São Paulo está ficando mais quente? Veja o que mostram os dados ao longo de 90 anos


Dados de relatórios da Estação Meteorológica da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam a maior incidência de altas temperaturas na capital paulista

Por Aline Albuquerque
Atualização:

Ondas de calor têm ficado mais frequentes na cidade de São Paulo. Dados de relatórios da Estação Meteorológica da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam a maior incidência de altas temperaturas na capital paulista na última década em comparação a períodos anteriores. O calor tem sido mais frequente até mesmo em meses de outono, quando é esperado um clima mais ameno.

A estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) chegou em 2023 a 90 anos. O período permite uma comparação da variação histórica da temperatura na cidade. Desde o início da medição, a temperatura média na capital já aumentou 2,5ºC.

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Os dados indicam que, desde 2010, a frequência de temperaturas acima dos 35ºC tem sido cada vez maior. Esses eventos são as chamadas ondas de calor.

  • Antes dessa data, e desde o início das medições, em 1933, essas temperaturas altas eram registradas com uma frequência muito menor: de 4 a 5 vezes a cada cinco anos.
  • De 2015 a 2020, por exemplo, a estação da universidade registrou 29 ocorrências de ondas de calor. Enquanto de 2020 até agora já foram 22 registros meteorológicos de temperaturas acima da média para a época do ano.
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O professor Carlos Morales, do IAG, exemplifica com o próprio local onde a estação de medição está instalada, no bairro de Santana, na zona norte. Lá havia muito mais vegetação, o que colaborava significativamente para o equilíbrio ambiental das temperaturas, mas hoje não tem a mesma predominância de árvores.

“A estação meteorológica acaba observando a história. Ela nos diz o que que está ocorrendo ao longo desse período. Observamos, ao longo desses mais de 90 anos, o aumento gradativo da temperatura, que começou bem pequenininho e foi subindo. Tivemos um aumento sistemático da temperatura média diária e a máxima principalmente, mas mudanças também nas temperaturas mínimas. Por exemplo, São Paulo já não está ficando tão frio como era antes”, comentou o professor.

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O que causa o aumento das temperaturas em SP?

Morales explica os fatores que causam o aumento excessivo das temperaturas. Há aqueles naturais, observados ao longo de centenas de anos, e as causas relacionadas à ação humana.

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“As mudanças climáticas na verdade são um fenômeno meteorológico que está associado a alterações no clima. Essas alterações climáticas podem ser naturais e antrópicas. As naturais é o que a gente observa ao longo dos anos, décadas, centenas de anos e assim sucessivamente, então são coisas naturais. No entanto, a partir do momento que o homem começa a interferir, temos ações antrópicas. Um exemplo é a poluição gerada com a revolução industrial. Um efeito que a gente começa a observar agora, com o aumento do CO2”, explicou o docente.

São Paulo tem observado a incidência de mais ondas de calor na última década Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/11/2023

“A partir de 2010, notamos que a tendência da curva mudou. Antes, a cada dez anos, o aumento na temperatura era de 0,25ºC. A partir de 2010 ela ficou um pouco maior, começou a aquecer um pouco mais. As temperaturas acima de 30ºC, 35ºC, que a gente observava poucos dias no ano, começaram a ser muito mais frequentes”, apontou Morales.

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Como mais calor altera a frequência de chuvas?

O pesquisador do Instituto de Astronomia da universidade explica que o aumento das chuvas podem estar relacionados com as temperaturas mais altas. Na década de 1930, por exemplo, o professor aponta que as medições de chuva em São Paulo registraram precipitação de cerca de 1.100 mm por ano. Hoje, a média de chuvas em São Paulo é de 1.600 mm durante o mesmo período.

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“Se eu coloco mais água numa região, eu estou tirando água de uma outra região. Porque tudo está em balanço. A quantidade de vapor d’água é constante no planeta inteiro, ela não aumenta nem diminui. Nas mudanças climáticas, é esse o efeito. Ora você aumenta a temperatura numa região e ora, em outra região, você vai ter uma temperatura bem mais fria”, esclareceu Carlos.

