Justiça suspende mudança em lei que permite megatemplo e prédios em Alto de Pinheiros


Alteração no zoneamento liberaria plano de expansão da Igreja Presbiteriana de Pinheiros, que agradeceu mudança a Ricardo Nunes em culto, como revelou o ‘Estadão’; Prefeitura, Câmara e Igreja negam irregularidades

Por Priscila Mengue

A Justiça determinou a suspensão temporária do trecho da revisão da Lei de Zoneamento que permitia prédios de 48 metros de altura e um megatemplo evangélico em uma área antes restrita a imóveis baixos em Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

O Ministério Público Estadual (MP-SP) argumentou que a alteração se afastava “do interesse público em benefício particular”, dentre outros pontos. A Prefeitura, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros e a Câmara Municipal dizem que a mudança atende a critérios técnicos.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria-Geral de Justiça cita o plano da igreja de construir um megatemplo de 13 andares no local — o que foi revelado pela reportagem do Estadão, mencionada na petição e incluída nos autos.

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A igreja recebeu o prefeito Ricardo Nunes (MDB), um representante do vereador reeleito Isac Félix (PL) e outras autoridades para agradecer pela mudança em culto dias após a nova lei entrar em vigor, em janeiro.

Para especialistas, o novo trecho da lei pode ser considerado ilegal, pois contraria princípios gerais do zoneamento, que prevê áreas de transição entre zonas somente de residências baixas e aquelas com prédios.

Além disso, a alteração foi pontual: endereços de características similares em diferentes regiões seguem com classificação restritiva, de acordo com especialista em legislação urbana. O restante da revisão do zoneamento segue em vigor, incluindo mudanças adicionais feitas em julho.

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Por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), a gestão Nunes respondeu ao Estadão que avalia as medidas cabíveis e disse que “irá se manifestar em juízo para comprovar que não houve irregularidade na atuação da Administração”.

Já a Câmara apontou que a revisão “decorreu de processo legislativo absolutamente correto, no qual foram observadas todas as normas regimentais”. Disse ainda estar segura de que a ação será julgada improcedente.

Também em nota, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros afirmou que “não recebeu qualquer favorecimento e, sim, teve acolhido um pedido”, o que seria “legalmente previsto no processo democrático que rege o ordenamento jurídico brasileiro”. E salientou ter apresentado “argumentos técnicos” e que buscou “observadas as regras legais, melhorar o aproveitamento da sua área”.

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Igreja Presbiteriana de Pinheiros comprou e demoliu casas vizinhas para a construção de megatemplo em Alto de Pinheiros, na zona oeste Foto: Felipe Rau/Estadão - 16/07/2024

A ação foi aberta após o MP-SP ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), contrária às alterações. A liminar foi concedida pelo desembargador Nuevo Campos, no fim de setembro.

Após a mudança no zoneamento, algumas casas vizinhas ao templo foram demolidas pela Igreja em junho. Em um culto, foi dito que a IPP comprou ao menos 12 imóveis no entorno, a fim de expandir as instalações. A estimativa é de que o megatemplo possa custar cerca de R$ 80 milhões.

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Qual foi a mudança no zoneamento de Alto de Pinheiros?

A mudança está no texto substitutivo do projeto de revisão da Lei de Zoneamento, apresentado pouco antes da votação, no fim de dezembro. Com o novo trecho, cerca de 10 quadras de Alto de Pinheiros perderam a restrição de construção exclusivamente de imóveis baixos, classificadas até então como Zona Corredor (ZCOR) — uma espécie de “cinturão comercial” de baixa estatura no entorno de Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER), como é o caso de grande parte do distrito.

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No geral, as alterações de zoneamento abrangem especialmente trechos da Avenida Doutora Ruth Cardoso e do entorno da Praça Arcipreste Anselmo de Oli, nas imediações da Ponte Cidade Universitária e da Marginal Pinheiros. Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura.

A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de porte superior.

Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da Igreja, quando se agradeceu pela mudança no zoneamento. Nunes também discursou. Veja trechos do culto com autoridades abaixo:

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Participação do prefeito de São Paulo em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros ocorreu nove dias após nova lei entrar em vigor

A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Procurada, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto. Já a Igreja havia argumentado que “o projeto teve a aprovação de vereadores das alas governistas e de oposição e foi aprovado com ampla maioria no plenário, motivo pelo qual agradeceu os membros do Executivo e do Legislativo”.

A Igreja pleiteava mudanças na vizinhança ao menos desde 2021, quando a Prefeitura revisava o Plano Diretor — lei que define diretrizes da Lei de Zoneamento. Em nota ao Estadão, apontou que discutia a ampliação do templo desde 2018 e que, depois, “passou a trabalhar mediante interação junto ao processamento dos projetos de revisão do Plano Diretor e, posteriormente, da Lei de Zoneamento.”

O Zoneamento e o Plano Diretor são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, fixando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, locais que receberão incentivos para a verticalização, áreas de proteção ambiental etc.

Com a revisão do zoneamento na Câmara, no ano passado, o vereador Isac Félix apresentou a emenda que altera o entorno do templo. Ele havia justificado, na emenda, que aquela área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.

Na plataforma de tramitação da Câmara, o documento da emenda traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, nos quais são mostradas as alterações de zoneamento sugeridas. A mudança foi incorporada ao projeto de lei da revisão, aprovado por 46 dos 55 vereadores.

