A saga das mulheres de caráter contra um Estado burro e cruel. Governador, pense grande: pare com as inúteis revistas vexatórias


Por Bruno Paes Manso

http://youtu.be/lHiuWvmKMmQ

Dona Anastácia* é sólida como uma montanha e tem convicções que não são fáceis de remover. Foi o que seu filho soube ao pedir, engolindo o choro em um ambiente onde é proibido chorar, que a mãe, de 68 anos, não fosse mais visitá-lo no presídio em que estava preso. No dia de visitas, senhoras de idade, mulheres grávidas, adolescentes e até crianças passam por revistas humilhantes. Primeiro, são obrigadas a ficar nuas. Depois, se agacham por pelo menos três vezes em cima de um espelho. Apalpam e abrem suas partes íntimas diante de agentes penitenciários. "Podem me virar do avesso que eu não vou desistir de vê-lo. Porque se eu não vier, eles vão ganhar", Dona Anastácia respondeu ao filho.

A força e a grandeza do caráter parecem se revelar nos momentos mais tristes. O marido de Anastácia, um senhor que passou por cima do orgulho para dar um abraço no filho que não o ouviu e errou, desistiu de voltar depois da primeira visita. Saiu calado do presídio, preferindo não tocar no assunto com a mulher. No dia seguinte, num choque silencioso, todos os seus dentes caíram. Não é fácil para ninguém. Dona Anastácia persistiu ao longo de dois anos, em mais de 100 visitas. Por causa da idade, perdia o fôlego algumas vezes ao agachar nua diante dos agentes. É quando aumentam as suspeitas e as mães precisam abaixar novamente com a barriga encolhida, para que os funcionários se certifiquem de que não há nada escondido no estômago.

continua após a publicidade

Por causa das revistas, outra das visitantes, Luciana, desistiu de ver o marido preso. A gota d'água foi ter que enfrentar o ritual vexatório diante de duas crianças de seis anos, filhos de outras presas. O motivo da desistência tem um nome: decência, frente a uma exigência calhorda do sistema. Ela havia acordado às 4 da manhã para passar as roupas que usaria para encontrar o marido. Depois de despir-se, as roupas foram atiradas ao chão. A agente levantou as peças pela ponta dos pés. Já Patrícia conviveu com a rotina de humilhações desde que nasceu e ia visitar o pai há 26 anos, ainda criança de colo. É impensável. Mas as fraldas de recém-nascidos são tiradas e suas perninhas, abertas, durante as revistas. Patrícia ainda teve a mãe e o irmão presos. Os pais morreram o ano passado e ela diminuiu a frequência das visitas. Ela explicava que o ritual podia virar um pesadelo, dependendo da unidade prisional e do turno dos agentes.

São histórias tristes faladas olho no olho por mulheres dignas, que são violentadas pelo Estado e mesmo assim não abandonam seus filhos e maridos. Ninguém aqui quer simplesmente passar a mão na cabeça dos presos. Ok. Então vamos lá. Alguém pode argumentar que as revistas, apesar de imorais e invasivas, exercem algum tipo de controle sobre a entrada de objetos ilícitos. Nesse caso, quem sabe, a humilhação se justificaria. É quando os dados mostram que a medida, além de perversa é burra. Em 2012, foram feitas cerca de 3,5 milhões de revistas vexatórias. Em apenas 0,02% dos casos foi encontrada alguma quantidade de droga ou celular, segundo os dados fornecidos pela própria Secretaria de Administração Penitenciária à Defensoria Pública. Isso significa que, apesar desse processo psicologicamente devastador, em apenas dois de cada 10 mil familiares de presos foi encontrado celular ou droga.

Só há uma conclusão a se chegar diante desses depoimentos e números. Essa política do Estado, que incentiva o sadismo e a crueldade de seus funcionários, cuja legalidade é contestada pela Defensoria Pública e juristas, é feita por nada. Tendo todos esses argumentos e depoimentos em mãos, a Rede Justiça Criminal lançou ontem uma campanha pelo fim da revista vexatória. A rede apoia ainda um projeto de lei no Congresso Nacional que proíbe esse tipo de revistas em todo o território nacional. Para saber mais, entre no site http://www.fimdarevistavexatoria.org.br/.

continua após a publicidade

De qualquer forma, basta uma portaria para que essa revista humilhante seja proibida no Estado de São Paulo, como já ocorreu em Goiás, ação que recebeu apoio dos familiares dos presos e dos agentes penitenciários, que também se sentiam incomodados com o procedimento.