Superaquecimento é reversível?

Não é só na capital do Estado mais populoso do País que as mudanças climáticas já são perceptíveis. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, publicou, neste mês, um relatório sobre as mudanças climáticas e as alterações na temperatura do planeta decorrentes delas.

O levantamento indica que há 80% de probabilidade de que a temperatura média global exceda temporariamente 1,5ºC, durante pelo menos um dos próximos cinco anos. A comparação foi feita com o período entre os anos de 1850-1900.

“Se a gente diminuir os gases do efeito estufa, mudar nossa matriz energética, vamos poluir menos e melhorar a saúde da população. É mais fácil ensinar a geração nova, que está na escola hoje, para que no futuro impeçam os antigos de ficarem no poder e fazer as mesmas coisas. Eles terão o desafio de mudar esses efeitos, são eles que terão que cobrar lá na frente”, disse o professor.

“A ciência tenta explicar essas coisas. A gente tem observado alterações e isso está associado com efeitos antrópicos, causados pelo homem. Temos que diminui-los, se adaptar. Existe tempo? Existe. Quanto antes a gente fizer menor vai ser o prejuízo. Não podemos esperar os outros países. Temos que nos preocupar com o Brasil primeiro, fazer a nossa parte, e depois pressionar os outros países também para que façam”, completou Morales.

Diante das previsões alarmantes sobre o clima, no Brasil e no mundo, o professor da Universidade de São Paulo ressalta o papel da pesquisa e órgãos associados para identificar todos esses problemas e, a partir daí, identificar, propor e executar as possíveis soluções e formas de atenuar a mudança no clima.

“As observações (sobre o clima) precisam ser continuadas. Essas observações estão na mão de governos. É importante que os governos e a sociedade mantenham as instituições que realizam esse trabalho, disponibilizem recursos. Se não tiver o dado, não dá para fazer nada, nem para mensurar nada sobre o assunto. As projeções dependem dos dados”, disse Morales.

Você mora em uma ilha de calor?

A cidade de São Paulo tem a pior posição no Estado em relação a ilhas de calor, áreas com temperaturas acima da média municipal, como mostrou o Estadão.

A comparação se baseia no coeficiente de ilha de calor da plataforma UrbVerde. O cálculo considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média). Depois, multiplica o valor pela população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Ou seja, o pior desempenho da capital segundo esse coeficiente se deve não só à intensidade ou extensão das ilhas, mas também à maior quantidade de pessoas vulneráveis atingidas, em números absolutos.

/COLABORARAM JULIANA DOMINGOS LIMA E LUCAS THAYNAN

Ondas de calor têm ficado mais frequentes na cidade de São Paulo. Dados de relatórios da Estação Meteorológica da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam a maior incidência de altas temperaturas na capital paulista na última década em comparação a períodos anteriores. O calor tem sido mais frequente até mesmo em meses de outono, quando é esperado um clima mais ameno.

A estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) chegou em 2023 a 90 anos. O período permite uma comparação da variação histórica da temperatura na cidade. Desde o início da medição, a temperatura média na capital já aumentou 2,5ºC.

Os dados indicam que, desde 2010, a frequência de temperaturas acima dos 35ºC tem sido cada vez maior. Esses eventos são as chamadas ondas de calor.

  • Antes dessa data, e desde o início das medições, em 1933, essas temperaturas altas eram registradas com uma frequência muito menor: de 4 a 5 vezes a cada cinco anos.
  • De 2015 a 2020, por exemplo, a estação da universidade registrou 29 ocorrências de ondas de calor. Enquanto de 2020 até agora já foram 22 registros meteorológicos de temperaturas acima da média para a época do ano.

O professor Carlos Morales, do IAG, exemplifica com o próprio local onde a estação de medição está instalada, no bairro de Santana, na zona norte. Lá havia muito mais vegetação, o que colaborava significativamente para o equilíbrio ambiental das temperaturas, mas hoje não tem a mesma predominância de árvores.

