SP: novo zoneamento propõe desconto a construtora de ‘prédio conceito’. É mesmo bom para o ambiente?


Câmara resgatou ideia descartada pela Prefeitura após críticas; relator diz que incentivo está em aprimoramento e é resposta à emergência climática

Por Priscila Mengue
Atualização:

Grande parte do texto inicial da revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo, a principal regra urbanística da cidade, foi alterada ou descartada desde dezembro de 2017. Seis anos depois, um dos trechos mais criticados à época foi retomado na versão apresentada pela Câmara Municipal na segunda-feira, 4, e que será votada na próxima terça-feira, 12, em 1ª discussão.

Trata-se de criar um incentivo a “edifícios conceito”, que pode chegar a um montante milionário para estimular medidas apresentadas como mais sustentáveis. A proposta havia sido abandonada em 2019 após entidades apontarem “assimetria” entre os benefícios às construtoras e os ganhos ambientais.

A nova versão do projeto de lei faz referências às cidades inteligentes (“smart cities”) e “esponja” (resilientes a inundações) e às ondas de calor. Na prática, traz basicamente a mesma redação do texto de 2017, com oferta de até 20% de desconto a empreendimentos com determinado volume de árvores, jardins suspensos, sistema de pré-tratamento de esgoto e/ou estrutura de energia fotovoltaica, dentre outras intervenções. O texto cita possível “melhoria da qualidade de vida da cidade”.

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Para grande parte dos especialistas, o estímulo seria demasiadamente alto para medidas de impacto ambiental limitado. Há ainda risco de “greenwashing” (iniciativa que só aparenta ser sustentável). Além disso, o incentivo drenaria verba de um dos principais fundos municipais (Fundurb), que teve arrecadação de mais de R$ 1 bilhão em 2022 e é revertido especialmente para moradia popular e mobilidade.

Representantes do mercado imobiliário têm elogiado a proposta. Afirmam que seria uma forma de difundir e estimular medidas necessárias ainda não tão adotadas no setor.

Relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD) diz que o projeto está em fase de aprimoramento até a apresentação do 2º texto substitutivo. Também argumenta que detalhamento maior poderá ser feito por meio de regulamentação pela Prefeitura.

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“O importante é implementar o modelo. Como fazer a aplicação e o cálculo do incentivo estão abertos a discussão”, destacou. “É uma preocupação nossa dar resposta às urgências climáticas”, adiciona. Ainda segundo ele, a sugestão de mudança não partiu especificamente de uma entidade.

O Estadão apurou que uma das principais defensoras é a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). A organização sugeriu a retomada do trecho do projeto em etapas mais recentes das revisões do zoneamento e do Plano Diretor no âmbito da Prefeitura.

Em nota, a Abrasce disse que “monitora e atua nesse projeto devido ao seu grande efeito na legislação urbanística, que tem impacto direto sobre os empreendimentos”. Também destacou que o objetivo é aprimorar a lei e “trazer maior facilidade à operação e aos frequentadores”. Já o relator da revisão afirma que a mudança não atendeu a uma demanda específica remetida por uma organização.

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A Justiça liberou na quinta-feira, 7, a retomada da tramitação do PL do zoneamento. A suspensão havia atendido a uma ação popular aberta por Debora Lima, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), e determinava a realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras. A votação final deve ocorrer em 19 ou 20 de dezembro.

Obra de edifício na zona oeste de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Oficialmente chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o zoneamento é uma das mais importantes leis paulistanas e com maior impacto no dia a dia da cidade. É responsável por ditar o tamanho máximo das construções, os tipos de atividades não residenciais aceitas, as áreas de proteção e preservação ambiental, os incentivos para a criação de mais prédios, o limite de barulho e outras tantas regras, especificadas para cada vizinhança e quadra.

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O processo de revisão do zoneamento foi iniciado na gestão João Doria (então no PSDB), com diversas alterações ao longo de seis anos. Em outubro, o projeto de lei final do Executivo foi enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara. Lá, passou pelas mudanças recém-apresentadas pelo relator, como a retomada do incentivo aos edifícios conceito e a alteração em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental, dentre outra alterações.

O que é previsto nos ‘edifícios conceito’?

A proposta incluída na revisão do zoneamento diz que o “edifício conceito” envolve “iniciativas que venham contribuir para a melhoria da qualidade de vida da cidade, como redução das emissões de carbono, redução das ondas de calor, melhorias na drenagem urbana, entre outros, com adoção de tecnologias modernas atualmente adotadas nas cidades consideradas ‘smart cities’ e ‘cidades esponja’. Esse trecho não estava na minuta de 2017.

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No texto, há cinco medidas que dão acesso a desconto na outorga onerosa (taxa paga pelas construtoras). O desconto é limitado a um total de 20%, com previsão de multa em caso de descumprimento. Pela proposta, também é permitido o reconhecimento como “área não computável”, quando o espaço não é incluído no cálculo da taxa e de limites construtivos impostos pelo Município.

As medidas estimuladas são:

  • adoção de “inovações tecnológicas” no projeto arquitetônico e com certificação específica de sustentabilidade (10% de desconto);
  • floreiras de 0,8 m x 0,8 m com árvores de ao menos 3 m de altura (não computáveis);
  • arborização vertical com espécimes de ao menos 3 m de altura a cada 50 m² de fachada (15%);
  • uso de cogeração de “energia limpa”, como fotovoltaica (15%);
  • uso de pré-tratamento de esgoto (5%);
  • adoção de medidas de drenagem natural ou mista que aumentem, em 40%, a capacidade de drenagem para além da exigência legal (15% de desconto).
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O que dizem especialistas contrários?

O Estadão procurou diversos especialistas ligados às áreas de Engenharia, Direito, Arquitetura e Urbanismo. Entre eles, a maioria considera o incentivo muito superior ao possível benefício ambiental. Além disso, os pesquisadores citaram que há outros estímulos semelhantes hoje vigentes, como incentivos de certificação e a “quota ambiental”.

Professora na USP e pesquisadora da área de adaptação à mudança climática em cidades e edifícios, Denise Duarte diz que as intervenções listadas não teriam como atenuar ondas de calor na cidade, por exemplo. “Floreira não vai fazer uma ‘cidade esponja’. Isso depende de áreas permeáveis em grande escala. É uma comparação desproporcional”, afirma a engenheira.

Ela cita casos de edificações que oficialmente receberam reconhecimento como sustentáveis, mas que, na prática, utilizam meios com impacto ambiental. “Vai dar incentivo para quem coloca floreira em edifício, mas depende de gerador de energia a diesel ou gás?”, questiona.

Para a pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutora em Direito, Bianca Tavolari, a proposta expõe que a política urbana na cidade tem se fundamentado principalmente em incentivos, não em exigências. Desse modo, o novo benefício se somaria a outros já vigentes, como para comércio no térreo, uso misto, habitação de interesse social e outros, ampliando o impacto no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).

“Não tem como olhar esses descontos isolados. Tem de pensar que o mercado vai fazer um cálculo de desconto”, aponta. “Quem vai fiscalizar se a floreira vai ficar no lugar? Não há monitoramento desses dados”, diz.

Além disso, a pesquisadora questiona a falta de justificativa técnica para os percentuais propostos e a retomada do incentivo anos após ser descartado. Perguntado pelo Estadão sobre esse ponto, o relator diz que há embasamento para a proposta, embora não tenha apresentado até o momento.