Procurado, Félix não respondeu ao Estadão. Na revisão da revisão do zoneamento, aprovada em julho, também apresentou novas emendas de alteração em vizinhanças residenciais, como na Cidade Jardim e na Vila Nova Conceição. Após mobilização popular, contudo, esses trechos foram vetados pelo prefeito.

Veja abaixo, imagens do projeto do megatemplo de Alto de Pinheiros.

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Projeto foi apresentado em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros em julho do ano passado

Também procurado pelo Estadão, o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a proposta foi incorporada após ser apresentada por Félix e passar por avaliação técnica. Destacou não ter relação com a Igreja Presbiteriana e argumentou que a apresentação de emendas e mudanças no dia da votação são prerrogativa de todos os vereadores.

Além disso, mencionou outras liminares que tentaram barrar a revisão do zoneamento como um todo (a ação atual envolve apenas o trecho sobre Alto de Pinheiros), as quais foram depois consideradas improcedentes (as decisões avaliaram, porém, a tramitação na Câmara, não tanto o conteúdo das mudanças). O nome de Goulart não foi citado no culto em que os reverendos agradeceram às autoridades pela mudança.

Como é o projeto do megatemplo da Igreja Presbiteriana de Pinheiros?

A unidade de Pinheiros é a mais rica entre as ligadas à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), segundo balanço de 2023. No aniversário de 117 anos da Igreja, em julho de 2023, o reverendo Arival Dias Casimiro apresentou o projeto de expansão, com megatemplo, colégio particular, capela 24 horas e praça de alimentação.

Casas adquiridas por Igreja foram demolidas; projeto prevê megatemplo no local Foto: Priscila Mengue/Arquivo pessoal

“Nunca uma igreja cristã, evangélica, esteve na marginal. A marginal tem tudo, mas não uma igreja pregando a Bíblia, ensinando a palavra de Deus. E vai ter”, disse. Após ser procurada pelo Estadão, a Igreja retirou do ar grande parte dos cultos transmitidos no último ano, antes disponíveis no YouTube e Facebook.

Segundo apresentado no culto de julho do ano passado, o megatemplo ocuparia terreno de cerca de 5 mil m², com 14 mil m² de área construída ao fim da obra. A previsão é de cerca de 2,6 mil assentos na área de culto e 253 vagas de estacionamento, no subsolo.

Projeto de megatemplo foi apresentado em culto Foto: Igreja Presbiteriana de Pinheiros/Reprodução via Youtube

Em um culto em 2022, o pastor Arival afirmou que a Igreja arrecadava de R$ 2 milhões a R$ 2,5 milhões por mês e explicou o plano de expansão. “Estamos pensando estrategicamente. Compramos do outro lado, ali, e estamos comprando mais duas (casas). Estamos fechando um quarteirão, numa cabeça de ponte (Ponte da Cidade Universitária)”, disse.

Hoje, o espaço de culto não comporta todos os frequentadores em alguns dias da semana. Em 14 de julho, por exemplo, quando o Estadão visitou o espaço, parte dos fiéis assistia a um dos quatro cultos daquele domingo em salas de transmissão instaladas no mesmo imóvel.

Banners e envelopes divulgam pedidos de doações para o novo templo. O plano da Igreja é de que, temporariamente, seja instalada ainda este ano uma tenda para 1,5 mil pessoas onde as casas foram recentemente demolidas. As obras de fundação, para suportar a estrutura metálica, estão em andamento.

Envelope disponibilizado na Igreja Presbiteriano de Pinheiros, voltado à coleta de doações para futuro templo  Foto: Priscila Mengue/Estadão

Por que o Ministério Público considera a mudança inconstitucional?

Na petição, o procurador-geral de Justiça Paulo Sérgio de Oliveira e Costa aponta seis aspectos principais que caracterizaram a inconstitucionalidade da mudança. São eles:

  • “Ausência de participação popular em relação às alterações, que foram aprovadas no mesmo dia de sua apresentação”;
  • “Ofensa ao princípio de moralidade e impessoalidade, por conta de desvio de finalidade da emenda parlamentar apresentada, que se afastou do interesse público em benefício particular”;
  • “Ausência de planejamento técnico na produção da lei que altera o ordenamento do uso e ocupação do solo, promovendo alterações tópicas incompatíveis com o planejamento urbano integral”;
  • “Indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral e sua conformidade com as normas urbanísticas, vulnerando integralidade do instrumento básico da política desenvolvimento do Município”;
  • “Violação do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, inobservância das restrições urbanísticas consistente na convencionais e da motivação”;
  • “Violação aos artigos 111, 144, 180, I, II e V, 181 e 191 da Constituição Estadual (dentre eles, o trecho que diz que os poderes de Estado devem obedecer a “princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”).

O procurador chega a apontar que a alteração ocorreu “sem lastro técnico” e “em ofensa aos princípios de impessoalidade e moralidade”. Também salienta que a emenda que sugeriu a mudança trazia “Igreja Presbiteriana de Pinheiros” no título do arquivo, o que, dentro outros motivos, deixaria “claro que a emenda parlamentar atendeu a interesse particular”.

Banner e cartazes distribuídos pela Igreja Presbiteriana de Pinheiros pedem doações para obra de novo templo Foto: Priscila Mengue/Estadão

“A lei há de ser impessoal e pautada pela ética, não podendo buscar a satisfação de interesses outros além do interesse público primário, não servindo, portanto, para que uma alteração abrupta e de inopino de regime jurídico tenha como escopo exclusivo interesses particulares, sob pena de desvio de finalidade”, diz. O procurador cita ainda “notório desvio de finalidade, visando privilegiar, pontualmente, determinadas pessoas em detrimento das aspirações coletivas e regras constitucionais”.

