Um dia depois da divulgação, o vereador Isac Félix (PL) anunciou ter recuado e diz que irá retirar a emenda que abria brecha para liberar prédios altos em vizinhanças hoje restritas a casas na cidade de São Paulo. A decisão foi informada à reportagem pela assessoria do parlamentar, que não irá comentar sobre o caso.
A proposta foi criticada por associações de bairros potencialmente impactados, como Alto de Pinheiros, Jardins e Vila Nova Conceição, dentre outros. Como mostrou o Estadão, a emenda era similar a outra aprovada pela Câmara em julho, posteriormente vetada pela gestão Ricardo Nunes (MDB). À época, a Prefeitura havia apontado que fazia uma “profunda alteração” na legislação urbanística da capital paulista.
A emenda havia sido veiculada na manhã de terça-feira, 10, durante audiência pública do polêmico projeto de lei que facilita a expansão de um aterro e a implementação de um ecoparque em São Mateus, na zona leste. A defesa do vereador era de inserção no texto final (quando virasse lei), porque ambas as propostas alteram o Plano Diretor.
A expectativa é de que a votação do projeto de lei (sem a emenda) ocorra na semana que vem, por volta de 18 de dezembro. Outras possíveis alterações no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento são esperadas até a apreciação final, via emendas ou texto substitutivo, em meio a uma maratona de votações na Câmara Municipal.
A proposta do vereador flexibilizava a legislação de modo a liberar outros tipos de construções e usos (como comércio e serviços) em vizinhanças hoje restritas a casas, as Zonas Exclusivamente Residenciais (ZERs). Além disso, removia o trecho da lei que impede prédios altos nessas vizinhanças, que poderiam se tornar “eixo de verticalização” (áreas perto de metrô, trem e corredor de ônibus, com incentivos para a construção de edifícios).
Félix é o mesmo que propôs outras alterações em ZERs neste ano e no ano passado. Também foi o parlamentar que propôs a liberação de um megatemplo evangélico em Alto de Pinheiros, proposta barrada por liminar na Justiça.
Na prática, a emenda não faria mudança automática em todas as ZERs. Para tanto, é preciso que essas zonas sejam alteradas no mapa da Lei de Zoneamento — que também está em discussão na Câmara, que está em meio a uma maratona de votações nas últimas semanas do ano.
O zoneamento e o Plano Diretor fixam regras a diversos aspectos com impacto no dia a dia e no desenvolvimento da cidade — como limite de barulho, altura máxima das construções e tipos de comércios permitidos. Também delimitam onde ocorrerão as principais transformações, como por meio de incentivos a mais apartamentos perto de metrô e a indicação de novos parques. As duas leis passaram por revisão no ano passado e “revisão da revisão” em julho.
No geral, a classificação como ZER envolve áreas valorizadas pelo mercado imobiliário, de classes média e alta na cidade, presentes principalmente nas regiões sul e oeste da cidade. Enquanto o limite de altura em uma zona desse tipo é de 10 metros, não há gabarito máximo em um eixo de verticalização, por exemplo.
Em julho, na justificativa da emenda, o vereador havia mencionado o Estatuto da Cidade e defendido a “universalização do acesso aos benefícios e às comodidades da vida urbana por parte de todos os cidadãos, seja pela oferta e uso dos serviços, equipamentos e infraestruturas públicas”. Ao vetá-la, a Prefeitura apontou que fazia “profunda alteração” no Plano Diretor.
Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que alterações nas zonas exclusivamente residenciais estão em desacordo com as diretrizes principais do Plano Diretor. Também consideram que uma mudança dessa magnitude poderia ser discutida na cidade, mas apenas após estudos e discussão em diversas audiências públicas e em órgãos colegiados da Prefeitura. Isto é, não por meio de emenda divulgada há dias da votação.
Além disso, criticaram a nova rodada de alterações na legislação urbanística meses depois da “revisão da revisão”. Também apontaram o histórico de alterações significativas via emenda e texto substitutivo em projetos originalmente de menor impacto na cidade, o que dificultaria o acompanhamento pela sociedade civil.