Diretor de Arquitetura, Urbanismo e Design na Uninove, Daniel Todtmann Montandon considera o incentivo desproporcional, inclusive ao ser comparado com outros semelhantes. “Para ter fachada ativa, tem de mudar térreo, produto imobiliário, acessos”, compara ao citar o desconto a prédios com estabelecimento comercial ou de serviço voltado à calçada.

Diretor de Uso do Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano durante a elaboração do atual zoneamento, ele diz que incentivos hoje vigentes foram pensados para compensar o custo extra que o empreendimento teria na aplicação, não para ser “bônus” a construtoras e incorporadoras.

Além disso, o professor identifica aumento de benefícios na nova proposta. Segundo cálculo de Montandon em exemplos hipotéticos para a nova quota ambiental, há incrementos de 2150% e 3400% na área considerada “não computável” ante a lei vigente. Já o desconto de certificação (desconto em outorga) aumenta 150% na projeção do pesquisador.

Professor de ESG nas edificações na Uninove, Bruno Casagrande diz que a proposta não pode ser chamada de sustentável por não atender ao tripé básico: econômico, social e ambiental. Avalia que se poderia discutir exigências de intervenções mais sustentáveis ou sobretaxa a projetos de alto impacto ambiental. “Uma vez que se trabalha só vegetação, energia e esgoto, é investimento relativamente baixo para um retorno que pode ser alto”, diz ele, especialista da Fundação Vanzolini.

O dizem os favoráveis ao incentivo a edifícios conceito?

A proposta de incentivos a edifícios conceitos também foi elogiada em alguns segmentos. Fala-se que seria importante para estabelecer esse tipo de projeto ainda não tão comum no mercado, por exemplo.

Vice-presidente do Secovi-SP (que representa incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário), Claudio Bernardes diz que os incentivos atuais tiveram pouco êxito porque não são atrativos. “No futuro, calibra-se melhor quando virar hábito. De saída, é bom para a engrenagem começar a rodar. Na quota ambiental, começou com receio de ser benefício alto e não funcionou nada”, diz.

Ele argumenta que as intervenções terão retorno positivo também para a cidade. “Arborização vertical, com árvores grandes e que captam carbono, geração de energia limpa, pré-tratamento de esgoto... São coisas que valem a pena para a cidade. É muito positivo e não acho alto em função do que a cidade pode receber”, argumenta.

A arquiteta e urbanista Adriana Levisky também elogia, mas defende ajustes para que seja menos “engessada”. “É uma necessidade a Lei de Uso e Ocupação do Solo tratar dessa temática. A lei sempre tem a força, seja por incentivo, seja por ações restritivas, de criar modelos novos que a sociedade vai experimentar e ter repertório para aprender com isso. Sem incentivo, as pessoas em geral tendem a ser mais conservadoras e ir naquilo que conhecem.”

Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura em São Paulo (Asbea-SP), ela sugere que se discuta a criação de um conselho para avaliar os projetos aptos a receber o incentivo, por exemplo, com um sistema de pontuação objetivo. Outra recomendação é que os parâmetros sejam mais flexíveis para permitir diversidade entre os projetos. “Espero que se consiga chegar a um bom termo. Desse jeito ruim, ninguém vai conseguir usar.”

O que levou a Prefeitura a desistir da proposta anos atrás?

Em 2017, a gestão Doria falava da “intenção de incentivar soluções sustentáveis” por meio dos edifícios conceito. “O uso de novas tecnologias permite a criação de espaços internos diferentes para cada unidade, e pode contar com instalação de vegetação arbórea em terraços e/ou na cobertura, jardins verticais, fontes de energia limpa e pré-tratamento de esgoto”, dizia em justificativa técnica à época. No documento, é dado o exemplo de um prédio em Milão com árvores nas varandas.

Meses após a veiculação da minuta, em 2018, o Conselho Municipal de Habitação publicou nota técnica, na qual citava a falta de “regulamentação clara” do que seriam edifícios conceito. E destacava a falta de “justificativa técnica (...) ou qualquer avaliação do ganho que este incentivo proporcionará à cidade em detrimento da arrecadação de outorga onerosa”. O documento foi elaborado com a participação de diversas organizações, incluindo técnicos da Secretaria Municipal de Habitação.

À época, o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP) também veiculou documento crítico à ideia, por “aparente assimetria entre o significativo ganho econômico decorrente da aplicação do incentivo e a menor eficácia ambiental das medidas propostas”.

A proposta foi retirada na versão seguinte da minuta, na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019. Na justificativa técnica, a única explicação é que parte das soluções construtivas e paisagísticas (jardim suspenso, por exemplo) foi incorporada na quota ambiental. A quota é exigida em novos empreendimentos e grandes reformas com acréscimo de área e também dá acesso a incentivos.

Diagrama de exemplo de 'edifício conceito' apresentado na justificativa técnica da Prefeitura na primeira minuta da revisão do zoneamento Foto: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento /Reprodução

Grande parte do texto inicial da revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo, a principal regra urbanística da cidade, foi alterada ou descartada desde dezembro de 2017. Seis anos depois, um dos trechos mais criticados à época foi retomado na versão apresentada pela Câmara Municipal na segunda-feira, 4, e que será votada na próxima terça-feira, 12, em 1ª discussão.

Trata-se de criar um incentivo a “edifícios conceito”, que pode chegar a um montante milionário para estimular medidas apresentadas como mais sustentáveis. A proposta havia sido abandonada em 2019 após entidades apontarem “assimetria” entre os benefícios às construtoras e os ganhos ambientais.

A nova versão do projeto de lei faz referências às cidades inteligentes (“smart cities”) e “esponja” (resilientes a inundações) e às ondas de calor. Na prática, traz basicamente a mesma redação do texto de 2017, com oferta de até 20% de desconto a empreendimentos com determinado volume de árvores, jardins suspensos, sistema de pré-tratamento de esgoto e/ou estrutura de energia fotovoltaica, dentre outras intervenções. O texto cita possível “melhoria da qualidade de vida da cidade”.

Para grande parte dos especialistas, o estímulo seria demasiadamente alto para medidas de impacto ambiental limitado. Há ainda risco de “greenwashing” (iniciativa que só aparenta ser sustentável). Além disso, o incentivo drenaria verba de um dos principais fundos municipais (Fundurb), que teve arrecadação de mais de R$ 1 bilhão em 2022 e é revertido especialmente para moradia popular e mobilidade.

Representantes do mercado imobiliário têm elogiado a proposta. Afirmam que seria uma forma de difundir e estimular medidas necessárias ainda não tão adotadas no setor.

Relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD) diz que o projeto está em fase de aprimoramento até a apresentação do 2º texto substitutivo. Também argumenta que detalhamento maior poderá ser feito por meio de regulamentação pela Prefeitura.

“O importante é implementar o modelo. Como fazer a aplicação e o cálculo do incentivo estão abertos a discussão”, destacou. “É uma preocupação nossa dar resposta às urgências climáticas”, adiciona. Ainda segundo ele, a sugestão de mudança não partiu especificamente de uma entidade.

O Estadão apurou que uma das principais defensoras é a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). A organização sugeriu a retomada do trecho do projeto em etapas mais recentes das revisões do zoneamento e do Plano Diretor no âmbito da Prefeitura.

Em nota, a Abrasce disse que “monitora e atua nesse projeto devido ao seu grande efeito na legislação urbanística, que tem impacto direto sobre os empreendimentos”. Também destacou que o objetivo é aprimorar a lei e “trazer maior facilidade à operação e aos frequentadores”. Já o relator da revisão afirma que a mudança não atendeu a uma demanda específica remetida por uma organização.

