A importância da prevenção no câncer de mama


Número de casos tem crescido no mundo, mas diagnóstico precoce eleva chances de cura

Por Pfizer
Getty Images 

O alerta foi dado no início deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O câncer de mama se tornou a forma de tumor maligno mais diagnosticada no mundo, com 2,3 milhões de casos registrados em 2020, ou 11,7% do total. O mesmo estudo mostrou que o número de mulheres que estão vivas após serem diagnosticadas com essa doença nos últimos cinco anos era estimado em quase 8 milhões no ano passado, maior do que os sobreviventes de qualquer outro tipo de câncer. Segundo especialistas, os dados expõem duas certezas: o câncer de mama tem avançado, mas os tratamentos que permitem a cura ou melhoram a qualidade de vida das pacientes também estão evoluindo.

Para Fabiana Makdissi, diretora do departamento de Mastologia do hospital A. C. Camargo, a constatação dessa maior incidência é uma soma de fatores. “O câncer é uma doença degenerativa, portanto ligada ao envelhecimento da população. No caso do câncer de mama, ser mulher e estar envelhecendo já é um fator de risco. Mas também é verdade que a população está cada vez mais obesa, as mulheres estão tendo filhos mais tarde e estão expostas às questões hormonais por mais tempo”, explica.

continua após a publicidade

Daniela Dornelles Rosa, presidente do Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer Mama (GBECAM),

também destaca os fatores reprodutivos como parte da explicação. Segundo ela, comportamentos que eram considerados protetores no passado se modificaram. “Exigências do mercado de trabalho nas últimas décadas levaram as mulheres a postergar a gestação, terem um número menor de filhos e a amamentarem por menos tempo”, lista a oncologista do Hospital Moinhos de Vento.

Fatores modificáveis

continua após a publicidade

 

Essas mudanças nos fatores reprodutivos que ocorreram nas últimas décadas fazem parte do processo natural de evolução da sociedade, mas os médicos alertam que há outros fatores comportamentais que são modificáveis que poderiam ajudar a frear o crescimento da incidência do câncer de mama. Os exemplos são os hábitos alimentares e o sedentarismo – que levam ao sobrepeso –, além do consumo de álcool e do tabagismo.

Makdissi afirma que já há evidências que relacionam o consumo de gorduras saturadas e de açúcares presentes nos “sugar drinks” como refrigerantes a casos de câncer de mama. Ela sugere que uma mulher na idade da menopausa não deveria ganhar além de 10 quilos em relação ao seu peso quando jovem.

continua após a publicidade

Segundo Marina Sahade, oncologista e vice-diretora clínica do Hospital Sírio-Libanês, uma dieta mais equilibrada não só reduz o risco de contrair a doença como ajuda no tratamento e melhora a expectativa de vida das pacientes. Ela cita uma pesquisa recente da Sociedade Americana de Oncologia Clínica que relaciona obesidade com maior mortalidade por câncer de mama.

Além dessa prevenção considerada primária, os médicos ressaltam a importância do rastreamento precoce do câncer, que deve ser feito por meio de mamografias periódicas. De acordo com Rafael Kalikis, oncologista do Hospital Albert Einstein, a recomendação da OMS é que 70% da população elegível (mulheres na menopausa) realizem esses exames. Caso esse patamar fosse atingido e os tratamentos fossem disponibilizados a tempo, haveria redução de 15% a 20% na mortalidade.

A aderência a esse tipo de rastreamento pela rede pública no Brasil é baixa, em torno de 20% a 25% da população, e isso piorou durante a pandemia de covid-19. Daniela Dornelles Rosa sugere que é preciso que a rede de saúde se adapte à realidade das mulheres que trabalham, às vezes em mais de um emprego, e faça um ampliação de horários e de dias para a realização de exames, como nos finais de semana. “É preferível cuidar da saúde a cuidar da doença”, afirma.

continua após a publicidade

Embora as principais sociedades de medicina defendam a realização de exames anuais para mulheres assintomáticas a partir dos 40 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) restringe esses exames preventivos para a faixa etária dos 50 aos 69 anos e com periodicidade bianual. Um projeto legislativo, que reconhece o pedido dos médicos e revê essa política do Ministério da Saúde, foi aprovado em 2019 pelo Senado e agora está em trâmite nas comissões da Câmara dos Deputados.

Pandemia reduziu procura por mamografia

Estudos nacionais e internacionais comprovam que a identificação precoce de um câncer de mama possibilita chance de cura de até 95%. Por isso, além da prevenção a respeito dos fatores de risco, os médicos batem com insistência na tecla da importância do rastreamento por meio da realização de mamografias periódicas. Infelizmente, a pandemia de covid-19 reduziu muito a procura pelos exames preventivos, o que pode acarretar aumento de casos.

continua após a publicidade

Estudo realizado pela mastologista Jordana Bessa, da Oncologia D’Or, apontou uma queda de 42% no número de mamografias realizadas pelo SUS em 2020 em relação ao ano anterior, especialmente a partir de abril, quando a maioria dos estados adotou medidas de distanciamento social. Ela também encontrou evidências de que a proporção de caroços palpáveis encontrados nos exames ​​foi significativamente maior no ano passado, o que pode indicar grau mais avançado da doença.