“A estação meteorológica acaba observando a história. Ela nos diz o que que está ocorrendo ao longo desse período. Observamos, ao longo desses mais de 90 anos, o aumento gradativo da temperatura, que começou bem pequenininho e foi subindo. Tivemos um aumento sistemático da temperatura média diária e a máxima principalmente, mas mudanças também nas temperaturas mínimas. Por exemplo, São Paulo já não está ficando tão frio como era antes”, comentou o professor.

O que causa o aumento das temperaturas em SP?

Morales explica os fatores que causam o aumento excessivo das temperaturas. Há aqueles naturais, observados ao longo de centenas de anos, e as causas relacionadas à ação humana.

“As mudanças climáticas na verdade são um fenômeno meteorológico que está associado a alterações no clima. Essas alterações climáticas podem ser naturais e antrópicas. As naturais é o que a gente observa ao longo dos anos, décadas, centenas de anos e assim sucessivamente, então são coisas naturais. No entanto, a partir do momento que o homem começa a interferir, temos ações antrópicas. Um exemplo é a poluição gerada com a revolução industrial. Um efeito que a gente começa a observar agora, com o aumento do CO2”, explicou o docente.

São Paulo tem observado a incidência de mais ondas de calor na última década Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/11/2023

“A partir de 2010, notamos que a tendência da curva mudou. Antes, a cada dez anos, o aumento na temperatura era de 0,25ºC. A partir de 2010 ela ficou um pouco maior, começou a aquecer um pouco mais. As temperaturas acima de 30ºC, 35ºC, que a gente observava poucos dias no ano, começaram a ser muito mais frequentes”, apontou Morales.

Como mais calor altera a frequência de chuvas?

O pesquisador do Instituto de Astronomia da universidade explica que o aumento das chuvas podem estar relacionados com as temperaturas mais altas. Na década de 1930, por exemplo, o professor aponta que as medições de chuva em São Paulo registraram precipitação de cerca de 1.100 mm por ano. Hoje, a média de chuvas em São Paulo é de 1.600 mm durante o mesmo período.

“Se eu coloco mais água numa região, eu estou tirando água de uma outra região. Porque tudo está em balanço. A quantidade de vapor d’água é constante no planeta inteiro, ela não aumenta nem diminui. Nas mudanças climáticas, é esse o efeito. Ora você aumenta a temperatura numa região e ora, em outra região, você vai ter uma temperatura bem mais fria”, esclareceu Carlos.

Superaquecimento é reversível?

Não é só na capital do Estado mais populoso do País que as mudanças climáticas já são perceptíveis. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, publicou, neste mês, um relatório sobre as mudanças climáticas e as alterações na temperatura do planeta decorrentes delas.

O levantamento indica que há 80% de probabilidade de que a temperatura média global exceda temporariamente 1,5ºC, durante pelo menos um dos próximos cinco anos. A comparação foi feita com o período entre os anos de 1850-1900.

“Se a gente diminuir os gases do efeito estufa, mudar nossa matriz energética, vamos poluir menos e melhorar a saúde da população. É mais fácil ensinar a geração nova, que está na escola hoje, para que no futuro impeçam os antigos de ficarem no poder e fazer as mesmas coisas. Eles terão o desafio de mudar esses efeitos, são eles que terão que cobrar lá na frente”, disse o professor.

“A ciência tenta explicar essas coisas. A gente tem observado alterações e isso está associado com efeitos antrópicos, causados pelo homem. Temos que diminui-los, se adaptar. Existe tempo? Existe. Quanto antes a gente fizer menor vai ser o prejuízo. Não podemos esperar os outros países. Temos que nos preocupar com o Brasil primeiro, fazer a nossa parte, e depois pressionar os outros países também para que façam”, completou Morales.

Diante das previsões alarmantes sobre o clima, no Brasil e no mundo, o professor da Universidade de São Paulo ressalta o papel da pesquisa e órgãos associados para identificar todos esses problemas e, a partir daí, identificar, propor e executar as possíveis soluções e formas de atenuar a mudança no clima.