A Justiça liberou na quinta-feira, 7, a retomada da tramitação do PL do zoneamento. A suspensão havia atendido a uma ação popular aberta por Debora Lima, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), e determinava a realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras. A votação final deve ocorrer em 19 ou 20 de dezembro.

Obra de edifício na zona oeste de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Oficialmente chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o zoneamento é uma das mais importantes leis paulistanas e com maior impacto no dia a dia da cidade. É responsável por ditar o tamanho máximo das construções, os tipos de atividades não residenciais aceitas, as áreas de proteção e preservação ambiental, os incentivos para a criação de mais prédios, o limite de barulho e outras tantas regras, especificadas para cada vizinhança e quadra.

O processo de revisão do zoneamento foi iniciado na gestão João Doria (então no PSDB), com diversas alterações ao longo de seis anos. Em outubro, o projeto de lei final do Executivo foi enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara. Lá, passou pelas mudanças recém-apresentadas pelo relator, como a retomada do incentivo aos edifícios conceito e a alteração em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental, dentre outra alterações.

O que é previsto nos ‘edifícios conceito’?

A proposta incluída na revisão do zoneamento diz que o “edifício conceito” envolve “iniciativas que venham contribuir para a melhoria da qualidade de vida da cidade, como redução das emissões de carbono, redução das ondas de calor, melhorias na drenagem urbana, entre outros, com adoção de tecnologias modernas atualmente adotadas nas cidades consideradas ‘smart cities’ e ‘cidades esponja’. Esse trecho não estava na minuta de 2017.

No texto, há cinco medidas que dão acesso a desconto na outorga onerosa (taxa paga pelas construtoras). O desconto é limitado a um total de 20%, com previsão de multa em caso de descumprimento. Pela proposta, também é permitido o reconhecimento como “área não computável”, quando o espaço não é incluído no cálculo da taxa e de limites construtivos impostos pelo Município.

As medidas estimuladas são:

  • adoção de “inovações tecnológicas” no projeto arquitetônico e com certificação específica de sustentabilidade (10% de desconto);
  • floreiras de 0,8 m x 0,8 m com árvores de ao menos 3 m de altura (não computáveis);
  • arborização vertical com espécimes de ao menos 3 m de altura a cada 50 m² de fachada (15%);
  • uso de cogeração de “energia limpa”, como fotovoltaica (15%);
  • uso de pré-tratamento de esgoto (5%);
  • adoção de medidas de drenagem natural ou mista que aumentem, em 40%, a capacidade de drenagem para além da exigência legal (15% de desconto).

O que dizem especialistas contrários?

O Estadão procurou diversos especialistas ligados às áreas de Engenharia, Direito, Arquitetura e Urbanismo. Entre eles, a maioria considera o incentivo muito superior ao possível benefício ambiental. Além disso, os pesquisadores citaram que há outros estímulos semelhantes hoje vigentes, como incentivos de certificação e a “quota ambiental”.

Professora na USP e pesquisadora da área de adaptação à mudança climática em cidades e edifícios, Denise Duarte diz que as intervenções listadas não teriam como atenuar ondas de calor na cidade, por exemplo. “Floreira não vai fazer uma ‘cidade esponja’. Isso depende de áreas permeáveis em grande escala. É uma comparação desproporcional”, afirma a engenheira.

Ela cita casos de edificações que oficialmente receberam reconhecimento como sustentáveis, mas que, na prática, utilizam meios com impacto ambiental. “Vai dar incentivo para quem coloca floreira em edifício, mas depende de gerador de energia a diesel ou gás?”, questiona.

Para a pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutora em Direito, Bianca Tavolari, a proposta expõe que a política urbana na cidade tem se fundamentado principalmente em incentivos, não em exigências. Desse modo, o novo benefício se somaria a outros já vigentes, como para comércio no térreo, uso misto, habitação de interesse social e outros, ampliando o impacto no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).

“Não tem como olhar esses descontos isolados. Tem de pensar que o mercado vai fazer um cálculo de desconto”, aponta. “Quem vai fiscalizar se a floreira vai ficar no lugar? Não há monitoramento desses dados”, diz.

Além disso, a pesquisadora questiona a falta de justificativa técnica para os percentuais propostos e a retomada do incentivo anos após ser descartado. Perguntado pelo Estadão sobre esse ponto, o relator diz que há embasamento para a proposta, embora não tenha apresentado até o momento.

Diretor de Arquitetura, Urbanismo e Design na Uninove, Daniel Todtmann Montandon considera o incentivo desproporcional, inclusive ao ser comparado com outros semelhantes. “Para ter fachada ativa, tem de mudar térreo, produto imobiliário, acessos”, compara ao citar o desconto a prédios com estabelecimento comercial ou de serviço voltado à calçada.

Diretor de Uso do Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano durante a elaboração do atual zoneamento, ele diz que incentivos hoje vigentes foram pensados para compensar o custo extra que o empreendimento teria na aplicação, não para ser “bônus” a construtoras e incorporadoras.

Além disso, o professor identifica aumento de benefícios na nova proposta. Segundo cálculo de Montandon em exemplos hipotéticos para a nova quota ambiental, há incrementos de 2150% e 3400% na área considerada “não computável” ante a lei vigente. Já o desconto de certificação (desconto em outorga) aumenta 150% na projeção do pesquisador.

Professor de ESG nas edificações na Uninove, Bruno Casagrande diz que a proposta não pode ser chamada de sustentável por não atender ao tripé básico: econômico, social e ambiental. Avalia que se poderia discutir exigências de intervenções mais sustentáveis ou sobretaxa a projetos de alto impacto ambiental. “Uma vez que se trabalha só vegetação, energia e esgoto, é investimento relativamente baixo para um retorno que pode ser alto”, diz ele, especialista da Fundação Vanzolini.

O dizem os favoráveis ao incentivo a edifícios conceito?

A proposta de incentivos a edifícios conceitos também foi elogiada em alguns segmentos. Fala-se que seria importante para estabelecer esse tipo de projeto ainda não tão comum no mercado, por exemplo.

Vice-presidente do Secovi-SP (que representa incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário), Claudio Bernardes diz que os incentivos atuais tiveram pouco êxito porque não são atrativos. “No futuro, calibra-se melhor quando virar hábito. De saída, é bom para a engrenagem começar a rodar. Na quota ambiental, começou com receio de ser benefício alto e não funcionou nada”, diz.

Ele argumenta que as intervenções terão retorno positivo também para a cidade. “Arborização vertical, com árvores grandes e que captam carbono, geração de energia limpa, pré-tratamento de esgoto... São coisas que valem a pena para a cidade. É muito positivo e não acho alto em função do que a cidade pode receber”, argumenta.

A arquiteta e urbanista Adriana Levisky também elogia, mas defende ajustes para que seja menos “engessada”. “É uma necessidade a Lei de Uso e Ocupação do Solo tratar dessa temática. A lei sempre tem a força, seja por incentivo, seja por ações restritivas, de criar modelos novos que a sociedade vai experimentar e ter repertório para aprender com isso. Sem incentivo, as pessoas em geral tendem a ser mais conservadoras e ir naquilo que conhecem.”

Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura em São Paulo (Asbea-SP), ela sugere que se discuta a criação de um conselho para avaliar os projetos aptos a receber o incentivo, por exemplo, com um sistema de pontuação objetivo. Outra recomendação é que os parâmetros sejam mais flexíveis para permitir diversidade entre os projetos. “Espero que se consiga chegar a um bom termo. Desse jeito ruim, ninguém vai conseguir usar.”

O que levou a Prefeitura a desistir da proposta anos atrás?