Por isso, respeitosamente, só nos resta perguntar: governador Geraldo Alckmin, secretário de administração penitenciária Lourival Gomes, por que o Governo não muda imediatamente os procedimentos de revistas? Se os senhores apresentarem bons argumentos para sustentar essa medida, serão publicados no blog assim que me forem enviados. Qual a justificativa para que as revistas vexatórias sejam mantidas? Parece simples perversidade, uma tentativa de punir e se vingar dos presos (que já foram judicialmente punidos) e de seus familiares (que não podem pagar uma pena pelo erro do parente).

E, Governador, o senhor já está faz anos no poder e deve saber: essas mulheres são nossas aliadas. É por amor e para manter os laços familiares que elas enfrentam até 12 horas de fila por fim de semana e passam necessidade ao gastarem até R$ 800 semanais para visitarem e sustentarem seus parentes nos presídios. Elas são a ponte que nos permite resgatar os que foram enviados a esse depósito desumano de gente. Ao que consta, todas aceitam que haja controle na entrada, desde que com respeito. Cada uma das 3 milhões de visitas anuais leva para dentro dos presídios um fio de esperança para a transformação dos presos, o que deveria ser, aliás, o objetivo da pena.

continua após a publicidade

* As entrevistadas pediram para usar nomes fictícios. Uma delas, que se diz semianalfabeta, usou uma bela frase para explicar o constrangimento: "a prisão é uma pena de morte social".

 

http://youtu.be/gurcKfeBwLc

http://youtu.be/lHiuWvmKMmQ

Dona Anastácia* é sólida como uma montanha e tem convicções que não são fáceis de remover. Foi o que seu filho soube ao pedir, engolindo o choro em um ambiente onde é proibido chorar, que a mãe, de 68 anos, não fosse mais visitá-lo no presídio em que estava preso. No dia de visitas, senhoras de idade, mulheres grávidas, adolescentes e até crianças passam por revistas humilhantes. Primeiro, são obrigadas a ficar nuas. Depois, se agacham por pelo menos três vezes em cima de um espelho. Apalpam e abrem suas partes íntimas diante de agentes penitenciários. "Podem me virar do avesso que eu não vou desistir de vê-lo. Porque se eu não vier, eles vão ganhar", Dona Anastácia respondeu ao filho.

A força e a grandeza do caráter parecem se revelar nos momentos mais tristes. O marido de Anastácia, um senhor que passou por cima do orgulho para dar um abraço no filho que não o ouviu e errou, desistiu de voltar depois da primeira visita. Saiu calado do presídio, preferindo não tocar no assunto com a mulher. No dia seguinte, num choque silencioso, todos os seus dentes caíram. Não é fácil para ninguém. Dona Anastácia persistiu ao longo de dois anos, em mais de 100 visitas. Por causa da idade, perdia o fôlego algumas vezes ao agachar nua diante dos agentes. É quando aumentam as suspeitas e as mães precisam abaixar novamente com a barriga encolhida, para que os funcionários se certifiquem de que não há nada escondido no estômago.

Por causa das revistas, outra das visitantes, Luciana, desistiu de ver o marido preso. A gota d'água foi ter que enfrentar o ritual vexatório diante de duas crianças de seis anos, filhos de outras presas. O motivo da desistência tem um nome: decência, frente a uma exigência calhorda do sistema. Ela havia acordado às 4 da manhã para passar as roupas que usaria para encontrar o marido. Depois de despir-se, as roupas foram atiradas ao chão. A agente levantou as peças pela ponta dos pés. Já Patrícia conviveu com a rotina de humilhações desde que nasceu e ia visitar o pai há 26 anos, ainda criança de colo. É impensável. Mas as fraldas de recém-nascidos são tiradas e suas perninhas, abertas, durante as revistas. Patrícia ainda teve a mãe e o irmão presos. Os pais morreram o ano passado e ela diminuiu a frequência das visitas. Ela explicava que o ritual podia virar um pesadelo, dependendo da unidade prisional e do turno dos agentes.

