Vila Madalena ganha novos restaurantes na pandemia, enquanto boemia tenta resistir


Último ano acelerou transformação do bairro paulistano, com abertura de espaços ligados a nomes e marcas conhecidos; perfil do morador também tem mudado

Por Priscila Mengue

É comum que uma pesquisa sobre um espaço novo aberto na Vila Madalena venha acompanhada de um “antigo” entre parênteses e a referência ao espaço que ocupava o ponto anteriormente. O bairro da cidade de São Paulo continua boêmio e com presença de arte urbana, mas vive uma mudança gradual no perfil do comércio, dos moradores, dos frequentadores e até da paisagem, cada vez mais verticalizada.

Na pandemia, as alterações ficam mais evidentes. E voltaram a chamar a atenção este mês, com a notícia do possível fechamento da cinquentenária Mercearia São Pedro, conhecida por eventos culturais e ser ponto de encontro de intelectuais.

Vila Madalena ganha novos restaurantes na pandemia, enquanto boemia tenta resistir Foto: Marcelo Chello/Estadão
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Placas de “aluga-se” começaram a se espalhar no ano passado, com o fechamento de bares e restaurantes que persistiam em meio às mudanças no entorno. Em questão de meses, começaram a dar lugar a novos espaços, especialmente gastronômicos, em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes (primeira campeã do MasterChef Brasil). 

Um exemplo é o antigo Armazém da Cidade, conhecido por eventos gastronômicos e culturais, atividades na rua e o mural de Tom Zé feito pelo artista Kobra. O endereço agora abriga o Caos Brasilis, inaugurado na última quarta – um dos mais de dez restaurantes e lanchonetes abertos na Vila na pandemia. 

O espaço é comandado pelo chef paulistano Bruno Hoffmann, de 29 anos, conhecido também por ter participado da edição de 2020 do reality show Mestre do Sabor, da TV Globo. Desde o fim do ano passado, ele procurava um ponto para abrir seu primeiro restaurante no bairro após experiências em endereços do entorno.

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Novos espaçosgastronômicos da Vila Madalena são em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes Foto: Marcelo Chello/Estadão

As obras do restaurante também envolveram a recuperação do escadão público ao lado e o convite a artistas da região para fazerem novos grafites na parede voltada para este acesso. Por causa da pandemia, a inauguração ocorre de forma gradual, com cautela e a crença no reaquecimento do mercado com a ampliação da vacinação contra a covid-19. “A Vila Madalena se encaixa perfeitamente no conceito do restaurante, que é agregador, tem uma coisa jovial, mas não ofensiva a quem é mais tradicional”, define ele. “Respira novidade, brasilidade, diversidade, onde todas as tribos circulam.”

No local da antiga hamburgueria Black Trunk, na Rua Purpurina, hoje funciona a loja-conceito da rede americana Johnny Rockets. “Pensamos no Itaim-Bibi (zona sul), na Vila Madalena, nos bairros mais boêmios”, conta Renan Troccoli, sócio do espaço. A ideia é atrair “um público mais jovem, boêmio, de bar”.

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Johnny Rockets da Vila Madalena serve drinque dentro de patins Foto: Marcelo Chello/Estadão

Uma das estratégias são os drinques inusitados e “instagramáveis”, como o inspirado em uma arte de Banksy (a que uma menina solta um balão vermelho em forma de coração) e outro servido dentro de patins. Na parte interna, há um “Beco do Johnny”, com artes feitas por Fabio Polesi e outros artistas e inspirada no vizinho Beco do Batman. “Por enquanto, está agradando bastante aos clientes", conta Troccoli.

Outra novidade é a adesão de quatro estabelecimentos da região ao programa Ruas SP, da Prefeitura – um na Girassol e três na Aspicuelta. Isso permite mesas nas calçadas e nas vagas de estacionamento de carros.

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Unidade de rede norte-americana na Vila Madalena convidou artistas para grafitar paredes internas Foto: Marcelo Chello/Estadão

Estabelecimentos antigos falam em adaptação e resistência

A descrição usada em rede social por um dos poucos bares dos anos 1980 que persistiram na área resume a mudança: “Foi reduto de intelectuais de esquerda e de cineastas (...). O público ficou mais eclético, recebendo universitários de todos os cantos da cidade, patricinhas e mauricinhos, atletas e neo-hippies e também quarentões e cinquentões saudosos de uma época em que o Empanadas Bar era só deles.” No Martin Fierro, a proprietária Ana Maria Massochi, de 70 anos, diz ter alguns clientes desde o início da trajetória do restaurante, aberto há mais de 40 anos. “O espírito da casa se mantém igual. Não é a mesma garagem, as cadeiras não são de lata, mas a proposta é a mesma.” O restaurante, especializado em empanadas e cortes de carne argentinos, se adaptou. Foi um dos primeiros do entorno a oferecer cafés expressos e a carta de vinhos foi ampliada. “Foi virando um point”, diz ela.  Outro espaço há mais tempo na região é o Ó do Borogodó, aberto há 20 anos. Na época, os sócios-proprietários frequentavam rodas de samba no entorno e a escolha de um endereço na Vila parecia natural. “A gente criou ali um ambiente como um fundo de quintal”, diz Stefânia Gola, sócia do bar, que segue exclusivamente com atividades virtuais na pandemia e permanece com o aluguel em dia por conta de uma vaquinha aberta após o anúncio de um possível fechamento.  Não que as contas sejam motivo de despreocupação, ainda mais na região valorizada. “No pré-pandemia, já estava em momento complicado. O ‘Ó’ é uma espelunca, feito de outras matérias. A gente tinha aluguel barato (no início). Na medida em que a Vila foi crescendo, sofre com o aumento de aluguel.” O espaço enfrenta resistência da vizinhança anualmente para o desfile do próprio bloco de carnaval, de pequeno porte. “O bairro boêmio não existe mais. É outra Vila. Ela foi vendida a um público que detesta boemia.”

