O Bar Brahma, localizado entre as avenidas Ipiranga e São João, uma das esquinas mais famosas do centro de São Paulo, foi alvo de um ataque a pedradas no último domingo, 3, após frequentadores da região reagirem a uma tentativa de furto. Imagens da depredação, feita por um grupo de ao menos dez pessoas, viralizaram nas redes sociais. O carro de uma funcionária ainda teve os vidros quebrados durante a ação.
“A gente pretende continuar tentando sobreviver”, afirma Caire Aoas, um dos sócios do estabelecimento. Os donos do bar, com 75 anos de história no centro da capital paulista, afirmam que conversaram com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para pensar soluções de segurança para o centro.
Ali na região da República, segundo comerciantes ouvidos pelo Estadão, costuma ser frequente a atuação principalmente de gangues de bicicleta, focadas em furtos de celular. Uma das propostas dos donos do Bar Brahma, diante disso, é colocar uma base fixa da Polícia Militar entre as avenidas Ipiranga e São João, mas a corporação descarta a medida em um primeiro momento – e diz ser mais efetivo investir em rondas.
Para proteger seus clientes, alguns estabelecimentos da região, como o próprio Bar Brahma, investem na contratação de seguranças particulares, mas nem todos conseguem arcar com esse investimento. “Tem comércios que fecharam, como restaurantes e cafés aqui do lado”, afirma Aoas. Na avaliação dos lojistas, houve uma piora da segurança na região, sobretudo no período do pós-pandemia.
Na segunda-feira, 11, uma unidade do McDonald’s na Avenida Ipiranga também foi alvo de um ataque a pedradas. Apesar da semelhança com o caso do Bar Brahma, que fica praticamente do outro lado da rua, autoridades policiais afirmam que esse segundo episódio teve uma dinâmica diferente: a confusão teria começado após um desentendimento entre entregadores de aplicativo e funcionários da rede de sanduíches.
No caso do Bar Brahma, Aoas afirma que, em 75 anos de história, essa foi a primeira vez que o estabelecimento sofreu um ataque nessa escala. “Em outras duas situações anteriores, em escala menor, nossos seguranças inibiram a tentativa de roubo de celular na porta”, disse. Segundo ele, também houve ataques a pedradas nessas ocasiões. “Mas não era tanta gente assim, devia ter umas cinco ou seis pessoas.”
Diante de episódios de violência, o empresário disse ter percebido não só uma queda na clientela, como uma maior resistência de empresas em fazerem eventos no centro. A ideia é não se abater diante disso. “Enquanto tiver as mínimas condições, a gente continua fazendo, sonhando e trabalhando em conjunto com todo mundo para ter um cenário melhor”, disse ele, também à frente de estabelecimentos como o Bar dos Arcos e o Orfeu.
Ataques assustam comerciantes: ‘Está todo mundo com medo’
A reportagem do Estadão passou a tarde desta quarta-feira, 6, percorrendo o cruzamento das avenidas Ipiranga e São João, além de ruas nos arredores. Cerca de dez comerciantes falaram sobre a situação, mas a grande maioria deles não quis se identificar, principalmente quem trabalha em comércios menores e mais próximos da famosa esquina. “Está todo mundo com medo”, disse um lojista que trabalha há 10 anos na região.
Conforme os comerciantes ouvidos pela reportagem, a situação piorou especialmente a partir do ano passado, com a intensificação da atuação de gangues de bicicleta e de usuários de drogas que se desprendem da Cracolândia – no começo do ano, eles protagonizaram saques a alguns comércios por ali. Os dois horários em que costumam ocorrer mais furtos, apontam os lojistas, são no começo da manhã ou entre o fim da tarde e a madrugada.
“É o fim do mundo, nunca esteve pior”, afirma um comerciante de 56 anos, quase metade deles trabalhando por ali. Segundo ele, a clientela “simplesmente desapareceu” neste ano, também pela imprevisibilidade das movimentações da Cracolândia. Desolado com a situação e sem perspectiva de melhora, ele aponta como simbólica a frase escrita com tinta branca em um portão próximo dali: “Não é a Disney.”