“As observações (sobre o clima) precisam ser continuadas. Essas observações estão na mão de governos. É importante que os governos e a sociedade mantenham as instituições que realizam esse trabalho, disponibilizem recursos. Se não tiver o dado, não dá para fazer nada, nem para mensurar nada sobre o assunto. As projeções dependem dos dados”, disse Morales.

Você mora em uma ilha de calor?

A cidade de São Paulo tem a pior posição no Estado em relação a ilhas de calor, áreas com temperaturas acima da média municipal, como mostrou o Estadão.

A comparação se baseia no coeficiente de ilha de calor da plataforma UrbVerde. O cálculo considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média). Depois, multiplica o valor pela população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Ou seja, o pior desempenho da capital segundo esse coeficiente se deve não só à intensidade ou extensão das ilhas, mas também à maior quantidade de pessoas vulneráveis atingidas, em números absolutos.

/COLABORARAM JULIANA DOMINGOS LIMA E LUCAS THAYNAN

Ondas de calor têm ficado mais frequentes na cidade de São Paulo. Dados de relatórios da Estação Meteorológica da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam a maior incidência de altas temperaturas na capital paulista na última década em comparação a períodos anteriores. O calor tem sido mais frequente até mesmo em meses de outono, quando é esperado um clima mais ameno.

A estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) chegou em 2023 a 90 anos. O período permite uma comparação da variação histórica da temperatura na cidade. Desde o início da medição, a temperatura média na capital já aumentou 2,5ºC.

Os dados indicam que, desde 2010, a frequência de temperaturas acima dos 35ºC tem sido cada vez maior. Esses eventos são as chamadas ondas de calor.

  • Antes dessa data, e desde o início das medições, em 1933, essas temperaturas altas eram registradas com uma frequência muito menor: de 4 a 5 vezes a cada cinco anos.
  • De 2015 a 2020, por exemplo, a estação da universidade registrou 29 ocorrências de ondas de calor. Enquanto de 2020 até agora já foram 22 registros meteorológicos de temperaturas acima da média para a época do ano.

O professor Carlos Morales, do IAG, exemplifica com o próprio local onde a estação de medição está instalada, no bairro de Santana, na zona norte. Lá havia muito mais vegetação, o que colaborava significativamente para o equilíbrio ambiental das temperaturas, mas hoje não tem a mesma predominância de árvores.

“A estação meteorológica acaba observando a história. Ela nos diz o que que está ocorrendo ao longo desse período. Observamos, ao longo desses mais de 90 anos, o aumento gradativo da temperatura, que começou bem pequenininho e foi subindo. Tivemos um aumento sistemático da temperatura média diária e a máxima principalmente, mas mudanças também nas temperaturas mínimas. Por exemplo, São Paulo já não está ficando tão frio como era antes”, comentou o professor.

O que causa o aumento das temperaturas em SP?

Morales explica os fatores que causam o aumento excessivo das temperaturas. Há aqueles naturais, observados ao longo de centenas de anos, e as causas relacionadas à ação humana.

“As mudanças climáticas na verdade são um fenômeno meteorológico que está associado a alterações no clima. Essas alterações climáticas podem ser naturais e antrópicas. As naturais é o que a gente observa ao longo dos anos, décadas, centenas de anos e assim sucessivamente, então são coisas naturais. No entanto, a partir do momento que o homem começa a interferir, temos ações antrópicas. Um exemplo é a poluição gerada com a revolução industrial. Um efeito que a gente começa a observar agora, com o aumento do CO2”, explicou o docente.

São Paulo tem observado a incidência de mais ondas de calor na última década Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/11/2023

“A partir de 2010, notamos que a tendência da curva mudou. Antes, a cada dez anos, o aumento na temperatura era de 0,25ºC. A partir de 2010 ela ficou um pouco maior, começou a aquecer um pouco mais. As temperaturas acima de 30ºC, 35ºC, que a gente observava poucos dias no ano, começaram a ser muito mais frequentes”, apontou Morales.

Como mais calor altera a frequência de chuvas?