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Mesmo assim, considerando-se uma ilha no meio da Vila Madalena, a intenção é ficar. “Ali carrega uma história, um jeito de viver uma cidade", comenta. 

Antes e depois: estação Vila Madalena do Metrô

1 | 1

2006

Foto: Vivi Zanatta/Estadão

Vila Madalena também tem se expandido territorialmente

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A transformação também é territorial. Espaços antes lidos como parte do Sumarezinho, da Vila Ida e de outros bairros do entorno hoje são identificados por Vila Madalena. “Era restrita a três ou quatro ruas”, diz Yvone Dias Avelino, professora de História da PUC-SP. “A cidade de São Paulo se tornou grande do ponto de vista do povoamento, e a Vila acompanhou isso. É uma cidade dentro da cidade.” Ela resume a trajetória da Vila no último século em quatro fases: a dos imigrantes (principalmente portugueses), a religiosa (marcada pelas festividades católicas), a da chegada dos alunos da USP e artistas (especialmente nos anos 1970) e a atual. 

Para a historiadora, a presença da escola de samba Pérola Negra foi um dos estartes para a atração de paulistanos de fora do bairro e o início de uma tradição boêmia, nos anos 1970, assim como a presença dos estudantes e artistas ampliou a transformação de espaços residenciais em bares, ateliês e outros estabelecimentos. “Era uma boemia mais comportada, que se misturava ao habitante da Vila”, comenta. “Hoje, tomou outra dimensão.”

Antes e depois: verticalização da Travessa Tim Maia com a Rua Girassol

1 | 1

2021

Foto: Werther Santana/Estadão

Perfil do morador da Vila Madalena mudou nos últimos 40 anos

Embora esteja cada vez mais evidente, a verticalização da Vila Madalena é motivo de conflito em parte da vizinhança. Menos se fala, contudo, de outra mudança também gradual, que se intensifica: a de classe social. Um reduto de classe média baixa até os anos 1970, o bairro passou de uma opção mais acessível no centro expandido para uma das mais cobiçadas. Para o professor de Urbanismo da USP Nabil Bonduki, a região vive gradual e lenta mudança de perfil iniciada há mais de 40 anos, quando estudantes da USP passaram a morar ali, quando o custo de aluguel era mais baixo que no entorno. “Esse perfil que gosta hoje da Vila Madalena como boêmia, lugar de artistas, faz parte da mudança de perfil de renda da população. Aquilo que muitas vezes é exaltado é parte desse processo de certa elitização do bairro”, aponta. 

Ele cita seu próprio exemplo. Quando comprou uma casa no bairro, em 1979, “não tinha condição de comprar em outro lugar nesse quadrante entre a Avenida Paulista e a Cidade Universitária. Os outros eram muito caros.” O perfil residencial era basicamente de casas autoconstruídas até os anos 1980, quando a verticalização ganhou espaço lentamente. “Era um bairro popular, com serralheria, marcenaria, padarias e bares populares.”

Casas são cada vez mais raras na Vila Madalena Foto: Werther Santana/Estadão

O atual Plano Diretor, de 2014, por exemplo, estimulou edifícios com comércio no térreo, sem garagem e com unidades pequenas. Porém, como lembra Bonduki, relator do plano à época, a Lei de Zoneamento posterior abriu uma brecha de três anos que permitiu apartamentos distantes do padrão desejado pelo poder público, com grande metragem e diversas vagas de garagem, o que reduziu a capacidade de adensamento.

Para ele, o interesse imobiliário era esperado pela localização, a infraestrutura e o “charme” a que a Vila é geralmente associada. “Quem ainda mora em casa já tem perfil de renda mais alto, e quem está chegando mantém isso, com exceção talvez dos apartamentos menores, que podem ter uma juventude de classe média.”

Consequentemente, também muda o modo de vida, a relação com a rua e outros aspectos antes atribuídos. “Não precisaria mudar, mas muda. Vem uma população que tem menos essa relação com o espaço público. O padrão de São Paulo é o condomínio fechado com garagem e murado. A pessoa entra no prédio de carro e sai de carro, sem uma vivência do entorno.”

Verticalização em áreas nas proximidades de estações de Metrô é incentivada pelo Plano Diretor Foto: Werther Santana/Estadão

O Mapa da Desigualdade de 2020, que compila dados de fontes públicas expõe este perfil. Ele aponta os distritos que a Vila Madalena integra, Alto de Pinheiros e Pinheiros, como dois dos que têm menor população preta e parda na cidade, respectivamente 8,1% e 11,1%. Por outro lado, estão entre os com a maior proporção de moradores de até 29 anos, mais de 26%. A remuneração média mensal por emprego formal está entre R$ 4,2 e RE$ 5,3 mil. Professor de História na Unesp, pesquisador da Vila Madalena e morador do bairro por mais de 60 anos, Eduardo José Afonso percebe as mudanças. “Antes não tinha o movimento louco de carros. A gente sabia o nome de cada pessoa. Esse contato começou a se diluir, veio gente de todo lado.”

Ele considera que a chegada dos universitários foi decisiva. “No início, foi interessante esse contato. Com o tempo, começou a se diluir, surgiram os bares e vinha gente de todo o canto”, diz. Embora empreendimentos destaquem os valores da Vila, Afonso acredita que isso é hoje “mais propaganda do que outra coisa”.

Apesar de veto, área tem registro de aglomerações na pandemia

Mesmo com a realização de baladas proibida em São Paulo, a região da Vila Madalena retomou a rotina de aglomerações e chegou a ter registros de festas clandestinas. A disseminação da covid-19, agora com a variante Delta, mais transmissível, tem preocupado as autoridades. Os cuidados de prevenção devem continuar mesmo após a vacinação com as duas doses, tais como o uso prioritário de máscaras com boa vedação, o distanciamento social e a ventilação dos ambientes, entre outros.

