A busca pelo sono perfeito está bombando na internet; tendência preocupa especialistas


Online e offline, há quem esteja fazendo de tudo na tentativa de dormir melhor

Por Kate Lindsay

Derek Antosiek se considera um especialista em sono. Ele já usou fita adesiva na boca, abriu as narinas com dilatadores e vedou os ouvidos com tampões. Experimentou um ventilador que bombeava ar fresco sob os lençóis e posicionou colchões separados para ele e a esposa, para que os movimentos dela não o incomodassem. Ele testou lâmpadas de terapia de luz, monitores de qualidade do ar, rastreadores de sono e óculos de luz azul.

A cada novo experimento, o objetivo era o mesmo: chegar mais perto de uma noite de sono perfeita.

Anel, faixa e adesivo estão entre os acessórios empregados pelos chamados sleepmaxxers em busca do descanso perfeito Foto: SEAN DONG
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Depois de décadas seguindo o mantra de que dormir era para depois da morte, os americanos despertaram para a importância de uma boa noite de sono. O tempo total de sono aumentou nas últimas duas décadas, e ainda mais nos últimos anos, de acordo com a pesquisa anual do governo federal sobre como os americanos usam seu tempo.

“A maré está mudando”, diz Matthew Walker, professor de neurociência e psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e diretor de um centro de sono na faculdade. “As pessoas – especialmente a Geração Z – reivindicaram seu direito a uma noite inteira de sono. E fizeram isso sem o menor constrangimento”.

Embora as atitudes em relação ao sono tenham mudado, os especialistas dizem que as recomendações básicas continuam as mesmas: pelo menos sete horas, mais ou menos no mesmo horário, com o mínimo possível de interrupções. O diferente é a quantidade de pessoas para as quais o sono virou uma fixação. Na internet, essas pessoas – às vezes chamadas de sleepmaxxers, algo como “maximizadores do sono” – exibem com orgulho seus esforços extremos em busca de um sono melhor.

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Os vídeos prometem soluções para problemas que as pessoas nem sabiam que tinham. Um entusiasta recomendou um travesseiro ajustável para reduzir a pressão facial. Outra filmou a si mesma acordando com o cabelo enrolado numa touca e usando uma cinta para a mandíbula, mal conseguindo falar depois de fechar a boca com fita adesiva. Gabar-se de ir para a cama cedo virou uma tendência nas redes sociais, tanto quanto postar fotos de férias luxuosas.

Para quem se interessa pelo assunto, hoje existem fitas adesivas para a boca (que promovem a respiração pelo nariz), expansores de narinas (que reduzem ostensivamente o ronco), fitas adesivas para o nariz (que abrem as passagens nasais) e cintas para a mandíbula (que envolvem a cabeça e mantêm a boca firmemente fechada). Há essências para travesseiros, sprays de magnésio para os pés e o “mocktail da menina sonolenta”, uma mistura de suco de cereja, soda probiótica e pó de magnésio.

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Há também tecnologia de ponta, como o ventilador que Antosiek experimentou, que pode custar cerca de US$ 600 (algo em torno de R$ 3.300, na cotação atual), e linhas inteiras de dispositivos vestíveis para dormir, alguns chegando a quase US$ 1.000 (cerca de R$ 5.500), que monitoram e medem a qualidade do sono das pessoas. Há um despertador “nascer do sol”, que, segundo seus criadores, desperta as pessoas de acordo com seus ritmos circadianos naturais. Para os verdadeiros entusiastas, há até um sistema de colchão que ajusta a temperatura, detecta o ronco e vibra quando está na hora de acordar. Custa cerca de US$ 4.000 (aproximadamente R$ 22.000).

Os principais cientistas do sono entraram de cabeça nesse setor em expansão e multibilionário. Depois que Walker publicou o best-seller Why We Sleep [”Por que dormimos”], em 2017, a empresa de monitoramento do sono Oura contratou-o como consultor médico.

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Mas, com o aumento do interesse pelo sono, alguns médicos e acadêmicos notaram que as pessoas estão preocupadas demais em ter uma noite de sono perfeita. Em 2017, pesquisadores do Rush Medical College e da Feinberg School of Medicine da Northwestern University criaram a palavra “ortosonia” para descrever as pessoas que procuram tratamento para problemas autodiagnosticados resultantes do uso de rastreadores de sono e dispositivos vestíveis.

No Journal of Clinical Sleep Medicine, os pesquisadores escreveram que estavam preocupados com os efeitos da “busca perfeccionista pelo sono ideal”, comparando o que estavam vendo à ortorexia, uma fixação obsessiva pela alimentação saudável.

Nem todos os sleepmaxxers desenvolvem ortosonia, é claro. Mas Milena Pavlova, diretora médica do Centro de Testes do Sono do Brigham and Women’s Faulkner Hospital, em Boston, acha que algumas pessoas podem estar preocupadas demais na hora de dormir.

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“O sono é um processo passivo”, resume Milena. “Deve ser protegido, não forçado nem ‘maximizado’”.

A maximização do sono vira moda

Antosiek, que tem 31 anos e mora em Michigan, começou a levar o sono a sério alguns anos atrás, depois de perceber que nunca tinha superado os maus hábitos que tinha desenvolvido aos vinte e poucos anos, como beber demais nos fins de semana e ficar acordado até tarde.

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Ao procurar informações na internet, ele se deparou com uma comunidade pequena, mas dedicada, no site de mensagens Reddit: a Sleep Hackers, composta por pessoas que compartilham dicas e expressam frustrações com seus problemas de sono.