A Justiça determinou a suspensão temporária do trecho da revisão da Lei de Zoneamento que permitia prédios de 48 metros de altura e um megatemplo evangélico em uma área antes restrita a imóveis baixos em Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

O Ministério Público Estadual (MP-SP) argumentou que a alteração se afastava “do interesse público em benefício particular”, dentre outros pontos. A Prefeitura, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros e a Câmara Municipal dizem que a mudança atende a critérios técnicos.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria-Geral de Justiça cita o plano da igreja de construir um megatemplo de 13 andares no local — o que foi revelado pela reportagem do Estadão, mencionada na petição e incluída nos autos.

A igreja recebeu o prefeito Ricardo Nunes (MDB), um representante do vereador reeleito Isac Félix (PL) e outras autoridades para agradecer pela mudança em culto dias após a nova lei entrar em vigor, em janeiro.

Para especialistas, o novo trecho da lei pode ser considerado ilegal, pois contraria princípios gerais do zoneamento, que prevê áreas de transição entre zonas somente de residências baixas e aquelas com prédios.

Além disso, a alteração foi pontual: endereços de características similares em diferentes regiões seguem com classificação restritiva, de acordo com especialista em legislação urbana. O restante da revisão do zoneamento segue em vigor, incluindo mudanças adicionais feitas em julho.

Por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), a gestão Nunes respondeu ao Estadão que avalia as medidas cabíveis e disse que “irá se manifestar em juízo para comprovar que não houve irregularidade na atuação da Administração”.

Já a Câmara apontou que a revisão “decorreu de processo legislativo absolutamente correto, no qual foram observadas todas as normas regimentais”. Disse ainda estar segura de que a ação será julgada improcedente.

Também em nota, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros afirmou que “não recebeu qualquer favorecimento e, sim, teve acolhido um pedido”, o que seria “legalmente previsto no processo democrático que rege o ordenamento jurídico brasileiro”. E salientou ter apresentado “argumentos técnicos” e que buscou “observadas as regras legais, melhorar o aproveitamento da sua área”.

Igreja Presbiteriana de Pinheiros comprou e demoliu casas vizinhas para a construção de megatemplo em Alto de Pinheiros, na zona oeste Foto: Felipe Rau/Estadão - 16/07/2024

A ação foi aberta após o MP-SP ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), contrária às alterações. A liminar foi concedida pelo desembargador Nuevo Campos, no fim de setembro.

Após a mudança no zoneamento, algumas casas vizinhas ao templo foram demolidas pela Igreja em junho. Em um culto, foi dito que a IPP comprou ao menos 12 imóveis no entorno, a fim de expandir as instalações. A estimativa é de que o megatemplo possa custar cerca de R$ 80 milhões.

Qual foi a mudança no zoneamento de Alto de Pinheiros?

A mudança está no texto substitutivo do projeto de revisão da Lei de Zoneamento, apresentado pouco antes da votação, no fim de dezembro. Com o novo trecho, cerca de 10 quadras de Alto de Pinheiros perderam a restrição de construção exclusivamente de imóveis baixos, classificadas até então como Zona Corredor (ZCOR) — uma espécie de “cinturão comercial” de baixa estatura no entorno de Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER), como é o caso de grande parte do distrito.

No geral, as alterações de zoneamento abrangem especialmente trechos da Avenida Doutora Ruth Cardoso e do entorno da Praça Arcipreste Anselmo de Oli, nas imediações da Ponte Cidade Universitária e da Marginal Pinheiros. Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura.

A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de porte superior.

Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da Igreja, quando se agradeceu pela mudança no zoneamento. Nunes também discursou. Veja trechos do culto com autoridades abaixo:

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Participação do prefeito de São Paulo em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros ocorreu nove dias após nova lei entrar em vigor

A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Procurada, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto. Já a Igreja havia argumentado que “o projeto teve a aprovação de vereadores das alas governistas e de oposição e foi aprovado com ampla maioria no plenário, motivo pelo qual agradeceu os membros do Executivo e do Legislativo”.

A Igreja pleiteava mudanças na vizinhança ao menos desde 2021, quando a Prefeitura revisava o Plano Diretor — lei que define diretrizes da Lei de Zoneamento. Em nota ao Estadão, apontou que discutia a ampliação do templo desde 2018 e que, depois, “passou a trabalhar mediante interação junto ao processamento dos projetos de revisão do Plano Diretor e, posteriormente, da Lei de Zoneamento.”

O Zoneamento e o Plano Diretor são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, fixando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, locais que receberão incentivos para a verticalização, áreas de proteção ambiental etc.

Com a revisão do zoneamento na Câmara, no ano passado, o vereador Isac Félix apresentou a emenda que altera o entorno do templo. Ele havia justificado, na emenda, que aquela área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.

Na plataforma de tramitação da Câmara, o documento da emenda traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, nos quais são mostradas as alterações de zoneamento sugeridas. A mudança foi incorporada ao projeto de lei da revisão, aprovado por 46 dos 55 vereadores.