É comum que uma pesquisa sobre um espaço novo aberto na Vila Madalena venha acompanhada de um “antigo” entre parênteses e a referência ao espaço que ocupava o ponto anteriormente. O bairro da cidade de São Paulo continua boêmio e com presença de arte urbana, mas vive uma mudança gradual no perfil do comércio, dos moradores, dos frequentadores e até da paisagem, cada vez mais verticalizada.

Na pandemia, as alterações ficam mais evidentes. E voltaram a chamar a atenção este mês, com a notícia do possível fechamento da cinquentenária Mercearia São Pedro, conhecida por eventos culturais e ser ponto de encontro de intelectuais.

Vila Madalena ganha novos restaurantes na pandemia, enquanto boemia tenta resistir Foto: Marcelo Chello/Estadão

Placas de “aluga-se” começaram a se espalhar no ano passado, com o fechamento de bares e restaurantes que persistiam em meio às mudanças no entorno. Em questão de meses, começaram a dar lugar a novos espaços, especialmente gastronômicos, em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes (primeira campeã do MasterChef Brasil). 

Um exemplo é o antigo Armazém da Cidade, conhecido por eventos gastronômicos e culturais, atividades na rua e o mural de Tom Zé feito pelo artista Kobra. O endereço agora abriga o Caos Brasilis, inaugurado na última quarta – um dos mais de dez restaurantes e lanchonetes abertos na Vila na pandemia. 

O espaço é comandado pelo chef paulistano Bruno Hoffmann, de 29 anos, conhecido também por ter participado da edição de 2020 do reality show Mestre do Sabor, da TV Globo. Desde o fim do ano passado, ele procurava um ponto para abrir seu primeiro restaurante no bairro após experiências em endereços do entorno.

Novos espaçosgastronômicos da Vila Madalena são em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes Foto: Marcelo Chello/Estadão

As obras do restaurante também envolveram a recuperação do escadão público ao lado e o convite a artistas da região para fazerem novos grafites na parede voltada para este acesso. Por causa da pandemia, a inauguração ocorre de forma gradual, com cautela e a crença no reaquecimento do mercado com a ampliação da vacinação contra a covid-19. “A Vila Madalena se encaixa perfeitamente no conceito do restaurante, que é agregador, tem uma coisa jovial, mas não ofensiva a quem é mais tradicional”, define ele. “Respira novidade, brasilidade, diversidade, onde todas as tribos circulam.”

No local da antiga hamburgueria Black Trunk, na Rua Purpurina, hoje funciona a loja-conceito da rede americana Johnny Rockets. “Pensamos no Itaim-Bibi (zona sul), na Vila Madalena, nos bairros mais boêmios”, conta Renan Troccoli, sócio do espaço. A ideia é atrair “um público mais jovem, boêmio, de bar”.

Johnny Rockets da Vila Madalena serve drinque dentro de patins Foto: Marcelo Chello/Estadão

Uma das estratégias são os drinques inusitados e “instagramáveis”, como o inspirado em uma arte de Banksy (a que uma menina solta um balão vermelho em forma de coração) e outro servido dentro de patins. Na parte interna, há um “Beco do Johnny”, com artes feitas por Fabio Polesi e outros artistas e inspirada no vizinho Beco do Batman. “Por enquanto, está agradando bastante aos clientes", conta Troccoli.

Outra novidade é a adesão de quatro estabelecimentos da região ao programa Ruas SP, da Prefeitura – um na Girassol e três na Aspicuelta. Isso permite mesas nas calçadas e nas vagas de estacionamento de carros.

Unidade de rede norte-americana na Vila Madalena convidou artistas para grafitar paredes internas Foto: Marcelo Chello/Estadão

Estabelecimentos antigos falam em adaptação e resistência

A descrição usada em rede social por um dos poucos bares dos anos 1980 que persistiram na área resume a mudança: “Foi reduto de intelectuais de esquerda e de cineastas (...). O público ficou mais eclético, recebendo universitários de todos os cantos da cidade, patricinhas e mauricinhos, atletas e neo-hippies e também quarentões e cinquentões saudosos de uma época em que o Empanadas Bar era só deles.” No Martin Fierro, a proprietária Ana Maria Massochi, de 70 anos, diz ter alguns clientes desde o início da trajetória do restaurante, aberto há mais de 40 anos. “O espírito da casa se mantém igual. Não é a mesma garagem, as cadeiras não são de lata, mas a proposta é a mesma.” O restaurante, especializado em empanadas e cortes de carne argentinos, se adaptou. Foi um dos primeiros do entorno a oferecer cafés expressos e a carta de vinhos foi ampliada. “Foi virando um point”, diz ela.  Outro espaço há mais tempo na região é o Ó do Borogodó, aberto há 20 anos. Na época, os sócios-proprietários frequentavam rodas de samba no entorno e a escolha de um endereço na Vila parecia natural. “A gente criou ali um ambiente como um fundo de quintal”, diz Stefânia Gola, sócia do bar, que segue exclusivamente com atividades virtuais na pandemia e permanece com o aluguel em dia por conta de uma vaquinha aberta após o anúncio de um possível fechamento.  Não que as contas sejam motivo de despreocupação, ainda mais na região valorizada. “No pré-pandemia, já estava em momento complicado. O ‘Ó’ é uma espelunca, feito de outras matérias. A gente tinha aluguel barato (no início). Na medida em que a Vila foi crescendo, sofre com o aumento de aluguel.” O espaço enfrenta resistência da vizinhança anualmente para o desfile do próprio bloco de carnaval, de pequeno porte. “O bairro boêmio não existe mais. É outra Vila. Ela foi vendida a um público que detesta boemia.”

