Não importa o dia da semana, chegue cedo. As filas no Veloso costumam ser grandes e começam mesmo antes de o bar abrir. Na esquina de uma rua de paralelepípedos, ao lado da caixa d'água da Vila Mariana, o local não chama atenção. Quem passa desavisado não dá nada pelo lugar, que parece só mais um botequim entre tantos de São Paulo. Engana-se.
O segredo está no cardápio. A melhor coxinha e a melhor caipirinha de São Paulo estão lá, segundo diversas votações populares e especializadas em quitutes. Quem comanda os drinques é o Souza. O barman de 40 anos começou a carreira do lado de trás do balcão nos anos 90 e, mesmo antes de se juntar a Otávio Canecchio, já havia recebido o prêmio de melhor do ano na categoria. Foi consagrado muitas vezes depois.
Sua história no Veloso começou em 2005, quando foi convidado por Otávio, na época júri gastronômico, a tocar um botequim cujas estrelas seriam os petiscos e as caipirinhas. “Eu disse a ele: ‘essa ideia é minha’”, nos conta Souza numa tarde de quarta-feira, poucas horas antes de o expediente começar.
“Na primeira vez em que vim ver o lugar pensei que não tinha nada a ver comigo. Eu achei que fosse um bar mais parecido com o que eu trabalhava, mais chique, até a roupa teria de ser outra. Mas também achei que botequim tinha tudo a ver com caipirinha, dava para fazer um cardápio legal.”
Acordo feito e planos encaminhados, era hora de criar. Algumas das receitas mais pedidas vêm lá do começo, como a caipirinha de tangerina com pimenta dedo de moça. É a que mais sai até hoje, seguida pela de caju com limão. O barman estima que num sábado, quando o bar abre no almoço para a feijoada e segue noite afora, sejam produzidas cerca de 1.600 caipirinhas. São usados pelo menos 60kg de açúcar por semana.
“Quando a gente começou a colocar frutas diferentes foi quando falei ‘é agora, essa é a hora’. Passo muito tempo na internet pesquisando”. A harmonização da bebida, cachaça, saquê ou vodca, com as frutas é uma ciência. Cuidar para que os ingredientes sejam de qualidade, desde o gelo, é fundamental para o resultado. Souza só usa frutas frescas, com exceção da amora e da framboesa, e vai pessoalmente escolher o que ficará estocado durante a semana. Para que os drinques mais requintados, feitos com produtos mais raros e caros,não encalhem, equipara os preços.
A criatividade e a paixão por seu ofício espalharam seu nome e há quem se negue a beber a caipirinha preparada por um dos membros da equipe treinada pelo barman. A consequência disso é um ritmo desenfreado de trabalho, já que o Veloso hoje se divide em três bares, um junto ao outro. Além de executar os pedidos, ele também supervisiona de perto, durante toda a noite, o trabalho dos colegas.
“Temos mais de 200 tipos de caipirinhas, é que não colocamos no cardápio, todos os dias vamos criando. Tem tantas combinações, limão com gengibre, pitaia com abacaxi, três limões... E as pessoas vem aqui para isso.”. Grupos de amigos também aparecem só para degustar variações da mesma bebida. Quando deixam o barman livre para criar, é aí que ele se diverte mais. “Se eu pudesse teria uma caminhão de frutas aqui”.
A espera pela abertura do bar no dia de nossa visita ao Veloso comprova a fama. Requisitado, Souza garante que encara a fama no ramo de forma tranquila e se sente lisonjeado e mais encantado pelo que faz. “É gratificante demais saber que uma pessoa com tantas opções de bares e restaurantes em São Paulo sai de outro lugar e vem aqui para tomar a minha caipirinha. Mas sempre a simplicidade acima de tudo.”
Antes de se tornar um expert, fez um curso de um mês no começo da carreira. Claro, não foi o suficiente. Souza acredita que é preciso se aprimorar e treinar sempre. Já que não prova os drinques que serve aos clientes, necessita dominar as razões que dão equilíbrio à bebida, que diz, é crucial para uma boa experiência ao paladar. Só uma ingrediente conseguiu vencê-lo até hoje, a banana. “Ela briga com a gente no copo, só dá para usar batida!”.
A caipirinha é sua especialidade até em casa. “Eu amo fazer isso. No dia da minha folga tenho de fazer algo em casa. Em festa de família sou escalado. O resultado é que todo mundo sai bêbado”, brinca.