Ainda que os dados da rede particular não sejam consolidados, os efeitos podem ter sido similares na rede conveniada. O Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento apresentou uma estimativa ainda mais preocupante: queda de 90% na procura por exames de diagnóstico nos primeiros meses da crise sanitária e redução de 35% nos tratamentos iniciais de radioterapia.

Para Jordana Bessa, a lição nessa pandemia e em possíveis crises futuras é que o adiamento desse tipo de exame é muito perigoso. “Temos que nos adaptar, porque as pandemias não têm previsão de término. As salas de exame já estão liberadas e adaptadas. Não podemos ficar esperando.”

continua após a publicidade

Bem informadas têm maior adesão ao tratamento

Como protagonistas e participantes de decisões médicas, elas se fortalecem para as batalhas

Se por um lado os diagnósticos de câncer de mama cresceram no século 21, por outro é nítida a mudança positiva na cena das consultas oncológicas, com a medicina compartilhada e o empoderamento da paciente. Ao se perceber dona de suas escolhas, a mulher tem mais liberdade para desmistificar a doença e, questionar formas de tratamento, e se sente fortalecida para enfrentar os percalços que virão, ficando menos suscetível a abandonar os cuidados com a saúde.

A nova relação médico-paciente surgiu devido ao avanço tecnológico que facilitou o acesso ao conhecimento sobre doenças em diversas plataformas digitais. “Muitas pacientes chegam informadas, querendo participar. Não faz sentido uma medicina de cima para baixo, em que o médico diz o que fazer, e a paciente obedece”, diz Alessandra Morelle, oncologista e pesquisadora do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Para ela, o papel do profissional é o de um consultor, que vai usar seu conhecimento na discussão de prós e contras de medidas a serem adotadas.

Oncologista da Rede D’Or e chefe do grupo de oncologia mamária do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Laura Testa concorda que a medicina paternalista é arcaica e diz que pacientes que se apropriam de sua condição aderem mais aos tratamentos. Às mais tímidas, ela sugere três perguntas básicas para se situarem de como está sua saúde. São elas: Que tipo de câncer eu tenho? Qual o estágio da minha doença? Qual tratamento eu vou fazer?

Autonomia e engajamento

Cada câncer de mama é enfrentado de um jeito, podendo requerer práticas como radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia (bloqueio hormonal) e terapia- -alvo, além de cirurgia. Um tratamento pode levar de oito meses a um ano – uns mais, outros menos tempo. Nos resultados, sabe-se que pacientes com tumores de até 2 cm e axila negativa quando tratadas têm chance de mortalidade equiparada à da população sem câncer, como aponta César Cabello, coordenador da área de Mastologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para o especialista, até para determinados casos mais avançados, com tecnologia e novas drogas, tornou-se possível falar em controle. “Há mulheres que vivem muitos anos com qualidade, como se tivessem uma doença crônica, como diabetes.”

 A descoberta de um tumor traz angústia e incerteza. A paciente merece ser orientada quanto ao que existe de maior eficácia e menos efeitos colaterais. “Mulheres esclarecidas participam mais do tratamento”, diz o mastologista. No entanto, salienta, é preciso seguir evidência científica e ética. “Muitas mulheres falam: ‘doutor, eu não quero morrer, retire as duas mamas’. Mas poucas têm indicações para esse procedimento.” Ele conta que, depois de muito esclarecimento, elas entendem que quase sempre é sensato conservar a mama.

Morelle atenta para a autoestima. “As mamas têm um simbolismo forte para a mulher. Por mais que os tratamentos sejam menos invasores, ela tem uma perda gigante. Quando a gente consegue colocar essa paciente no centro das decisões do tratamento, isso ajuda a aliviar o sofrimento emocional e aumenta o engajamento dela.”

A qualidade de vida tende a ser mais complicada para quem não assume as rédeas.  A quimioterapia pode antecipar sintomas de menopausa, e a etapa da hormonioterapia pode acentuá-los. Com essa sobrecarga colateral, 30% das pacientes abandonam a medicação de bloqueio hormonal ou não a tomam com a frequência ideal. “Mas não comunicam nada; isso se descobre em exames sanguíneos”, diz Morelle.

Já a protagonista quer ficar boa logo, e procura formas de amenizar sintomas das terapias, seja investindo em atividade física para não perder músculo, alimentação adequada, psicoterapia, meditação e apoio de organizações não governamentais (ONGs). O mundo digital também está a favor de sua autonomia. Criado por Alessandra Morelle, o aplicativo Tummi ajuda brasileiras a organizarem sua rotina de cuidados oncológicos e a agirem rapidamente em situação de risco. E há plataformas – como o www.coletivopink.com – que trazem conteúdo esclarecedor para dar voz à paciente.

Empatia deve nortear condutas médicas

Ao receber um diagnóstico de câncer, seja qual for, 30% das pessoas entram em choque emocional. A doença é rotulada como mortal e, nos tumores mamários, por mais que as mulheres estejam mais esclarecidas sobre tratamento, chance de cura e de sobrevida, a descoberta de um tumor pode fragilizar bastante. A acolhida no consultório e a conduta empática da equipe multiprofissional farão diferença na jornada dessa paciente.

