sobre execução de obras. Juntas, atuariam de forma horizontal, num exercício em que todos os gestores participariam de cada uma das decisões de execução e, como consequência, dividiriam os êxitos e os problemas do dia-a-dia daqueles seis meses de duração da obra. O custo total da obra foi calculado em R$ 12,2 milhões.
Aprovações necessárias
Mas antes de a primeira escavadeira começar o trabalho, a obra teve de ser autorizada pelos órgãos de defesa do patrimônio histórico, tanto porque a Paulista é o endereço de prédios tombados, como o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Conjunto Nacional, como pelo fato de a obra exigir intervenções como a remoção de plantas, relógios e postes.
O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp) já havia avaliado que a intervenção não causaria impacto a bens tombados e, portanto, o caso não precisou ser encaminhado para uma deliberação dos conselheiros. Na sessão do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), a obra recebeu 11 votos favoráveis e quatro abstenções.
Na mesma sessão, o órgão também decidiu não acatar a proposta de uma de suas conselheiras de mudar a cor das ciclovias que passam diante de bens tombados na capital. Mesmo porque vermelho é a cor definida pelo CTB/Contran e a mais adotada internacionalmente - e já era usada pela CET nas gestões anteriores. Tal ideia ecoava uma suposição comum na época de que a cor das ciclovias tinha sido definida por influências comunistas.
Com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a aprovação foi mediante a retirada dos relógios do canteiro central da avenida e regras específicas para a sinalização referente a ciclovia. Assim, os relógios foram deslocados para as laterais da via e o novo projeto de sinalização foi requalificado de forma a se incorporar às colunas semafóricas existentes, ou seja, os clássicos totens da Paulista.
Com todas as aprovações necessárias obtidas, a ciclovia estava pronta para sair do papel. E como se viu depois, as polêmicas estavam apenas no início.
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No próximo post: a construção da ciclovia