Mesmo assim, considerando-se uma ilha no meio da Vila Madalena, a intenção é ficar. “Ali carrega uma história, um jeito de viver uma cidade", comenta. 

Antes e depois: estação Vila Madalena do Metrô

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2006

Foto: Vivi Zanatta/Estadão

Vila Madalena também tem se expandido territorialmente

A transformação também é territorial. Espaços antes lidos como parte do Sumarezinho, da Vila Ida e de outros bairros do entorno hoje são identificados por Vila Madalena. “Era restrita a três ou quatro ruas”, diz Yvone Dias Avelino, professora de História da PUC-SP. “A cidade de São Paulo se tornou grande do ponto de vista do povoamento, e a Vila acompanhou isso. É uma cidade dentro da cidade.” Ela resume a trajetória da Vila no último século em quatro fases: a dos imigrantes (principalmente portugueses), a religiosa (marcada pelas festividades católicas), a da chegada dos alunos da USP e artistas (especialmente nos anos 1970) e a atual. 

Para a historiadora, a presença da escola de samba Pérola Negra foi um dos estartes para a atração de paulistanos de fora do bairro e o início de uma tradição boêmia, nos anos 1970, assim como a presença dos estudantes e artistas ampliou a transformação de espaços residenciais em bares, ateliês e outros estabelecimentos. “Era uma boemia mais comportada, que se misturava ao habitante da Vila”, comenta. “Hoje, tomou outra dimensão.”

Antes e depois: verticalização da Travessa Tim Maia com a Rua Girassol

1 | 1

2021

Foto: Werther Santana/Estadão

Perfil do morador da Vila Madalena mudou nos últimos 40 anos

Embora esteja cada vez mais evidente, a verticalização da Vila Madalena é motivo de conflito em parte da vizinhança. Menos se fala, contudo, de outra mudança também gradual, que se intensifica: a de classe social. Um reduto de classe média baixa até os anos 1970, o bairro passou de uma opção mais acessível no centro expandido para uma das mais cobiçadas. Para o professor de Urbanismo da USP Nabil Bonduki, a região vive gradual e lenta mudança de perfil iniciada há mais de 40 anos, quando estudantes da USP passaram a morar ali, quando o custo de aluguel era mais baixo que no entorno. “Esse perfil que gosta hoje da Vila Madalena como boêmia, lugar de artistas, faz parte da mudança de perfil de renda da população. Aquilo que muitas vezes é exaltado é parte desse processo de certa elitização do bairro”, aponta. 

Ele cita seu próprio exemplo. Quando comprou uma casa no bairro, em 1979, “não tinha condição de comprar em outro lugar nesse quadrante entre a Avenida Paulista e a Cidade Universitária. Os outros eram muito caros.” O perfil residencial era basicamente de casas autoconstruídas até os anos 1980, quando a verticalização ganhou espaço lentamente. “Era um bairro popular, com serralheria, marcenaria, padarias e bares populares.”

Casas são cada vez mais raras na Vila Madalena Foto: Werther Santana/Estadão

O atual Plano Diretor, de 2014, por exemplo, estimulou edifícios com comércio no térreo, sem garagem e com unidades pequenas. Porém, como lembra Bonduki, relator do plano à época, a Lei de Zoneamento posterior abriu uma brecha de três anos que permitiu apartamentos distantes do padrão desejado pelo poder público, com grande metragem e diversas vagas de garagem, o que reduziu a capacidade de adensamento.

Para ele, o interesse imobiliário era esperado pela localização, a infraestrutura e o “charme” a que a Vila é geralmente associada. “Quem ainda mora em casa já tem perfil de renda mais alto, e quem está chegando mantém isso, com exceção talvez dos apartamentos menores, que podem ter uma juventude de classe média.”

Consequentemente, também muda o modo de vida, a relação com a rua e outros aspectos antes atribuídos. “Não precisaria mudar, mas muda. Vem uma população que tem menos essa relação com o espaço público. O padrão de São Paulo é o condomínio fechado com garagem e murado. A pessoa entra no prédio de carro e sai de carro, sem uma vivência do entorno.”

Verticalização em áreas nas proximidades de estações de Metrô é incentivada pelo Plano Diretor Foto: Werther Santana/Estadão

O Mapa da Desigualdade de 2020, que compila dados de fontes públicas expõe este perfil. Ele aponta os distritos que a Vila Madalena integra, Alto de Pinheiros e Pinheiros, como dois dos que têm menor população preta e parda na cidade, respectivamente 8,1% e 11,1%. Por outro lado, estão entre os com a maior proporção de moradores de até 29 anos, mais de 26%. A remuneração média mensal por emprego formal está entre R$ 4,2 e RE$ 5,3 mil. Professor de História na Unesp, pesquisador da Vila Madalena e morador do bairro por mais de 60 anos, Eduardo José Afonso percebe as mudanças. “Antes não tinha o movimento louco de carros. A gente sabia o nome de cada pessoa. Esse contato começou a se diluir, veio gente de todo lado.”

Ele considera que a chegada dos universitários foi decisiva. “No início, foi interessante esse contato. Com o tempo, começou a se diluir, surgiram os bares e vinha gente de todo o canto”, diz. Embora empreendimentos destaquem os valores da Vila, Afonso acredita que isso é hoje “mais propaganda do que outra coisa”.

Apesar de veto, área tem registro de aglomerações na pandemia

Mesmo com a realização de baladas proibida em São Paulo, a região da Vila Madalena retomou a rotina de aglomerações e chegou a ter registros de festas clandestinas. A disseminação da covid-19, agora com a variante Delta, mais transmissível, tem preocupado as autoridades. Os cuidados de prevenção devem continuar mesmo após a vacinação com as duas doses, tais como o uso prioritário de máscaras com boa vedação, o distanciamento social e a ventilação dos ambientes, entre outros.

