Após mudanças na minuta ao longo dos últimos meses, a Prefeitura de São Paulo divulgou nesta terça-feira, 19, a versão definitiva do projeto de lei que enviará à Câmara Municipal com propostas de alterações no atual zoneamento da cidade. A revisão de uma das principais leis urbanísticas da capital propõe mudanças significativas, com a inclusão e a exclusão de quadras inteiras das áreas que permitem prédios sem limite de altura e um novo “freio” para a construção de microapartamentos, que deixarão de receber tantos incentivos públicos.
A Lei de Zoneamento é oficialmente chamada de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. A atual é datada de 2016, mas a revisão voltou a ser discutida nos últimos anos, especialmente após a promulgação de alterações no Plano Diretor. As duas leis são as principais da cidade, com normas e incentivos para construir prédios, criar parques e delimitar o máximo de barulho, dentre outros pontos.
Uma das principais críticas à minuta do projeto apresentada em agosto pela gestão Ricardo Nunes (MDB) foi atendida em parte: a falta de mapas. Um mapa com a aplicação das mudanças foi disponibilizado em formato pdf (imagem). Por outro lado, novamente não foi apresentado documento que justifique os motivos para cada mudança, os quais serão tratados em audiência pública.
Em nota, a Prefeitura disse que a proposta “tem o objetivo de rever aspectos pontuais e promover compatibilizações necessárias para a melhoria da aplicação da legislação de 2016, com vistas ao desenvolvimento urbano da cidade de forma equilibrada, contínua e a longo prazo”.
O mapa mostra as quadras que passarão a ser ou deixarão de ser um eixo de verticalização. Esse é o zoneamento das vizinhanças de estações de trem e metrô e corredor de ônibus, o qual concentra hoje a maioria dos apartamentos construídos na cidade, por ter uma série de incentivos públicos atrativos e permitir prédios altos, o que não ocorre na maioria das outras zonas. Há alterações em diversas partes da cidade, como no entorno das estações Vila Madalena, Pinheiros e Pompeia, na zona oeste, Moema, Vila Mariana e Eucaliptos, na sul, dentre outras.
O projeto de lei será apresentado à população em uma audiência pública virtual, marcada para 2 de outubro. Na sequência, será enviado ao Legislativo, onde precisará ser aprovado em duas votações. O relator da proposta na casa, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), antecipou em entrevista ao Estadão na última semana que fará alterações no texto da Prefeitura. Associações de bairro e organizações diversas também têm procurado a Câmara nas últimas semanas para propor alterações.
O que é o “freio” ao boom de microapartamentos?
O boom de studios, quitinetes e novos microapartamentos está atrelado a um decreto de 2016 que permite o entendimento desse tipo de espaço como “não residencial”, dentre outros motivos (como a conjuntura econômica). Como o Estadão mostrou, parte do mercado imobiliário tem lançado empreendimentos com essas unidades minúsculas a fim de configurar “uso misto”, pois são classificados como “serviços de hospedagem” (Airbnb e similares).
Com a combinação desses studios e apartamentos de outros padrões, os empreendimentos são classificados como de residencial e não residencial. Isso permite que 20% da área construída não seja “computável”.
Na prática, isso significa que o condomínio pode construir 20% a mais do que o permitido (limitado a quatro vezes a metragem do terreno) e ter “desconto” na outorga onerosa, taxa cobrada das construtoras e calculada com base na área construída computável. Esse incentivo, no casos dos studios, é excluído na nova versão da lei.
Originalmente, o objetivo desse mecanismo (apresentado no Plano Diretor de 2014) era aproximar o trabalho e a moradia, com escritórios e atividades geradoras de emprego em um mesmo condomínio de apartamentos. Na prática, contudo, parte significativa dos novos empreendimentos mistos mistura unidades residenciais e studios originalmente construídos para a locação (e, na prática, nada impede que sejam utilizados como moradia definitiva).
A nova lei do Plano Diretor já havia incluído outro “freio” a essa explosão de microapartamentos. Isso porque o texto anterior permitia construir uma vaga de garagem “grátis” por unidade, independentemente da metragem.
Nesse caso, os empreendimentos construíam microapartamentos para destinar o espaço para carros para unidades maiores (isto é, era vendido um studio sem garagem e um apartamento maior com duas vagas). A mudança na lei fez com que a vaga “grátis” seja permitida para cada unidade se tiver ao menos 30 m² ou a cada 60 m² de área construída privativa, o que dificulta essa redistribuição.
O que muda nos eixos de verticalização?
A nova lei do Plano Diretor permitiu ampliar as quadras passíveis de receberem prédios altos, mas a aplicação dessa regra depende da aprovação da revisão da Lei de Zoneamento. A nova lei autoriza essa expansão para quadras “alcançadas” por um raio de 700 m perto de estação de metrô e trem de 400 m de corredores de ônibus.
Na prática, identificou-se que bastava o raio seccionar um pedaço da quadra para virar eixo, de modo que a expansão atingia imóveis a até mais de 1 km da estação. Essa ampliação, no entendimento de especialistas, descumpriria a proposta da legislação municipal, que é de incentivar a construção de apartamentos perto do transporte público.
