Sete em cada dez (71%) hospitais paulistas privados encaram, ao mesmo tempo, um aumento de internações por covid e dengue nos últimos 15 dias. Oito em cada dez (82%) também registram aumento nos atendimentos de pacientes com suspeita das doenças no pronto atendimento.
Os dados são de pesquisa do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp), que ouviu 92 hospitais paulistas entre 29 de fevereiro e 10 de março. Do total, 64% eram da capital e 36% do interior.
“Provavelmente, o resultado pode ter influência do período de carnaval, que permitiu grandes aglomerações, e também das altas temperaturas do verão, que facilitam a propagação do mosquito da dengue em água parada”, entende Francisco Balestrin, presidente do SindHosp, em comunicado.
Especialistas ouvidos pelo Estadão, que não estiveram envolvidos no levantamento, destacam também a circulação do vírus influenza, que causa a gripe, antes do previsto, o que eleva a preocupação com o cenário atual. O principal temor é referente à sobrecarga do sistema de saúde, tanto público quanto privado, que coloca em cheque a capacidade de manejar pacientes de forma adequada e célere.
Os médicos alertam ainda para os riscos da automedicação e reforçam a necessidade do diagnóstico correto, em um momento em que os sintomas das doenças podem ser confundidos.
Levantamento
Na maioria dos hospitais, o porcentual de aumento nas internações em leitos de enfermaria vai até 20% para dengue, e até 10% para covid. Segunda a pesquisa, 41% das unidades hospitalares viram aumentos de até 10% de pacientes com dengue em terapia intensiva (UTI). Para pacientes com covid, 44% dos hospitais perceberam uma expansão de até 10% das hospitalizações em UTI.
Cerca de 66% dos hospitais registraram um avanço de 11% até 50% no número de pacientes que testaram positivo para dengue nos últimos 15 dias. Sete em cada dez (71%) relataram aumento de até 20% nos diagnósticos positivos para a covid.
Em relação ao levantamento anterior, feito entre 29 de janeiro a 7 de fevereiro, o que chama a atenção é o incremento nos casos suspeitos de covid e internações pela doença. Há um mês, 48% dos hospitais relatavam avanço nos atendimentos de suspeita tanto de dengue quanto de covid, enquanto 41% viam apenas uma expansão da primeira doença. Oito em cada dez (80%) apontavam para o crescimento de hospitalizações por dengue, sem que nem um apontasse o mesmo para covid.
Rede pública
O Estadão questionou as secretaria de saúde do Estado (SES-SP) e a da capital (SMS) em relação ao cenário da rede pública. Perguntamos se observavam aumento nas internações devido a ambas doenças, além da situação dos leitos de enfermaria e UTIs.
A SMS informou não observar aumento nas internações por covid-19. Na terça-feira, 12, 213 pacientes estavam internados com dengue em hospitais municipais. “As unidades de saúde municipais estão preparadas para prestar atendimento a casos suspeitos ou confirmados de ambas as doenças, inclusive com testagem, de acordo com a avaliação clínica”, assegurou, em nota.
A capital acumula 35.417 casos confirmados de dengue e oito mortes. Os dados são do último boletim epidemiológico da Prefeitura, publicado na segunda, 11. As informações sobre casos vão até o dia 2 de março e o de óbitos, até o dia 11.
De acordo com o painel de covid da capital, com dados até 7 de março, são mais de 28,2 mil casos confirmados e 46 mortes em 2024. Também foram registrados 689 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) até o momento. Os dados são preliminares.
A SES apenas informou possuir um plano de ação para mapear os leitos públicos das unidades dos 645 municípios do estado. “Para priorizar a transferência de pacientes na rede estadual que necessitem de leitos de alta complexidade, a pasta atualizou a orientação para a Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross), para que todos os pacientes suspeitos para dengue tenham prioridade.”
O Estado tem mais de 195,8 mil casos confirmados de dengue e 60 mortes. Outros 154 óbitos são investigados. O número de pacientes com caso grave ou sinais de alarme é de 2.536. Os dados vão até terça, 12.
Os boletins epidemiológicos diários do Estado só apresentam o acumulado de casos e mortes da covid desde 2020, o que dificulta a análise de quantos são referentes a 2024. O painel do governo federal, com dados até a nona semana epidemiológica, que foi até o dia 2 de março, indicam que São Paulo já notificou 12.925 casos e 88 mortes neste ano.
Os dados são preliminares e tendem a ser atualizados para cima.
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Cenário nacional
“São três doenças (dengue, covid e gripe) acontecendo ao mesmo tempo”, afirma Rosana Richtmann, infectologista do Hospital Emílio Ribas e da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). A fala da médica paulista dá o tom do que já tem sido dito pelo próprio Ministério da Saúde, que se preocupa com a cocirculação dos vírus.
Devido às proporções inéditas da atual epidemia, a dengue tem, de fato, chamado mais atenção. A transmissão começou antes do habitual e o País ultrapassou 1,5 milhão de casos prováveis, pouco menos que o total de todo ano passado, sem que se saiba ao certo quando e como será o pico da doença – que tradicionalmente ocorre entre abril e maio.
Autoridades e especialistas atribuem o comportamento atípico, que já começou a ser visto em 2023, às mudanças climáticas e ao El Niño, que proporcionam a persistência das temperaturas elevadas e um padrão irregular de pluviosidade, um cenário ideal para mais transmissão da doença e reprodução do vetor, o mosquito Aedes Aegypti. Além disso, após muitos anos, o País tem a circulação dos quatro sorotipos da dengue.
