Discutida há anos, a implementação de uma linha de trem expresso entre a cidade de São Paulo, Jundiaí e Campinas é um dos principais objetivos da concessão pública que vai a leilão nesta quinta-feira, 29, realizada na B3 pelo governo do Estado. A Parceria Público-Privada (PPP) prevê também criar uma linha que interligue Jundiaí, Louveira, Vinhedo, Valinhos e Campinas, no interior paulista, assim como mudanças na Linha 7-Rubi, da CPTM.
O contrato envolve a implementação, manutenção e operação das três linhas por 30 anos. A previsão é que o expresso até Campinas e as alterações na CPTM sejam entregues até 2031, enquanto a outra linha seria inaugurada em 2029. A concorrência é internacional.
A empresa ou consórcio selecionado no leilão será o que oferecer a menor contraprestação paga pelo Estado, cujo teto é de R$ 8,5 bilhões. O governo será responsável ainda por pagar, no máximo, cerca de R$ 9 bilhões dos R$ 13,5 bilhões a serem investidos em infraestrutura. Parte dos recursos estaduais serão oriundos de empréstimo de R$ 6,4 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Chamado de Trem Intercidades (TIC), o expresso tem trajeto com duração estimada de 1h04 a 1h15, entre o Terminal Palmeiras-Barra Funda, zona oeste paulistana, e Campinas, com parada em Jundiaí. A velocidade média prevista é de 95 km/h. O valor médio estimado do bilhete é de R$ 50, com teto de R$ 64 (a ser atualizado anualmente, com base principalmente no IPCA).
Parte dos especialistas tem defendido a necessidade de retomada desse tipo de transporte, a fim de desafogar o tráfego de automóveis, ônibus e caminhões e fomentar uma alternativa de menor impacto ambiental. Hoje, praticamente não há linhas intercidades no País, enquanto redes amplas operam em outros países, especialmente da Europa. Os exemplos brasileiros mais próximos são os trens da Vale (entre o Espírito Santo e Minas Gerais e entre o Maranhão e o Pará), que também levam passageiros.
Por outro lado, a proposta do Estado também tem recebido críticas. Nas audiências públicas, por exemplo, já foi destacado que o valor da tarifa traria uma “elitização” do serviço e pouca efetividade na adesão daqueles que utilizam transporte por carro. Questionamentos envolvem, ainda, o trajeto (com a reivindicação de mais paradas e alterações), a velocidade mediana e o desembolso da maior parte do investimento pelo poder público (assim como mecanismos compensatórios no caso de receita tarifária abaixo da referência estimada), dentre outros.
Além disso, parte das críticas envolve o histórico recente de concessões ferroviárias do Estado. Após descarrilamentos e outros problemas, a ViaMobilidade chegou a firmarTermo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pelo que foi descrito como “falta de qualidade” dos serviços prestados nas Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, da CPTM, por exemplo.
Liderada pela CCR, a concessionária confirmou ao Estadão que analisa eventual apresentação de proposta no leilão. Sobre os problemas na concessão das linhas da CPTM, respondeu que tem investido na modernização dos serviços, com a compra de novos trens, melhorias nos trilhos e inspeções, dentre outros procedimentos.
Já o governo estadual diz que os problemas iniciais com a concessão das linhas da CPTM incentivaram ajustes no edital, como a fixação de maior tempo de transição (um ano) e a exigência de equipamentos de manutenção disponíveis desde o início. “Foi um aprendizado”, diz o secretário executivo de Parceria em Investimentos do Estado, André Isper Rodrigues Barnabé.
Discutida há cerca de duas décadas, a implementação do trem a Campinas passou a ganhar o contorno atual há seis anos. O estudo de viabilidade foi firmado na gestão Geraldo Alckmin (então no PSDB, hoje no PSB), em 2018. No governo João Doria (à época no PSDB) passou por novas etapas, como consulta e audiências públicas, além de sondagens. Por fim, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) fez novas alterações e publicou o edital definitivo.
