Referência em comunicação em saúde, o médico Drauzio Varella começou a produzir conteúdo para a grande mídia na década de 1980, com uma coluna no rádio. Hoje, o cancerologista de 75 anos tem na internet seu principal público. Só em seu canal no YouTube, são quase 1,2 milhão de inscritos. Drauzio mantém ainda um portal de saúde com reportagens, entrevistas, vídeos, podcasts e até uma sessão de fact-checking em saúde.
Para o especialista, a internet trouxe muitos benefícios ao possibilitar que a população fique mais informada sobre saúde. O problema, segundo ele, é a falta de crivo para diferenciar a informação correta daquela produzida sem evidência científica.
Na sua visão, por que o Brasil é o país no mundo em que as buscas por assuntos de saúde mais crescem? Desde que comecei a ter coluna no rádio, em 1985, já percebo esse enorme interesse dos brasileiros pelo assunto. Uma das razões é que a gente aprende muito pouco sobre saúde nas escolas. As escolas não têm essa preocupação em ensinar bem sobre anatomia, aparelho cardiorrespiratório. As pessoas crescem e ficam adultas sem ter conhecimentos que são básicos sobre saúde e, por isso, se sentem inseguras. Então, temos uma massa de gente pobre querendo se informar, saber como prevenir doenças, mas que não tem tempo para estudar. A internet hoje tem ajudado a suprir essa busca. A informação desencontrada, sem crivo, é que cria problema, pois nada disso passa por seleção. Mas quando você analisa o quadro geral, esse maior acesso à informação trazido pela internet trouxe muitos benefícios. Os pacientes estão muito melhor informados. Quando comecei na profissão, a ignorância era absoluta.
Alguns internautas dizem que procuram informações de saúde na internet porque nem sempre entendem o que os médicos falam...Por que os médicos usam linguagem técnica? Porque a linguagem técnica nos defende. As pessoas que estão te ouvindo não têm como te criticar porque, em termos médicos, você está correto. Mas quando você usa essa linguagem com um paciente e ele não te entende há uma falha na comunicação. O desafio, ao falar na TV ou na internet, é usar uma linguagem clara, simples, mas sem perder a precisão científica porque você está sendo assistido ao mesmo tempo por um livre-docente da Faculdade de Medicina e por pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar.
Em seu canal no YouTube, além de vídeos informativos, o senhor também compartilha experiências pessoais de saúde, como a preguiça em fazer exercícios físicos, e repercute com bom-humor comentários dos seus seguidores. Isso ajuda a aproximar o público do médico? Acho que sim. Tentamos considerar os comentários dos seguidores na elaboração das pautas e acho que essa aproximação depende da personalidade do profissional. Eu nunca tive essa postura autoritária como médico porque acho que Medicina deve ser um exercício de humildade. Fico até surpreso com médicos que acham que têm a resposta para tudo porque, na nossa profissão, nos deparamos muitas vezes com pacientes com quadros semelhantes com respostas a tratamentos totalmente diferentes.
Quais são os temas mais populares em seu canal e site? Vários geram interesse, mas percebo que alguns temas, como pílula do dia seguinte e hemorroidas, têm muita audiência porque são temas que as pessoas têm vergonha de perguntar no consultório ou para conhecidos.
Como melhorar a informação em saúde oferecida na internet? Acho que é uma questão de educação. A convivência com a internet é algo relativamente novo, a internet é livre e algumas pessoas ainda acreditam em tudo que leem, sem nenhuma preocupação em ver as fontes, comparar e checar. Acho que, com o tempo, isso vai passar para um meio termo e vai haver um crivo maior.
Há médicos que sentem-se incomodados com pacientes que pesquisam sobre doenças na internet e chegam aos consultórios com várias hipóteses. Como o senhor vê esse conflito? Esses médicos são inseguros porque não existe vergonha nenhuma em um paciente ter lido algo que você não leu. Eu sempre achei que medicina preventiva e educação em saúde são tão importantes quanto um congresso de câncer de mama, por exemplo. E a internet ajuda os pacientes nisso. Na hora que as pessoas vão te parando na rua e contando que seu vídeo ou programa de TV as ajudaram a parar de fumar ou coisas do tipo, isso vai dando uma força. Hoje penso que meus vídeos tiveram mais impacto nas pessoas do que todos os pacientes que atendi na vida, por causa do alcance da internet. Quando eu comecei a fazer vinhetas na rádio, em 1985, médico sério não falava em rádio nem na TV. Eu vivi esse preconceito, mas, com o tempo, as pessoas olham e julgam com outros olhos. Além disso, hoje em dia é muito diferente. Tem muitos médicos com sites, páginas no Facebook canais no YouTube com informação de qualidade. A gente tem que se abrir para o futuro. Se a gente não se renova, perde o bonde.