É comum que uma pesquisa sobre um espaço novo aberto na Vila Madalena venha acompanhada de um “antigo” entre parênteses e a referência ao espaço que ocupava o ponto anteriormente. O bairro da cidade de São Paulo continua boêmio e com presença de arte urbana, mas vive uma mudança gradual no perfil do comércio, dos moradores, dos frequentadores e até da paisagem, cada vez mais verticalizada.

Na pandemia, as alterações ficam mais evidentes. E voltaram a chamar a atenção este mês, com a notícia do possível fechamento da cinquentenária Mercearia São Pedro, conhecida por eventos culturais e ser ponto de encontro de intelectuais.

Vila Madalena ganha novos restaurantes na pandemia, enquanto boemia tenta resistir Foto: Marcelo Chello/Estadão

Placas de “aluga-se” começaram a se espalhar no ano passado, com o fechamento de bares e restaurantes que persistiam em meio às mudanças no entorno. Em questão de meses, começaram a dar lugar a novos espaços, especialmente gastronômicos, em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes (primeira campeã do MasterChef Brasil). 

Um exemplo é o antigo Armazém da Cidade, conhecido por eventos gastronômicos e culturais, atividades na rua e o mural de Tom Zé feito pelo artista Kobra. O endereço agora abriga o Caos Brasilis, inaugurado na última quarta – um dos mais de dez restaurantes e lanchonetes abertos na Vila na pandemia. 

O espaço é comandado pelo chef paulistano Bruno Hoffmann, de 29 anos, conhecido também por ter participado da edição de 2020 do reality show Mestre do Sabor, da TV Globo. Desde o fim do ano passado, ele procurava um ponto para abrir seu primeiro restaurante no bairro após experiências em endereços do entorno.

Novos espaçosgastronômicos da Vila Madalena são em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes Foto: Marcelo Chello/Estadão

As obras do restaurante também envolveram a recuperação do escadão público ao lado e o convite a artistas da região para fazerem novos grafites na parede voltada para este acesso. Por causa da pandemia, a inauguração ocorre de forma gradual, com cautela e a crença no reaquecimento do mercado com a ampliação da vacinação contra a covid-19. “A Vila Madalena se encaixa perfeitamente no conceito do restaurante, que é agregador, tem uma coisa jovial, mas não ofensiva a quem é mais tradicional”, define ele. “Respira novidade, brasilidade, diversidade, onde todas as tribos circulam.”

No local da antiga hamburgueria Black Trunk, na Rua Purpurina, hoje funciona a loja-conceito da rede americana Johnny Rockets. “Pensamos no Itaim-Bibi (zona sul), na Vila Madalena, nos bairros mais boêmios”, conta Renan Troccoli, sócio do espaço. A ideia é atrair “um público mais jovem, boêmio, de bar”.

Johnny Rockets da Vila Madalena serve drinque dentro de patins Foto: Marcelo Chello/Estadão

Uma das estratégias são os drinques inusitados e “instagramáveis”, como o inspirado em uma arte de Banksy (a que uma menina solta um balão vermelho em forma de coração) e outro servido dentro de patins. Na parte interna, há um “Beco do Johnny”, com artes feitas por Fabio Polesi e outros artistas e inspirada no vizinho Beco do Batman. “Por enquanto, está agradando bastante aos clientes", conta Troccoli.

Outra novidade é a adesão de quatro estabelecimentos da região ao programa Ruas SP, da Prefeitura – um na Girassol e três na Aspicuelta. Isso permite mesas nas calçadas e nas vagas de estacionamento de carros.

Unidade de rede norte-americana na Vila Madalena convidou artistas para grafitar paredes internas Foto: Marcelo Chello/Estadão

Estabelecimentos antigos falam em adaptação e resistência

A descrição usada em rede social por um dos poucos bares dos anos 1980 que persistiram na área resume a mudança: “Foi reduto de intelectuais de esquerda e de cineastas (...). O público ficou mais eclético, recebendo universitários de todos os cantos da cidade, patricinhas e mauricinhos, atletas e neo-hippies e também quarentões e cinquentões saudosos de uma época em que o Empanadas Bar era só deles.” No Martin Fierro, a proprietária Ana Maria Massochi, de 70 anos, diz ter alguns clientes desde o início da trajetória do restaurante, aberto há mais de 40 anos. “O espírito da casa se mantém igual. Não é a mesma garagem, as cadeiras não são de lata, mas a proposta é a mesma.” O restaurante, especializado em empanadas e cortes de carne argentinos, se adaptou. Foi um dos primeiros do entorno a oferecer cafés expressos e a carta de vinhos foi ampliada. “Foi virando um point”, diz ela.  Outro espaço há mais tempo na região é o Ó do Borogodó, aberto há 20 anos. Na época, os sócios-proprietários frequentavam rodas de samba no entorno e a escolha de um endereço na Vila parecia natural. “A gente criou ali um ambiente como um fundo de quintal”, diz Stefânia Gola, sócia do bar, que segue exclusivamente com atividades virtuais na pandemia e permanece com o aluguel em dia por conta de uma vaquinha aberta após o anúncio de um possível fechamento.  Não que as contas sejam motivo de despreocupação, ainda mais na região valorizada. “No pré-pandemia, já estava em momento complicado. O ‘Ó’ é uma espelunca, feito de outras matérias. A gente tinha aluguel barato (no início). Na medida em que a Vila foi crescendo, sofre com o aumento de aluguel.” O espaço enfrenta resistência da vizinhança anualmente para o desfile do próprio bloco de carnaval, de pequeno porte. “O bairro boêmio não existe mais. É outra Vila. Ela foi vendida a um público que detesta boemia.”