Trabalhando em um ponto assumido pelo pai há cerca de uma década, uma lojista de 32 anos conta que há ocasiões inclusive que potenciais vítimas entraram na loja para se proteger. “A gente tenta dar proteção, os assaltantes mesmo ficam com receio de entrar”, afirma. Ela relata que a ação das gangues de bicicleta parece ter se intensificado nos últimos meses. “Ficam passando de um lado para o outro sem parar.”
Bar Brahma propõe base fixa da PM, mas corporação descarta
Após o ataque do último domingo, os donos do Bar Brahma propuseram à Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) a instalação de uma base fixa da Polícia Militar, que funcione 24 horas por dia, no encontro das avenidas Ipiranga e São João. A PM, porém, descarta a ação em um primeiro momento.
“A gente acha que é importante essa esquina, por ser de interesse público e turístico, ter uma proteção aqui”, disse Aoas. Ele cita como exemplo a Praça Princesa Isabel, endereço que chegou a ter carros da PM e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) estacionados por perto após dispersão da Cracolândia, no começo do ano passado.
Ao Estadão, o comandante do Policiamento da Área Central de São Paulo, coronel Paulo Sérgio de Melo, disse que não cogita tomar essa ação em um primeiro momento. “Já faz alguns anos que nós sempre optamos pela grande mobilidade do policiamento para poder atender uma área maior”, afirmou. Na tarde desta quarta, havia duas viaturas da PM perto do bar.
“Uma base pode ser muito atraente para aqueles que estão muito próximos dela. Porém, se o policial não tiver meios de se locomover, ele não consegue sequer socorrer alguém, exceto chamando outros policiais. Por isso nós sempre procuramos o posicionamento de policiais a pé ou motorizados”, acrescentou. Segundo ele, esses locais mudam de acordo com as necessidades.
No caso do apedrejamento ao McDonald’s, testemunhas afirmam que havia dois agentes da PM por perto que não teriam agido durante o ataque. Na avaliação do comandante, porém, os policiais “fizeram o que foi possível no momento”, uma vez que estavam em inferioridade numérica.
“A primeira coisa que eles fizeram foi chamar os populares que estavam na rua para dentro de um hotel. E ficaram na porta, expostos a pedradas”, disse Lima. Ele afirma que os agentes, além disso, impediram a entrada dos agressores no local, evitando que a situação escalasse para algo pior. “Se eles estivessem em número maior e com equipamentos, a atuação teria sido diferente.”
O que diz a Secretaria da Segurança Pública sobre violência na região
Dados da Secretaria da Segurança Pública apontam que, de janeiro a outubro deste ano, 9.564 furtos foram registrados pelo 3º Distrito Policial (Campos Elíseos), alta de 8% na comparação com os 8.848 casos registrados no mesmo período do ano passado. Já os roubos apresentaram queda de 6,2%: foram de 5.477 para 5.839 nos mesmos recortes.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que, de janeiro a outubro, as polícias prenderam 5.455 suspeitos na região central (aumento de 28%), além de terem apreendido 114 armas de fogo (alta de 39%) e 1,5 tonelada de drogas (aumento de 244%). Ainda conforme a pasta, o contingente policial na região foi reforçado pela Operação Impacto-Centro, com 120 policiais a mais diariamente.
“Além disso, a SSP passou a realizar, desde setembro, o tornozelamento de infratores soltos em audiência de custódia na Capital e assinou um Termo de Cooperação com o Poder Judiciário que facilitará a identificação e comunicação, pelos policiais ao Poder Judiciário, dos criminosos que descumprem as condições de penas ou medidas alternativas nas ruas do Estado”, acrescentou a secretaria.
Procurados, McDonald’s e Prefeitura de São Paulo não se manifestaram até a publicação desta reportagem.