Procurado, Félix não respondeu ao Estadão. Na revisão da revisão do zoneamento, aprovada em julho, também apresentou novas emendas de alteração em vizinhanças residenciais, como na Cidade Jardim e na Vila Nova Conceição. Após mobilização popular, contudo, esses trechos foram vetados pelo prefeito.

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Também procurado pelo Estadão, o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a proposta foi incorporada após ser apresentada por Félix e passar por avaliação técnica. Destacou não ter relação com a Igreja Presbiteriana e argumentou que a apresentação de emendas e mudanças no dia da votação são prerrogativa de todos os vereadores.

Além disso, mencionou outras liminares que tentaram barrar a revisão do zoneamento como um todo (a ação atual envolve apenas o trecho sobre Alto de Pinheiros), as quais foram depois consideradas improcedentes (as decisões avaliaram, porém, a tramitação na Câmara, não tanto o conteúdo das mudanças). O nome de Goulart não foi citado no culto em que os reverendos agradeceram às autoridades pela mudança.

Como é o projeto do megatemplo da Igreja Presbiteriana de Pinheiros?

A unidade de Pinheiros é a mais rica entre as ligadas à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), segundo balanço de 2023. No aniversário de 117 anos da Igreja, em julho de 2023, o reverendo Arival Dias Casimiro apresentou o projeto de expansão, com megatemplo, colégio particular, capela 24 horas e praça de alimentação.

Casas adquiridas por Igreja foram demolidas; projeto prevê megatemplo no local Foto: Priscila Mengue/Arquivo pessoal

“Nunca uma igreja cristã, evangélica, esteve na marginal. A marginal tem tudo, mas não uma igreja pregando a Bíblia, ensinando a palavra de Deus. E vai ter”, disse. Após ser procurada pelo Estadão, a Igreja retirou do ar grande parte dos cultos transmitidos no último ano, antes disponíveis no YouTube e Facebook.

Segundo apresentado no culto de julho do ano passado, o megatemplo ocuparia terreno de cerca de 5 mil m², com 14 mil m² de área construída ao fim da obra. A previsão é de cerca de 2,6 mil assentos na área de culto e 253 vagas de estacionamento, no subsolo.

Projeto de megatemplo foi apresentado em culto Foto: Igreja Presbiteriana de Pinheiros/Reprodução via Youtube

Em um culto em 2022, o pastor Arival afirmou que a Igreja arrecadava de R$ 2 milhões a R$ 2,5 milhões por mês e explicou o plano de expansão. “Estamos pensando estrategicamente. Compramos do outro lado, ali, e estamos comprando mais duas (casas). Estamos fechando um quarteirão, numa cabeça de ponte (Ponte da Cidade Universitária)”, disse.

Hoje, o espaço de culto não comporta todos os frequentadores em alguns dias da semana. Em 14 de julho, por exemplo, quando o Estadão visitou o espaço, parte dos fiéis assistia a um dos quatro cultos daquele domingo em salas de transmissão instaladas no mesmo imóvel.

Banners e envelopes divulgam pedidos de doações para o novo templo. O plano da Igreja é de que, temporariamente, seja instalada ainda este ano uma tenda para 1,5 mil pessoas onde as casas foram recentemente demolidas. As obras de fundação, para suportar a estrutura metálica, estão em andamento.

Envelope disponibilizado na Igreja Presbiteriano de Pinheiros, voltado à coleta de doações para futuro templo  Foto: Priscila Mengue/Estadão

Por que o Ministério Público considera a mudança inconstitucional?

Na petição, o procurador-geral de Justiça Paulo Sérgio de Oliveira e Costa aponta seis aspectos principais que caracterizaram a inconstitucionalidade da mudança. São eles:

  • “Ausência de participação popular em relação às alterações, que foram aprovadas no mesmo dia de sua apresentação”;
  • “Ofensa ao princípio de moralidade e impessoalidade, por conta de desvio de finalidade da emenda parlamentar apresentada, que se afastou do interesse público em benefício particular”;
  • “Ausência de planejamento técnico na produção da lei que altera o ordenamento do uso e ocupação do solo, promovendo alterações tópicas incompatíveis com o planejamento urbano integral”;
  • “Indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral e sua conformidade com as normas urbanísticas, vulnerando integralidade do instrumento básico da política desenvolvimento do Município”;
  • “Violação do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, inobservância das restrições urbanísticas consistente na convencionais e da motivação”;
  • “Violação aos artigos 111, 144, 180, I, II e V, 181 e 191 da Constituição Estadual (dentre eles, o trecho que diz que os poderes de Estado devem obedecer a “princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”).

O procurador chega a apontar que a alteração ocorreu “sem lastro técnico” e “em ofensa aos princípios de impessoalidade e moralidade”. Também salienta que a emenda que sugeriu a mudança trazia “Igreja Presbiteriana de Pinheiros” no título do arquivo, o que, dentro outros motivos, deixaria “claro que a emenda parlamentar atendeu a interesse particular”.

Banner e cartazes distribuídos pela Igreja Presbiteriana de Pinheiros pedem doações para obra de novo templo Foto: Priscila Mengue/Estadão

“A lei há de ser impessoal e pautada pela ética, não podendo buscar a satisfação de interesses outros além do interesse público primário, não servindo, portanto, para que uma alteração abrupta e de inopino de regime jurídico tenha como escopo exclusivo interesses particulares, sob pena de desvio de finalidade”, diz. O procurador cita ainda “notório desvio de finalidade, visando privilegiar, pontualmente, determinadas pessoas em detrimento das aspirações coletivas e regras constitucionais”.

