Uma obra da Prefeitura para construir dois túneis na região da Rua Sena Madureira, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, tem motivado manifestações contrárias por parte dos moradores do bairro e virou alvo de investigação pelo Ministério Público do Estado (MP-SP). As construções começaram em setembro, têm prazo de entrega para setembro de 2025 e devem custar, conforme o Município, R$ 531 milhões.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) afirma que dará os esclarecimentos à Promotoria e acrescenta ter as licenças para a obra - a Prefeitura estima 800 mil beneficiados. Diz ainda prever replantio de árvores na região e assistência às famílias afetadas.
Já a construtora Áyla (antiga Queiroz Galvão), afirma seguir o contrato e as melhores práticas de engenharia. Uma reunião foi marcada para esta terça-feira, 5, com os moradores (leia mais abaixo).
Vizinhos dizem que o projeto, anunciado inicialmente na gestão Gilberto Kassab (2006-2012), não leva em conta a nova versão do Plano Diretor, de 2023, que indica áreas de interesse social para moradia popular e de proteção ambiental onde devem passar os novos túneis. Também reclamam de falta de consulta popular e questionam a efetividade da obra para diminuir o trânsito.
Para a construção, a Prefeitura pretende retirar cerca de 200 famílias que vivem em uma comunidade na Vila Mariana e derrubar 172 árvores. Estes dois pontos são alvos de investigação do MP-SP.
“Vivo aqui há 30 anos, faço tratamento médico aqui perto. Para onde vou? A Prefeitura só chegou aqui com tratores, não falou nada e agora vivemos tensos com a possibilidade de termos de sair a qualquer momento”, conta Anatalia Passos, 66 anos, empregada doméstica aposentada e moradora da comunidade Sousa Ramos, cujo terreno público deve ser usado para a construção do acesso ao túnel.
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“Estamos falando de árvores centenárias que serão retiradas para uma obra que foi projetada há mais de dez anos, em outro contexto, distante da crise climática que vivemos hoje”, afirma Marco Martins, arquiteto urbanista, morador da Vila Mariana e autor da representação no Ministério Público.
O Conselho Regional do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (CADES) da Vila Mariana e a Associação de Moradores da Vila Mariana participam da mobilização contrária à obra.
Túneis são para facilitar acesso à Ricardo Jafet
A obra, que diz respeito a dois túneis de duas faixas cada, em sentidos contrários, servirá para desviar parte do fluxo do cruzamento das ruas Sena Madureira com a Domingos de Morais. Conforme a gestão municipal, o projeto “beneficiará mais de 800 mil pessoas que circulam na região diariamente”.
“A intervenção prevê melhor fluidez do trânsito, comportando ônibus e veículos utilitários e garantindo a interligação entre a Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi”, afirma a Prefeitura. O objetivo seria facilitar o acesso à Avenida Ricardo Jafet e, consequentemente, à Rodovia dos Imigrantes, que liga a capital ao litoral sul.
A conexão com a Ricardo Jafet ocorrerá pelas ruas Vergueiro e Embuaçu, que devem receber “adequações viárias de sinalização”. Os túneis terminam a cerca de 1,2 quilômetros da avenida:
- Um deles terá início na Rua Souza Ramos e desemboque na Rua Sena Madureira, na altura da Rua Botucatu, totalizando 977 metros de túnel, intervenções de emboque e desemboque e galerias;
- Já o outro sairá da Rua Sena Madureira, próximo à Rua Mairinque, e desembocará na área pública municipal próximo à rua Souza Ramos, onde fica a comunidade. São 674 metros no total.
Interdições já começaram a ser feitas na região da obra na Sena Madureira.
Moradores temem aumento de trânsito
Parte dos vizinhos diz que o engarrafamento no cruzamento não é significativo a ponto de demandar novos túneis. O Estadão questionou a Prefeitura sobre dados de congestionamento na região, mas não obteve resposta.
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Além disso, há receio por parte dos moradores de sobrecarga nas Ruas Vergueiro e Embuaçu, por onde os carros devem passar no trajeto entre os túneis e a Avenida Ricardo Jafet. O projeto da Prefeitura não inclui intervenções estruturais nestas duas vias, somente sinalização nova. “Não têm largura suficiente para receber esse aumento de fluxo”, afirma Marco Martins.
