A expectativa do prefeito Ricardo Nunes (MDB) é de que o estudo sobre a possibilidade de implementação da tarifa zero no transporte coletivo da cidade de São Paulo seja entregue em até 60 dias. O gestor afirmou na segunda-feira, 21, que discutirá a proposta com o governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos) caso o levantamento aponte a viabilidade econômica, financeira e jurídica do passe livre nos ônibus municipais.
“A SPTrans está fazendo (a avaliação) de todos os aspectos, do ponto de vista financeiro e jurídico. Agora, é aguardar o resultado. Se for possível, a gente implanta. Se não for possível, vou ter os dados para mostrar para vocês com relação ao resultado dos estudos”, respondeu a jornalistas durante o lançamento do novo sistema de monitoramento do Metrô, na segunda.
O valor da tarifa municipal costuma ser alinhado anualmente com o da passagem de metrô e trem, em discussão conjunta com o governo do Estado. Uma das hipóteses discutidas pela capital paulista é a de viabilizar ao menos uma parte da tarifa zero dos ônibus por meio da remodelação da contribuição das empresas para o vale-transporte. A viabilidade jurídica da mudança é um dos pontos a serem discutidos, principalmente em relação à legislação trabalhista federal.
Na segunda-feira, Nunes fez reunião sobre o tema com o prefeito de Vargem Grande Paulista, Josué Ramos (PL), que implementou a tarifa zero no município da Grande São Paulo em 2019. Na cidade, com 54,3 mil moradores, em vez de pagar o vale-transporte, as empresas passaram a contribuir com uma taxa de transporte público municipal, de R$ 39, 20 mensais por funcionário, destinada ao Fundo Municipal de Transporte e Trânsito Urbano, criado por meio de lei naquele ano.
A mudança foi a principal plataforma da primeira gestão de Ramos em Vargem Grande Paulista e foi destacada ao longo de toda campanha na qual se reelegeu. É um dos assuntos mais frequentemente em suas redes sociais, nas quais chama o município de “a cidade do transporte”.
Nunes também é provável candidato à eleição. Ele anunciou o pedido de estudo sobre uma eventual implantação da tarifa zero em redes sociais há 10 dias, embora posteriormente tenha minimizado a solicitação e dito que é uma entre outras.
“Como esse assunto, (há) tantos e tantos temas que eu peço estudo, porque a cidade de São Paulo tem que estar sempre antenada nas questões macro da cidade”, afirmou na agenda da segunda. Um dos nomes mais influentes na política paulistana e alinhado com a gestão Nunes, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil), tem se manifestado simpático à proposta.
“Tomara, um dia, que a tarifa seja zero na cidade de São Paulo, para todos. Assim será uma política de inclusão social de grande porte”, declarou em sessão na Câmara em 8 de novembro, dias antes do anúncio de Nunes. “Não sei se teremos as condições de fazer, e quando, mas é uma realidade que se faz presente, porque, nos valores aportados de hoje, a receita decorrente das diversas receitas da Prefeitura gira por volta de R$ 5 bilhões. O subsídio vai passar de R$ 5 (bilhões).”
Segundo Nunes declarou anteriormente, a “grande questão” será o custeio, pois a Prefeitura tem R$ 32 bilhões em caixa, mas majoritariamente empenhado ou vinculado a fundos específicos. Além disso, como está em estudo, não entrará no orçamento do ano que vem, atualmente em fase de discussão na Câmara Municipal.
Para 2023, a SPTrans prevê que a maior parte do custo do transporte coletivo municipal seja bancado pela Prefeitura. A estimativa é que o valor arrecadado na tarifa se mantenha em cerca de R$ 5 bilhões, enquanto R$ 7,4 bilhões precisem ser subsidiados pelo Município, embora o valor proposto no orçamento seja metade.
“Haverá necessidade de fazermos as articulações necessárias, no momento oportuno, para suplementar R$ 3,7 bilhões″, afirmou o diretor de Administração de Infraestrutura da SPTrans, Anderson Clayton Maia, em audiência pública na Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara no dia 16. Se a tarifa zero for adotada pela Prefeitura, deverá ser apresentada no Legislativo municipal.
Ainda de acordo com as declarações de Nunes na agenda pública de segunda, o levantamento sobre o passe livre para os ônibus municipais é feito pela SPTrans em conjunto com uma “grande consultoria”, cujo nome não foi divulgado na ocasião. “Tem de aguardar o estudo para ver como vai ser o andamento desse processo”, destacou na ocasião.
O passe livre municipal tem crescido nos últimos anos no País e no exterior, desde o interior e a Grande São Paulo até cidades de médio porte em outros Estados, como Caucaia, a segunda mais populosa do Ceará, e Maricá (RJ). Levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) identificou ao menos 44 prefeituras que oferecem transporte coletivo com tarifa zero, a maioria de municípios com menos de 100 mil habitantes.
O prefeito paulistano também tem destacado que eventual adesão à tarifa zero seria uma medida para a promoção de um meio mais sustentável que o transporte individual. “A gente tem visto essa questão da importância de fazer com que o transporte coletivo seja mais utilizado, de utilizar menos o transporte individual. Vejo como de grande importância a cidade de São Paulo ficar entre as grandes cidades do mundo nas ações climáticas”, declarou à imprensa, após uma agenda pública.
A discussão sobre a implementação da tarifa zero começou em São Paulo há mais de 30 anos, na gestão Luiza Erundina (então no PT), em 1989. À época, a Prefeitura propôs que o subsídio fosse proveniente de diferentes níveis de alíquota do IPTU, porém não obteve apoio legislativo. Um plebiscito para a população discorrer sobre o tema também foi proposto na Câmara, em 1991, pelo vereador Eduardo Suplicy (PT), mas obteve parecer desfavorável na Comissão de Constituição e Justiça, que apontou “ilegalidade”.
O passe livre voltou a ser discutido no Município após as manifestações contra o aumento da tarifa em 2013, o que culminou na criação da gratuidade para estudantes de baixa renda na gestão Fernando Haddad (PT). A medida foi modificada três anos depois, com restrições no número de viagens, pela gestão João Doria (então no PSDB), assim como a de Bruno Covas (PSDB) extinguiu a gratuidade de idosos de 60 a 64 anos, retomada neste ano por Nunes, mas exclusivamente para os de baixa renda.
Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a crise do setor de transportes na pandemia foi um dos fatores que alavancou a adesão, pois o retorno financeiro das empresas costuma estar atrelado ao número de passageiros, que teve queda no período de maior distanciamento social. Outro ponto é o aumento da discussão sobre o tema após prefeituras aderirem à tarifa zero nas datas do 1º e 2º turno da eleição em movimento gerado por mudanças na política aplicada em Porto Alegre.
Entre as principais consequências apontadas por especialistas e prefeituras que implantaram a tarifa zero, está o aumento de passageiros, geralmente associando à maior adesão da população de baixa renda. Há relatos de municípios brasileiros de que o número triplicou ou até quadriplicou após a mudança, exigindo um aumento na frota e outras adaptações.
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