Mesmo assim, considerando-se uma ilha no meio da Vila Madalena, a intenção é ficar. “Ali carrega uma história, um jeito de viver uma cidade", comenta. 

Antes e depois: estação Vila Madalena do Metrô

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2006

Foto: Vivi Zanatta/Estadão

Vila Madalena também tem se expandido territorialmente

A transformação também é territorial. Espaços antes lidos como parte do Sumarezinho, da Vila Ida e de outros bairros do entorno hoje são identificados por Vila Madalena. “Era restrita a três ou quatro ruas”, diz Yvone Dias Avelino, professora de História da PUC-SP. “A cidade de São Paulo se tornou grande do ponto de vista do povoamento, e a Vila acompanhou isso. É uma cidade dentro da cidade.” Ela resume a trajetória da Vila no último século em quatro fases: a dos imigrantes (principalmente portugueses), a religiosa (marcada pelas festividades católicas), a da chegada dos alunos da USP e artistas (especialmente nos anos 1970) e a atual. 

Para a historiadora, a presença da escola de samba Pérola Negra foi um dos estartes para a atração de paulistanos de fora do bairro e o início de uma tradição boêmia, nos anos 1970, assim como a presença dos estudantes e artistas ampliou a transformação de espaços residenciais em bares, ateliês e outros estabelecimentos. “Era uma boemia mais comportada, que se misturava ao habitante da Vila”, comenta. “Hoje, tomou outra dimensão.”

Antes e depois: verticalização da Travessa Tim Maia com a Rua Girassol

1 | 1

2021

Foto: Werther Santana/Estadão

Perfil do morador da Vila Madalena mudou nos últimos 40 anos

Embora esteja cada vez mais evidente, a verticalização da Vila Madalena é motivo de conflito em parte da vizinhança. Menos se fala, contudo, de outra mudança também gradual, que se intensifica: a de classe social. Um reduto de classe média baixa até os anos 1970, o bairro passou de uma opção mais acessível no centro expandido para uma das mais cobiçadas. Para o professor de Urbanismo da USP Nabil Bonduki, a região vive gradual e lenta mudança de perfil iniciada há mais de 40 anos, quando estudantes da USP passaram a morar ali, quando o custo de aluguel era mais baixo que no entorno. “Esse perfil que gosta hoje da Vila Madalena como boêmia, lugar de artistas, faz parte da mudança de perfil de renda da população. Aquilo que muitas vezes é exaltado é parte desse processo de certa elitização do bairro”, aponta. 

Ele cita seu próprio exemplo. Quando comprou uma casa no bairro, em 1979, “não tinha condição de comprar em outro lugar nesse quadrante entre a Avenida Paulista e a Cidade Universitária. Os outros eram muito caros.” O perfil residencial era basicamente de casas autoconstruídas até os anos 1980, quando a verticalização ganhou espaço lentamente. “Era um bairro popular, com serralheria, marcenaria, padarias e bares populares.”

Casas são cada vez mais raras na Vila Madalena Foto: Werther Santana/Estadão

O atual Plano Diretor, de 2014, por exemplo, estimulou edifícios com comércio no térreo, sem garagem e com unidades pequenas. Porém, como lembra Bonduki, relator do plano à época, a Lei de Zoneamento posterior abriu uma brecha de três anos que permitiu apartamentos distantes do padrão desejado pelo poder público, com grande metragem e diversas vagas de garagem, o que reduziu a capacidade de adensamento.

Para ele, o interesse imobiliário era esperado pela localização, a infraestrutura e o “charme” a que a Vila é geralmente associada. “Quem ainda mora em casa já tem perfil de renda mais alto, e quem está chegando mantém isso, com exceção talvez dos apartamentos menores, que podem ter uma juventude de classe média.”

Consequentemente, também muda o modo de vida, a relação com a rua e outros aspectos antes atribuídos. “Não precisaria mudar, mas muda. Vem uma população que tem menos essa relação com o espaço público. O padrão de São Paulo é o condomínio fechado com garagem e murado. A pessoa entra no prédio de carro e sai de carro, sem uma vivência do entorno.”

Verticalização em áreas nas proximidades de estações de Metrô é incentivada pelo Plano Diretor Foto: Werther Santana/Estadão

O Mapa da Desigualdade de 2020, que compila dados de fontes públicas expõe este perfil. Ele aponta os distritos que a Vila Madalena integra, Alto de Pinheiros e Pinheiros, como dois dos que têm menor população preta e parda na cidade, respectivamente 8,1% e 11,1%. Por outro lado, estão entre os com a maior proporção de moradores de até 29 anos, mais de 26%. A remuneração média mensal por emprego formal está entre R$ 4,2 e RE$ 5,3 mil. Professor de História na Unesp, pesquisador da Vila Madalena e morador do bairro por mais de 60 anos, Eduardo José Afonso percebe as mudanças. “Antes não tinha o movimento louco de carros. A gente sabia o nome de cada pessoa. Esse contato começou a se diluir, veio gente de todo lado.”

Ele considera que a chegada dos universitários foi decisiva. “No início, foi interessante esse contato. Com o tempo, começou a se diluir, surgiram os bares e vinha gente de todo o canto”, diz. Embora empreendimentos destaquem os valores da Vila, Afonso acredita que isso é hoje “mais propaganda do que outra coisa”.

Apesar de veto, área tem registro de aglomerações na pandemia

Mesmo com a realização de baladas proibida em São Paulo, a região da Vila Madalena retomou a rotina de aglomerações e chegou a ter registros de festas clandestinas. A disseminação da covid-19, agora com a variante Delta, mais transmissível, tem preocupado as autoridades. Os cuidados de prevenção devem continuar mesmo após a vacinação com as duas doses, tais como o uso prioritário de máscaras com boa vedação, o distanciamento social e a ventilação dos ambientes, entre outros.