Laura Testa, do Icesp, afirma que as consultas devem ser transparentes, mas com tato. “Estudos mostram que, ao falar uma palavra que impacta muito, como câncer ou quimioterapia, o pensamento da paciente vai longe, e ela não consegue absorver direito o que está sendo falado.” A médica sugere que essas indagações partam da paciente ou sejam deixadas mais para o final do encontro, quando alguns temas já foram conversados.

Nas consultas para falar sobre recidiva, a oncologista diz que é fundamental uma conversa empática porque, na cabeça da paciente, o que se passa é a culpa. “Temos de tranquilizar a paciente, explicar que isso aconteceu não pelo que ela fez ou deixou de fazer. Aconteceu porque a doença foi mais esperta do que a gente.”

A médica Cristiana Tavares, oncologista da Rede D’Or e professora na Universidade de Pernambuco, aponta uma particularidade a ser considerada frente aos diagnósticos de tumor mamário. “Temos de ser cuidadosos em nossas abordagens, porque no Brasil não se pode adotar a mesma conduta dos consultórios americanos, britânicos, germânicos. A dinâmica tem de ser outra, porque o povo latino é mais sensível, mais passional”. 

Outra orientação que ela segue e transmite aos seus alunos é enxergar as pacientes como pessoas individualizadas. “Não estamos recebendo um par de mamas! Cada paciente que chega tem sua história de vida, seus traumas, sua cultura, sua história conjugal.”

Na abordagem de Cristiana Tavares, ela procura mudar o enfoque da paciente sobre seu diagnóstico. “Eu digo que existem várias mortes em vida; e a gente pode morrer e renascer várias vezes. Pode ser que essa dor, esse impacto, venha para a gente fazer uma avaliação e promover mudanças. A doença vem como uma forma de transformação.”

Getty Images 

O alerta foi dado no início deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O câncer de mama se tornou a forma de tumor maligno mais diagnosticada no mundo, com 2,3 milhões de casos registrados em 2020, ou 11,7% do total. O mesmo estudo mostrou que o número de mulheres que estão vivas após serem diagnosticadas com essa doença nos últimos cinco anos era estimado em quase 8 milhões no ano passado, maior do que os sobreviventes de qualquer outro tipo de câncer. Segundo especialistas, os dados expõem duas certezas: o câncer de mama tem avançado, mas os tratamentos que permitem a cura ou melhoram a qualidade de vida das pacientes também estão evoluindo.

Para Fabiana Makdissi, diretora do departamento de Mastologia do hospital A. C. Camargo, a constatação dessa maior incidência é uma soma de fatores. “O câncer é uma doença degenerativa, portanto ligada ao envelhecimento da população. No caso do câncer de mama, ser mulher e estar envelhecendo já é um fator de risco. Mas também é verdade que a população está cada vez mais obesa, as mulheres estão tendo filhos mais tarde e estão expostas às questões hormonais por mais tempo”, explica.

Daniela Dornelles Rosa, presidente do Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer Mama (GBECAM),

também destaca os fatores reprodutivos como parte da explicação. Segundo ela, comportamentos que eram considerados protetores no passado se modificaram. “Exigências do mercado de trabalho nas últimas décadas levaram as mulheres a postergar a gestação, terem um número menor de filhos e a amamentarem por menos tempo”, lista a oncologista do Hospital Moinhos de Vento.

Fatores modificáveis

 

Essas mudanças nos fatores reprodutivos que ocorreram nas últimas décadas fazem parte do processo natural de evolução da sociedade, mas os médicos alertam que há outros fatores comportamentais que são modificáveis que poderiam ajudar a frear o crescimento da incidência do câncer de mama. Os exemplos são os hábitos alimentares e o sedentarismo – que levam ao sobrepeso –, além do consumo de álcool e do tabagismo.

Makdissi afirma que já há evidências que relacionam o consumo de gorduras saturadas e de açúcares presentes nos “sugar drinks” como refrigerantes a casos de câncer de mama. Ela sugere que uma mulher na idade da menopausa não deveria ganhar além de 10 quilos em relação ao seu peso quando jovem.

Segundo Marina Sahade, oncologista e vice-diretora clínica do Hospital Sírio-Libanês, uma dieta mais equilibrada não só reduz o risco de contrair a doença como ajuda no tratamento e melhora a expectativa de vida das pacientes. Ela cita uma pesquisa recente da Sociedade Americana de Oncologia Clínica que relaciona obesidade com maior mortalidade por câncer de mama.

Além dessa prevenção considerada primária, os médicos ressaltam a importância do rastreamento precoce do câncer, que deve ser feito por meio de mamografias periódicas. De acordo com Rafael Kalikis, oncologista do Hospital Albert Einstein, a recomendação da OMS é que 70% da população elegível (mulheres na menopausa) realizem esses exames. Caso esse patamar fosse atingido e os tratamentos fossem disponibilizados a tempo, haveria redução de 15% a 20% na mortalidade.

A aderência a esse tipo de rastreamento pela rede pública no Brasil é baixa, em torno de 20% a 25% da população, e isso piorou durante a pandemia de covid-19. Daniela Dornelles Rosa sugere que é preciso que a rede de saúde se adapte à realidade das mulheres que trabalham, às vezes em mais de um emprego, e faça um ampliação de horários e de dias para a realização de exames, como nos finais de semana. “É preferível cuidar da saúde a cuidar da doença”, afirma.