A Justiça determinou a suspensão temporária do trecho da revisão da Lei de Zoneamento que permitia prédios de 48 metros de altura e um megatemplo evangélico em uma área antes restrita a imóveis baixos em Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

O Ministério Público Estadual (MP-SP) argumentou que a alteração se afastava “do interesse público em benefício particular”, dentre outros pontos. A Prefeitura, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros e a Câmara Municipal dizem que a mudança atende a critérios técnicos.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria-Geral de Justiça cita o plano da igreja de construir um megatemplo de 13 andares no local — o que foi revelado pela reportagem do Estadão, mencionada na petição e incluída nos autos.

A igreja recebeu o prefeito Ricardo Nunes (MDB), um representante do vereador reeleito Isac Félix (PL) e outras autoridades para agradecer pela mudança em culto dias após a nova lei entrar em vigor, em janeiro.

Para especialistas, o novo trecho da lei pode ser considerado ilegal, pois contraria princípios gerais do zoneamento, que prevê áreas de transição entre zonas somente de residências baixas e aquelas com prédios.

Além disso, a alteração foi pontual: endereços de características similares em diferentes regiões seguem com classificação restritiva, de acordo com especialista em legislação urbana. O restante da revisão do zoneamento segue em vigor, incluindo mudanças adicionais feitas em julho.

Por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), a gestão Nunes respondeu ao Estadão que avalia as medidas cabíveis e disse que “irá se manifestar em juízo para comprovar que não houve irregularidade na atuação da Administração”.

Já a Câmara apontou que a revisão “decorreu de processo legislativo absolutamente correto, no qual foram observadas todas as normas regimentais”. Disse ainda estar segura de que a ação será julgada improcedente.

Também em nota, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros afirmou que “não recebeu qualquer favorecimento e, sim, teve acolhido um pedido”, o que seria “legalmente previsto no processo democrático que rege o ordenamento jurídico brasileiro”. E salientou ter apresentado “argumentos técnicos” e que buscou “observadas as regras legais, melhorar o aproveitamento da sua área”.

Igreja Presbiteriana de Pinheiros comprou e demoliu casas vizinhas para a construção de megatemplo em Alto de Pinheiros, na zona oeste Foto: Felipe Rau/Estadão - 16/07/2024

A ação foi aberta após o MP-SP ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), contrária às alterações. A liminar foi concedida pelo desembargador Nuevo Campos, no fim de setembro.

Após a mudança no zoneamento, algumas casas vizinhas ao templo foram demolidas pela Igreja em junho. Em um culto, foi dito que a IPP comprou ao menos 12 imóveis no entorno, a fim de expandir as instalações. A estimativa é de que o megatemplo possa custar cerca de R$ 80 milhões.

Qual foi a mudança no zoneamento de Alto de Pinheiros?

A mudança está no texto substitutivo do projeto de revisão da Lei de Zoneamento, apresentado pouco antes da votação, no fim de dezembro. Com o novo trecho, cerca de 10 quadras de Alto de Pinheiros perderam a restrição de construção exclusivamente de imóveis baixos, classificadas até então como Zona Corredor (ZCOR) — uma espécie de “cinturão comercial” de baixa estatura no entorno de Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER), como é o caso de grande parte do distrito.

No geral, as alterações de zoneamento abrangem especialmente trechos da Avenida Doutora Ruth Cardoso e do entorno da Praça Arcipreste Anselmo de Oli, nas imediações da Ponte Cidade Universitária e da Marginal Pinheiros. Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura.

A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de porte superior.

Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da Igreja, quando se agradeceu pela mudança no zoneamento. Nunes também discursou. Veja trechos do culto com autoridades abaixo:

Seu navegador não suporta esse video.

Participação do prefeito de São Paulo em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros ocorreu nove dias após nova lei entrar em vigor

A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Procurada, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto. Já a Igreja havia argumentado que “o projeto teve a aprovação de vereadores das alas governistas e de oposição e foi aprovado com ampla maioria no plenário, motivo pelo qual agradeceu os membros do Executivo e do Legislativo”.

A Igreja pleiteava mudanças na vizinhança ao menos desde 2021, quando a Prefeitura revisava o Plano Diretor — lei que define diretrizes da Lei de Zoneamento. Em nota ao Estadão, apontou que discutia a ampliação do templo desde 2018 e que, depois, “passou a trabalhar mediante interação junto ao processamento dos projetos de revisão do Plano Diretor e, posteriormente, da Lei de Zoneamento.”

O Zoneamento e o Plano Diretor são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, fixando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, locais que receberão incentivos para a verticalização, áreas de proteção ambiental etc.

Com a revisão do zoneamento na Câmara, no ano passado, o vereador Isac Félix apresentou a emenda que altera o entorno do templo. Ele havia justificado, na emenda, que aquela área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.

Na plataforma de tramitação da Câmara, o documento da emenda traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, nos quais são mostradas as alterações de zoneamento sugeridas. A mudança foi incorporada ao projeto de lei da revisão, aprovado por 46 dos 55 vereadores.

Procurado, Félix não respondeu ao Estadão. Na revisão da revisão do zoneamento, aprovada em julho, também apresentou novas emendas de alteração em vizinhanças residenciais, como na Cidade Jardim e na Vila Nova Conceição. Após mobilização popular, contudo, esses trechos foram vetados pelo prefeito.