Pouco depois, Antosiek se tornou moderador do fórum, e seus hábitos mudaram. Ele começou a buscar o que considerava ser “a quantidade certa de luz nos momentos certos” e a usar vários aparelhos e rastreadores de sono. Um deles era o Oura Ring, um rastreador de sono que cabia no dedo e fornecia uma pontuação diária de sono entre 0 e 100. A pontuação era muito importante para ele. Nas noites em que tinha dificuldade para dormir, ele era duro consigo mesmo e temia os resultados da manhã seguinte, sabendo que eles afetariam suas chances de receber uma pontuação “ideal” de mais de 85 pontos.

Para muitos devotos do sono, seu fascínio por truques para dormir bem continua sendo um hobby inofensivo. Mayte Myers, que tem 27 anos e vai dormir usando uma cinta para a mandíbula e fita adesiva na boca, disse que o elaborado ritual da hora de dormir lhe deu uma coisa pela qual ansiar. “Sinceramente, parece um cobertor aconchegante”, compara ela.

Já Maureen Osei, que tem 24 anos e mora na Carolina do Norte, usa touca, dilatador no nariz, fita adesiva na boca e faixa na mandíbula para dormir.

“É como se não houvesse mais nada a fazer a não ser dormir, porque é muito desconfortável”, diz. “Não vou ficar no celular com uma faixa no queixo, sabe?”

Para outros, no entanto, o foco no sono tem saído pela culatra. Sarah El Kattan, que tem 26 anos e mora em Frankfurt, nunca pensava muito no sono. Aí, perto do final de 2021, depois de ouvir um podcast famoso, ela começou a se concentrar em otimizar a saúde. Então ela leu o livro de Walker, e o foco se voltou para o sono. Foi como virar uma chave na cabeça, disse ela. De repente, a perspectiva de dormir começou a deixá-la ansiosa, e ela passou a apresentar sintomas físicos.

“Começou com palpitações cardíacas”, conta Sarah. Quanto mais ela pensava em dormir, pior ficava a situação. À noite, ela sabia que cada minuto que passava era mais um minuto de sono perdido, e seus pensamentos obsessivos criavam um ciclo vicioso que a mantinha acordada por mais tempo ainda.

Walker disse que ouviu falar de outras pessoas que tiveram problemas de sono depois de lerem seu livro. Ele sugeriu que essas pessoas parem de se concentrar no sono: “Não ouçam meu podcast, não leiam o livro, não façam nada disso”, orienta. Em vez disso, recomenda que elas procurem ajuda profissional.

‘Fiquei muito obcecado’

De modo geral, dizem os especialistas em sono, o novo foco cultural no sono é uma mudança bem-vinda. Eles não descartaram nenhuma dica, desde que as pessoas tomem cuidado. “Alguma coisa sempre vai funcionar para alguém”, diz Leah A. Irish, professora associada de psicologia da Universidade Estadual de Dakota do Norte que estuda o sono.

O próprio ritual de se preparar para dormir – por exemplo, borrifando magnésio nos pés – talvez seja mais importante do que os efeitos em si, um sinal para o cérebro de que está na hora de relaxar.

Mas as alegações de que todas as ferramentas funcionam geralmente são discutíveis. Até mesmo pesquisadores do sono com um pé no setor admitem isso. “Provavelmente, nenhuma delas vai ajudar você a ter uma noite de sono melhor”, avisa Vanessa Hill, cientista comportamental do sono do Appleton Institute, instituto de pesquisa de saúde e bem-estar da CQUniversity, na Austrália, que prestou consultoria para o aplicativo Samsung Health e para a empresa de colchões Purple. “O mais importante é que você esteja confortável. Então, se essas coisas ajudarem você a se sentir mais confortável, ótimo”.

Embora pequenos estudos tenham constatado que a aplicação de fita adesiva na boca é benéfica para pessoas com apneia do sono leve, seu efeito em pessoas que não têm problemas respiratórios é menos conhecido. E os estudos mais rigorosos encontraram poucas evidências de que o magnésio tenha efeito sobre a qualidade do sono.

Em alguns casos, há riscos. A fita adesiva bucal pode, na verdade, reduzir a quantidade de oxigênio que as pessoas respiram se o nariz ficar obstruído, e as cintas de mandíbula podem causar dor, informa Walker. Para quem tem problemas graves de sono, é melhor consultar um médico primeiro.

As dicas que viralizam nas redes sociais e as novas invenções não substituem as regras testadas e comprovadas do sono, como entrar e sair da cama no mesmo horário todos os dias, reduzir o consumo de álcool e reservar um tempo para relaxar. Sarah finalmente começou a dormir melhor quando, por exemplo, parou de consumir cafeína e passou a ser mais gentil consigo mesma.

No caso de Antosiek, os tampões de ouvido, a fita adesiva na boca e o dilatador nasal ajudaram. Mas o ventilador da cama não fez muito efeito, e o Oura Ring piorou as coisas. “Eu me via acordando e imediatamente olhando para a minha pontuação, pensando: ‘Será que dormi bem?’”, lembra.

Com o distanciamento, Antosiek agora consegue admitir que provavelmente deixou as coisas saírem do controle. “Fiquei muito obcecado, talvez até um pouco doentio”, afirma.

Shyamal Patel, vice-presidente sênior de ciências da Oura, esclarece que o Oura Ring não foi “projetado com a ideia de maximizar o engajamento” e sugere que as pessoas que se sentem obcecadas pelos dados do sono parem de monitorá-lo.