Embora as principais sociedades de medicina defendam a realização de exames anuais para mulheres assintomáticas a partir dos 40 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) restringe esses exames preventivos para a faixa etária dos 50 aos 69 anos e com periodicidade bianual. Um projeto legislativo, que reconhece o pedido dos médicos e revê essa política do Ministério da Saúde, foi aprovado em 2019 pelo Senado e agora está em trâmite nas comissões da Câmara dos Deputados.

Pandemia reduziu procura por mamografia

Estudos nacionais e internacionais comprovam que a identificação precoce de um câncer de mama possibilita chance de cura de até 95%. Por isso, além da prevenção a respeito dos fatores de risco, os médicos batem com insistência na tecla da importância do rastreamento por meio da realização de mamografias periódicas. Infelizmente, a pandemia de covid-19 reduziu muito a procura pelos exames preventivos, o que pode acarretar aumento de casos.

Estudo realizado pela mastologista Jordana Bessa, da Oncologia D’Or, apontou uma queda de 42% no número de mamografias realizadas pelo SUS em 2020 em relação ao ano anterior, especialmente a partir de abril, quando a maioria dos estados adotou medidas de distanciamento social. Ela também encontrou evidências de que a proporção de caroços palpáveis encontrados nos exames ​​foi significativamente maior no ano passado, o que pode indicar grau mais avançado da doença.

Ainda que os dados da rede particular não sejam consolidados, os efeitos podem ter sido similares na rede conveniada. O Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento apresentou uma estimativa ainda mais preocupante: queda de 90% na procura por exames de diagnóstico nos primeiros meses da crise sanitária e redução de 35% nos tratamentos iniciais de radioterapia.

Para Jordana Bessa, a lição nessa pandemia e em possíveis crises futuras é que o adiamento desse tipo de exame é muito perigoso. “Temos que nos adaptar, porque as pandemias não têm previsão de término. As salas de exame já estão liberadas e adaptadas. Não podemos ficar esperando.”

Bem informadas têm maior adesão ao tratamento

Como protagonistas e participantes de decisões médicas, elas se fortalecem para as batalhas

Se por um lado os diagnósticos de câncer de mama cresceram no século 21, por outro é nítida a mudança positiva na cena das consultas oncológicas, com a medicina compartilhada e o empoderamento da paciente. Ao se perceber dona de suas escolhas, a mulher tem mais liberdade para desmistificar a doença e, questionar formas de tratamento, e se sente fortalecida para enfrentar os percalços que virão, ficando menos suscetível a abandonar os cuidados com a saúde.

A nova relação médico-paciente surgiu devido ao avanço tecnológico que facilitou o acesso ao conhecimento sobre doenças em diversas plataformas digitais. “Muitas pacientes chegam informadas, querendo participar. Não faz sentido uma medicina de cima para baixo, em que o médico diz o que fazer, e a paciente obedece”, diz Alessandra Morelle, oncologista e pesquisadora do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Para ela, o papel do profissional é o de um consultor, que vai usar seu conhecimento na discussão de prós e contras de medidas a serem adotadas.

Oncologista da Rede D’Or e chefe do grupo de oncologia mamária do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Laura Testa concorda que a medicina paternalista é arcaica e diz que pacientes que se apropriam de sua condição aderem mais aos tratamentos. Às mais tímidas, ela sugere três perguntas básicas para se situarem de como está sua saúde. São elas: Que tipo de câncer eu tenho? Qual o estágio da minha doença? Qual tratamento eu vou fazer?

Autonomia e engajamento

Cada câncer de mama é enfrentado de um jeito, podendo requerer práticas como radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia (bloqueio hormonal) e terapia- -alvo, além de cirurgia. Um tratamento pode levar de oito meses a um ano – uns mais, outros menos tempo. Nos resultados, sabe-se que pacientes com tumores de até 2 cm e axila negativa quando tratadas têm chance de mortalidade equiparada à da população sem câncer, como aponta César Cabello, coordenador da área de Mastologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para o especialista, até para determinados casos mais avançados, com tecnologia e novas drogas, tornou-se possível falar em controle. “Há mulheres que vivem muitos anos com qualidade, como se tivessem uma doença crônica, como diabetes.”

 A descoberta de um tumor traz angústia e incerteza. A paciente merece ser orientada quanto ao que existe de maior eficácia e menos efeitos colaterais. “Mulheres esclarecidas participam mais do tratamento”, diz o mastologista. No entanto, salienta, é preciso seguir evidência científica e ética. “Muitas mulheres falam: ‘doutor, eu não quero morrer, retire as duas mamas’. Mas poucas têm indicações para esse procedimento.” Ele conta que, depois de muito esclarecimento, elas entendem que quase sempre é sensato conservar a mama.

Morelle atenta para a autoestima. “As mamas têm um simbolismo forte para a mulher. Por mais que os tratamentos sejam menos invasores, ela tem uma perda gigante. Quando a gente consegue colocar essa paciente no centro das decisões do tratamento, isso ajuda a aliviar o sofrimento emocional e aumenta o engajamento dela.”