Veja abaixo, imagens do projeto do megatemplo de Alto de Pinheiros.

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Projeto foi apresentado em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros em julho do ano passado

Também procurado pelo Estadão, o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a proposta foi incorporada após ser apresentada por Félix e passar por avaliação técnica. Destacou não ter relação com a Igreja Presbiteriana e argumentou que a apresentação de emendas e mudanças no dia da votação são prerrogativa de todos os vereadores.

Além disso, mencionou outras liminares que tentaram barrar a revisão do zoneamento como um todo (a ação atual envolve apenas o trecho sobre Alto de Pinheiros), as quais foram depois consideradas improcedentes (as decisões avaliaram, porém, a tramitação na Câmara, não tanto o conteúdo das mudanças). O nome de Goulart não foi citado no culto em que os reverendos agradeceram às autoridades pela mudança.

Como é o projeto do megatemplo da Igreja Presbiteriana de Pinheiros?

A unidade de Pinheiros é a mais rica entre as ligadas à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), segundo balanço de 2023. No aniversário de 117 anos da Igreja, em julho de 2023, o reverendo Arival Dias Casimiro apresentou o projeto de expansão, com megatemplo, colégio particular, capela 24 horas e praça de alimentação.

Casas adquiridas por Igreja foram demolidas; projeto prevê megatemplo no local Foto: Priscila Mengue/Arquivo pessoal

“Nunca uma igreja cristã, evangélica, esteve na marginal. A marginal tem tudo, mas não uma igreja pregando a Bíblia, ensinando a palavra de Deus. E vai ter”, disse. Após ser procurada pelo Estadão, a Igreja retirou do ar grande parte dos cultos transmitidos no último ano, antes disponíveis no YouTube e Facebook.

Segundo apresentado no culto de julho do ano passado, o megatemplo ocuparia terreno de cerca de 5 mil m², com 14 mil m² de área construída ao fim da obra. A previsão é de cerca de 2,6 mil assentos na área de culto e 253 vagas de estacionamento, no subsolo.

Projeto de megatemplo foi apresentado em culto Foto: Igreja Presbiteriana de Pinheiros/Reprodução via Youtube

Em um culto em 2022, o pastor Arival afirmou que a Igreja arrecadava de R$ 2 milhões a R$ 2,5 milhões por mês e explicou o plano de expansão. “Estamos pensando estrategicamente. Compramos do outro lado, ali, e estamos comprando mais duas (casas). Estamos fechando um quarteirão, numa cabeça de ponte (Ponte da Cidade Universitária)”, disse.

Hoje, o espaço de culto não comporta todos os frequentadores em alguns dias da semana. Em 14 de julho, por exemplo, quando o Estadão visitou o espaço, parte dos fiéis assistia a um dos quatro cultos daquele domingo em salas de transmissão instaladas no mesmo imóvel.

Banners e envelopes divulgam pedidos de doações para o novo templo. O plano da Igreja é de que, temporariamente, seja instalada ainda este ano uma tenda para 1,5 mil pessoas onde as casas foram recentemente demolidas. As obras de fundação, para suportar a estrutura metálica, estão em andamento.

Envelope disponibilizado na Igreja Presbiteriano de Pinheiros, voltado à coleta de doações para futuro templo  Foto: Priscila Mengue/Estadão

Por que o Ministério Público considera a mudança inconstitucional?

Na petição, o procurador-geral de Justiça Paulo Sérgio de Oliveira e Costa aponta seis aspectos principais que caracterizaram a inconstitucionalidade da mudança. São eles:

  • “Ausência de participação popular em relação às alterações, que foram aprovadas no mesmo dia de sua apresentação”;
  • “Ofensa ao princípio de moralidade e impessoalidade, por conta de desvio de finalidade da emenda parlamentar apresentada, que se afastou do interesse público em benefício particular”;
  • “Ausência de planejamento técnico na produção da lei que altera o ordenamento do uso e ocupação do solo, promovendo alterações tópicas incompatíveis com o planejamento urbano integral”;
  • “Indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral e sua conformidade com as normas urbanísticas, vulnerando integralidade do instrumento básico da política desenvolvimento do Município”;
  • “Violação do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, inobservância das restrições urbanísticas consistente na convencionais e da motivação”;
  • “Violação aos artigos 111, 144, 180, I, II e V, 181 e 191 da Constituição Estadual (dentre eles, o trecho que diz que os poderes de Estado devem obedecer a “princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”).

O procurador chega a apontar que a alteração ocorreu “sem lastro técnico” e “em ofensa aos princípios de impessoalidade e moralidade”. Também salienta que a emenda que sugeriu a mudança trazia “Igreja Presbiteriana de Pinheiros” no título do arquivo, o que, dentro outros motivos, deixaria “claro que a emenda parlamentar atendeu a interesse particular”.

Banner e cartazes distribuídos pela Igreja Presbiteriana de Pinheiros pedem doações para obra de novo templo Foto: Priscila Mengue/Estadão

“A lei há de ser impessoal e pautada pela ética, não podendo buscar a satisfação de interesses outros além do interesse público primário, não servindo, portanto, para que uma alteração abrupta e de inopino de regime jurídico tenha como escopo exclusivo interesses particulares, sob pena de desvio de finalidade”, diz. O procurador cita ainda “notório desvio de finalidade, visando privilegiar, pontualmente, determinadas pessoas em detrimento das aspirações coletivas e regras constitucionais”.