Antosiek foi além: ele decidiu parar de usar o produto de vez. Ele acha que nunca desenvolveu ortosonia, mas consegue entender como as pessoas podem levar a maximização do sono longe demais. Hoje em dia, se ele acorda se sentindo descansado e alerta, já está ótimo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este texto foi originalmente publicado em The New York Times

Derek Antosiek se considera um especialista em sono. Ele já usou fita adesiva na boca, abriu as narinas com dilatadores e vedou os ouvidos com tampões. Experimentou um ventilador que bombeava ar fresco sob os lençóis e posicionou colchões separados para ele e a esposa, para que os movimentos dela não o incomodassem. Ele testou lâmpadas de terapia de luz, monitores de qualidade do ar, rastreadores de sono e óculos de luz azul.

A cada novo experimento, o objetivo era o mesmo: chegar mais perto de uma noite de sono perfeita.

Anel, faixa e adesivo estão entre os acessórios empregados pelos chamados sleepmaxxers em busca do descanso perfeito Foto: SEAN DONG

Depois de décadas seguindo o mantra de que dormir era para depois da morte, os americanos despertaram para a importância de uma boa noite de sono. O tempo total de sono aumentou nas últimas duas décadas, e ainda mais nos últimos anos, de acordo com a pesquisa anual do governo federal sobre como os americanos usam seu tempo.

“A maré está mudando”, diz Matthew Walker, professor de neurociência e psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e diretor de um centro de sono na faculdade. “As pessoas – especialmente a Geração Z – reivindicaram seu direito a uma noite inteira de sono. E fizeram isso sem o menor constrangimento”.

Embora as atitudes em relação ao sono tenham mudado, os especialistas dizem que as recomendações básicas continuam as mesmas: pelo menos sete horas, mais ou menos no mesmo horário, com o mínimo possível de interrupções. O diferente é a quantidade de pessoas para as quais o sono virou uma fixação. Na internet, essas pessoas – às vezes chamadas de sleepmaxxers, algo como “maximizadores do sono” – exibem com orgulho seus esforços extremos em busca de um sono melhor.

Os vídeos prometem soluções para problemas que as pessoas nem sabiam que tinham. Um entusiasta recomendou um travesseiro ajustável para reduzir a pressão facial. Outra filmou a si mesma acordando com o cabelo enrolado numa touca e usando uma cinta para a mandíbula, mal conseguindo falar depois de fechar a boca com fita adesiva. Gabar-se de ir para a cama cedo virou uma tendência nas redes sociais, tanto quanto postar fotos de férias luxuosas.

Para quem se interessa pelo assunto, hoje existem fitas adesivas para a boca (que promovem a respiração pelo nariz), expansores de narinas (que reduzem ostensivamente o ronco), fitas adesivas para o nariz (que abrem as passagens nasais) e cintas para a mandíbula (que envolvem a cabeça e mantêm a boca firmemente fechada). Há essências para travesseiros, sprays de magnésio para os pés e o “mocktail da menina sonolenta”, uma mistura de suco de cereja, soda probiótica e pó de magnésio.

Há também tecnologia de ponta, como o ventilador que Antosiek experimentou, que pode custar cerca de US$ 600 (algo em torno de R$ 3.300, na cotação atual), e linhas inteiras de dispositivos vestíveis para dormir, alguns chegando a quase US$ 1.000 (cerca de R$ 5.500), que monitoram e medem a qualidade do sono das pessoas. Há um despertador “nascer do sol”, que, segundo seus criadores, desperta as pessoas de acordo com seus ritmos circadianos naturais. Para os verdadeiros entusiastas, há até um sistema de colchão que ajusta a temperatura, detecta o ronco e vibra quando está na hora de acordar. Custa cerca de US$ 4.000 (aproximadamente R$ 22.000).

Os principais cientistas do sono entraram de cabeça nesse setor em expansão e multibilionário. Depois que Walker publicou o best-seller Why We Sleep [”Por que dormimos”], em 2017, a empresa de monitoramento do sono Oura contratou-o como consultor médico.

Mas, com o aumento do interesse pelo sono, alguns médicos e acadêmicos notaram que as pessoas estão preocupadas demais em ter uma noite de sono perfeita. Em 2017, pesquisadores do Rush Medical College e da Feinberg School of Medicine da Northwestern University criaram a palavra “ortosonia” para descrever as pessoas que procuram tratamento para problemas autodiagnosticados resultantes do uso de rastreadores de sono e dispositivos vestíveis.

No Journal of Clinical Sleep Medicine, os pesquisadores escreveram que estavam preocupados com os efeitos da “busca perfeccionista pelo sono ideal”, comparando o que estavam vendo à ortorexia, uma fixação obsessiva pela alimentação saudável.

Nem todos os sleepmaxxers desenvolvem ortosonia, é claro. Mas Milena Pavlova, diretora médica do Centro de Testes do Sono do Brigham and Women’s Faulkner Hospital, em Boston, acha que algumas pessoas podem estar preocupadas demais na hora de dormir.

“O sono é um processo passivo”, resume Milena. “Deve ser protegido, não forçado nem ‘maximizado’”.

A maximização do sono vira moda

Antosiek, que tem 31 anos e mora em Michigan, começou a levar o sono a sério alguns anos atrás, depois de perceber que nunca tinha superado os maus hábitos que tinha desenvolvido aos vinte e poucos anos, como beber demais nos fins de semana e ficar acordado até tarde.

Ao procurar informações na internet, ele se deparou com uma comunidade pequena, mas dedicada, no site de mensagens Reddit: a Sleep Hackers, composta por pessoas que compartilham dicas e expressam frustrações com seus problemas de sono.