A qualidade de vida tende a ser mais complicada para quem não assume as rédeas.  A quimioterapia pode antecipar sintomas de menopausa, e a etapa da hormonioterapia pode acentuá-los. Com essa sobrecarga colateral, 30% das pacientes abandonam a medicação de bloqueio hormonal ou não a tomam com a frequência ideal. “Mas não comunicam nada; isso se descobre em exames sanguíneos”, diz Morelle.

Já a protagonista quer ficar boa logo, e procura formas de amenizar sintomas das terapias, seja investindo em atividade física para não perder músculo, alimentação adequada, psicoterapia, meditação e apoio de organizações não governamentais (ONGs). O mundo digital também está a favor de sua autonomia. Criado por Alessandra Morelle, o aplicativo Tummi ajuda brasileiras a organizarem sua rotina de cuidados oncológicos e a agirem rapidamente em situação de risco. E há plataformas – como o www.coletivopink.com – que trazem conteúdo esclarecedor para dar voz à paciente.

Empatia deve nortear condutas médicas

Ao receber um diagnóstico de câncer, seja qual for, 30% das pessoas entram em choque emocional. A doença é rotulada como mortal e, nos tumores mamários, por mais que as mulheres estejam mais esclarecidas sobre tratamento, chance de cura e de sobrevida, a descoberta de um tumor pode fragilizar bastante. A acolhida no consultório e a conduta empática da equipe multiprofissional farão diferença na jornada dessa paciente.

Laura Testa, do Icesp, afirma que as consultas devem ser transparentes, mas com tato. “Estudos mostram que, ao falar uma palavra que impacta muito, como câncer ou quimioterapia, o pensamento da paciente vai longe, e ela não consegue absorver direito o que está sendo falado.” A médica sugere que essas indagações partam da paciente ou sejam deixadas mais para o final do encontro, quando alguns temas já foram conversados.

Nas consultas para falar sobre recidiva, a oncologista diz que é fundamental uma conversa empática porque, na cabeça da paciente, o que se passa é a culpa. “Temos de tranquilizar a paciente, explicar que isso aconteceu não pelo que ela fez ou deixou de fazer. Aconteceu porque a doença foi mais esperta do que a gente.”

A médica Cristiana Tavares, oncologista da Rede D’Or e professora na Universidade de Pernambuco, aponta uma particularidade a ser considerada frente aos diagnósticos de tumor mamário. “Temos de ser cuidadosos em nossas abordagens, porque no Brasil não se pode adotar a mesma conduta dos consultórios americanos, britânicos, germânicos. A dinâmica tem de ser outra, porque o povo latino é mais sensível, mais passional”. 

Outra orientação que ela segue e transmite aos seus alunos é enxergar as pacientes como pessoas individualizadas. “Não estamos recebendo um par de mamas! Cada paciente que chega tem sua história de vida, seus traumas, sua cultura, sua história conjugal.”

Na abordagem de Cristiana Tavares, ela procura mudar o enfoque da paciente sobre seu diagnóstico. “Eu digo que existem várias mortes em vida; e a gente pode morrer e renascer várias vezes. Pode ser que essa dor, esse impacto, venha para a gente fazer uma avaliação e promover mudanças. A doença vem como uma forma de transformação.”

Getty Images 

O alerta foi dado no início deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O câncer de mama se tornou a forma de tumor maligno mais diagnosticada no mundo, com 2,3 milhões de casos registrados em 2020, ou 11,7% do total. O mesmo estudo mostrou que o número de mulheres que estão vivas após serem diagnosticadas com essa doença nos últimos cinco anos era estimado em quase 8 milhões no ano passado, maior do que os sobreviventes de qualquer outro tipo de câncer. Segundo especialistas, os dados expõem duas certezas: o câncer de mama tem avançado, mas os tratamentos que permitem a cura ou melhoram a qualidade de vida das pacientes também estão evoluindo.

Para Fabiana Makdissi, diretora do departamento de Mastologia do hospital A. C. Camargo, a constatação dessa maior incidência é uma soma de fatores. “O câncer é uma doença degenerativa, portanto ligada ao envelhecimento da população. No caso do câncer de mama, ser mulher e estar envelhecendo já é um fator de risco. Mas também é verdade que a população está cada vez mais obesa, as mulheres estão tendo filhos mais tarde e estão expostas às questões hormonais por mais tempo”, explica.

Daniela Dornelles Rosa, presidente do Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer Mama (GBECAM),

também destaca os fatores reprodutivos como parte da explicação. Segundo ela, comportamentos que eram considerados protetores no passado se modificaram. “Exigências do mercado de trabalho nas últimas décadas levaram as mulheres a postergar a gestação, terem um número menor de filhos e a amamentarem por menos tempo”, lista a oncologista do Hospital Moinhos de Vento.

Fatores modificáveis

 

Essas mudanças nos fatores reprodutivos que ocorreram nas últimas décadas fazem parte do processo natural de evolução da sociedade, mas os médicos alertam que há outros fatores comportamentais que são modificáveis que poderiam ajudar a frear o crescimento da incidência do câncer de mama. Os exemplos são os hábitos alimentares e o sedentarismo – que levam ao sobrepeso –, além do consumo de álcool e do tabagismo.