A Justiça determinou a suspensão temporária do trecho da revisão da Lei de Zoneamento que permitia prédios de 48 metros de altura e um megatemplo evangélico em uma área antes restrita a imóveis baixos em Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

O Ministério Público Estadual (MP-SP) argumentou que a alteração se afastava “do interesse público em benefício particular”, dentre outros pontos. A Prefeitura, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros e a Câmara Municipal dizem que a mudança atende a critérios técnicos.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria-Geral de Justiça cita o plano da igreja de construir um megatemplo de 13 andares no local — o que foi revelado pela reportagem do Estadão, mencionada na petição e incluída nos autos.

A igreja recebeu o prefeito Ricardo Nunes (MDB), um representante do vereador reeleito Isac Félix (PL) e outras autoridades para agradecer pela mudança em culto dias após a nova lei entrar em vigor, em janeiro.

Para especialistas, o novo trecho da lei pode ser considerado ilegal, pois contraria princípios gerais do zoneamento, que prevê áreas de transição entre zonas somente de residências baixas e aquelas com prédios.

Além disso, a alteração foi pontual: endereços de características similares em diferentes regiões seguem com classificação restritiva, de acordo com especialista em legislação urbana. O restante da revisão do zoneamento segue em vigor, incluindo mudanças adicionais feitas em julho.

Por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), a gestão Nunes respondeu ao Estadão que avalia as medidas cabíveis e disse que “irá se manifestar em juízo para comprovar que não houve irregularidade na atuação da Administração”.

Já a Câmara apontou que a revisão “decorreu de processo legislativo absolutamente correto, no qual foram observadas todas as normas regimentais”. Disse ainda estar segura de que a ação será julgada improcedente.

Também em nota, a Igreja Presbiteriana de Pinheiros afirmou que “não recebeu qualquer favorecimento e, sim, teve acolhido um pedido”, o que seria “legalmente previsto no processo democrático que rege o ordenamento jurídico brasileiro”. E salientou ter apresentado “argumentos técnicos” e que buscou “observadas as regras legais, melhorar o aproveitamento da sua área”.

Igreja Presbiteriana de Pinheiros comprou e demoliu casas vizinhas para a construção de megatemplo em Alto de Pinheiros, na zona oeste Foto: Felipe Rau/Estadão - 16/07/2024

A ação foi aberta após o MP-SP ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), contrária às alterações. A liminar foi concedida pelo desembargador Nuevo Campos, no fim de setembro.

Após a mudança no zoneamento, algumas casas vizinhas ao templo foram demolidas pela Igreja em junho. Em um culto, foi dito que a IPP comprou ao menos 12 imóveis no entorno, a fim de expandir as instalações. A estimativa é de que o megatemplo possa custar cerca de R$ 80 milhões.

Qual foi a mudança no zoneamento de Alto de Pinheiros?

A mudança está no texto substitutivo do projeto de revisão da Lei de Zoneamento, apresentado pouco antes da votação, no fim de dezembro. Com o novo trecho, cerca de 10 quadras de Alto de Pinheiros perderam a restrição de construção exclusivamente de imóveis baixos, classificadas até então como Zona Corredor (ZCOR) — uma espécie de “cinturão comercial” de baixa estatura no entorno de Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER), como é o caso de grande parte do distrito.

No geral, as alterações de zoneamento abrangem especialmente trechos da Avenida Doutora Ruth Cardoso e do entorno da Praça Arcipreste Anselmo de Oli, nas imediações da Ponte Cidade Universitária e da Marginal Pinheiros. Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura.

A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de porte superior.

Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da Igreja, quando se agradeceu pela mudança no zoneamento. Nunes também discursou. Veja trechos do culto com autoridades abaixo:

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Participação do prefeito de São Paulo em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros ocorreu nove dias após nova lei entrar em vigor

A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Procurada, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto. Já a Igreja havia argumentado que “o projeto teve a aprovação de vereadores das alas governistas e de oposição e foi aprovado com ampla maioria no plenário, motivo pelo qual agradeceu os membros do Executivo e do Legislativo”.

A Igreja pleiteava mudanças na vizinhança ao menos desde 2021, quando a Prefeitura revisava o Plano Diretor — lei que define diretrizes da Lei de Zoneamento. Em nota ao Estadão, apontou que discutia a ampliação do templo desde 2018 e que, depois, “passou a trabalhar mediante interação junto ao processamento dos projetos de revisão do Plano Diretor e, posteriormente, da Lei de Zoneamento.”

O Zoneamento e o Plano Diretor são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, fixando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, locais que receberão incentivos para a verticalização, áreas de proteção ambiental etc.

Com a revisão do zoneamento na Câmara, no ano passado, o vereador Isac Félix apresentou a emenda que altera o entorno do templo. Ele havia justificado, na emenda, que aquela área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.

Na plataforma de tramitação da Câmara, o documento da emenda traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, nos quais são mostradas as alterações de zoneamento sugeridas. A mudança foi incorporada ao projeto de lei da revisão, aprovado por 46 dos 55 vereadores.

Procurado, Félix não respondeu ao Estadão. Na revisão da revisão do zoneamento, aprovada em julho, também apresentou novas emendas de alteração em vizinhanças residenciais, como na Cidade Jardim e na Vila Nova Conceição. Após mobilização popular, contudo, esses trechos foram vetados pelo prefeito.

Veja abaixo, imagens do projeto do megatemplo de Alto de Pinheiros.