Como já sinalizado na última minuta, o PL delimitou quais locais poderão ser transformados em eixo. Isso reduziu uma parte das quadras da cidade que poderão passar pela mudança de zona - estudos estimaram que essa ampliaçã seria cerca do dobro do território atual.
Além disso, apontou quadras que deixarão de autorizar a construção de prédios sem limite de altura. Essa exclusão envolve também alguns eixos previstos, que abrangiam obras de transporte que não saíram do papel e não estão mais nos planos da mudança.
Essa mudança está no mapa disponibilizado em PDF e é baseada em diversos parâmetros. Entre os novos critérios não apresentados anteriormente e incluídos no projeto de lei, estão o veto a eixos em conjuntos reconhecidos pelo município como vilas e em quadras com frente para rua com até 8 m de largura ou sem saída.
Dentre outros aspectos, não poderão ser eixo de verticalização as quadras:
- demarcadas como “área envoltória” de 11 conjuntos de imóveis tombados ou em estudo de tombamento da Penha, da Chácara das Jaboticabeiras (na Vila Mariana), do Pacaembu-Perdizes, do Ambiental Sumaré, do Eixo Domingos de Morais, do São Joaquim/Pirapitingui (Res. 22/2018), do Eixo Histórico Santo Amaro, da Praça Vilaboim (Higienópolis), do Ambiental Chácara Klabin, da Bela Vis e da Freguesia do Ó;
- de vilas reconhecidas pela Prefeitura como tal (mediante análise “caso a caso”;
- com frente para rua sem saída ou via com largura de até 8 metros;
- em que ao menos metade tenha declividade superior a 30%;
- com cursos d’água, áreas de preservação, áreas de risco hídrico e geológico, áreas sujeitas a decalque e problemas geotécnicos; com remanescentes da Mata Atlântica etc;
- todo o perímetro tombado do Bixiga, que deverá ser alvo de plano específico posterior.
No caso das quadras que deixarão de ser eixo, o projeto indica qual será o novo zoneamento. O Estadão tem um guia sobre as características gerais das principais zonas. Essas são as mudanças propostas:
- vilas reconhecidas como tal e quadras voltadas a rua com até 10 m de largura viram Zona Predominantemente Residencial, que permite construções de até 10 m de altura;
- perímetro tombado do Bixiga, quadras voltadas a rua sem saída com mais de 10 m de largura e vias em geral com até 8 m de largura viram Zona Mista, que permite imóveis de até 28 m de altura;
- áreas demarcadas como futuros parques na nova lei do Plano Diretor viram Zona Especial de Proteção Ambiental, que tem várias restrições construtivas;
- eixos de verticalização previstos descartados (que passariam a ter incentivo após o início da obra de transporte) passam a ser Zona Mista, que permite prédios de até 28 m de altura;
- demais quadras antes consideradas eixos de verticalização passam a ser Zona de Centralidade, que permite prédios de até 48 metros.
Cada zona tem uma lista específica de atividades comerciais, de serviços e industriais permitidas. Neste material, o Estadão explica as regras de alguns estabelecimentos mais polêmicos, como bares, dark kitchens e casas de festas.
O limite de ruído também varia conforme a zona. Neste especial, o Estadão explica as regras atuais do PSIU de acordo com o local e horário do dia.
Há mudanças para as fachadas ativas?
A proposta traz uma mudança em relação à lei atual: a fachada ativa passaria a contemplar não só comércios e serviços no térreo dos prédios, mas também no pavimento imediatamente inferior e superior, desde que tenha acesso direto pela rua. Esse tipo de empreendimento tem incentivos municipais, a fim de aumentar o fluxo de pessoas na rua.
Além disso, o projeto retira a obrigação de empreendimentos com mais de 10 mil m² implementarem a fachada ativa nas entradas voltadas a ruas sem saída, vilas, vielas sanitárias, viadutos, passarelas e vias de pedestre.
Projeto muda regras para obras públicas?
Uma proposta nova prevê que parte das obras de infraestrutura pública possam ser feitas em qualquer zona da cidade. Isso inclui, por exemplo, intervenções das áreas de saneamento básico, gestão de resíduos sólidos, transporte de passageiros e de carga, distribuição de gás, produção e distribuição de energia elétrica, rede de telecomunicação e rede de dados e fibra ótica, dentre outros.
Há nova regra para zonas residenciais?
O projeto permite a instalação de alguns tipos de pequenos equipamentos públicos e de interesse público nas vias de acesso de Zonas Estritamente Residenciais (ZER) e Predominantemente Residenciais (ZPR). A medida abrange apenas as divisas com outros zoneamentos (isto é, não envolve avenidas e ruas no interior das zonas, como em Alto de Pinheiros).
A proposta abrange, por exemplo, alguns trechos da Avenida Vital Brasil, da Queiroz Filho e da Rua Cerro Corá, na zone oeste, dentre outros. Entre os tipos de equipamentos que passariam a ser aceitos, estão bibliotecas, escolas infantis, unidades de saúde e espaços de assistência social, por exemplo.