Em 2017, a gestão Doria falava da “intenção de incentivar soluções sustentáveis” por meio dos edifícios conceito. “O uso de novas tecnologias permite a criação de espaços internos diferentes para cada unidade, e pode contar com instalação de vegetação arbórea em terraços e/ou na cobertura, jardins verticais, fontes de energia limpa e pré-tratamento de esgoto”, dizia em justificativa técnica à época. No documento, é dado o exemplo de um prédio em Milão com árvores nas varandas.

Meses após a veiculação da minuta, em 2018, o Conselho Municipal de Habitação publicou nota técnica, na qual citava a falta de “regulamentação clara” do que seriam edifícios conceito. E destacava a falta de “justificativa técnica (...) ou qualquer avaliação do ganho que este incentivo proporcionará à cidade em detrimento da arrecadação de outorga onerosa”. O documento foi elaborado com a participação de diversas organizações, incluindo técnicos da Secretaria Municipal de Habitação.

À época, o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP) também veiculou documento crítico à ideia, por “aparente assimetria entre o significativo ganho econômico decorrente da aplicação do incentivo e a menor eficácia ambiental das medidas propostas”.

A proposta foi retirada na versão seguinte da minuta, na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019. Na justificativa técnica, a única explicação é que parte das soluções construtivas e paisagísticas (jardim suspenso, por exemplo) foi incorporada na quota ambiental. A quota é exigida em novos empreendimentos e grandes reformas com acréscimo de área e também dá acesso a incentivos.

Diagrama de exemplo de 'edifício conceito' apresentado na justificativa técnica da Prefeitura na primeira minuta da revisão do zoneamento Foto: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento /Reprodução

Grande parte do texto inicial da revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo, a principal regra urbanística da cidade, foi alterada ou descartada desde dezembro de 2017. Seis anos depois, um dos trechos mais criticados à época foi retomado na versão apresentada pela Câmara Municipal na segunda-feira, 4, e que será votada na próxima terça-feira, 12, em 1ª discussão.

Trata-se de criar um incentivo a “edifícios conceito”, que pode chegar a um montante milionário para estimular medidas apresentadas como mais sustentáveis. A proposta havia sido abandonada em 2019 após entidades apontarem “assimetria” entre os benefícios às construtoras e os ganhos ambientais.

A nova versão do projeto de lei faz referências às cidades inteligentes (“smart cities”) e “esponja” (resilientes a inundações) e às ondas de calor. Na prática, traz basicamente a mesma redação do texto de 2017, com oferta de até 20% de desconto a empreendimentos com determinado volume de árvores, jardins suspensos, sistema de pré-tratamento de esgoto e/ou estrutura de energia fotovoltaica, dentre outras intervenções. O texto cita possível “melhoria da qualidade de vida da cidade”.

Para grande parte dos especialistas, o estímulo seria demasiadamente alto para medidas de impacto ambiental limitado. Há ainda risco de “greenwashing” (iniciativa que só aparenta ser sustentável). Além disso, o incentivo drenaria verba de um dos principais fundos municipais (Fundurb), que teve arrecadação de mais de R$ 1 bilhão em 2022 e é revertido especialmente para moradia popular e mobilidade.

Representantes do mercado imobiliário têm elogiado a proposta. Afirmam que seria uma forma de difundir e estimular medidas necessárias ainda não tão adotadas no setor.

Relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD) diz que o projeto está em fase de aprimoramento até a apresentação do 2º texto substitutivo. Também argumenta que detalhamento maior poderá ser feito por meio de regulamentação pela Prefeitura.

“O importante é implementar o modelo. Como fazer a aplicação e o cálculo do incentivo estão abertos a discussão”, destacou. “É uma preocupação nossa dar resposta às urgências climáticas”, adiciona. Ainda segundo ele, a sugestão de mudança não partiu especificamente de uma entidade.

O Estadão apurou que uma das principais defensoras é a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). A organização sugeriu a retomada do trecho do projeto em etapas mais recentes das revisões do zoneamento e do Plano Diretor no âmbito da Prefeitura.

Em nota, a Abrasce disse que “monitora e atua nesse projeto devido ao seu grande efeito na legislação urbanística, que tem impacto direto sobre os empreendimentos”. Também destacou que o objetivo é aprimorar a lei e “trazer maior facilidade à operação e aos frequentadores”. Já o relator da revisão afirma que a mudança não atendeu a uma demanda específica remetida por uma organização.

A Justiça liberou na quinta-feira, 7, a retomada da tramitação do PL do zoneamento. A suspensão havia atendido a uma ação popular aberta por Debora Lima, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), e determinava a realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras. A votação final deve ocorrer em 19 ou 20 de dezembro.

Obra de edifício na zona oeste de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Oficialmente chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o zoneamento é uma das mais importantes leis paulistanas e com maior impacto no dia a dia da cidade. É responsável por ditar o tamanho máximo das construções, os tipos de atividades não residenciais aceitas, as áreas de proteção e preservação ambiental, os incentivos para a criação de mais prédios, o limite de barulho e outras tantas regras, especificadas para cada vizinhança e quadra.

O processo de revisão do zoneamento foi iniciado na gestão João Doria (então no PSDB), com diversas alterações ao longo de seis anos. Em outubro, o projeto de lei final do Executivo foi enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara. Lá, passou pelas mudanças recém-apresentadas pelo relator, como a retomada do incentivo aos edifícios conceito e a alteração em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental, dentre outra alterações.

O que é previsto nos ‘edifícios conceito’?

A proposta incluída na revisão do zoneamento diz que o “edifício conceito” envolve “iniciativas que venham contribuir para a melhoria da qualidade de vida da cidade, como redução das emissões de carbono, redução das ondas de calor, melhorias na drenagem urbana, entre outros, com adoção de tecnologias modernas atualmente adotadas nas cidades consideradas ‘smart cities’ e ‘cidades esponja’. Esse trecho não estava na minuta de 2017.

No texto, há cinco medidas que dão acesso a desconto na outorga onerosa (taxa paga pelas construtoras). O desconto é limitado a um total de 20%, com previsão de multa em caso de descumprimento. Pela proposta, também é permitido o reconhecimento como “área não computável”, quando o espaço não é incluído no cálculo da taxa e de limites construtivos impostos pelo Município.

As medidas estimuladas são:

  • adoção de “inovações tecnológicas” no projeto arquitetônico e com certificação específica de sustentabilidade (10% de desconto);
  • floreiras de 0,8 m x 0,8 m com árvores de ao menos 3 m de altura (não computáveis);
  • arborização vertical com espécimes de ao menos 3 m de altura a cada 50 m² de fachada (15%);
  • uso de cogeração de “energia limpa”, como fotovoltaica (15%);
  • uso de pré-tratamento de esgoto (5%);
  • adoção de medidas de drenagem natural ou mista que aumentem, em 40%, a capacidade de drenagem para além da exigência legal (15% de desconto).

O que dizem especialistas contrários?

O Estadão procurou diversos especialistas ligados às áreas de Engenharia, Direito, Arquitetura e Urbanismo. Entre eles, a maioria considera o incentivo muito superior ao possível benefício ambiental. Além disso, os pesquisadores citaram que há outros estímulos semelhantes hoje vigentes, como incentivos de certificação e a “quota ambiental”.

Professora na USP e pesquisadora da área de adaptação à mudança climática em cidades e edifícios, Denise Duarte diz que as intervenções listadas não teriam como atenuar ondas de calor na cidade, por exemplo. “Floreira não vai fazer uma ‘cidade esponja’. Isso depende de áreas permeáveis em grande escala. É uma comparação desproporcional”, afirma a engenheira.

