A tristeza provocada pelo incêndio da boate Kiss em Santa Maria é incomensurável para famílias e amigos dos 239 mortos. Mas se há um número que se aproxima da dimensão da tragédia é o de anos potenciais de vida perdidos naquela madrugada de 27 de janeiro. Em poucos minutos, 12.412 anos que estavam pela frente das vítimas perderam a possibilidade de serem vividos. Para se ter uma ideia do que isso significa, os mesmos jovens que pereceram em Santa Maria tinham vivido, juntos, pouco mais de 5 mil anos. Ou seja, a trajetória das vítimas foi abreviada a menos de um terço do caminho que deveriam ter percorrido em condições normais. O número de anos perdidos foi especialmente alto porque a idade média dos mortos era de apenas 23 anos.Os Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP) são um indicador demográfico que investiga as causas de morte prematura. "Seu pressuposto é de que as mortes ocorridas antes da idade esperada levam a uma perda de anos potenciais de vida. Assim, ao morrer antes de alcançar uma idade limite, a pessoa perdeu anos potenciais de vida", explica Alberto Jakob, um dos coordenadores do Núcleo de Estudos de População da Unicamp.Para se calcular os APVP é preciso levar em conta a expectativa de vida média da população analisada. Subtrai-se dela a idade de cada um dos mortos e somam-se esses anos não vividos. Quanto mais jovens forem os mortos, mais tende a crescer o valor final. Por isso, a juventude das vítimas multiplicou o tamanho da tragédia. O Estado compilou as idades de 232 das 239 vítimas. O resultado mostra que a maioria dos que morreram no incêndio não completara 22 anos de vida. O mais novo entre eles, o estudante de Agronomia Pedro de Oliveira Salla, tinha 17 anos, e a mais velha, Geni Lourenço da Silva, a monitora dos banheiros da boate, tinha 55 anos. A idade mais frequente entre os que não sobreviveram ao incêndio era de 18 anos.O Estadão Dados usou dois métodos de cálculo dos anos potenciais de vida perdidos. Ambos chegaram aos mesmos 12 mil anos roubados. Levou-se em conta a esperança de vida dos brasileiros para cada faixa etária, segundo o seu sexo, em 2011 (último dado disponível). Os valores foram computados para cada uma das vítimas e depois somados. No outro método, usou-se a esperança de vida média da população gaúcha. Não houve diferença.Um exemplo real: os namorados Flavia e Luiz Fernando tinham 18 anos quando morreram. Pela média nacional de 2011, ela deveria viver mais 61 anos e ele, mais 55 - os homens têm uma esperança de vida ao nascer sete anos menor do que as mulheres no Brasil, mas essa diferença diminui com a idade. Naquela noite, o casal de namorados perdeu 106 anos potenciais de vida. As 40 vítimas que tinham 18 anos como eles perderam, juntas, 2.357 anos.A tragédia adicional das mortes prematuras é que elas são, na sua maioria, evitáveis. A probabilidade de um jovem brasileiro com 18 anos morrer antes de chegar ao seu 19.º aniversário é de apenas uma em 476 se for um homem e de uma em 1.830 se for uma mulher. A chance de que isso ocorresse exatamente ao mesmo tempo para 40 jovens é inimaginável. Mas foi o que aconteceu naquela madrugada na Kiss.As perdas humanas se medem por tudo o que esses jovens deixaram de viver nos 12 mil anos que lhes foram roubados: os casamentos que não se realizaram, os filhos que não tiveram, os sonhos que não alcançaram. Nada disso tem preço. Para a sociedade, porém, é possível estimar o custo financeiro da tragédia.Prejuízo. O professor Roberto Brito de Carvalho, da Faculdade de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, estima que o impacto econômico da tragédia ultrapasse R$ 1 bilhão. Apenas em renda do trabalho, os 40 anos que, na média, cada uma das 239 vítimas teria de vida produtiva renderiam "algo em torno de R$ 600 milhões", calcula o professor da PUCCamp. O restante vem dos custos imediatos da tragédia - o trabalho dos bombeiros, dos médicos e enfermeiros, os custos de tratamento dos feridos, de sepultamento dos mortos - e seus efeitos multiplicadores, como benefícios previdenciários e a ausência de descendentes que também se tornariam economicamente ativos. /COLABOROU JULIANA DEODORO