É comum que uma pesquisa sobre um espaço novo aberto na Vila Madalena venha acompanhada de um “antigo” entre parênteses e a referência ao espaço que ocupava o ponto anteriormente. O bairro da cidade de São Paulo continua boêmio e com presença de arte urbana, mas vive uma mudança gradual no perfil do comércio, dos moradores, dos frequentadores e até da paisagem, cada vez mais verticalizada.

Na pandemia, as alterações ficam mais evidentes. E voltaram a chamar a atenção este mês, com a notícia do possível fechamento da cinquentenária Mercearia São Pedro, conhecida por eventos culturais e ser ponto de encontro de intelectuais.

Vila Madalena ganha novos restaurantes na pandemia, enquanto boemia tenta resistir Foto: Marcelo Chello/Estadão

Placas de “aluga-se” começaram a se espalhar no ano passado, com o fechamento de bares e restaurantes que persistiam em meio às mudanças no entorno. Em questão de meses, começaram a dar lugar a novos espaços, especialmente gastronômicos, em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes (primeira campeã do MasterChef Brasil). 

Um exemplo é o antigo Armazém da Cidade, conhecido por eventos gastronômicos e culturais, atividades na rua e o mural de Tom Zé feito pelo artista Kobra. O endereço agora abriga o Caos Brasilis, inaugurado na última quarta – um dos mais de dez restaurantes e lanchonetes abertos na Vila na pandemia. 

O espaço é comandado pelo chef paulistano Bruno Hoffmann, de 29 anos, conhecido também por ter participado da edição de 2020 do reality show Mestre do Sabor, da TV Globo. Desde o fim do ano passado, ele procurava um ponto para abrir seu primeiro restaurante no bairro após experiências em endereços do entorno.

Novos espaçosgastronômicos da Vila Madalena são em parte ligados a nomes conhecidos, como a chef Bela Gil, os sorvetes Rochinha, a Jeronimo Burger (do Grupo Madero) e a chef Elisa Fernandes Foto: Marcelo Chello/Estadão

As obras do restaurante também envolveram a recuperação do escadão público ao lado e o convite a artistas da região para fazerem novos grafites na parede voltada para este acesso. Por causa da pandemia, a inauguração ocorre de forma gradual, com cautela e a crença no reaquecimento do mercado com a ampliação da vacinação contra a covid-19. “A Vila Madalena se encaixa perfeitamente no conceito do restaurante, que é agregador, tem uma coisa jovial, mas não ofensiva a quem é mais tradicional”, define ele. “Respira novidade, brasilidade, diversidade, onde todas as tribos circulam.”

No local da antiga hamburgueria Black Trunk, na Rua Purpurina, hoje funciona a loja-conceito da rede americana Johnny Rockets. “Pensamos no Itaim-Bibi (zona sul), na Vila Madalena, nos bairros mais boêmios”, conta Renan Troccoli, sócio do espaço. A ideia é atrair “um público mais jovem, boêmio, de bar”.

Johnny Rockets da Vila Madalena serve drinque dentro de patins Foto: Marcelo Chello/Estadão

Uma das estratégias são os drinques inusitados e “instagramáveis”, como o inspirado em uma arte de Banksy (a que uma menina solta um balão vermelho em forma de coração) e outro servido dentro de patins. Na parte interna, há um “Beco do Johnny”, com artes feitas por Fabio Polesi e outros artistas e inspirada no vizinho Beco do Batman. “Por enquanto, está agradando bastante aos clientes", conta Troccoli.

Outra novidade é a adesão de quatro estabelecimentos da região ao programa Ruas SP, da Prefeitura – um na Girassol e três na Aspicuelta. Isso permite mesas nas calçadas e nas vagas de estacionamento de carros.

Unidade de rede norte-americana na Vila Madalena convidou artistas para grafitar paredes internas Foto: Marcelo Chello/Estadão

Estabelecimentos antigos falam em adaptação e resistência

A descrição usada em rede social por um dos poucos bares dos anos 1980 que persistiram na área resume a mudança: “Foi reduto de intelectuais de esquerda e de cineastas (...). O público ficou mais eclético, recebendo universitários de todos os cantos da cidade, patricinhas e mauricinhos, atletas e neo-hippies e também quarentões e cinquentões saudosos de uma época em que o Empanadas Bar era só deles.” No Martin Fierro, a proprietária Ana Maria Massochi, de 70 anos, diz ter alguns clientes desde o início da trajetória do restaurante, aberto há mais de 40 anos. “O espírito da casa se mantém igual. Não é a mesma garagem, as cadeiras não são de lata, mas a proposta é a mesma.” O restaurante, especializado em empanadas e cortes de carne argentinos, se adaptou. Foi um dos primeiros do entorno a oferecer cafés expressos e a carta de vinhos foi ampliada. “Foi virando um point”, diz ela.  Outro espaço há mais tempo na região é o Ó do Borogodó, aberto há 20 anos. Na época, os sócios-proprietários frequentavam rodas de samba no entorno e a escolha de um endereço na Vila parecia natural. “A gente criou ali um ambiente como um fundo de quintal”, diz Stefânia Gola, sócia do bar, que segue exclusivamente com atividades virtuais na pandemia e permanece com o aluguel em dia por conta de uma vaquinha aberta após o anúncio de um possível fechamento.  Não que as contas sejam motivo de despreocupação, ainda mais na região valorizada. “No pré-pandemia, já estava em momento complicado. O ‘Ó’ é uma espelunca, feito de outras matérias. A gente tinha aluguel barato (no início). Na medida em que a Vila foi crescendo, sofre com o aumento de aluguel.” O espaço enfrenta resistência da vizinhança anualmente para o desfile do próprio bloco de carnaval, de pequeno porte. “O bairro boêmio não existe mais. É outra Vila. Ela foi vendida a um público que detesta boemia.”