Ela cita casos de edificações que oficialmente receberam reconhecimento como sustentáveis, mas que, na prática, utilizam meios com impacto ambiental. “Vai dar incentivo para quem coloca floreira em edifício, mas depende de gerador de energia a diesel ou gás?”, questiona.

Para a pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutora em Direito, Bianca Tavolari, a proposta expõe que a política urbana na cidade tem se fundamentado principalmente em incentivos, não em exigências. Desse modo, o novo benefício se somaria a outros já vigentes, como para comércio no térreo, uso misto, habitação de interesse social e outros, ampliando o impacto no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).

“Não tem como olhar esses descontos isolados. Tem de pensar que o mercado vai fazer um cálculo de desconto”, aponta. “Quem vai fiscalizar se a floreira vai ficar no lugar? Não há monitoramento desses dados”, diz.

Além disso, a pesquisadora questiona a falta de justificativa técnica para os percentuais propostos e a retomada do incentivo anos após ser descartado. Perguntado pelo Estadão sobre esse ponto, o relator diz que há embasamento para a proposta, embora não tenha apresentado até o momento.

Diretor de Arquitetura, Urbanismo e Design na Uninove, Daniel Todtmann Montandon considera o incentivo desproporcional, inclusive ao ser comparado com outros semelhantes. “Para ter fachada ativa, tem de mudar térreo, produto imobiliário, acessos”, compara ao citar o desconto a prédios com estabelecimento comercial ou de serviço voltado à calçada.

Diretor de Uso do Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano durante a elaboração do atual zoneamento, ele diz que incentivos hoje vigentes foram pensados para compensar o custo extra que o empreendimento teria na aplicação, não para ser “bônus” a construtoras e incorporadoras.

Além disso, o professor identifica aumento de benefícios na nova proposta. Segundo cálculo de Montandon em exemplos hipotéticos para a nova quota ambiental, há incrementos de 2150% e 3400% na área considerada “não computável” ante a lei vigente. Já o desconto de certificação (desconto em outorga) aumenta 150% na projeção do pesquisador.

Professor de ESG nas edificações na Uninove, Bruno Casagrande diz que a proposta não pode ser chamada de sustentável por não atender ao tripé básico: econômico, social e ambiental. Avalia que se poderia discutir exigências de intervenções mais sustentáveis ou sobretaxa a projetos de alto impacto ambiental. “Uma vez que se trabalha só vegetação, energia e esgoto, é investimento relativamente baixo para um retorno que pode ser alto”, diz ele, especialista da Fundação Vanzolini.

O dizem os favoráveis ao incentivo a edifícios conceito?

A proposta de incentivos a edifícios conceitos também foi elogiada em alguns segmentos. Fala-se que seria importante para estabelecer esse tipo de projeto ainda não tão comum no mercado, por exemplo.

Vice-presidente do Secovi-SP (que representa incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário), Claudio Bernardes diz que os incentivos atuais tiveram pouco êxito porque não são atrativos. “No futuro, calibra-se melhor quando virar hábito. De saída, é bom para a engrenagem começar a rodar. Na quota ambiental, começou com receio de ser benefício alto e não funcionou nada”, diz.

Ele argumenta que as intervenções terão retorno positivo também para a cidade. “Arborização vertical, com árvores grandes e que captam carbono, geração de energia limpa, pré-tratamento de esgoto... São coisas que valem a pena para a cidade. É muito positivo e não acho alto em função do que a cidade pode receber”, argumenta.

A arquiteta e urbanista Adriana Levisky também elogia, mas defende ajustes para que seja menos “engessada”. “É uma necessidade a Lei de Uso e Ocupação do Solo tratar dessa temática. A lei sempre tem a força, seja por incentivo, seja por ações restritivas, de criar modelos novos que a sociedade vai experimentar e ter repertório para aprender com isso. Sem incentivo, as pessoas em geral tendem a ser mais conservadoras e ir naquilo que conhecem.”

Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura em São Paulo (Asbea-SP), ela sugere que se discuta a criação de um conselho para avaliar os projetos aptos a receber o incentivo, por exemplo, com um sistema de pontuação objetivo. Outra recomendação é que os parâmetros sejam mais flexíveis para permitir diversidade entre os projetos. “Espero que se consiga chegar a um bom termo. Desse jeito ruim, ninguém vai conseguir usar.”

O que levou a Prefeitura a desistir da proposta anos atrás?

Em 2017, a gestão Doria falava da “intenção de incentivar soluções sustentáveis” por meio dos edifícios conceito. “O uso de novas tecnologias permite a criação de espaços internos diferentes para cada unidade, e pode contar com instalação de vegetação arbórea em terraços e/ou na cobertura, jardins verticais, fontes de energia limpa e pré-tratamento de esgoto”, dizia em justificativa técnica à época. No documento, é dado o exemplo de um prédio em Milão com árvores nas varandas.

Meses após a veiculação da minuta, em 2018, o Conselho Municipal de Habitação publicou nota técnica, na qual citava a falta de “regulamentação clara” do que seriam edifícios conceito. E destacava a falta de “justificativa técnica (...) ou qualquer avaliação do ganho que este incentivo proporcionará à cidade em detrimento da arrecadação de outorga onerosa”. O documento foi elaborado com a participação de diversas organizações, incluindo técnicos da Secretaria Municipal de Habitação.

À época, o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP) também veiculou documento crítico à ideia, por “aparente assimetria entre o significativo ganho econômico decorrente da aplicação do incentivo e a menor eficácia ambiental das medidas propostas”.

A proposta foi retirada na versão seguinte da minuta, na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019. Na justificativa técnica, a única explicação é que parte das soluções construtivas e paisagísticas (jardim suspenso, por exemplo) foi incorporada na quota ambiental. A quota é exigida em novos empreendimentos e grandes reformas com acréscimo de área e também dá acesso a incentivos.

Diagrama de exemplo de 'edifício conceito' apresentado na justificativa técnica da Prefeitura na primeira minuta da revisão do zoneamento Foto: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento /Reprodução

Grande parte do texto inicial da revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo, a principal regra urbanística da cidade, foi alterada ou descartada desde dezembro de 2017. Seis anos depois, um dos trechos mais criticados à época foi retomado na versão apresentada pela Câmara Municipal na segunda-feira, 4, e que será votada na próxima terça-feira, 12, em 1ª discussão.

Trata-se de criar um incentivo a “edifícios conceito”, que pode chegar a um montante milionário para estimular medidas apresentadas como mais sustentáveis. A proposta havia sido abandonada em 2019 após entidades apontarem “assimetria” entre os benefícios às construtoras e os ganhos ambientais.

A nova versão do projeto de lei faz referências às cidades inteligentes (“smart cities”) e “esponja” (resilientes a inundações) e às ondas de calor. Na prática, traz basicamente a mesma redação do texto de 2017, com oferta de até 20% de desconto a empreendimentos com determinado volume de árvores, jardins suspensos, sistema de pré-tratamento de esgoto e/ou estrutura de energia fotovoltaica, dentre outras intervenções. O texto cita possível “melhoria da qualidade de vida da cidade”.

Para grande parte dos especialistas, o estímulo seria demasiadamente alto para medidas de impacto ambiental limitado. Há ainda risco de “greenwashing” (iniciativa que só aparenta ser sustentável). Além disso, o incentivo drenaria verba de um dos principais fundos municipais (Fundurb), que teve arrecadação de mais de R$ 1 bilhão em 2022 e é revertido especialmente para moradia popular e mobilidade.