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Projeto foi apresentado em culto da Igreja Presbiteriana de Pinheiros em julho do ano passado

Também procurado pelo Estadão, o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a proposta foi incorporada após ser apresentada por Félix e passar por avaliação técnica. Destacou não ter relação com a Igreja Presbiteriana e argumentou que a apresentação de emendas e mudanças no dia da votação são prerrogativa de todos os vereadores.

Além disso, mencionou outras liminares que tentaram barrar a revisão do zoneamento como um todo (a ação atual envolve apenas o trecho sobre Alto de Pinheiros), as quais foram depois consideradas improcedentes (as decisões avaliaram, porém, a tramitação na Câmara, não tanto o conteúdo das mudanças). O nome de Goulart não foi citado no culto em que os reverendos agradeceram às autoridades pela mudança.

Como é o projeto do megatemplo da Igreja Presbiteriana de Pinheiros?

A unidade de Pinheiros é a mais rica entre as ligadas à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), segundo balanço de 2023. No aniversário de 117 anos da Igreja, em julho de 2023, o reverendo Arival Dias Casimiro apresentou o projeto de expansão, com megatemplo, colégio particular, capela 24 horas e praça de alimentação.

Casas adquiridas por Igreja foram demolidas; projeto prevê megatemplo no local Foto: Priscila Mengue/Arquivo pessoal

“Nunca uma igreja cristã, evangélica, esteve na marginal. A marginal tem tudo, mas não uma igreja pregando a Bíblia, ensinando a palavra de Deus. E vai ter”, disse. Após ser procurada pelo Estadão, a Igreja retirou do ar grande parte dos cultos transmitidos no último ano, antes disponíveis no YouTube e Facebook.

Segundo apresentado no culto de julho do ano passado, o megatemplo ocuparia terreno de cerca de 5 mil m², com 14 mil m² de área construída ao fim da obra. A previsão é de cerca de 2,6 mil assentos na área de culto e 253 vagas de estacionamento, no subsolo.

Projeto de megatemplo foi apresentado em culto Foto: Igreja Presbiteriana de Pinheiros/Reprodução via Youtube

Em um culto em 2022, o pastor Arival afirmou que a Igreja arrecadava de R$ 2 milhões a R$ 2,5 milhões por mês e explicou o plano de expansão. “Estamos pensando estrategicamente. Compramos do outro lado, ali, e estamos comprando mais duas (casas). Estamos fechando um quarteirão, numa cabeça de ponte (Ponte da Cidade Universitária)”, disse.

Hoje, o espaço de culto não comporta todos os frequentadores em alguns dias da semana. Em 14 de julho, por exemplo, quando o Estadão visitou o espaço, parte dos fiéis assistia a um dos quatro cultos daquele domingo em salas de transmissão instaladas no mesmo imóvel.

Banners e envelopes divulgam pedidos de doações para o novo templo. O plano da Igreja é de que, temporariamente, seja instalada ainda este ano uma tenda para 1,5 mil pessoas onde as casas foram recentemente demolidas. As obras de fundação, para suportar a estrutura metálica, estão em andamento.

Envelope disponibilizado na Igreja Presbiteriano de Pinheiros, voltado à coleta de doações para futuro templo  Foto: Priscila Mengue/Estadão

Por que o Ministério Público considera a mudança inconstitucional?

Na petição, o procurador-geral de Justiça Paulo Sérgio de Oliveira e Costa aponta seis aspectos principais que caracterizaram a inconstitucionalidade da mudança. São eles:

  • “Ausência de participação popular em relação às alterações, que foram aprovadas no mesmo dia de sua apresentação”;
  • “Ofensa ao princípio de moralidade e impessoalidade, por conta de desvio de finalidade da emenda parlamentar apresentada, que se afastou do interesse público em benefício particular”;
  • “Ausência de planejamento técnico na produção da lei que altera o ordenamento do uso e ocupação do solo, promovendo alterações tópicas incompatíveis com o planejamento urbano integral”;
  • “Indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral e sua conformidade com as normas urbanísticas, vulnerando integralidade do instrumento básico da política desenvolvimento do Município”;
  • “Violação do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, inobservância das restrições urbanísticas consistente na convencionais e da motivação”;
  • “Violação aos artigos 111, 144, 180, I, II e V, 181 e 191 da Constituição Estadual (dentre eles, o trecho que diz que os poderes de Estado devem obedecer a “princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”).

O procurador chega a apontar que a alteração ocorreu “sem lastro técnico” e “em ofensa aos princípios de impessoalidade e moralidade”. Também salienta que a emenda que sugeriu a mudança trazia “Igreja Presbiteriana de Pinheiros” no título do arquivo, o que, dentro outros motivos, deixaria “claro que a emenda parlamentar atendeu a interesse particular”.

Banner e cartazes distribuídos pela Igreja Presbiteriana de Pinheiros pedem doações para obra de novo templo Foto: Priscila Mengue/Estadão

“A lei há de ser impessoal e pautada pela ética, não podendo buscar a satisfação de interesses outros além do interesse público primário, não servindo, portanto, para que uma alteração abrupta e de inopino de regime jurídico tenha como escopo exclusivo interesses particulares, sob pena de desvio de finalidade”, diz. O procurador cita ainda “notório desvio de finalidade, visando privilegiar, pontualmente, determinadas pessoas em detrimento das aspirações coletivas e regras constitucionais”.

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