Pouco depois, Antosiek se tornou moderador do fórum, e seus hábitos mudaram. Ele começou a buscar o que considerava ser “a quantidade certa de luz nos momentos certos” e a usar vários aparelhos e rastreadores de sono. Um deles era o Oura Ring, um rastreador de sono que cabia no dedo e fornecia uma pontuação diária de sono entre 0 e 100. A pontuação era muito importante para ele. Nas noites em que tinha dificuldade para dormir, ele era duro consigo mesmo e temia os resultados da manhã seguinte, sabendo que eles afetariam suas chances de receber uma pontuação “ideal” de mais de 85 pontos.

Para muitos devotos do sono, seu fascínio por truques para dormir bem continua sendo um hobby inofensivo. Mayte Myers, que tem 27 anos e vai dormir usando uma cinta para a mandíbula e fita adesiva na boca, disse que o elaborado ritual da hora de dormir lhe deu uma coisa pela qual ansiar. “Sinceramente, parece um cobertor aconchegante”, compara ela.

Já Maureen Osei, que tem 24 anos e mora na Carolina do Norte, usa touca, dilatador no nariz, fita adesiva na boca e faixa na mandíbula para dormir.

“É como se não houvesse mais nada a fazer a não ser dormir, porque é muito desconfortável”, diz. “Não vou ficar no celular com uma faixa no queixo, sabe?”

Para outros, no entanto, o foco no sono tem saído pela culatra. Sarah El Kattan, que tem 26 anos e mora em Frankfurt, nunca pensava muito no sono. Aí, perto do final de 2021, depois de ouvir um podcast famoso, ela começou a se concentrar em otimizar a saúde. Então ela leu o livro de Walker, e o foco se voltou para o sono. Foi como virar uma chave na cabeça, disse ela. De repente, a perspectiva de dormir começou a deixá-la ansiosa, e ela passou a apresentar sintomas físicos.

“Começou com palpitações cardíacas”, conta Sarah. Quanto mais ela pensava em dormir, pior ficava a situação. À noite, ela sabia que cada minuto que passava era mais um minuto de sono perdido, e seus pensamentos obsessivos criavam um ciclo vicioso que a mantinha acordada por mais tempo ainda.

Walker disse que ouviu falar de outras pessoas que tiveram problemas de sono depois de lerem seu livro. Ele sugeriu que essas pessoas parem de se concentrar no sono: “Não ouçam meu podcast, não leiam o livro, não façam nada disso”, orienta. Em vez disso, recomenda que elas procurem ajuda profissional.

‘Fiquei muito obcecado’

De modo geral, dizem os especialistas em sono, o novo foco cultural no sono é uma mudança bem-vinda. Eles não descartaram nenhuma dica, desde que as pessoas tomem cuidado. “Alguma coisa sempre vai funcionar para alguém”, diz Leah A. Irish, professora associada de psicologia da Universidade Estadual de Dakota do Norte que estuda o sono.

O próprio ritual de se preparar para dormir – por exemplo, borrifando magnésio nos pés – talvez seja mais importante do que os efeitos em si, um sinal para o cérebro de que está na hora de relaxar.

Mas as alegações de que todas as ferramentas funcionam geralmente são discutíveis. Até mesmo pesquisadores do sono com um pé no setor admitem isso. “Provavelmente, nenhuma delas vai ajudar você a ter uma noite de sono melhor”, avisa Vanessa Hill, cientista comportamental do sono do Appleton Institute, instituto de pesquisa de saúde e bem-estar da CQUniversity, na Austrália, que prestou consultoria para o aplicativo Samsung Health e para a empresa de colchões Purple. “O mais importante é que você esteja confortável. Então, se essas coisas ajudarem você a se sentir mais confortável, ótimo”.

Embora pequenos estudos tenham constatado que a aplicação de fita adesiva na boca é benéfica para pessoas com apneia do sono leve, seu efeito em pessoas que não têm problemas respiratórios é menos conhecido. E os estudos mais rigorosos encontraram poucas evidências de que o magnésio tenha efeito sobre a qualidade do sono.

Em alguns casos, há riscos. A fita adesiva bucal pode, na verdade, reduzir a quantidade de oxigênio que as pessoas respiram se o nariz ficar obstruído, e as cintas de mandíbula podem causar dor, informa Walker. Para quem tem problemas graves de sono, é melhor consultar um médico primeiro.

As dicas que viralizam nas redes sociais e as novas invenções não substituem as regras testadas e comprovadas do sono, como entrar e sair da cama no mesmo horário todos os dias, reduzir o consumo de álcool e reservar um tempo para relaxar. Sarah finalmente começou a dormir melhor quando, por exemplo, parou de consumir cafeína e passou a ser mais gentil consigo mesma.

No caso de Antosiek, os tampões de ouvido, a fita adesiva na boca e o dilatador nasal ajudaram. Mas o ventilador da cama não fez muito efeito, e o Oura Ring piorou as coisas. “Eu me via acordando e imediatamente olhando para a minha pontuação, pensando: ‘Será que dormi bem?’”, lembra.

Com o distanciamento, Antosiek agora consegue admitir que provavelmente deixou as coisas saírem do controle. “Fiquei muito obcecado, talvez até um pouco doentio”, afirma.

Shyamal Patel, vice-presidente sênior de ciências da Oura, esclarece que o Oura Ring não foi “projetado com a ideia de maximizar o engajamento” e sugere que as pessoas que se sentem obcecadas pelos dados do sono parem de monitorá-lo.