Representantes do mercado imobiliário têm elogiado a proposta. Afirmam que seria uma forma de difundir e estimular medidas necessárias ainda não tão adotadas no setor.

Relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD) diz que o projeto está em fase de aprimoramento até a apresentação do 2º texto substitutivo. Também argumenta que detalhamento maior poderá ser feito por meio de regulamentação pela Prefeitura.

“O importante é implementar o modelo. Como fazer a aplicação e o cálculo do incentivo estão abertos a discussão”, destacou. “É uma preocupação nossa dar resposta às urgências climáticas”, adiciona. Ainda segundo ele, a sugestão de mudança não partiu especificamente de uma entidade.

O Estadão apurou que uma das principais defensoras é a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). A organização sugeriu a retomada do trecho do projeto em etapas mais recentes das revisões do zoneamento e do Plano Diretor no âmbito da Prefeitura.

Em nota, a Abrasce disse que “monitora e atua nesse projeto devido ao seu grande efeito na legislação urbanística, que tem impacto direto sobre os empreendimentos”. Também destacou que o objetivo é aprimorar a lei e “trazer maior facilidade à operação e aos frequentadores”. Já o relator da revisão afirma que a mudança não atendeu a uma demanda específica remetida por uma organização.

A Justiça liberou na quinta-feira, 7, a retomada da tramitação do PL do zoneamento. A suspensão havia atendido a uma ação popular aberta por Debora Lima, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), e determinava a realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras. A votação final deve ocorrer em 19 ou 20 de dezembro.

Obra de edifício na zona oeste de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Oficialmente chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o zoneamento é uma das mais importantes leis paulistanas e com maior impacto no dia a dia da cidade. É responsável por ditar o tamanho máximo das construções, os tipos de atividades não residenciais aceitas, as áreas de proteção e preservação ambiental, os incentivos para a criação de mais prédios, o limite de barulho e outras tantas regras, especificadas para cada vizinhança e quadra.

O processo de revisão do zoneamento foi iniciado na gestão João Doria (então no PSDB), com diversas alterações ao longo de seis anos. Em outubro, o projeto de lei final do Executivo foi enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara. Lá, passou pelas mudanças recém-apresentadas pelo relator, como a retomada do incentivo aos edifícios conceito e a alteração em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental, dentre outra alterações.

O que é previsto nos ‘edifícios conceito’?

A proposta incluída na revisão do zoneamento diz que o “edifício conceito” envolve “iniciativas que venham contribuir para a melhoria da qualidade de vida da cidade, como redução das emissões de carbono, redução das ondas de calor, melhorias na drenagem urbana, entre outros, com adoção de tecnologias modernas atualmente adotadas nas cidades consideradas ‘smart cities’ e ‘cidades esponja’. Esse trecho não estava na minuta de 2017.

No texto, há cinco medidas que dão acesso a desconto na outorga onerosa (taxa paga pelas construtoras). O desconto é limitado a um total de 20%, com previsão de multa em caso de descumprimento. Pela proposta, também é permitido o reconhecimento como “área não computável”, quando o espaço não é incluído no cálculo da taxa e de limites construtivos impostos pelo Município.

As medidas estimuladas são:

  • adoção de “inovações tecnológicas” no projeto arquitetônico e com certificação específica de sustentabilidade (10% de desconto);
  • floreiras de 0,8 m x 0,8 m com árvores de ao menos 3 m de altura (não computáveis);
  • arborização vertical com espécimes de ao menos 3 m de altura a cada 50 m² de fachada (15%);
  • uso de cogeração de “energia limpa”, como fotovoltaica (15%);
  • uso de pré-tratamento de esgoto (5%);
  • adoção de medidas de drenagem natural ou mista que aumentem, em 40%, a capacidade de drenagem para além da exigência legal (15% de desconto).

O que dizem especialistas contrários?

O Estadão procurou diversos especialistas ligados às áreas de Engenharia, Direito, Arquitetura e Urbanismo. Entre eles, a maioria considera o incentivo muito superior ao possível benefício ambiental. Além disso, os pesquisadores citaram que há outros estímulos semelhantes hoje vigentes, como incentivos de certificação e a “quota ambiental”.

Professora na USP e pesquisadora da área de adaptação à mudança climática em cidades e edifícios, Denise Duarte diz que as intervenções listadas não teriam como atenuar ondas de calor na cidade, por exemplo. “Floreira não vai fazer uma ‘cidade esponja’. Isso depende de áreas permeáveis em grande escala. É uma comparação desproporcional”, afirma a engenheira.

Ela cita casos de edificações que oficialmente receberam reconhecimento como sustentáveis, mas que, na prática, utilizam meios com impacto ambiental. “Vai dar incentivo para quem coloca floreira em edifício, mas depende de gerador de energia a diesel ou gás?”, questiona.

Para a pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutora em Direito, Bianca Tavolari, a proposta expõe que a política urbana na cidade tem se fundamentado principalmente em incentivos, não em exigências. Desse modo, o novo benefício se somaria a outros já vigentes, como para comércio no térreo, uso misto, habitação de interesse social e outros, ampliando o impacto no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).

“Não tem como olhar esses descontos isolados. Tem de pensar que o mercado vai fazer um cálculo de desconto”, aponta. “Quem vai fiscalizar se a floreira vai ficar no lugar? Não há monitoramento desses dados”, diz.

Além disso, a pesquisadora questiona a falta de justificativa técnica para os percentuais propostos e a retomada do incentivo anos após ser descartado. Perguntado pelo Estadão sobre esse ponto, o relator diz que há embasamento para a proposta, embora não tenha apresentado até o momento.

Diretor de Arquitetura, Urbanismo e Design na Uninove, Daniel Todtmann Montandon considera o incentivo desproporcional, inclusive ao ser comparado com outros semelhantes. “Para ter fachada ativa, tem de mudar térreo, produto imobiliário, acessos”, compara ao citar o desconto a prédios com estabelecimento comercial ou de serviço voltado à calçada.

Diretor de Uso do Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano durante a elaboração do atual zoneamento, ele diz que incentivos hoje vigentes foram pensados para compensar o custo extra que o empreendimento teria na aplicação, não para ser “bônus” a construtoras e incorporadoras.

Além disso, o professor identifica aumento de benefícios na nova proposta. Segundo cálculo de Montandon em exemplos hipotéticos para a nova quota ambiental, há incrementos de 2150% e 3400% na área considerada “não computável” ante a lei vigente. Já o desconto de certificação (desconto em outorga) aumenta 150% na projeção do pesquisador.

Professor de ESG nas edificações na Uninove, Bruno Casagrande diz que a proposta não pode ser chamada de sustentável por não atender ao tripé básico: econômico, social e ambiental. Avalia que se poderia discutir exigências de intervenções mais sustentáveis ou sobretaxa a projetos de alto impacto ambiental. “Uma vez que se trabalha só vegetação, energia e esgoto, é investimento relativamente baixo para um retorno que pode ser alto”, diz ele, especialista da Fundação Vanzolini.

O dizem os favoráveis ao incentivo a edifícios conceito?

A proposta de incentivos a edifícios conceitos também foi elogiada em alguns segmentos. Fala-se que seria importante para estabelecer esse tipo de projeto ainda não tão comum no mercado, por exemplo.

Vice-presidente do Secovi-SP (que representa incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário), Claudio Bernardes diz que os incentivos atuais tiveram pouco êxito porque não são atrativos. “No futuro, calibra-se melhor quando virar hábito. De saída, é bom para a engrenagem começar a rodar. Na quota ambiental, começou com receio de ser benefício alto e não funcionou nada”, diz.