O pesquisador do Instituto de Astronomia da universidade explica que o aumento das chuvas podem estar relacionados com as temperaturas mais altas. Na década de 1930, por exemplo, o professor aponta que as medições de chuva em São Paulo registraram precipitação de cerca de 1.100 mm por ano. Hoje, a média de chuvas em São Paulo é de 1.600 mm durante o mesmo período.

“Se eu coloco mais água numa região, eu estou tirando água de uma outra região. Porque tudo está em balanço. A quantidade de vapor d’água é constante no planeta inteiro, ela não aumenta nem diminui. Nas mudanças climáticas, é esse o efeito. Ora você aumenta a temperatura numa região e ora, em outra região, você vai ter uma temperatura bem mais fria”, esclareceu Carlos.

Superaquecimento é reversível?

Não é só na capital do Estado mais populoso do País que as mudanças climáticas já são perceptíveis. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, publicou, neste mês, um relatório sobre as mudanças climáticas e as alterações na temperatura do planeta decorrentes delas.

O levantamento indica que há 80% de probabilidade de que a temperatura média global exceda temporariamente 1,5ºC, durante pelo menos um dos próximos cinco anos. A comparação foi feita com o período entre os anos de 1850-1900.

“Se a gente diminuir os gases do efeito estufa, mudar nossa matriz energética, vamos poluir menos e melhorar a saúde da população. É mais fácil ensinar a geração nova, que está na escola hoje, para que no futuro impeçam os antigos de ficarem no poder e fazer as mesmas coisas. Eles terão o desafio de mudar esses efeitos, são eles que terão que cobrar lá na frente”, disse o professor.

“A ciência tenta explicar essas coisas. A gente tem observado alterações e isso está associado com efeitos antrópicos, causados pelo homem. Temos que diminui-los, se adaptar. Existe tempo? Existe. Quanto antes a gente fizer menor vai ser o prejuízo. Não podemos esperar os outros países. Temos que nos preocupar com o Brasil primeiro, fazer a nossa parte, e depois pressionar os outros países também para que façam”, completou Morales.

Diante das previsões alarmantes sobre o clima, no Brasil e no mundo, o professor da Universidade de São Paulo ressalta o papel da pesquisa e órgãos associados para identificar todos esses problemas e, a partir daí, identificar, propor e executar as possíveis soluções e formas de atenuar a mudança no clima.

“As observações (sobre o clima) precisam ser continuadas. Essas observações estão na mão de governos. É importante que os governos e a sociedade mantenham as instituições que realizam esse trabalho, disponibilizem recursos. Se não tiver o dado, não dá para fazer nada, nem para mensurar nada sobre o assunto. As projeções dependem dos dados”, disse Morales.

Você mora em uma ilha de calor?

A cidade de São Paulo tem a pior posição no Estado em relação a ilhas de calor, áreas com temperaturas acima da média municipal, como mostrou o Estadão.

A comparação se baseia no coeficiente de ilha de calor da plataforma UrbVerde. O cálculo considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média). Depois, multiplica o valor pela população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Ou seja, o pior desempenho da capital segundo esse coeficiente se deve não só à intensidade ou extensão das ilhas, mas também à maior quantidade de pessoas vulneráveis atingidas, em números absolutos.

/COLABORARAM JULIANA DOMINGOS LIMA E LUCAS THAYNAN

Ondas de calor têm ficado mais frequentes na cidade de São Paulo. Dados de relatórios da Estação Meteorológica da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam a maior incidência de altas temperaturas na capital paulista na última década em comparação a períodos anteriores. O calor tem sido mais frequente até mesmo em meses de outono, quando é esperado um clima mais ameno.

A estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) chegou em 2023 a 90 anos. O período permite uma comparação da variação histórica da temperatura na cidade. Desde o início da medição, a temperatura média na capital já aumentou 2,5ºC.

Os dados indicam que, desde 2010, a frequência de temperaturas acima dos 35ºC tem sido cada vez maior. Esses eventos são as chamadas ondas de calor.