União e Estado querem investir em ferrovias; ligação entre capital e Sorocaba pode ter leilão em 2025
A implantação do TIC tem sido destacado pela gestão Tarcísio como possível marco da retomada do transporte ferroviário de passageiros no Estado, hoje restrito às linhas da CPTM e turísticas. O governo há pouco contratou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para estudar a viabilidade de um trem intercidades até Sorocaba, com possível leilão em 2025. Há, ainda, a intenção de retomar a ligação com Santos e São José dos Campos.
Em agenda pública recente, Tarcísio destacou a vontade de ampliação ainda maior e falou na possibilidade de “unir, por trem de passageiros, a região concentradora de PIB do Estado”. “Só que se leva de Campinas para São Paulo, daqui a pouco vai querer mais uma ‘perninha’ para Americana, Limeira... Vai começar a pensar em chegar em Ribeirão (Preto). Olha o que isso representa”, declarou.
Além disso, o leilão ocorre em contexto no qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também anunciou expansão da malha ferroviária em diferentes partes do País, pelo Novo PAC. Nesse caso, até agora, o enfoque envolve principalmente o transporte de carga.
A operação das linhas do leilão desta quinta envolveria construir novas vias para a circulação de trens, ao longo do trajeto já existente (utilizado para transporte de carga e, no trecho até Jundiaí, pela CPTM).
Esse traçado data do século 19, de modo que envolve estações tombadas como patrimônio cultural na esfera estadual — as quais precisarão passar por restauro, readequações e, em alguns casos, conversão para um novo uso, essa última opção no caso de locais que terão uma nova estação.
A ligação ferroviária da capital com Campinas foi discutida em outras ocasiões nas últimas décadas, como o projeto federal de trem-bala de São Paulo até o Rio. No âmbito estadual, diversas opções também foram tratadas, incluindo a possibilidade de ligação com o Aeroporto de Viracopos e uma extensão maior, até Americana, por exemplo.
Presidente do Conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores diz que o projeto poderia passar por ajustes, mas que é importante por dar um primeiro passo na retomada desse modal, ainda mais diante do histórico de propostas nunca executadas. “Às vezes, o modelo não é perfeito e, em vez de se aprimorar, se abandona tudo e volta à estaca zero”, justifica.
Ele destaca a necessidade de acompanhar o serviço e a execução de penalidades a eventuais descumprimentos. Além disso, observa que o País vive uma tentativa de resgate desse tipo de transporte após décadas de enfraquecimento e desativações. Nesse contexto, cita também iniciativas voltadas a Veículos Leves Sobre Trilhos (VLT), uma, inclusive, em estudo na capital.
Já o diretor executivo da FGV Transportes, Marcus Quintella, avalia que a adesão talvez seja paulatina, diante do longo período sem esse tipo de opção de transporte disponível. A atratividade para passageiros dependeria de diversos fatores, como tarifa, segurança, qualidade do serviço e possibilidade de integração. “Depende de como o brasileiro entenderá como importante, porque não é coisa do cotidiano”, explica.
Como seria o funcionamento das linhas de trem até Campinas?
O contrato proposto prevê padrões de operação. Com 101 km de extensão, o serviço expresso funcionaria ao menos por 18 horas diárias, com intervalo de cerca de 15 minutos nos horários de pico, enquanto poderia alcançar até 60 minutos nos demais períodos. A velocidade chegaria a até 140 km/h, com capacidade de cerca de 860 passageiros por trem.
Em relação à tarifa, há a possibilidade de preço variável, a depender da data de compra, horário e tipo de viagem, dentre outros fatores. Assim, pode-se implementar diferenciação entre serviço convencional e executivo, por exemplo, mas mediante o atendimento ao teto da tarifa (hoje R$ 64). Na viagem expressa a Jundiaí, o preço seria de aproximadamente R$ 29.
Há também determinação de implementação do chamado Trem Intermetropolitano (TIM), com estações em Jundiaí, Louveira, Vinhedo, Valinhos e Campinas. O trajeto seria de cerca de 44 km, com tempo estimado de 33 minutos e velocidade média de 80 km/h.
Nesse caso, a tarifa dependerá da distância percorrida. O previsto é que chegue a cerca de R$ 14 no trecho entre Jundiaí e Campinas, com menor valor em trajetos mais curtos. A estimativa é que cada trem transporte 2.048 passageiros.