Ele argumenta que as intervenções terão retorno positivo também para a cidade. “Arborização vertical, com árvores grandes e que captam carbono, geração de energia limpa, pré-tratamento de esgoto... São coisas que valem a pena para a cidade. É muito positivo e não acho alto em função do que a cidade pode receber”, argumenta.

A arquiteta e urbanista Adriana Levisky também elogia, mas defende ajustes para que seja menos “engessada”. “É uma necessidade a Lei de Uso e Ocupação do Solo tratar dessa temática. A lei sempre tem a força, seja por incentivo, seja por ações restritivas, de criar modelos novos que a sociedade vai experimentar e ter repertório para aprender com isso. Sem incentivo, as pessoas em geral tendem a ser mais conservadoras e ir naquilo que conhecem.”

Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura em São Paulo (Asbea-SP), ela sugere que se discuta a criação de um conselho para avaliar os projetos aptos a receber o incentivo, por exemplo, com um sistema de pontuação objetivo. Outra recomendação é que os parâmetros sejam mais flexíveis para permitir diversidade entre os projetos. “Espero que se consiga chegar a um bom termo. Desse jeito ruim, ninguém vai conseguir usar.”

O que levou a Prefeitura a desistir da proposta anos atrás?

Em 2017, a gestão Doria falava da “intenção de incentivar soluções sustentáveis” por meio dos edifícios conceito. “O uso de novas tecnologias permite a criação de espaços internos diferentes para cada unidade, e pode contar com instalação de vegetação arbórea em terraços e/ou na cobertura, jardins verticais, fontes de energia limpa e pré-tratamento de esgoto”, dizia em justificativa técnica à época. No documento, é dado o exemplo de um prédio em Milão com árvores nas varandas.

Meses após a veiculação da minuta, em 2018, o Conselho Municipal de Habitação publicou nota técnica, na qual citava a falta de “regulamentação clara” do que seriam edifícios conceito. E destacava a falta de “justificativa técnica (...) ou qualquer avaliação do ganho que este incentivo proporcionará à cidade em detrimento da arrecadação de outorga onerosa”. O documento foi elaborado com a participação de diversas organizações, incluindo técnicos da Secretaria Municipal de Habitação.

À época, o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP) também veiculou documento crítico à ideia, por “aparente assimetria entre o significativo ganho econômico decorrente da aplicação do incentivo e a menor eficácia ambiental das medidas propostas”.

A proposta foi retirada na versão seguinte da minuta, na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019. Na justificativa técnica, a única explicação é que parte das soluções construtivas e paisagísticas (jardim suspenso, por exemplo) foi incorporada na quota ambiental. A quota é exigida em novos empreendimentos e grandes reformas com acréscimo de área e também dá acesso a incentivos.

Diagrama de exemplo de 'edifício conceito' apresentado na justificativa técnica da Prefeitura na primeira minuta da revisão do zoneamento Foto: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento /Reprodução

Grande parte do texto inicial da revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo, a principal regra urbanística da cidade, foi alterada ou descartada desde dezembro de 2017. Seis anos depois, um dos trechos mais criticados à época foi retomado na versão apresentada pela Câmara Municipal na segunda-feira, 4, e que será votada na próxima terça-feira, 12, em 1ª discussão.

Trata-se de criar um incentivo a “edifícios conceito”, que pode chegar a um montante milionário para estimular medidas apresentadas como mais sustentáveis. A proposta havia sido abandonada em 2019 após entidades apontarem “assimetria” entre os benefícios às construtoras e os ganhos ambientais.

A nova versão do projeto de lei faz referências às cidades inteligentes (“smart cities”) e “esponja” (resilientes a inundações) e às ondas de calor. Na prática, traz basicamente a mesma redação do texto de 2017, com oferta de até 20% de desconto a empreendimentos com determinado volume de árvores, jardins suspensos, sistema de pré-tratamento de esgoto e/ou estrutura de energia fotovoltaica, dentre outras intervenções. O texto cita possível “melhoria da qualidade de vida da cidade”.

Para grande parte dos especialistas, o estímulo seria demasiadamente alto para medidas de impacto ambiental limitado. Há ainda risco de “greenwashing” (iniciativa que só aparenta ser sustentável). Além disso, o incentivo drenaria verba de um dos principais fundos municipais (Fundurb), que teve arrecadação de mais de R$ 1 bilhão em 2022 e é revertido especialmente para moradia popular e mobilidade.

Representantes do mercado imobiliário têm elogiado a proposta. Afirmam que seria uma forma de difundir e estimular medidas necessárias ainda não tão adotadas no setor.

Relator da revisão, Rodrigo Goulart (PSD) diz que o projeto está em fase de aprimoramento até a apresentação do 2º texto substitutivo. Também argumenta que detalhamento maior poderá ser feito por meio de regulamentação pela Prefeitura.

“O importante é implementar o modelo. Como fazer a aplicação e o cálculo do incentivo estão abertos a discussão”, destacou. “É uma preocupação nossa dar resposta às urgências climáticas”, adiciona. Ainda segundo ele, a sugestão de mudança não partiu especificamente de uma entidade.

O Estadão apurou que uma das principais defensoras é a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). A organização sugeriu a retomada do trecho do projeto em etapas mais recentes das revisões do zoneamento e do Plano Diretor no âmbito da Prefeitura.

Em nota, a Abrasce disse que “monitora e atua nesse projeto devido ao seu grande efeito na legislação urbanística, que tem impacto direto sobre os empreendimentos”. Também destacou que o objetivo é aprimorar a lei e “trazer maior facilidade à operação e aos frequentadores”. Já o relator da revisão afirma que a mudança não atendeu a uma demanda específica remetida por uma organização.

A Justiça liberou na quinta-feira, 7, a retomada da tramitação do PL do zoneamento. A suspensão havia atendido a uma ação popular aberta por Debora Lima, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), e determinava a realização de audiências públicas em todas as 32 subprefeituras. A votação final deve ocorrer em 19 ou 20 de dezembro.

Obra de edifício na zona oeste de São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Oficialmente chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o zoneamento é uma das mais importantes leis paulistanas e com maior impacto no dia a dia da cidade. É responsável por ditar o tamanho máximo das construções, os tipos de atividades não residenciais aceitas, as áreas de proteção e preservação ambiental, os incentivos para a criação de mais prédios, o limite de barulho e outras tantas regras, especificadas para cada vizinhança e quadra.

O processo de revisão do zoneamento foi iniciado na gestão João Doria (então no PSDB), com diversas alterações ao longo de seis anos. Em outubro, o projeto de lei final do Executivo foi enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara. Lá, passou pelas mudanças recém-apresentadas pelo relator, como a retomada do incentivo aos edifícios conceito e a alteração em parte das Zonas Especiais de Proteção Ambiental, dentre outra alterações.

O que é previsto nos ‘edifícios conceito’?

A proposta incluída na revisão do zoneamento diz que o “edifício conceito” envolve “iniciativas que venham contribuir para a melhoria da qualidade de vida da cidade, como redução das emissões de carbono, redução das ondas de calor, melhorias na drenagem urbana, entre outros, com adoção de tecnologias modernas atualmente adotadas nas cidades consideradas ‘smart cities’ e ‘cidades esponja’. Esse trecho não estava na minuta de 2017.

No texto, há cinco medidas que dão acesso a desconto na outorga onerosa (taxa paga pelas construtoras). O desconto é limitado a um total de 20%, com previsão de multa em caso de descumprimento. Pela proposta, também é permitido o reconhecimento como “área não computável”, quando o espaço não é incluído no cálculo da taxa e de limites construtivos impostos pelo Município.