  • Antes dessa data, e desde o início das medições, em 1933, essas temperaturas altas eram registradas com uma frequência muito menor: de 4 a 5 vezes a cada cinco anos.
  • De 2015 a 2020, por exemplo, a estação da universidade registrou 29 ocorrências de ondas de calor. Enquanto de 2020 até agora já foram 22 registros meteorológicos de temperaturas acima da média para a época do ano.

O professor Carlos Morales, do IAG, exemplifica com o próprio local onde a estação de medição está instalada, no bairro de Santana, na zona norte. Lá havia muito mais vegetação, o que colaborava significativamente para o equilíbrio ambiental das temperaturas, mas hoje não tem a mesma predominância de árvores.

“A estação meteorológica acaba observando a história. Ela nos diz o que que está ocorrendo ao longo desse período. Observamos, ao longo desses mais de 90 anos, o aumento gradativo da temperatura, que começou bem pequenininho e foi subindo. Tivemos um aumento sistemático da temperatura média diária e a máxima principalmente, mas mudanças também nas temperaturas mínimas. Por exemplo, São Paulo já não está ficando tão frio como era antes”, comentou o professor.

O que causa o aumento das temperaturas em SP?

Morales explica os fatores que causam o aumento excessivo das temperaturas. Há aqueles naturais, observados ao longo de centenas de anos, e as causas relacionadas à ação humana.

“As mudanças climáticas na verdade são um fenômeno meteorológico que está associado a alterações no clima. Essas alterações climáticas podem ser naturais e antrópicas. As naturais é o que a gente observa ao longo dos anos, décadas, centenas de anos e assim sucessivamente, então são coisas naturais. No entanto, a partir do momento que o homem começa a interferir, temos ações antrópicas. Um exemplo é a poluição gerada com a revolução industrial. Um efeito que a gente começa a observar agora, com o aumento do CO2”, explicou o docente.

São Paulo tem observado a incidência de mais ondas de calor na última década Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/11/2023

“A partir de 2010, notamos que a tendência da curva mudou. Antes, a cada dez anos, o aumento na temperatura era de 0,25ºC. A partir de 2010 ela ficou um pouco maior, começou a aquecer um pouco mais. As temperaturas acima de 30ºC, 35ºC, que a gente observava poucos dias no ano, começaram a ser muito mais frequentes”, apontou Morales.

Como mais calor altera a frequência de chuvas?

O pesquisador do Instituto de Astronomia da universidade explica que o aumento das chuvas podem estar relacionados com as temperaturas mais altas. Na década de 1930, por exemplo, o professor aponta que as medições de chuva em São Paulo registraram precipitação de cerca de 1.100 mm por ano. Hoje, a média de chuvas em São Paulo é de 1.600 mm durante o mesmo período.

“Se eu coloco mais água numa região, eu estou tirando água de uma outra região. Porque tudo está em balanço. A quantidade de vapor d’água é constante no planeta inteiro, ela não aumenta nem diminui. Nas mudanças climáticas, é esse o efeito. Ora você aumenta a temperatura numa região e ora, em outra região, você vai ter uma temperatura bem mais fria”, esclareceu Carlos.

Superaquecimento é reversível?

Não é só na capital do Estado mais populoso do País que as mudanças climáticas já são perceptíveis. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, publicou, neste mês, um relatório sobre as mudanças climáticas e as alterações na temperatura do planeta decorrentes delas.

O levantamento indica que há 80% de probabilidade de que a temperatura média global exceda temporariamente 1,5ºC, durante pelo menos um dos próximos cinco anos. A comparação foi feita com o período entre os anos de 1850-1900.

“Se a gente diminuir os gases do efeito estufa, mudar nossa matriz energética, vamos poluir menos e melhorar a saúde da população. É mais fácil ensinar a geração nova, que está na escola hoje, para que no futuro impeçam os antigos de ficarem no poder e fazer as mesmas coisas. Eles terão o desafio de mudar esses efeitos, são eles que terão que cobrar lá na frente”, disse o professor.

