SÃO SEBASTIÃO - Na beira da água, um homem enquadra bem uma garota e a clica saindo do mar. A poucos metros, duas amigas posam para uma selfie sorridente. Areia branca, sol, a temperatura passa dos 28ºC em Maresias. Na ponta da praia, onde o rio desemboca no mar, três pequenos barcos de pescadores com cerca de uma tonelada de comida, roupas e produtos de limpeza se preparam para vencer as fortes ondas que se formam na saída do canal. É a ajuda para os cerca de 500 desabrigados apenas em um bairro de São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Esse, inclusive, é um dos motivos que fez a prefeitura pedir para que as pessoas não frequentem as praias da cidade.
“No se, no se nada”, diz a turista espanhola que na sexta-feira completou dez dias hospedada em Maresias e não quis se identificar. Sobre as mortes no bairro vizinho, Vila do Sahy, tampouco diz saber de algo. O sol e o calor estavam mais fortes na sexta-feira do que a vontade de conversar.
De longe, sob a proteção do guarda-sol de sua barraca, a vendedora Marta Higina Barroca Scheide Lopes, de 54 anos, sendo 11 de praia, não julga, apenas observa. Seu sustento vem dali, das pessoas que desprezaram a mensagem da prefeitura: “Vamos ter empatia! Vamos ter solidariedade! Não é o momento para os turistas visitarem São Sebastião”, diz a publicação que viralizou nas redes sociais.
“Não tivemos o Carnaval, agora tem gente, não muita, mas tem”, afirma Marta. “Esse movimento para mim vai dar uns 10% do que seria normal.”
Sobrinha de pescadores, a autônoma Barbara Furtado, 26 anos, discorda da presença dos turistas. “Essas pessoas não ligam para nada. Quem perdeu tudo não foram eles, então estão aqui na praia”, diz. Ela é uma das responsáveis por arrecadar alimentos para os desabrigados.
Os três barcos deixam Maresias, passam ao largo por Boiçucanga e entram no rio Cambury, onde uma corrente de voluntários descarrega as doações rumo à Igreja Videira, no chamado “sertão” do bairro - a parte pobre, distante do mar.
Na igreja, uma fila se forma para pegar marmitas e as roupas que chegam. Responsável pelo trabalho, a pastora Rebeca Amaro de Almeida, de 35 anos, está desde domingo fora de casa. O imóvel foi interditado. “Não importa, tem muita gente que perdeu mais do que isso”, diz.
Para ela, ver turistas na praia na sexta-feira não diz muito. “Isso aqui (o trabalho voluntário) não é para todos”, afirma. “É bom que fiquem lá, curtindo a praia, a cerveja, o que for, aqui a gente se vira e faz.”
A prefeitura orienta turistas a não viajarem para São Sebastião. O objetivo, segundo a administração, é evitar sobrecarregar o atendimento em hospitais e o abastecimento de água e de alimentos. Outra alegação é de que as rodovias precisam estar desobstruídas para que veículos de socorro e de resgate possam circular livremente.
Nesta semana, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) também pediu para que os turistas que viajaram para a região por causa do carnaval voltem para suas casas na capital ou outros pontos do Estado para “aliviar a pressão” sobre os serviços locais. Na sexta-feira, seis dias após as fortes chuvas que atingiram o litoral norte, o governo do Estado anunciou a desobstrução de todos os trechos da rodovia Rio-Santos (SP-055) bloqueados por causa dos temporais.