As medidas estimuladas são:

  • adoção de “inovações tecnológicas” no projeto arquitetônico e com certificação específica de sustentabilidade (10% de desconto);
  • floreiras de 0,8 m x 0,8 m com árvores de ao menos 3 m de altura (não computáveis);
  • arborização vertical com espécimes de ao menos 3 m de altura a cada 50 m² de fachada (15%);
  • uso de cogeração de “energia limpa”, como fotovoltaica (15%);
  • uso de pré-tratamento de esgoto (5%);
  • adoção de medidas de drenagem natural ou mista que aumentem, em 40%, a capacidade de drenagem para além da exigência legal (15% de desconto).

O que dizem especialistas contrários?

O Estadão procurou diversos especialistas ligados às áreas de Engenharia, Direito, Arquitetura e Urbanismo. Entre eles, a maioria considera o incentivo muito superior ao possível benefício ambiental. Além disso, os pesquisadores citaram que há outros estímulos semelhantes hoje vigentes, como incentivos de certificação e a “quota ambiental”.

Professora na USP e pesquisadora da área de adaptação à mudança climática em cidades e edifícios, Denise Duarte diz que as intervenções listadas não teriam como atenuar ondas de calor na cidade, por exemplo. “Floreira não vai fazer uma ‘cidade esponja’. Isso depende de áreas permeáveis em grande escala. É uma comparação desproporcional”, afirma a engenheira.

Ela cita casos de edificações que oficialmente receberam reconhecimento como sustentáveis, mas que, na prática, utilizam meios com impacto ambiental. “Vai dar incentivo para quem coloca floreira em edifício, mas depende de gerador de energia a diesel ou gás?”, questiona.

Para a pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e doutora em Direito, Bianca Tavolari, a proposta expõe que a política urbana na cidade tem se fundamentado principalmente em incentivos, não em exigências. Desse modo, o novo benefício se somaria a outros já vigentes, como para comércio no térreo, uso misto, habitação de interesse social e outros, ampliando o impacto no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb).

“Não tem como olhar esses descontos isolados. Tem de pensar que o mercado vai fazer um cálculo de desconto”, aponta. “Quem vai fiscalizar se a floreira vai ficar no lugar? Não há monitoramento desses dados”, diz.

Além disso, a pesquisadora questiona a falta de justificativa técnica para os percentuais propostos e a retomada do incentivo anos após ser descartado. Perguntado pelo Estadão sobre esse ponto, o relator diz que há embasamento para a proposta, embora não tenha apresentado até o momento.

Diretor de Arquitetura, Urbanismo e Design na Uninove, Daniel Todtmann Montandon considera o incentivo desproporcional, inclusive ao ser comparado com outros semelhantes. “Para ter fachada ativa, tem de mudar térreo, produto imobiliário, acessos”, compara ao citar o desconto a prédios com estabelecimento comercial ou de serviço voltado à calçada.

Diretor de Uso do Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano durante a elaboração do atual zoneamento, ele diz que incentivos hoje vigentes foram pensados para compensar o custo extra que o empreendimento teria na aplicação, não para ser “bônus” a construtoras e incorporadoras.

Além disso, o professor identifica aumento de benefícios na nova proposta. Segundo cálculo de Montandon em exemplos hipotéticos para a nova quota ambiental, há incrementos de 2150% e 3400% na área considerada “não computável” ante a lei vigente. Já o desconto de certificação (desconto em outorga) aumenta 150% na projeção do pesquisador.

Professor de ESG nas edificações na Uninove, Bruno Casagrande diz que a proposta não pode ser chamada de sustentável por não atender ao tripé básico: econômico, social e ambiental. Avalia que se poderia discutir exigências de intervenções mais sustentáveis ou sobretaxa a projetos de alto impacto ambiental. “Uma vez que se trabalha só vegetação, energia e esgoto, é investimento relativamente baixo para um retorno que pode ser alto”, diz ele, especialista da Fundação Vanzolini.

O dizem os favoráveis ao incentivo a edifícios conceito?

A proposta de incentivos a edifícios conceitos também foi elogiada em alguns segmentos. Fala-se que seria importante para estabelecer esse tipo de projeto ainda não tão comum no mercado, por exemplo.

Vice-presidente do Secovi-SP (que representa incorporadoras, construtoras e outras empresas do mercado imobiliário), Claudio Bernardes diz que os incentivos atuais tiveram pouco êxito porque não são atrativos. “No futuro, calibra-se melhor quando virar hábito. De saída, é bom para a engrenagem começar a rodar. Na quota ambiental, começou com receio de ser benefício alto e não funcionou nada”, diz.

Ele argumenta que as intervenções terão retorno positivo também para a cidade. “Arborização vertical, com árvores grandes e que captam carbono, geração de energia limpa, pré-tratamento de esgoto... São coisas que valem a pena para a cidade. É muito positivo e não acho alto em função do que a cidade pode receber”, argumenta.

A arquiteta e urbanista Adriana Levisky também elogia, mas defende ajustes para que seja menos “engessada”. “É uma necessidade a Lei de Uso e Ocupação do Solo tratar dessa temática. A lei sempre tem a força, seja por incentivo, seja por ações restritivas, de criar modelos novos que a sociedade vai experimentar e ter repertório para aprender com isso. Sem incentivo, as pessoas em geral tendem a ser mais conservadoras e ir naquilo que conhecem.”

Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura em São Paulo (Asbea-SP), ela sugere que se discuta a criação de um conselho para avaliar os projetos aptos a receber o incentivo, por exemplo, com um sistema de pontuação objetivo. Outra recomendação é que os parâmetros sejam mais flexíveis para permitir diversidade entre os projetos. “Espero que se consiga chegar a um bom termo. Desse jeito ruim, ninguém vai conseguir usar.”

O que levou a Prefeitura a desistir da proposta anos atrás?

Em 2017, a gestão Doria falava da “intenção de incentivar soluções sustentáveis” por meio dos edifícios conceito. “O uso de novas tecnologias permite a criação de espaços internos diferentes para cada unidade, e pode contar com instalação de vegetação arbórea em terraços e/ou na cobertura, jardins verticais, fontes de energia limpa e pré-tratamento de esgoto”, dizia em justificativa técnica à época. No documento, é dado o exemplo de um prédio em Milão com árvores nas varandas.

Meses após a veiculação da minuta, em 2018, o Conselho Municipal de Habitação publicou nota técnica, na qual citava a falta de “regulamentação clara” do que seriam edifícios conceito. E destacava a falta de “justificativa técnica (...) ou qualquer avaliação do ganho que este incentivo proporcionará à cidade em detrimento da arrecadação de outorga onerosa”. O documento foi elaborado com a participação de diversas organizações, incluindo técnicos da Secretaria Municipal de Habitação.

À época, o departamento paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP) também veiculou documento crítico à ideia, por “aparente assimetria entre o significativo ganho econômico decorrente da aplicação do incentivo e a menor eficácia ambiental das medidas propostas”.

A proposta foi retirada na versão seguinte da minuta, na gestão Bruno Covas (PSDB), em 2019. Na justificativa técnica, a única explicação é que parte das soluções construtivas e paisagísticas (jardim suspenso, por exemplo) foi incorporada na quota ambiental. A quota é exigida em novos empreendimentos e grandes reformas com acréscimo de área e também dá acesso a incentivos.

Diagrama de exemplo de 'edifício conceito' apresentado na justificativa técnica da Prefeitura na primeira minuta da revisão do zoneamento Foto: Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento /Reprodução

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