“A ciência tenta explicar essas coisas. A gente tem observado alterações e isso está associado com efeitos antrópicos, causados pelo homem. Temos que diminui-los, se adaptar. Existe tempo? Existe. Quanto antes a gente fizer menor vai ser o prejuízo. Não podemos esperar os outros países. Temos que nos preocupar com o Brasil primeiro, fazer a nossa parte, e depois pressionar os outros países também para que façam”, completou Morales.

Diante das previsões alarmantes sobre o clima, no Brasil e no mundo, o professor da Universidade de São Paulo ressalta o papel da pesquisa e órgãos associados para identificar todos esses problemas e, a partir daí, identificar, propor e executar as possíveis soluções e formas de atenuar a mudança no clima.

“As observações (sobre o clima) precisam ser continuadas. Essas observações estão na mão de governos. É importante que os governos e a sociedade mantenham as instituições que realizam esse trabalho, disponibilizem recursos. Se não tiver o dado, não dá para fazer nada, nem para mensurar nada sobre o assunto. As projeções dependem dos dados”, disse Morales.

Você mora em uma ilha de calor?

A cidade de São Paulo tem a pior posição no Estado em relação a ilhas de calor, áreas com temperaturas acima da média municipal, como mostrou o Estadão.

A comparação se baseia no coeficiente de ilha de calor da plataforma UrbVerde. O cálculo considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média). Depois, multiplica o valor pela população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Ou seja, o pior desempenho da capital segundo esse coeficiente se deve não só à intensidade ou extensão das ilhas, mas também à maior quantidade de pessoas vulneráveis atingidas, em números absolutos.

/COLABORARAM JULIANA DOMINGOS LIMA E LUCAS THAYNAN

Ondas de calor têm ficado mais frequentes na cidade de São Paulo. Dados de relatórios da Estação Meteorológica da Universidade de São Paulo (USP) evidenciam a maior incidência de altas temperaturas na capital paulista na última década em comparação a períodos anteriores. O calor tem sido mais frequente até mesmo em meses de outono, quando é esperado um clima mais ameno.

A estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) chegou em 2023 a 90 anos. O período permite uma comparação da variação histórica da temperatura na cidade. Desde o início da medição, a temperatura média na capital já aumentou 2,5ºC.

Os dados indicam que, desde 2010, a frequência de temperaturas acima dos 35ºC tem sido cada vez maior. Esses eventos são as chamadas ondas de calor.

  • Antes dessa data, e desde o início das medições, em 1933, essas temperaturas altas eram registradas com uma frequência muito menor: de 4 a 5 vezes a cada cinco anos.
  • De 2015 a 2020, por exemplo, a estação da universidade registrou 29 ocorrências de ondas de calor. Enquanto de 2020 até agora já foram 22 registros meteorológicos de temperaturas acima da média para a época do ano.

O professor Carlos Morales, do IAG, exemplifica com o próprio local onde a estação de medição está instalada, no bairro de Santana, na zona norte. Lá havia muito mais vegetação, o que colaborava significativamente para o equilíbrio ambiental das temperaturas, mas hoje não tem a mesma predominância de árvores.

“A estação meteorológica acaba observando a história. Ela nos diz o que que está ocorrendo ao longo desse período. Observamos, ao longo desses mais de 90 anos, o aumento gradativo da temperatura, que começou bem pequenininho e foi subindo. Tivemos um aumento sistemático da temperatura média diária e a máxima principalmente, mas mudanças também nas temperaturas mínimas. Por exemplo, São Paulo já não está ficando tão frio como era antes”, comentou o professor.

O que causa o aumento das temperaturas em SP?

Morales explica os fatores que causam o aumento excessivo das temperaturas. Há aqueles naturais, observados ao longo de centenas de anos, e as causas relacionadas à ação humana.

“As mudanças climáticas na verdade são um fenômeno meteorológico que está associado a alterações no clima. Essas alterações climáticas podem ser naturais e antrópicas. As naturais é o que a gente observa ao longo dos anos, décadas, centenas de anos e assim sucessivamente, então são coisas naturais. No entanto, a partir do momento que o homem começa a interferir, temos ações antrópicas. Um exemplo é a poluição gerada com a revolução industrial. Um efeito que a gente começa a observar agora, com o aumento do CO2”, explicou o docente.