No plano de fundo, a covid-19 seguiu em alta, conforme lembra o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19 e doutorando em Epidemiologia da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com dados do Ministério da Saúde, que vão até 2 de março, foram notificados 381.446 casos e 1.789 óbitos por covid-19.
Schrarstzhaupt fala que os dados mostram uma onda que começou no final de agosto passado e diminuiu no período de festas e férias. A queda, porém, pode significar subnotificação. “As pessoas saem de férias, não testam. Depois, logo no comecinho do ano, as semanas começam a mostrar cada vez mais casos.” Embora essa seja uma hipótese, as notificações voltaram a subir em janeiro, formando outra onda.
De acordo com boletim InfoGripe divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na quinta-feira, 7, o número de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), aumentou 75% nas últimas quatro semanas. O principal responsável: a covid.
De acordo com o infectologista Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), isso tem a ver com a chegada ao País da JN.1, uma subvariante ainda mais transmissível da Ômicron, no final do ano. De acordo com o Ministério, dos casos que se fez a vigilância genômica, a maioria (54%) eram da JN.1 e suas sublinhagens, com predominância em 17 unidades federativas.
Além disso, o carnaval também teve um papel importante. “Já tínhamos previsto uma aceleração na transmissão da covid, que já estava alta”, lembra Barbosa. “É o maior feriado brasileiro, em que ocorre a maior mobilidade de pessoas em relação a viagens para ver a família, para o litoral. Existe um adensamento populacional muito grande, fora a questão da aglomeração.”
O médico acrescenta que a vacinação abaixo do adequado em alguns grupos também ajuda a explicar o avanço das internações. “A adesão à dose de reforço bivalente está muito baixa. Mesmo entre a população prioritária, acima de 65 anos, há uma adesão de cerca de 40%. Isso na primeira dose de reforço. Tudo isso faz com que nós tenhamos o número exacerbado e hospitalizações e óbitos.”
Após os idosos, as crianças são as que mais internam por covid, de acordo com o Minsitério da Saúde. Apenas 11,4% dos pequenos de até 14 anos estão com o esquema vacinal completo contra a covid-19, segundo a Fiocruz.
A vigilância sentinela de síndrome gripal da pasta também captou um crescimento na identificação de Influenza nas últimas semanas nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste. O ministério anunciou a antecipação da vacinação, que deve começar nas próximas semanas.
A sazonalidade da doença tradicionalmente é esperada entre abril e maio. A antecipação da transmissão tem surpreendido os especialistas e as autoridades.
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Qual o risco da cocirculação?
Um dos grandes temores dos especialistas é a pressão no sistema de saúde. Eles destacam que uma das principais medidas necessárias no momento é avaliar se a infraestrutura é adequada e se há equipe suficiente para atender os pacientes.
“A hora que você junta a cocirculação de três agentes diferentes, fora o resto da rotina, ninguém deixou de ter infarto, por exemplo, há uma sobrecarga importante, tanto no setor público quanto no privado”, fala Rosana.
“Temos relatos de filas de espera de quatro, seis, oito horas para atendimento de dengue, tanto no público quanto no particular”, aponta Barbosa. “O que é péssimo.”
Segundo Rosana, o acolhimento de um paciente com suspeita de dengue deve ocorrer em até 10 minutos. Isso permite fazer uma triagem de quais precisam de atendimento imediato e quem pode esperar um pouco mais.
A dengue é uma doença que evolui para o quadro grave muito rapidamente. Não há um tratamento específico, mas um protocolo de hidratação adequado salva vidas. “Não podemos perder nenhum brasileiro para a dengue”, diz Rosana, frisando que falamos de mortes evitáveis. Até o momento, 467 pessoas já morreram no País.
Schrarstzhaupt se preocupa com a exposição das pessoas a múltiplos patógenos. “Sabemos que se a gente fica ‘batendo’ no nosso sistema imune, pegando doenças, ficando doente, ficando doente de novo, também vamos nos tornando um pouco mais suscetíveis a novas doenças.”
Os especialistas frisam a importância de avanço na cobertura vacinal das crianças e no reforço para os adultos, em especial aos grupos prioritários, como idosos e imunossuprimidos, de preferência com as vacinas atualizadas.
O risco da automedicação
A circulação do três vírus ao mesmo tempo também eleva uma preocupação com a confusão dos sintomas. No início, as três doenças (dengue, gripe e covid) podem ser inespecíficas, com manifestações comuns, como febre e dor no corpo. A principal diferença é que a dengue não apresenta sintomas respiratórios.
“A dengue tem sido a mais fácil de diagnosticar, porque está bem característico o quadro. Lá pelo quinto dia o paciente já começa a melhorar, a febre começa a ir embora. Mas os primeiros dias são terríveis, de muita dor no corpo. A doença é incapacitante”, fala Rosana.
Diferenciar covid e gripe, porém, é mais difícil, e, em muitos casos, só um teste/exame poderá identificar o patógeno.
Pacientes com dengue não podem utilizar alguns medicamentos. “Febre e dor no corpo são comuns às três doenças, então, a recomendação é não tomar anti-inflamatório não hormonal.” Esse grupo inclui ibuprofeno, naproxeno e diclofenaco, por exemplo. Esses medicamentos aumentam o risco de sangramento, um sintoma de agravamento da dengue.