Muitas vezes a fisioterapia aparece como mero complemento ou etapa final de um tratamento, sobretudo nos pequenos traumas ou imobilizações temporárias. Nesses casos, há um período limitado de sessões para que se alcance o restabelecimento dos movimentos e as dores sejam amenizadas. Entretanto, essa ciência da saúde vai além disso. Ela tem se tornado cada vez mais uma importante aliada na terapêutica de casos graves, como os tumores do sistema nervoso central, encéfalo e medula espinhal, que podem prejudicar ou limitar as funções motoras do corpo, as paresias (perda da força nos membros e tronco) ou plegias (ausência de movimento voluntário).
De acordo com o neurocirurgião Jean de Oliveira, líder do Centro de Referência de Tumores do Sistema Nervoso Central do A.C. Camargo Cancer Center, o crescimento de um tumor nessas áreas pode causar não só distúrbios motores e sensitivos, como também de comportamento, equilíbrio, perda da fala, visão, audição, entre outros.
Há duas situações diversas. Os tumores que nascem do tecido nervoso oferecem uma possibilidade maior de comprometimento das fibras motoras e sensitivas, pois há a destruição das estruturas cerebrais. Os que nascem das membranas que protegem o tecido nervoso, como os das meninges, que empurram o cérebro, comprometem as funções motoras em um primeiro momento, mas, ao ser operado, com o fim da compressão, a tendência é a recuperação dos movimentos.
Oliveira afirma que em ambos os casos a fisioterapia é fundamental logo no começo dos sintomas, ainda no diagnóstico, e deve seguir durante o tratamento, operatório ou quimioterápico, e após as intervenções.
“Quanto mais precocemente você iniciar a fisioterapia, maior a chance de recuperação. Em relação ao déficit motor, o que vai fazer o paciente melhorar, inclusive, é a fisioterapia, e não a cirurgia, que terá como objetivo fazer com que não haja mais a condição que levou a essa situação”, diz. “Atualmente, em centros de tratamento para o câncer, o conceito é multidisciplinar. Há a quimioterapia, radioterapia, fisioterapia e a fonoterapia, essencial para quem teve comprometimento da fala ou da deglutição”, explica.
Jean de Oliveira, neurocirurgião
Retomada da vida social entra as prioridades
A fisioterapeuta Glenda Ramos, sócia da Clínica Corpo, na zona sul de São Paulo, é especialista em casos assim. Para ela, há quatro prioridades que a fisioterapia deve oferecer a esses pacientes: tratamento da dor, independência, sono de qualidade e retomada da vida social. Isso tudo decidido entre ela e o paciente.
“No caso dos tumores, a função motora passa a ser diferente. Há a fraqueza muscular e a dificuldade de controlar a musculatura. A sensibilidade também é alterada. Você pode passar a mão na pele da pessoa e ela sentir algo mais agressivo. Ou não sentir calor, frio e pressões mecânicas. O tratamento, então, vai por etapas”, explica.
A ideia é deixar o paciente o mais ativo e com o menor nível de dor possível. Entre os recursos disponíveis para alcançar esse objetivo estão alongamento, fortalecimento muscular e redução dos pontos de tensões musculares, seja manualmente ou com eletroestimulação. Tudo feito com critério para não estimular o crescimento do tumor (em casos não operáveis).
Glenda Ramos, fisioterapeuta
Outro aspecto observado por Glenda é a prevenção de doenças derivadas da uma condição de pouca mobilidade, como pneumonia e infecções urinárias, que podem levar a internações ou mesmo ao óbito. “Não podemos deixar essas doenças oportunistas surgirem. O fisioterapeuta também fica atento a elas, com estímulo pulmonar, de intestino e bexiga.”
Glenda gosta de prestar atenção nos desejos de cada paciente e trabalhar para que eles sejam alcançados. Uns, conta a fisioterapeuta, querem voltar a cuidar do jardim da casa. Outros, sair para almoçar com a família. “Se não é possível abaixar e cuidar das plantas, que ele tenha o máximo de autonomia possível para frequentar aquele ambiente. Ou que ele saia com a família e tenha condição de se alimentar sozinho”, observa.
Busca por qualidade de vida
Uma das pacientes de Glenda é um mulher de 62 anos, que prefere se manter anônima. Ela estava em Portugal quando o lado esquerdo de seu corpo ficou paralisado. Ao procurar um médico, recebeu o diagnóstico de um tumor no cérebro. Após a cirurgia, com sequelas motoras, iniciou a fisioterapia. “Não é fácil se sentir com um tumor na cabeça. Você pensa que vai perder a vida, a autonomia”, conta ela, que faz fisioterapia seis vezes na semana. “Na hora da sessão, tudo fica mais alegre. Já nessa fase de recuperação, tive uma neta. Depois, a notícia de que outra nasceria. A fisioterapia me ajudou a poder segurá-la no colo, brincar com ela”, comenta.
Paciente de 62 anos
A paciente já faz planos para o próximo ano. Quer voltar a Portugal e ainda visitar “uma praia dessas bem legais”, como Punta Cana, na República Dominicana. “Isso me dá uma perspectiva de vida futura, uma sensação de que tudo vai continuar.”
Para o neurocirurgião Jean Oliveira, a disposição que a paciente de Glenda relata em aderir ao tratamento tem papel fundamental no resultado. “O paciente interessado nas sessões terá melhora mais rápida e consistente. É igual a um indivíduo que vai uma vez por semana à academia e faz 30 minutos de esteira e outro que está lá todos os dias, se dedicando.”
Terapia pode se estender por anos e não deve causar dor
Para o fisiatra e médico do esporte Fabrício Buzatto, nem todas as lesões são recuperáveis, mesmo com a fisioterapia. Então, o trabalho será de treino e ajuste do paciente para a nova realidade motora. “Não só ele deve ser envolvido no processo, mas a família também. Pode ser que ele precise de determinada ajuda e o familiar deve estar preparado para atender a essa necessidade.”
O especialista alerta sobre a indispensabilidade de um trabalho contínuo para que não haja perda daquilo que foi conquistado ao longo do tratamento, com atrofiamento dos músculos e encurtamento dos tendões, por exemplo.
A terapia pode se estender por anos, aplicada todos os dias ou pelo menos três vezes por semana até o quadro se estabilizar. “Para muitos pacientes, a única opção de movimento é durante a fisioterapia. Quando chegar ao nível de estabilidade, pode-se, então, partir para uma atividade física adaptada, se isso for possível”, explica.
O médico alerta que a fisioterapia não pode ser sinônimo de dor – ela pode ocorrer no processo inicial de tratamento ou na necessidade de um alongamento um pouco mais intenso. Porém, a terapia serve para aliviar os desconfortos. Se algo incomoda, é o momento de rever com o médico e o fisioterapeuta as técnicas utilizadas.