SÃO PAULO - São 490 leis, 220 decretos e “inúmeras” portarias (nem a Prefeitura sabe ao certo). Somadas, resultam em 1,4 mil modelos diferentes de multa para os cidadãos. Ver quem está alimentando pombos, por exemplo, é uma das novas regras criadas nas últimas semanas, e se junta à quase impossível lista do que a Prefeitura deve fiscalizar. E, nas prefeituras regionais de São Paulo, há apenas cerca de 400 fiscais para cuidar de todas elas.
Fazer cumprir essa lista de normas é uma tarefa que, reconhecem os gestores da cidade, é quase impossível. E o resultado é que uma série de normas aprovadas pela Câmara Municipal cai em desuso poucos meses após sua aprovação.
“A lei do xixi, por exemplo, só dá para fiscalizar em eventos especiais, como carnaval e a Virada Cultural. No dia a dia, não”, admite o prefeito regional da Sé, Eduardo Odloak, citando lei aprovada pela Câmara em maio de 2017 e regulamentada pela Prefeitura em novembro. “Outra coisa difícil é fiscalizar a comida. Por exemplo: não se pode distribuir comida nas ruas sem autorização. Mas como vamos fazer para impedir que pessoas de boa-fé façam isso?”
+++ Estúdio de tatuagem sem alvará é regra em SP
As 32 regionais da capital são responsáveis por fiscalizar o comércio ambulante, as lojas, as calçadas dos munícipes e o uso delas pelos bares, a execução de obras e reformas, o descarte de lixo, a Lei Cidade Limpa (que combate a poluição visual), a poda de árvores e as bancas de jornal, só para ficar naquilo que, de fato, é fiscalizado. Há ainda o que é fiscalizado pela Vigilância Sanitária e por outras secretarias, como a da Fazenda e do Verde.
Nas regionais, a depender da ação, o trabalho é feito de forma programada, como no caso dos camelôs, ou após notificação. “A Secretaria de Licenciamentos nos informa quando algum pedido de alvará de algum comércio é indeferido. E aí vamos fiscalizar”, exemplifica o regional da Sé. Mesmo assim, nem sempre as normas garantem que o fiscal tenha todas as ferramentas de que precisaria. “Não há lei, por exemplo, que impeça o camelô de vender produto pirata. O produto só não pode estar sem nota fiscal. Só fiscalizamos se o camelô tem a permissão para trabalhar”, diz Odloak.
Na outra ponta, essa avalanche de regras resulta, para o empreendedor, em custos. “Paguei R$ 2 mil a um advogado para me ajudar a ficar em ordem”, contou ao <CF735>Estado</CF> o sócio de um bar da região central, que pediu para não ter o nome publicado. “Tem coisa que você não tem ideia. Sabia que tem uma lei que manda ter uma placa no banheiro lembrando o cliente de lavar a mão?”
Mudanças. As regras para pombos e para os fogos ainda precisam ser regulamentadas, o que é feito com mais normas: uma portaria. Só então se saberá como será feita essa fiscalização.
O sindicato que representa os agentes vistores elaborou, no ano passado, uma minuta de um projeto de lei para unificar as regras de fiscalização, que previa a revogação de uma série de leis em desuso. “Tem lei que proíbe que se toque gado nas ruas da cidade, aprovada na década de 1930. Tem lei que obriga que os imóveis residenciais tenham de ter caixa de correio para conseguir a liberação”, explica o presidente do Sindicato dos Agentes Vistores de São Paulo (Savim), José Lamas.
O documento foi entregue, diz Lamas, à Secretaria Municipal de Gestão no fim do ano passado, mas ainda está sob análise. O Estado questionou a pasta sobre possíveis encaminhamentos, mas não teve resposta.
Um problema desse tipo de iniciativa, segundo Lamas, é a Câmara Municipal. “São os vereadores que criam e aprovam essas leis”, afirma. “Então, seria muito difícil fazer um projeto de lei para revogar leis aprovadas pelos vereadores.” Outra mudança que a categoria pedia é que os chefes de fiscalização, hoje indicados pelos regionais – que, por sua vez, também são indicados políticos – passassem a ser servidores de carreira.
A lei que criou o cargo de agente vistor na cidade previa, em 1988, cerca de 1,2 mil fiscais nas regionais. Segundo a Secretaria de Prefeituras Regionais, o Município tem buscado investir em tecnologia para compensar o baixo número de agentes. Cada um dos 1,4 mil modelos de autuação levava, até o ano passado, cerca de 40 minutos para ser preenchido. Agora, a Prefeitura passou a usar um sistema eletrônico, com tablets, o que fez esse tempo diminuir para 3 minutos.