São histórias tristes faladas olho no olho por mulheres dignas, que são violentadas pelo Estado e mesmo assim não abandonam seus filhos e maridos. Ninguém aqui quer simplesmente passar a mão na cabeça dos presos. Ok. Então vamos lá. Alguém pode argumentar que as revistas, apesar de imorais e invasivas, exercem algum tipo de controle sobre a entrada de objetos ilícitos. Nesse caso, quem sabe, a humilhação se justificaria. É quando os dados mostram que a medida, além de perversa é burra. Em 2012, foram feitas cerca de 3,5 milhões de revistas vexatórias. Em apenas 0,02% dos casos foi encontrada alguma quantidade de droga ou celular, segundo os dados fornecidos pela própria Secretaria de Administração Penitenciária à Defensoria Pública. Isso significa que, apesar desse processo psicologicamente devastador, em apenas dois de cada 10 mil familiares de presos foi encontrado celular ou droga.

Só há uma conclusão a se chegar diante desses depoimentos e números. Essa política do Estado, que incentiva o sadismo e a crueldade de seus funcionários, cuja legalidade é contestada pela Defensoria Pública e juristas, é feita por nada. Tendo todos esses argumentos e depoimentos em mãos, a Rede Justiça Criminal lançou ontem uma campanha pelo fim da revista vexatória. A rede apoia ainda um projeto de lei no Congresso Nacional que proíbe esse tipo de revistas em todo o território nacional. Para saber mais, entre no site http://www.fimdarevistavexatoria.org.br/.

De qualquer forma, basta uma portaria para que essa revista humilhante seja proibida no Estado de São Paulo, como já ocorreu em Goiás, ação que recebeu apoio dos familiares dos presos e dos agentes penitenciários, que também se sentiam incomodados com o procedimento.

Por isso, respeitosamente, só nos resta perguntar: governador Geraldo Alckmin, secretário de administração penitenciária Lourival Gomes, por que o Governo não muda imediatamente os procedimentos de revistas? Se os senhores apresentarem bons argumentos para sustentar essa medida, serão publicados no blog assim que me forem enviados. Qual a justificativa para que as revistas vexatórias sejam mantidas? Parece simples perversidade, uma tentativa de punir e se vingar dos presos (que já foram judicialmente punidos) e de seus familiares (que não podem pagar uma pena pelo erro do parente).

E, Governador, o senhor já está faz anos no poder e deve saber: essas mulheres são nossas aliadas. É por amor e para manter os laços familiares que elas enfrentam até 12 horas de fila por fim de semana e passam necessidade ao gastarem até R$ 800 semanais para visitarem e sustentarem seus parentes nos presídios. Elas são a ponte que nos permite resgatar os que foram enviados a esse depósito desumano de gente. Ao que consta, todas aceitam que haja controle na entrada, desde que com respeito. Cada uma das 3 milhões de visitas anuais leva para dentro dos presídios um fio de esperança para a transformação dos presos, o que deveria ser, aliás, o objetivo da pena.

* As entrevistadas pediram para usar nomes fictícios. Uma delas, que se diz semianalfabeta, usou uma bela frase para explicar o constrangimento: "a prisão é uma pena de morte social".

 

http://youtu.be/gurcKfeBwLc

http://youtu.be/lHiuWvmKMmQ

Dona Anastácia* é sólida como uma montanha e tem convicções que não são fáceis de remover. Foi o que seu filho soube ao pedir, engolindo o choro em um ambiente onde é proibido chorar, que a mãe, de 68 anos, não fosse mais visitá-lo no presídio em que estava preso. No dia de visitas, senhoras de idade, mulheres grávidas, adolescentes e até crianças passam por revistas humilhantes. Primeiro, são obrigadas a ficar nuas. Depois, se agacham por pelo menos três vezes em cima de um espelho. Apalpam e abrem suas partes íntimas diante de agentes penitenciários. "Podem me virar do avesso que eu não vou desistir de vê-lo. Porque se eu não vier, eles vão ganhar", Dona Anastácia respondeu ao filho.

A força e a grandeza do caráter parecem se revelar nos momentos mais tristes. O marido de Anastácia, um senhor que passou por cima do orgulho para dar um abraço no filho que não o ouviu e errou, desistiu de voltar depois da primeira visita. Saiu calado do presídio, preferindo não tocar no assunto com a mulher. No dia seguinte, num choque silencioso, todos os seus dentes caíram. Não é fácil para ninguém. Dona Anastácia persistiu ao longo de dois anos, em mais de 100 visitas. Por causa da idade, perdia o fôlego algumas vezes ao agachar nua diante dos agentes. É quando aumentam as suspeitas e as mães precisam abaixar novamente com a barriga encolhida, para que os funcionários se certifiquem de que não há nada escondido no estômago.

