Uma fila de oito homens formam um cordão humano que transporta baldes cheios de terra e entulho retirados da Barra do Sahy, comunidade de São Sebastião que foi mais castigada pelas enchentes e deslizamentos de terra causados pelas fortes chuvas que caem sobre o litoral norte de São Paulo. Ao menos 50 pessoas morreram. Esses homens são vizinhos de rua, de bairro e até de outras regiões que foram até lá apenas para ajudar no resgate de vítimas e reconstrução do local.
Um deles é o ajudante de obras Jorge Alves da Silva, de 61 anos. Por causa de uma dor crônica no joelho direito, ele não consegue se abaixar totalmente para fechar o saco de lixo. Silva mora duas ruas acima, sua casa não foi arrastada pela tragédia, mas ele não arreda o pé dali. “Eu não podia ficar em casa, que está inteira, sabendo que muita gente perdeu tudo na comunidade”, diz o senhor solteiro e sem filhos que vive ali há 39 anos.
Com os danos provocados pelas chuvas, as equipes de salvamento enfrentam inúmeros obstáculos, como troncos de árvores, sedimentos, escombros e solapamento de vias. Desobstruir dá trabalho. Por isso, a ajuda é bem-vinda até para os profissionais. O capitão Diogo, do Corpo de Bombeiros, reconhece a importância do trabalho voluntário, mas faz um alerta sobre a segurança. “Se não fosse o povo, tudo seria muito mais difícil. Mas a gente precisa tomar cuidado com acidentes”, diz. Seu olhar está dirigido para a mesma fila de homens. Eles usam luvas, mas estão sem outros equipamentos de proteção individual, como capacetes e óculos. É um descuido que, neste momento, passa.
Massoterapeuta
Nesse contexto, existem até voluntários que querem cuidar dos voluntários. É o caso do massoterapeuta e fisiologista Jacques Pereira, de 39 anos. Ele está ali se alguém precisar de primeiros socorros, cair ou se machucar no meio dos escombros. “Eles estão numa área de risco em situação de risco”, afirma. E o especialista foi além: ele doou brinquedos pedagógicos para as crianças que estão no Instituto Verde Escola, principal local de acolhimento dos desabrigados da Barra do Sahy. Ele acha que as crianças precisam buscar outras atividades para aliviar o impacto emocional da perda das casas ou de parentes.
A rede de voluntários cria suas próprias regras. Ou tem poucas. É só chegar, pegar uma luva e ajudar de acordo, como Kayan Andrade, que viu sua pousada, a Mares de Camburizinho, distante 10 minutos dali, com água no primeiro andar. Nos primeiros dias, ele ajudou os hóspedes a deixar a praia de helicóptero. Agora, espera a ação das seguradoras para a retirada dos veículos. Enquanto os funcionários descartam os móveis, o empresário de 25 anos decidiu dar uma força para quem estava precisando ainda mais. Ele também está carregando entulho. “Várias pessoas perderam tudo o que estava dentro de casa”, diz.
Não é preciso ter vínculos ou raízes para ajudar. A designer de moda Joana Americano, de 28 anos, estava simplesmente passando o feriado de carnaval em Cambury. Diante da tragédia, ficou alucinada para ajudar de alguma forma. O Estadão encontrou a paulistana de 28 anos anos separando as roupas que foram doadas à escola municipal Henrique Tavares de Jesus por um caminhão do Exército. É a amiga Jade Uzeda, também turista, que resume o sentimento das duas. “Sei que sou uma privilegiada e acho que a gente não pode virar os olhos”, diz a estudante de Marketing de 21 anos.