Antosiek foi além: ele decidiu parar de usar o produto de vez. Ele acha que nunca desenvolveu ortosonia, mas consegue entender como as pessoas podem levar a maximização do sono longe demais. Hoje em dia, se ele acorda se sentindo descansado e alerta, já está ótimo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este texto foi originalmente publicado em The New York Times

Derek Antosiek se considera um especialista em sono. Ele já usou fita adesiva na boca, abriu as narinas com dilatadores e vedou os ouvidos com tampões. Experimentou um ventilador que bombeava ar fresco sob os lençóis e posicionou colchões separados para ele e a esposa, para que os movimentos dela não o incomodassem. Ele testou lâmpadas de terapia de luz, monitores de qualidade do ar, rastreadores de sono e óculos de luz azul.

A cada novo experimento, o objetivo era o mesmo: chegar mais perto de uma noite de sono perfeita.

Anel, faixa e adesivo estão entre os acessórios empregados pelos chamados sleepmaxxers em busca do descanso perfeito Foto: SEAN DONG

Depois de décadas seguindo o mantra de que dormir era para depois da morte, os americanos despertaram para a importância de uma boa noite de sono. O tempo total de sono aumentou nas últimas duas décadas, e ainda mais nos últimos anos, de acordo com a pesquisa anual do governo federal sobre como os americanos usam seu tempo.

“A maré está mudando”, diz Matthew Walker, professor de neurociência e psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e diretor de um centro de sono na faculdade. “As pessoas – especialmente a Geração Z – reivindicaram seu direito a uma noite inteira de sono. E fizeram isso sem o menor constrangimento”.

Embora as atitudes em relação ao sono tenham mudado, os especialistas dizem que as recomendações básicas continuam as mesmas: pelo menos sete horas, mais ou menos no mesmo horário, com o mínimo possível de interrupções. O diferente é a quantidade de pessoas para as quais o sono virou uma fixação. Na internet, essas pessoas – às vezes chamadas de sleepmaxxers, algo como “maximizadores do sono” – exibem com orgulho seus esforços extremos em busca de um sono melhor.

Os vídeos prometem soluções para problemas que as pessoas nem sabiam que tinham. Um entusiasta recomendou um travesseiro ajustável para reduzir a pressão facial. Outra filmou a si mesma acordando com o cabelo enrolado numa touca e usando uma cinta para a mandíbula, mal conseguindo falar depois de fechar a boca com fita adesiva. Gabar-se de ir para a cama cedo virou uma tendência nas redes sociais, tanto quanto postar fotos de férias luxuosas.

Para quem se interessa pelo assunto, hoje existem fitas adesivas para a boca (que promovem a respiração pelo nariz), expansores de narinas (que reduzem ostensivamente o ronco), fitas adesivas para o nariz (que abrem as passagens nasais) e cintas para a mandíbula (que envolvem a cabeça e mantêm a boca firmemente fechada). Há essências para travesseiros, sprays de magnésio para os pés e o “mocktail da menina sonolenta”, uma mistura de suco de cereja, soda probiótica e pó de magnésio.

Há também tecnologia de ponta, como o ventilador que Antosiek experimentou, que pode custar cerca de US$ 600 (algo em torno de R$ 3.300, na cotação atual), e linhas inteiras de dispositivos vestíveis para dormir, alguns chegando a quase US$ 1.000 (cerca de R$ 5.500), que monitoram e medem a qualidade do sono das pessoas. Há um despertador “nascer do sol”, que, segundo seus criadores, desperta as pessoas de acordo com seus ritmos circadianos naturais. Para os verdadeiros entusiastas, há até um sistema de colchão que ajusta a temperatura, detecta o ronco e vibra quando está na hora de acordar. Custa cerca de US$ 4.000 (aproximadamente R$ 22.000).

Os principais cientistas do sono entraram de cabeça nesse setor em expansão e multibilionário. Depois que Walker publicou o best-seller Why We Sleep [”Por que dormimos”], em 2017, a empresa de monitoramento do sono Oura contratou-o como consultor médico.

Mas, com o aumento do interesse pelo sono, alguns médicos e acadêmicos notaram que as pessoas estão preocupadas demais em ter uma noite de sono perfeita. Em 2017, pesquisadores do Rush Medical College e da Feinberg School of Medicine da Northwestern University criaram a palavra “ortosonia” para descrever as pessoas que procuram tratamento para problemas autodiagnosticados resultantes do uso de rastreadores de sono e dispositivos vestíveis.

No Journal of Clinical Sleep Medicine, os pesquisadores escreveram que estavam preocupados com os efeitos da “busca perfeccionista pelo sono ideal”, comparando o que estavam vendo à ortorexia, uma fixação obsessiva pela alimentação saudável.

Nem todos os sleepmaxxers desenvolvem ortosonia, é claro. Mas Milena Pavlova, diretora médica do Centro de Testes do Sono do Brigham and Women’s Faulkner Hospital, em Boston, acha que algumas pessoas podem estar preocupadas demais na hora de dormir.

“O sono é um processo passivo”, resume Milena. “Deve ser protegido, não forçado nem ‘maximizado’”.

A maximização do sono vira moda

Antosiek, que tem 31 anos e mora em Michigan, começou a levar o sono a sério alguns anos atrás, depois de perceber que nunca tinha superado os maus hábitos que tinha desenvolvido aos vinte e poucos anos, como beber demais nos fins de semana e ficar acordado até tarde.

Ao procurar informações na internet, ele se deparou com uma comunidade pequena, mas dedicada, no site de mensagens Reddit: a Sleep Hackers, composta por pessoas que compartilham dicas e expressam frustrações com seus problemas de sono.