Por causa das revistas, outra das visitantes, Luciana, desistiu de ver o marido preso. A gota d'água foi ter que enfrentar o ritual vexatório diante de duas crianças de seis anos, filhos de outras presas. O motivo da desistência tem um nome: decência, frente a uma exigência calhorda do sistema. Ela havia acordado às 4 da manhã para passar as roupas que usaria para encontrar o marido. Depois de despir-se, as roupas foram atiradas ao chão. A agente levantou as peças pela ponta dos pés. Já Patrícia conviveu com a rotina de humilhações desde que nasceu e ia visitar o pai há 26 anos, ainda criança de colo. É impensável. Mas as fraldas de recém-nascidos são tiradas e suas perninhas, abertas, durante as revistas. Patrícia ainda teve a mãe e o irmão presos. Os pais morreram o ano passado e ela diminuiu a frequência das visitas. Ela explicava que o ritual podia virar um pesadelo, dependendo da unidade prisional e do turno dos agentes.

São histórias tristes faladas olho no olho por mulheres dignas, que são violentadas pelo Estado e mesmo assim não abandonam seus filhos e maridos. Ninguém aqui quer simplesmente passar a mão na cabeça dos presos. Ok. Então vamos lá. Alguém pode argumentar que as revistas, apesar de imorais e invasivas, exercem algum tipo de controle sobre a entrada de objetos ilícitos. Nesse caso, quem sabe, a humilhação se justificaria. É quando os dados mostram que a medida, além de perversa é burra. Em 2012, foram feitas cerca de 3,5 milhões de revistas vexatórias. Em apenas 0,02% dos casos foi encontrada alguma quantidade de droga ou celular, segundo os dados fornecidos pela própria Secretaria de Administração Penitenciária à Defensoria Pública. Isso significa que, apesar desse processo psicologicamente devastador, em apenas dois de cada 10 mil familiares de presos foi encontrado celular ou droga.

Só há uma conclusão a se chegar diante desses depoimentos e números. Essa política do Estado, que incentiva o sadismo e a crueldade de seus funcionários, cuja legalidade é contestada pela Defensoria Pública e juristas, é feita por nada. Tendo todos esses argumentos e depoimentos em mãos, a Rede Justiça Criminal lançou ontem uma campanha pelo fim da revista vexatória. A rede apoia ainda um projeto de lei no Congresso Nacional que proíbe esse tipo de revistas em todo o território nacional. Para saber mais, entre no site http://www.fimdarevistavexatoria.org.br/.

De qualquer forma, basta uma portaria para que essa revista humilhante seja proibida no Estado de São Paulo, como já ocorreu em Goiás, ação que recebeu apoio dos familiares dos presos e dos agentes penitenciários, que também se sentiam incomodados com o procedimento.

Por isso, respeitosamente, só nos resta perguntar: governador Geraldo Alckmin, secretário de administração penitenciária Lourival Gomes, por que o Governo não muda imediatamente os procedimentos de revistas? Se os senhores apresentarem bons argumentos para sustentar essa medida, serão publicados no blog assim que me forem enviados. Qual a justificativa para que as revistas vexatórias sejam mantidas? Parece simples perversidade, uma tentativa de punir e se vingar dos presos (que já foram judicialmente punidos) e de seus familiares (que não podem pagar uma pena pelo erro do parente).

E, Governador, o senhor já está faz anos no poder e deve saber: essas mulheres são nossas aliadas. É por amor e para manter os laços familiares que elas enfrentam até 12 horas de fila por fim de semana e passam necessidade ao gastarem até R$ 800 semanais para visitarem e sustentarem seus parentes nos presídios. Elas são a ponte que nos permite resgatar os que foram enviados a esse depósito desumano de gente. Ao que consta, todas aceitam que haja controle na entrada, desde que com respeito. Cada uma das 3 milhões de visitas anuais leva para dentro dos presídios um fio de esperança para a transformação dos presos, o que deveria ser, aliás, o objetivo da pena.

* As entrevistadas pediram para usar nomes fictícios. Uma delas, que se diz semianalfabeta, usou uma bela frase para explicar o constrangimento: "a prisão é uma pena de morte social".

 

http://youtu.be/gurcKfeBwLc

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.