Makdissi afirma que já há evidências que relacionam o consumo de gorduras saturadas e de açúcares presentes nos “sugar drinks” como refrigerantes a casos de câncer de mama. Ela sugere que uma mulher na idade da menopausa não deveria ganhar além de 10 quilos em relação ao seu peso quando jovem.

Segundo Marina Sahade, oncologista e vice-diretora clínica do Hospital Sírio-Libanês, uma dieta mais equilibrada não só reduz o risco de contrair a doença como ajuda no tratamento e melhora a expectativa de vida das pacientes. Ela cita uma pesquisa recente da Sociedade Americana de Oncologia Clínica que relaciona obesidade com maior mortalidade por câncer de mama.

Além dessa prevenção considerada primária, os médicos ressaltam a importância do rastreamento precoce do câncer, que deve ser feito por meio de mamografias periódicas. De acordo com Rafael Kalikis, oncologista do Hospital Albert Einstein, a recomendação da OMS é que 70% da população elegível (mulheres na menopausa) realizem esses exames. Caso esse patamar fosse atingido e os tratamentos fossem disponibilizados a tempo, haveria redução de 15% a 20% na mortalidade.

A aderência a esse tipo de rastreamento pela rede pública no Brasil é baixa, em torno de 20% a 25% da população, e isso piorou durante a pandemia de covid-19. Daniela Dornelles Rosa sugere que é preciso que a rede de saúde se adapte à realidade das mulheres que trabalham, às vezes em mais de um emprego, e faça um ampliação de horários e de dias para a realização de exames, como nos finais de semana. “É preferível cuidar da saúde a cuidar da doença”, afirma.

Embora as principais sociedades de medicina defendam a realização de exames anuais para mulheres assintomáticas a partir dos 40 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) restringe esses exames preventivos para a faixa etária dos 50 aos 69 anos e com periodicidade bianual. Um projeto legislativo, que reconhece o pedido dos médicos e revê essa política do Ministério da Saúde, foi aprovado em 2019 pelo Senado e agora está em trâmite nas comissões da Câmara dos Deputados.

Pandemia reduziu procura por mamografia

Estudos nacionais e internacionais comprovam que a identificação precoce de um câncer de mama possibilita chance de cura de até 95%. Por isso, além da prevenção a respeito dos fatores de risco, os médicos batem com insistência na tecla da importância do rastreamento por meio da realização de mamografias periódicas. Infelizmente, a pandemia de covid-19 reduziu muito a procura pelos exames preventivos, o que pode acarretar aumento de casos.

Estudo realizado pela mastologista Jordana Bessa, da Oncologia D’Or, apontou uma queda de 42% no número de mamografias realizadas pelo SUS em 2020 em relação ao ano anterior, especialmente a partir de abril, quando a maioria dos estados adotou medidas de distanciamento social. Ela também encontrou evidências de que a proporção de caroços palpáveis encontrados nos exames ​​foi significativamente maior no ano passado, o que pode indicar grau mais avançado da doença.

Ainda que os dados da rede particular não sejam consolidados, os efeitos podem ter sido similares na rede conveniada. O Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento apresentou uma estimativa ainda mais preocupante: queda de 90% na procura por exames de diagnóstico nos primeiros meses da crise sanitária e redução de 35% nos tratamentos iniciais de radioterapia.

Para Jordana Bessa, a lição nessa pandemia e em possíveis crises futuras é que o adiamento desse tipo de exame é muito perigoso. “Temos que nos adaptar, porque as pandemias não têm previsão de término. As salas de exame já estão liberadas e adaptadas. Não podemos ficar esperando.”

Bem informadas têm maior adesão ao tratamento

Como protagonistas e participantes de decisões médicas, elas se fortalecem para as batalhas

Se por um lado os diagnósticos de câncer de mama cresceram no século 21, por outro é nítida a mudança positiva na cena das consultas oncológicas, com a medicina compartilhada e o empoderamento da paciente. Ao se perceber dona de suas escolhas, a mulher tem mais liberdade para desmistificar a doença e, questionar formas de tratamento, e se sente fortalecida para enfrentar os percalços que virão, ficando menos suscetível a abandonar os cuidados com a saúde.

A nova relação médico-paciente surgiu devido ao avanço tecnológico que facilitou o acesso ao conhecimento sobre doenças em diversas plataformas digitais. “Muitas pacientes chegam informadas, querendo participar. Não faz sentido uma medicina de cima para baixo, em que o médico diz o que fazer, e a paciente obedece”, diz Alessandra Morelle, oncologista e pesquisadora do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Para ela, o papel do profissional é o de um consultor, que vai usar seu conhecimento na discussão de prós e contras de medidas a serem adotadas.

Oncologista da Rede D’Or e chefe do grupo de oncologia mamária do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Laura Testa concorda que a medicina paternalista é arcaica e diz que pacientes que se apropriam de sua condição aderem mais aos tratamentos. Às mais tímidas, ela sugere três perguntas básicas para se situarem de como está sua saúde. São elas: Que tipo de câncer eu tenho? Qual o estágio da minha doença? Qual tratamento eu vou fazer?