Pouco depois, Antosiek se tornou moderador do fórum, e seus hábitos mudaram. Ele começou a buscar o que considerava ser “a quantidade certa de luz nos momentos certos” e a usar vários aparelhos e rastreadores de sono. Um deles era o Oura Ring, um rastreador de sono que cabia no dedo e fornecia uma pontuação diária de sono entre 0 e 100. A pontuação era muito importante para ele. Nas noites em que tinha dificuldade para dormir, ele era duro consigo mesmo e temia os resultados da manhã seguinte, sabendo que eles afetariam suas chances de receber uma pontuação “ideal” de mais de 85 pontos.

Para muitos devotos do sono, seu fascínio por truques para dormir bem continua sendo um hobby inofensivo. Mayte Myers, que tem 27 anos e vai dormir usando uma cinta para a mandíbula e fita adesiva na boca, disse que o elaborado ritual da hora de dormir lhe deu uma coisa pela qual ansiar. “Sinceramente, parece um cobertor aconchegante”, compara ela.

Já Maureen Osei, que tem 24 anos e mora na Carolina do Norte, usa touca, dilatador no nariz, fita adesiva na boca e faixa na mandíbula para dormir.

“É como se não houvesse mais nada a fazer a não ser dormir, porque é muito desconfortável”, diz. “Não vou ficar no celular com uma faixa no queixo, sabe?”

Para outros, no entanto, o foco no sono tem saído pela culatra. Sarah El Kattan, que tem 26 anos e mora em Frankfurt, nunca pensava muito no sono. Aí, perto do final de 2021, depois de ouvir um podcast famoso, ela começou a se concentrar em otimizar a saúde. Então ela leu o livro de Walker, e o foco se voltou para o sono. Foi como virar uma chave na cabeça, disse ela. De repente, a perspectiva de dormir começou a deixá-la ansiosa, e ela passou a apresentar sintomas físicos.

“Começou com palpitações cardíacas”, conta Sarah. Quanto mais ela pensava em dormir, pior ficava a situação. À noite, ela sabia que cada minuto que passava era mais um minuto de sono perdido, e seus pensamentos obsessivos criavam um ciclo vicioso que a mantinha acordada por mais tempo ainda.

Walker disse que ouviu falar de outras pessoas que tiveram problemas de sono depois de lerem seu livro. Ele sugeriu que essas pessoas parem de se concentrar no sono: “Não ouçam meu podcast, não leiam o livro, não façam nada disso”, orienta. Em vez disso, recomenda que elas procurem ajuda profissional.

‘Fiquei muito obcecado’

De modo geral, dizem os especialistas em sono, o novo foco cultural no sono é uma mudança bem-vinda. Eles não descartaram nenhuma dica, desde que as pessoas tomem cuidado. “Alguma coisa sempre vai funcionar para alguém”, diz Leah A. Irish, professora associada de psicologia da Universidade Estadual de Dakota do Norte que estuda o sono.

O próprio ritual de se preparar para dormir – por exemplo, borrifando magnésio nos pés – talvez seja mais importante do que os efeitos em si, um sinal para o cérebro de que está na hora de relaxar.

Mas as alegações de que todas as ferramentas funcionam geralmente são discutíveis. Até mesmo pesquisadores do sono com um pé no setor admitem isso. “Provavelmente, nenhuma delas vai ajudar você a ter uma noite de sono melhor”, avisa Vanessa Hill, cientista comportamental do sono do Appleton Institute, instituto de pesquisa de saúde e bem-estar da CQUniversity, na Austrália, que prestou consultoria para o aplicativo Samsung Health e para a empresa de colchões Purple. “O mais importante é que você esteja confortável. Então, se essas coisas ajudarem você a se sentir mais confortável, ótimo”.

Embora pequenos estudos tenham constatado que a aplicação de fita adesiva na boca é benéfica para pessoas com apneia do sono leve, seu efeito em pessoas que não têm problemas respiratórios é menos conhecido. E os estudos mais rigorosos encontraram poucas evidências de que o magnésio tenha efeito sobre a qualidade do sono.

Em alguns casos, há riscos. A fita adesiva bucal pode, na verdade, reduzir a quantidade de oxigênio que as pessoas respiram se o nariz ficar obstruído, e as cintas de mandíbula podem causar dor, informa Walker. Para quem tem problemas graves de sono, é melhor consultar um médico primeiro.

As dicas que viralizam nas redes sociais e as novas invenções não substituem as regras testadas e comprovadas do sono, como entrar e sair da cama no mesmo horário todos os dias, reduzir o consumo de álcool e reservar um tempo para relaxar. Sarah finalmente começou a dormir melhor quando, por exemplo, parou de consumir cafeína e passou a ser mais gentil consigo mesma.

No caso de Antosiek, os tampões de ouvido, a fita adesiva na boca e o dilatador nasal ajudaram. Mas o ventilador da cama não fez muito efeito, e o Oura Ring piorou as coisas. “Eu me via acordando e imediatamente olhando para a minha pontuação, pensando: ‘Será que dormi bem?’”, lembra.

Com o distanciamento, Antosiek agora consegue admitir que provavelmente deixou as coisas saírem do controle. “Fiquei muito obcecado, talvez até um pouco doentio”, afirma.

Shyamal Patel, vice-presidente sênior de ciências da Oura, esclarece que o Oura Ring não foi “projetado com a ideia de maximizar o engajamento” e sugere que as pessoas que se sentem obcecadas pelos dados do sono parem de monitorá-lo.