Na Linha 7-Rubi, o Estado calcula que a operação poderá ficar mais ágil. A estimativa é que caia em quase pela metade o intervalo entre trens nos horários de pico, chegando a cerca de 3,5 min. O máximo estabelecido no edital é de 15 min nos demais períodos (da capital até Francisco Morato) e de 30 min (restante da linha). Além disso, uma série de obras estão previstas na concessão.
Por outro lado, a medida pode resultar no encurtamento da linha, do Brás para Barra Funda. A alteração tem recebido críticas, pois deixaria de funcionar conectada à Linha 10-Turquesa, aumentando a necessidade de baldeações. Hoje, o passageiro consegue ir de Jundiaí a Rio Grande da Serra sem trocar de trem.
Estima-se que a soma do TIC, do TIM e da Linha 7-Rubi chegue a transportar mais de 550 mil pessoas diariamente no primeiro ano, com incremento paulatino nos anos seguintes. Entre as fontes de renda adicionais da concessionária, está a possibilidade de venda naming rights — como é feito em estações de metrô (como na Estação Paulista-Pernambucanas) — e o transporte de cargas, dentre outras.
Em paralelo, fora da concessão que vai a leilão, também está prevista a implantação de uma via específica de transporte de carga entre a Barra Funda e Jundiaí, a ser realizada pela concessionária que opera esse serviço no trecho. Desse modo, espera-se que facilite tanto o fluxo da Linha 7-Rubi (que não precisará mais dividir as vias atuais) quanto do transporte de cargas, possibilitando uma eventual redução no tráfego de caminhões.
Trajeto, impactos etc: o que diz o Estado sobre o Trem Intercidades?
Ao Estadão, o secretário executivo de Parceria em Investimentos, André Isper, destacou que um dos principais benefícios do TIC será a “pontualidade”, ainda mais em um panorama de infraestrutura rodoviária saturada e com pouco espaço possível de expansão. Isto é, diferentemente das estradas, que estão à mercê de engarrafamentos, teria menor variação do tempo de viagem e maior compromisso com o cumprimento dos horários de partida e chegada estabelecidos. “Talvez a malha rodoviária tenha chegado no limite ou muito próximo do limite”, avalia. “São Paulo precisa pensar em alternativas.”
Sobre críticas, responde que os valores foram firmados a partir de estudos de demanda, com preço semelhante ao do ônibus. “É uma tarifa adequada. A gente acredita que o teto provavelmente não será praticado”, disse. Também salientou que o levantamento considerou o potencial de migração dos que hoje utilizam ônibus, fretados, automóveis próprios e carros compartilhados por aplicativo.
Além disso, o secretário cita possíveis benefícios ambientais, com redução no tráfego rodoviário, e econômicos. Isso porque as novas linhas potencializariam o desenvolvimento também das cidades assistidas, cuja transformação dependeria de outros fatores, como das legislações urbanísticas municipais, por exemplo. “Tem o potencial de mexer na lógica de ocupação do espaço. Essas cidades vão ficar a 1 hora de São Paulo. Isso mexe muito na lógica urbana.”
Já sobre as críticas ao aporte bilionário feito pelo Estado, ressalta que cerca de R$ 5 bilhões do investimento em infraestrutura serão privados e que a concessionária terá gastos ainda maiores com a manutenção da operação.
Além disso, justificou que o traçado foi definido pela facilidade de implantação, principalmente porque a localização junto às linhas já existentes reduz a necessidade de desapropriações, por envolver terrenos que são majoritariamente públicos.
O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da medida identificou 52 impactos potenciais, entre positivos e negativos. Nas áreas diretamente afetadas, mapeou-se que 11,5% têm vegetação nativa, o que exigirá compensação ambiental, por exemplo.
Além disso, cerca de 600 edificações devem ser afetadas, parte delas em áreas irregulares e com moradores socialmente vulneráveis. O compromisso firmado é que essa população seja indenizada ou reassentada. Parte das famílias tem refutado eventual auxílio-aluguel e defendem a saída mediante destinação a uma moradia definitiva.
O leilão do TIC é parte de um pacote de desestatização do Estado, que envolve também as concessões das Linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade (todas da CPTM) e dos serviços lotéricos estaduais, bem como as vendas da Sabesp e da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), dentre outras.
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