Autonomia e engajamento

Cada câncer de mama é enfrentado de um jeito, podendo requerer práticas como radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia (bloqueio hormonal) e terapia- -alvo, além de cirurgia. Um tratamento pode levar de oito meses a um ano – uns mais, outros menos tempo. Nos resultados, sabe-se que pacientes com tumores de até 2 cm e axila negativa quando tratadas têm chance de mortalidade equiparada à da população sem câncer, como aponta César Cabello, coordenador da área de Mastologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para o especialista, até para determinados casos mais avançados, com tecnologia e novas drogas, tornou-se possível falar em controle. “Há mulheres que vivem muitos anos com qualidade, como se tivessem uma doença crônica, como diabetes.”

 A descoberta de um tumor traz angústia e incerteza. A paciente merece ser orientada quanto ao que existe de maior eficácia e menos efeitos colaterais. “Mulheres esclarecidas participam mais do tratamento”, diz o mastologista. No entanto, salienta, é preciso seguir evidência científica e ética. “Muitas mulheres falam: ‘doutor, eu não quero morrer, retire as duas mamas’. Mas poucas têm indicações para esse procedimento.” Ele conta que, depois de muito esclarecimento, elas entendem que quase sempre é sensato conservar a mama.

Morelle atenta para a autoestima. “As mamas têm um simbolismo forte para a mulher. Por mais que os tratamentos sejam menos invasores, ela tem uma perda gigante. Quando a gente consegue colocar essa paciente no centro das decisões do tratamento, isso ajuda a aliviar o sofrimento emocional e aumenta o engajamento dela.”

A qualidade de vida tende a ser mais complicada para quem não assume as rédeas.  A quimioterapia pode antecipar sintomas de menopausa, e a etapa da hormonioterapia pode acentuá-los. Com essa sobrecarga colateral, 30% das pacientes abandonam a medicação de bloqueio hormonal ou não a tomam com a frequência ideal. “Mas não comunicam nada; isso se descobre em exames sanguíneos”, diz Morelle.

Já a protagonista quer ficar boa logo, e procura formas de amenizar sintomas das terapias, seja investindo em atividade física para não perder músculo, alimentação adequada, psicoterapia, meditação e apoio de organizações não governamentais (ONGs). O mundo digital também está a favor de sua autonomia. Criado por Alessandra Morelle, o aplicativo Tummi ajuda brasileiras a organizarem sua rotina de cuidados oncológicos e a agirem rapidamente em situação de risco. E há plataformas – como o www.coletivopink.com – que trazem conteúdo esclarecedor para dar voz à paciente.

Empatia deve nortear condutas médicas

Ao receber um diagnóstico de câncer, seja qual for, 30% das pessoas entram em choque emocional. A doença é rotulada como mortal e, nos tumores mamários, por mais que as mulheres estejam mais esclarecidas sobre tratamento, chance de cura e de sobrevida, a descoberta de um tumor pode fragilizar bastante. A acolhida no consultório e a conduta empática da equipe multiprofissional farão diferença na jornada dessa paciente.

Laura Testa, do Icesp, afirma que as consultas devem ser transparentes, mas com tato. “Estudos mostram que, ao falar uma palavra que impacta muito, como câncer ou quimioterapia, o pensamento da paciente vai longe, e ela não consegue absorver direito o que está sendo falado.” A médica sugere que essas indagações partam da paciente ou sejam deixadas mais para o final do encontro, quando alguns temas já foram conversados.

Nas consultas para falar sobre recidiva, a oncologista diz que é fundamental uma conversa empática porque, na cabeça da paciente, o que se passa é a culpa. “Temos de tranquilizar a paciente, explicar que isso aconteceu não pelo que ela fez ou deixou de fazer. Aconteceu porque a doença foi mais esperta do que a gente.”

A médica Cristiana Tavares, oncologista da Rede D’Or e professora na Universidade de Pernambuco, aponta uma particularidade a ser considerada frente aos diagnósticos de tumor mamário. “Temos de ser cuidadosos em nossas abordagens, porque no Brasil não se pode adotar a mesma conduta dos consultórios americanos, britânicos, germânicos. A dinâmica tem de ser outra, porque o povo latino é mais sensível, mais passional”. 

Outra orientação que ela segue e transmite aos seus alunos é enxergar as pacientes como pessoas individualizadas. “Não estamos recebendo um par de mamas! Cada paciente que chega tem sua história de vida, seus traumas, sua cultura, sua história conjugal.”

Na abordagem de Cristiana Tavares, ela procura mudar o enfoque da paciente sobre seu diagnóstico. “Eu digo que existem várias mortes em vida; e a gente pode morrer e renascer várias vezes. Pode ser que essa dor, esse impacto, venha para a gente fazer uma avaliação e promover mudanças. A doença vem como uma forma de transformação.”

Getty Images 

O alerta foi dado no início deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O câncer de mama se tornou a forma de tumor maligno mais diagnosticada no mundo, com 2,3 milhões de casos registrados em 2020, ou 11,7% do total. O mesmo estudo mostrou que o número de mulheres que estão vivas após serem diagnosticadas com essa doença nos últimos cinco anos era estimado em quase 8 milhões no ano passado, maior do que os sobreviventes de qualquer outro tipo de câncer. Segundo especialistas, os dados expõem duas certezas: o câncer de mama tem avançado, mas os tratamentos que permitem a cura ou melhoram a qualidade de vida das pacientes também estão evoluindo.