Antosiek foi além: ele decidiu parar de usar o produto de vez. Ele acha que nunca desenvolveu ortosonia, mas consegue entender como as pessoas podem levar a maximização do sono longe demais. Hoje em dia, se ele acorda se sentindo descansado e alerta, já está ótimo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este texto foi originalmente publicado em The New York Times

Derek Antosiek se considera um especialista em sono. Ele já usou fita adesiva na boca, abriu as narinas com dilatadores e vedou os ouvidos com tampões. Experimentou um ventilador que bombeava ar fresco sob os lençóis e posicionou colchões separados para ele e a esposa, para que os movimentos dela não o incomodassem. Ele testou lâmpadas de terapia de luz, monitores de qualidade do ar, rastreadores de sono e óculos de luz azul.

A cada novo experimento, o objetivo era o mesmo: chegar mais perto de uma noite de sono perfeita.

Anel, faixa e adesivo estão entre os acessórios empregados pelos chamados sleepmaxxers em busca do descanso perfeito Foto: SEAN DONG

Depois de décadas seguindo o mantra de que dormir era para depois da morte, os americanos despertaram para a importância de uma boa noite de sono. O tempo total de sono aumentou nas últimas duas décadas, e ainda mais nos últimos anos, de acordo com a pesquisa anual do governo federal sobre como os americanos usam seu tempo.

“A maré está mudando”, diz Matthew Walker, professor de neurociência e psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e diretor de um centro de sono na faculdade. “As pessoas – especialmente a Geração Z – reivindicaram seu direito a uma noite inteira de sono. E fizeram isso sem o menor constrangimento”.

Embora as atitudes em relação ao sono tenham mudado, os especialistas dizem que as recomendações básicas continuam as mesmas: pelo menos sete horas, mais ou menos no mesmo horário, com o mínimo possível de interrupções. O diferente é a quantidade de pessoas para as quais o sono virou uma fixação. Na internet, essas pessoas – às vezes chamadas de sleepmaxxers, algo como “maximizadores do sono” – exibem com orgulho seus esforços extremos em busca de um sono melhor.

Os vídeos prometem soluções para problemas que as pessoas nem sabiam que tinham. Um entusiasta recomendou um travesseiro ajustável para reduzir a pressão facial. Outra filmou a si mesma acordando com o cabelo enrolado numa touca e usando uma cinta para a mandíbula, mal conseguindo falar depois de fechar a boca com fita adesiva. Gabar-se de ir para a cama cedo virou uma tendência nas redes sociais, tanto quanto postar fotos de férias luxuosas.

Para quem se interessa pelo assunto, hoje existem fitas adesivas para a boca (que promovem a respiração pelo nariz), expansores de narinas (que reduzem ostensivamente o ronco), fitas adesivas para o nariz (que abrem as passagens nasais) e cintas para a mandíbula (que envolvem a cabeça e mantêm a boca firmemente fechada). Há essências para travesseiros, sprays de magnésio para os pés e o “mocktail da menina sonolenta”, uma mistura de suco de cereja, soda probiótica e pó de magnésio.

Há também tecnologia de ponta, como o ventilador que Antosiek experimentou, que pode custar cerca de US$ 600 (algo em torno de R$ 3.300, na cotação atual), e linhas inteiras de dispositivos vestíveis para dormir, alguns chegando a quase US$ 1.000 (cerca de R$ 5.500), que monitoram e medem a qualidade do sono das pessoas. Há um despertador “nascer do sol”, que, segundo seus criadores, desperta as pessoas de acordo com seus ritmos circadianos naturais. Para os verdadeiros entusiastas, há até um sistema de colchão que ajusta a temperatura, detecta o ronco e vibra quando está na hora de acordar. Custa cerca de US$ 4.000 (aproximadamente R$ 22.000).

Os principais cientistas do sono entraram de cabeça nesse setor em expansão e multibilionário. Depois que Walker publicou o best-seller Why We Sleep [”Por que dormimos”], em 2017, a empresa de monitoramento do sono Oura contratou-o como consultor médico.

Mas, com o aumento do interesse pelo sono, alguns médicos e acadêmicos notaram que as pessoas estão preocupadas demais em ter uma noite de sono perfeita. Em 2017, pesquisadores do Rush Medical College e da Feinberg School of Medicine da Northwestern University criaram a palavra “ortosonia” para descrever as pessoas que procuram tratamento para problemas autodiagnosticados resultantes do uso de rastreadores de sono e dispositivos vestíveis.

No Journal of Clinical Sleep Medicine, os pesquisadores escreveram que estavam preocupados com os efeitos da “busca perfeccionista pelo sono ideal”, comparando o que estavam vendo à ortorexia, uma fixação obsessiva pela alimentação saudável.

Nem todos os sleepmaxxers desenvolvem ortosonia, é claro. Mas Milena Pavlova, diretora médica do Centro de Testes do Sono do Brigham and Women’s Faulkner Hospital, em Boston, acha que algumas pessoas podem estar preocupadas demais na hora de dormir.

“O sono é um processo passivo”, resume Milena. “Deve ser protegido, não forçado nem ‘maximizado’”.

A maximização do sono vira moda

Antosiek, que tem 31 anos e mora em Michigan, começou a levar o sono a sério alguns anos atrás, depois de perceber que nunca tinha superado os maus hábitos que tinha desenvolvido aos vinte e poucos anos, como beber demais nos fins de semana e ficar acordado até tarde.

Ao procurar informações na internet, ele se deparou com uma comunidade pequena, mas dedicada, no site de mensagens Reddit: a Sleep Hackers, composta por pessoas que compartilham dicas e expressam frustrações com seus problemas de sono.