Mesmo assim, considerando-se uma ilha no meio da Vila Madalena, a intenção é ficar. “Ali carrega uma história, um jeito de viver uma cidade", comenta. 

Antes e depois: estação Vila Madalena do Metrô

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2006

Foto: Vivi Zanatta/Estadão

Vila Madalena também tem se expandido territorialmente

A transformação também é territorial. Espaços antes lidos como parte do Sumarezinho, da Vila Ida e de outros bairros do entorno hoje são identificados por Vila Madalena. “Era restrita a três ou quatro ruas”, diz Yvone Dias Avelino, professora de História da PUC-SP. “A cidade de São Paulo se tornou grande do ponto de vista do povoamento, e a Vila acompanhou isso. É uma cidade dentro da cidade.” Ela resume a trajetória da Vila no último século em quatro fases: a dos imigrantes (principalmente portugueses), a religiosa (marcada pelas festividades católicas), a da chegada dos alunos da USP e artistas (especialmente nos anos 1970) e a atual. 

Para a historiadora, a presença da escola de samba Pérola Negra foi um dos estartes para a atração de paulistanos de fora do bairro e o início de uma tradição boêmia, nos anos 1970, assim como a presença dos estudantes e artistas ampliou a transformação de espaços residenciais em bares, ateliês e outros estabelecimentos. “Era uma boemia mais comportada, que se misturava ao habitante da Vila”, comenta. “Hoje, tomou outra dimensão.”

Antes e depois: verticalização da Travessa Tim Maia com a Rua Girassol

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2021

Foto: Werther Santana/Estadão

Perfil do morador da Vila Madalena mudou nos últimos 40 anos

Embora esteja cada vez mais evidente, a verticalização da Vila Madalena é motivo de conflito em parte da vizinhança. Menos se fala, contudo, de outra mudança também gradual, que se intensifica: a de classe social. Um reduto de classe média baixa até os anos 1970, o bairro passou de uma opção mais acessível no centro expandido para uma das mais cobiçadas. Para o professor de Urbanismo da USP Nabil Bonduki, a região vive gradual e lenta mudança de perfil iniciada há mais de 40 anos, quando estudantes da USP passaram a morar ali, quando o custo de aluguel era mais baixo que no entorno. “Esse perfil que gosta hoje da Vila Madalena como boêmia, lugar de artistas, faz parte da mudança de perfil de renda da população. Aquilo que muitas vezes é exaltado é parte desse processo de certa elitização do bairro”, aponta. 

Ele cita seu próprio exemplo. Quando comprou uma casa no bairro, em 1979, “não tinha condição de comprar em outro lugar nesse quadrante entre a Avenida Paulista e a Cidade Universitária. Os outros eram muito caros.” O perfil residencial era basicamente de casas autoconstruídas até os anos 1980, quando a verticalização ganhou espaço lentamente. “Era um bairro popular, com serralheria, marcenaria, padarias e bares populares.”

Casas são cada vez mais raras na Vila Madalena Foto: Werther Santana/Estadão

O atual Plano Diretor, de 2014, por exemplo, estimulou edifícios com comércio no térreo, sem garagem e com unidades pequenas. Porém, como lembra Bonduki, relator do plano à época, a Lei de Zoneamento posterior abriu uma brecha de três anos que permitiu apartamentos distantes do padrão desejado pelo poder público, com grande metragem e diversas vagas de garagem, o que reduziu a capacidade de adensamento.

Para ele, o interesse imobiliário era esperado pela localização, a infraestrutura e o “charme” a que a Vila é geralmente associada. “Quem ainda mora em casa já tem perfil de renda mais alto, e quem está chegando mantém isso, com exceção talvez dos apartamentos menores, que podem ter uma juventude de classe média.”

Consequentemente, também muda o modo de vida, a relação com a rua e outros aspectos antes atribuídos. “Não precisaria mudar, mas muda. Vem uma população que tem menos essa relação com o espaço público. O padrão de São Paulo é o condomínio fechado com garagem e murado. A pessoa entra no prédio de carro e sai de carro, sem uma vivência do entorno.”

Verticalização em áreas nas proximidades de estações de Metrô é incentivada pelo Plano Diretor Foto: Werther Santana/Estadão

O Mapa da Desigualdade de 2020, que compila dados de fontes públicas expõe este perfil. Ele aponta os distritos que a Vila Madalena integra, Alto de Pinheiros e Pinheiros, como dois dos que têm menor população preta e parda na cidade, respectivamente 8,1% e 11,1%. Por outro lado, estão entre os com a maior proporção de moradores de até 29 anos, mais de 26%. A remuneração média mensal por emprego formal está entre R$ 4,2 e RE$ 5,3 mil. Professor de História na Unesp, pesquisador da Vila Madalena e morador do bairro por mais de 60 anos, Eduardo José Afonso percebe as mudanças. “Antes não tinha o movimento louco de carros. A gente sabia o nome de cada pessoa. Esse contato começou a se diluir, veio gente de todo lado.”

Ele considera que a chegada dos universitários foi decisiva. “No início, foi interessante esse contato. Com o tempo, começou a se diluir, surgiram os bares e vinha gente de todo o canto”, diz. Embora empreendimentos destaquem os valores da Vila, Afonso acredita que isso é hoje “mais propaganda do que outra coisa”.

Apesar de veto, área tem registro de aglomerações na pandemia

Mesmo com a realização de baladas proibida em São Paulo, a região da Vila Madalena retomou a rotina de aglomerações e chegou a ter registros de festas clandestinas. A disseminação da covid-19, agora com a variante Delta, mais transmissível, tem preocupado as autoridades. Os cuidados de prevenção devem continuar mesmo após a vacinação com as duas doses, tais como o uso prioritário de máscaras com boa vedação, o distanciamento social e a ventilação dos ambientes, entre outros.

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