Segundo o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli USP) Claudio Barbieri da Cunha, a preocupação da população faz sentido. “Toda vez que você faz uma obra viária, como um túnel, você induz tráfego. Você cria facilidade de circulação de veículos, fazendo com que mais veículos passem por ali. No longo prazo, você tem o beneficio muito diminuído, algumas vezes anulado.”
O professor afirma que construir túneis para melhorar congestionamentos é “solução ultrapassada” e que “o mundo inteiro está revendo o uso de obras viárias” para este fim. Isso porque, de acordo com ele, ao facilitar o tráfego de carros em uma região, há uma tendência de novos empreendimentos e comércios naquela área, aumentando o também o número de veículos.
Conforme Cunha, a única maneira de diminuir o trânsito de forma significativa e a longo prazo é investindo em transporte coletivo, o que por vezes pode ser mais barato, aliás, do que a construção de um túnel.
O que a Promotoria investiga
Em um dos inquéritos, o MP-SP pede esclarecimentos à Prefeitura sobre os motivos da contratação, visto que a empresa Áyla (antiga Queiroz Galvão) já foi demandada em ação civil de improbidade administrativa do Ministério Público Federal e ação civil pública do MP-SP “em razão de fraude na licitação relacionada ao Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, bem como pagamento de propina”.
A Áyla diz que “o Consórcio Expresso Sena Madureira está executando as obras do complexo viário nos termos do contrato administrativo e de acordo com os projetos de engenharia. A construção do empreendimento envolve diversas etapas construtivas, dentre elas a criação de caminhos de serviço para o acesso às obras. As obras e intervenções estão sendo executadas de acordo com as melhores práticas de engenharia e de segurança”.
Em nota, a Prefeitura disse que a Secretaria de Mobilidade e Trânsito informa que “os esclarecimentos serão prestados” no prazo estipulado.
O segundo inquérito do MPSP investiga a derrubada de árvores e poluição sonora causada pela obra. E o terceiro calcula se haverá ganhos significativos de mobilidade urbana e se a população que vive na comunidade Sousa Ramos será devidamente realocada.
“A comunidade está pacificamente neste local há cerca de 75 anos. Estávamos em processo de regularização fundiária desde 2016″, afirma Eduardo Canejo, presidente da associação de moradores da comunidade Sousa Ramos.
Segundo o Tribunal de Contas do Município (TCM), o contrato da obra foi assinado em 2011 e a Prefeitura emitiu novas ordens de serviço em maio e setembro de 2024. Em agosto, obteve a Licença Ambiental de Instalação. O órgão disse que vai analisar e monitorar o projeto.
Moradores veem divergência com nova versão do Plano Diretor
Parte das construções passa por terrenos que fazem parte de zonas especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM) e de Interesse Social 1 (ZEIS-1), conforme a nova versão do Plano Diretor da cidade, segundo moradores. Mas na época em que o projeto foi criado, há mais de dez anos, essas marcações ainda não existiam.
- Parte das obras de túneis na Vila Mariana será na Zona Especial de Proteção Ambiental que fica entre as ruas Maurício Francisco Klabin, Afonso Celso, Coronel Luis Alves e Souza Ramos. Ali, passa o córrego Embuaçu, que está sendo canalizado pela Prefeitura, além de dezenas de árvores. Esse tipo de zona, segundo o Plano Diretor, “possui vegetação significativa” e é “destinada à preservação e proteção ambiental”;
- Ao lado da área de vegetação, está a comunidade Souza Ramos, cuja área é considerada no Plano Diretor como Zona Especial de Interesse Social 1, quando há “ocupações irregulares aptas à regularização fundiária”. Pelo tempo em que vivem ali, boa parte dos moradores têm direito à usucapião. A obra dos túneis envolveria a retirada de população desta comunidade.
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O que diz a Prefeitura:
- “A obra respeita todas as exigências relativas a questões ambientais. Foi autorizada pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente a supressão de 172 exemplares (de árvores)”, diz a gestão. A compensação será via “plantio de 266 mudas arbóreas dentro do perímetro da obra e apenas com espécies nativas. O replantio deverá ser executado até o fim das obras.”
- Sobre a retirada de população local, da comunidade Sousa Ramos, a Secretaria Municipal e Habitação afirmou que fará “atendimento definitivo às famílias residentes na área de intervenção das obras do Túnel Sena Madureira, podendo fazer a opção pela indenização de seus imóveis ou a realocação em nova unidade habitacional”. Segundo a pasta, o objetivo da reunião com a equipe social com as famílias é explicar como serão o cadastro e o atendimento.