Pouco depois, Antosiek se tornou moderador do fórum, e seus hábitos mudaram. Ele começou a buscar o que considerava ser “a quantidade certa de luz nos momentos certos” e a usar vários aparelhos e rastreadores de sono. Um deles era o Oura Ring, um rastreador de sono que cabia no dedo e fornecia uma pontuação diária de sono entre 0 e 100. A pontuação era muito importante para ele. Nas noites em que tinha dificuldade para dormir, ele era duro consigo mesmo e temia os resultados da manhã seguinte, sabendo que eles afetariam suas chances de receber uma pontuação “ideal” de mais de 85 pontos.

Para muitos devotos do sono, seu fascínio por truques para dormir bem continua sendo um hobby inofensivo. Mayte Myers, que tem 27 anos e vai dormir usando uma cinta para a mandíbula e fita adesiva na boca, disse que o elaborado ritual da hora de dormir lhe deu uma coisa pela qual ansiar. “Sinceramente, parece um cobertor aconchegante”, compara ela.

Já Maureen Osei, que tem 24 anos e mora na Carolina do Norte, usa touca, dilatador no nariz, fita adesiva na boca e faixa na mandíbula para dormir.

“É como se não houvesse mais nada a fazer a não ser dormir, porque é muito desconfortável”, diz. “Não vou ficar no celular com uma faixa no queixo, sabe?”

Para outros, no entanto, o foco no sono tem saído pela culatra. Sarah El Kattan, que tem 26 anos e mora em Frankfurt, nunca pensava muito no sono. Aí, perto do final de 2021, depois de ouvir um podcast famoso, ela começou a se concentrar em otimizar a saúde. Então ela leu o livro de Walker, e o foco se voltou para o sono. Foi como virar uma chave na cabeça, disse ela. De repente, a perspectiva de dormir começou a deixá-la ansiosa, e ela passou a apresentar sintomas físicos.

“Começou com palpitações cardíacas”, conta Sarah. Quanto mais ela pensava em dormir, pior ficava a situação. À noite, ela sabia que cada minuto que passava era mais um minuto de sono perdido, e seus pensamentos obsessivos criavam um ciclo vicioso que a mantinha acordada por mais tempo ainda.

Walker disse que ouviu falar de outras pessoas que tiveram problemas de sono depois de lerem seu livro. Ele sugeriu que essas pessoas parem de se concentrar no sono: “Não ouçam meu podcast, não leiam o livro, não façam nada disso”, orienta. Em vez disso, recomenda que elas procurem ajuda profissional.

‘Fiquei muito obcecado’

De modo geral, dizem os especialistas em sono, o novo foco cultural no sono é uma mudança bem-vinda. Eles não descartaram nenhuma dica, desde que as pessoas tomem cuidado. “Alguma coisa sempre vai funcionar para alguém”, diz Leah A. Irish, professora associada de psicologia da Universidade Estadual de Dakota do Norte que estuda o sono.

O próprio ritual de se preparar para dormir – por exemplo, borrifando magnésio nos pés – talvez seja mais importante do que os efeitos em si, um sinal para o cérebro de que está na hora de relaxar.

Mas as alegações de que todas as ferramentas funcionam geralmente são discutíveis. Até mesmo pesquisadores do sono com um pé no setor admitem isso. “Provavelmente, nenhuma delas vai ajudar você a ter uma noite de sono melhor”, avisa Vanessa Hill, cientista comportamental do sono do Appleton Institute, instituto de pesquisa de saúde e bem-estar da CQUniversity, na Austrália, que prestou consultoria para o aplicativo Samsung Health e para a empresa de colchões Purple. “O mais importante é que você esteja confortável. Então, se essas coisas ajudarem você a se sentir mais confortável, ótimo”.

Embora pequenos estudos tenham constatado que a aplicação de fita adesiva na boca é benéfica para pessoas com apneia do sono leve, seu efeito em pessoas que não têm problemas respiratórios é menos conhecido. E os estudos mais rigorosos encontraram poucas evidências de que o magnésio tenha efeito sobre a qualidade do sono.

Em alguns casos, há riscos. A fita adesiva bucal pode, na verdade, reduzir a quantidade de oxigênio que as pessoas respiram se o nariz ficar obstruído, e as cintas de mandíbula podem causar dor, informa Walker. Para quem tem problemas graves de sono, é melhor consultar um médico primeiro.

As dicas que viralizam nas redes sociais e as novas invenções não substituem as regras testadas e comprovadas do sono, como entrar e sair da cama no mesmo horário todos os dias, reduzir o consumo de álcool e reservar um tempo para relaxar. Sarah finalmente começou a dormir melhor quando, por exemplo, parou de consumir cafeína e passou a ser mais gentil consigo mesma.

No caso de Antosiek, os tampões de ouvido, a fita adesiva na boca e o dilatador nasal ajudaram. Mas o ventilador da cama não fez muito efeito, e o Oura Ring piorou as coisas. “Eu me via acordando e imediatamente olhando para a minha pontuação, pensando: ‘Será que dormi bem?’”, lembra.

Com o distanciamento, Antosiek agora consegue admitir que provavelmente deixou as coisas saírem do controle. “Fiquei muito obcecado, talvez até um pouco doentio”, afirma.

Shyamal Patel, vice-presidente sênior de ciências da Oura, esclarece que o Oura Ring não foi “projetado com a ideia de maximizar o engajamento” e sugere que as pessoas que se sentem obcecadas pelos dados do sono parem de monitorá-lo.

Antosiek foi além: ele decidiu parar de usar o produto de vez. Ele acha que nunca desenvolveu ortosonia, mas consegue entender como as pessoas podem levar a maximização do sono longe demais. Hoje em dia, se ele acorda se sentindo descansado e alerta, já está ótimo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Este texto foi originalmente publicado em The New York Times

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