São Paulo tem observado a incidência de mais ondas de calor na última década Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/11/2023

“A partir de 2010, notamos que a tendência da curva mudou. Antes, a cada dez anos, o aumento na temperatura era de 0,25ºC. A partir de 2010 ela ficou um pouco maior, começou a aquecer um pouco mais. As temperaturas acima de 30ºC, 35ºC, que a gente observava poucos dias no ano, começaram a ser muito mais frequentes”, apontou Morales.

Como mais calor altera a frequência de chuvas?

O pesquisador do Instituto de Astronomia da universidade explica que o aumento das chuvas podem estar relacionados com as temperaturas mais altas. Na década de 1930, por exemplo, o professor aponta que as medições de chuva em São Paulo registraram precipitação de cerca de 1.100 mm por ano. Hoje, a média de chuvas em São Paulo é de 1.600 mm durante o mesmo período.

“Se eu coloco mais água numa região, eu estou tirando água de uma outra região. Porque tudo está em balanço. A quantidade de vapor d’água é constante no planeta inteiro, ela não aumenta nem diminui. Nas mudanças climáticas, é esse o efeito. Ora você aumenta a temperatura numa região e ora, em outra região, você vai ter uma temperatura bem mais fria”, esclareceu Carlos.

Superaquecimento é reversível?

Não é só na capital do Estado mais populoso do País que as mudanças climáticas já são perceptíveis. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, publicou, neste mês, um relatório sobre as mudanças climáticas e as alterações na temperatura do planeta decorrentes delas.

O levantamento indica que há 80% de probabilidade de que a temperatura média global exceda temporariamente 1,5ºC, durante pelo menos um dos próximos cinco anos. A comparação foi feita com o período entre os anos de 1850-1900.

“Se a gente diminuir os gases do efeito estufa, mudar nossa matriz energética, vamos poluir menos e melhorar a saúde da população. É mais fácil ensinar a geração nova, que está na escola hoje, para que no futuro impeçam os antigos de ficarem no poder e fazer as mesmas coisas. Eles terão o desafio de mudar esses efeitos, são eles que terão que cobrar lá na frente”, disse o professor.

“A ciência tenta explicar essas coisas. A gente tem observado alterações e isso está associado com efeitos antrópicos, causados pelo homem. Temos que diminui-los, se adaptar. Existe tempo? Existe. Quanto antes a gente fizer menor vai ser o prejuízo. Não podemos esperar os outros países. Temos que nos preocupar com o Brasil primeiro, fazer a nossa parte, e depois pressionar os outros países também para que façam”, completou Morales.

Diante das previsões alarmantes sobre o clima, no Brasil e no mundo, o professor da Universidade de São Paulo ressalta o papel da pesquisa e órgãos associados para identificar todos esses problemas e, a partir daí, identificar, propor e executar as possíveis soluções e formas de atenuar a mudança no clima.

“As observações (sobre o clima) precisam ser continuadas. Essas observações estão na mão de governos. É importante que os governos e a sociedade mantenham as instituições que realizam esse trabalho, disponibilizem recursos. Se não tiver o dado, não dá para fazer nada, nem para mensurar nada sobre o assunto. As projeções dependem dos dados”, disse Morales.

Você mora em uma ilha de calor?

A cidade de São Paulo tem a pior posição no Estado em relação a ilhas de calor, áreas com temperaturas acima da média municipal, como mostrou o Estadão.

A comparação se baseia no coeficiente de ilha de calor da plataforma UrbVerde. O cálculo considera a intensidade das ilhas de calor (soma dos graus Celsius acima da média de temperatura dividido pela área com temperatura superior à média). Depois, multiplica o valor pela população de idosos e crianças, mais sensíveis ao tempo quente.

Ou seja, o pior desempenho da capital segundo esse coeficiente se deve não só à intensidade ou extensão das ilhas, mas também à maior quantidade de pessoas vulneráveis atingidas, em números absolutos.

/COLABORARAM JULIANA DOMINGOS LIMA E LUCAS THAYNAN

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