Para Fabiana Makdissi, diretora do departamento de Mastologia do hospital A. C. Camargo, a constatação dessa maior incidência é uma soma de fatores. “O câncer é uma doença degenerativa, portanto ligada ao envelhecimento da população. No caso do câncer de mama, ser mulher e estar envelhecendo já é um fator de risco. Mas também é verdade que a população está cada vez mais obesa, as mulheres estão tendo filhos mais tarde e estão expostas às questões hormonais por mais tempo”, explica.

Daniela Dornelles Rosa, presidente do Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer Mama (GBECAM),

também destaca os fatores reprodutivos como parte da explicação. Segundo ela, comportamentos que eram considerados protetores no passado se modificaram. “Exigências do mercado de trabalho nas últimas décadas levaram as mulheres a postergar a gestação, terem um número menor de filhos e a amamentarem por menos tempo”, lista a oncologista do Hospital Moinhos de Vento.

Fatores modificáveis

 

Essas mudanças nos fatores reprodutivos que ocorreram nas últimas décadas fazem parte do processo natural de evolução da sociedade, mas os médicos alertam que há outros fatores comportamentais que são modificáveis que poderiam ajudar a frear o crescimento da incidência do câncer de mama. Os exemplos são os hábitos alimentares e o sedentarismo – que levam ao sobrepeso –, além do consumo de álcool e do tabagismo.

Makdissi afirma que já há evidências que relacionam o consumo de gorduras saturadas e de açúcares presentes nos “sugar drinks” como refrigerantes a casos de câncer de mama. Ela sugere que uma mulher na idade da menopausa não deveria ganhar além de 10 quilos em relação ao seu peso quando jovem.

Segundo Marina Sahade, oncologista e vice-diretora clínica do Hospital Sírio-Libanês, uma dieta mais equilibrada não só reduz o risco de contrair a doença como ajuda no tratamento e melhora a expectativa de vida das pacientes. Ela cita uma pesquisa recente da Sociedade Americana de Oncologia Clínica que relaciona obesidade com maior mortalidade por câncer de mama.

Além dessa prevenção considerada primária, os médicos ressaltam a importância do rastreamento precoce do câncer, que deve ser feito por meio de mamografias periódicas. De acordo com Rafael Kalikis, oncologista do Hospital Albert Einstein, a recomendação da OMS é que 70% da população elegível (mulheres na menopausa) realizem esses exames. Caso esse patamar fosse atingido e os tratamentos fossem disponibilizados a tempo, haveria redução de 15% a 20% na mortalidade.

A aderência a esse tipo de rastreamento pela rede pública no Brasil é baixa, em torno de 20% a 25% da população, e isso piorou durante a pandemia de covid-19. Daniela Dornelles Rosa sugere que é preciso que a rede de saúde se adapte à realidade das mulheres que trabalham, às vezes em mais de um emprego, e faça um ampliação de horários e de dias para a realização de exames, como nos finais de semana. “É preferível cuidar da saúde a cuidar da doença”, afirma.

Embora as principais sociedades de medicina defendam a realização de exames anuais para mulheres assintomáticas a partir dos 40 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) restringe esses exames preventivos para a faixa etária dos 50 aos 69 anos e com periodicidade bianual. Um projeto legislativo, que reconhece o pedido dos médicos e revê essa política do Ministério da Saúde, foi aprovado em 2019 pelo Senado e agora está em trâmite nas comissões da Câmara dos Deputados.

Pandemia reduziu procura por mamografia

Estudos nacionais e internacionais comprovam que a identificação precoce de um câncer de mama possibilita chance de cura de até 95%. Por isso, além da prevenção a respeito dos fatores de risco, os médicos batem com insistência na tecla da importância do rastreamento por meio da realização de mamografias periódicas. Infelizmente, a pandemia de covid-19 reduziu muito a procura pelos exames preventivos, o que pode acarretar aumento de casos.

Estudo realizado pela mastologista Jordana Bessa, da Oncologia D’Or, apontou uma queda de 42% no número de mamografias realizadas pelo SUS em 2020 em relação ao ano anterior, especialmente a partir de abril, quando a maioria dos estados adotou medidas de distanciamento social. Ela também encontrou evidências de que a proporção de caroços palpáveis encontrados nos exames ​​foi significativamente maior no ano passado, o que pode indicar grau mais avançado da doença.

Ainda que os dados da rede particular não sejam consolidados, os efeitos podem ter sido similares na rede conveniada. O Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento apresentou uma estimativa ainda mais preocupante: queda de 90% na procura por exames de diagnóstico nos primeiros meses da crise sanitária e redução de 35% nos tratamentos iniciais de radioterapia.

Para Jordana Bessa, a lição nessa pandemia e em possíveis crises futuras é que o adiamento desse tipo de exame é muito perigoso. “Temos que nos adaptar, porque as pandemias não têm previsão de término. As salas de exame já estão liberadas e adaptadas. Não podemos ficar esperando.”

Bem informadas têm maior adesão ao tratamento

Como protagonistas e participantes de decisões médicas, elas se fortalecem para as batalhas

Se por um lado os diagnósticos de câncer de mama cresceram no século 21, por outro é nítida a mudança positiva na cena das consultas oncológicas, com a medicina compartilhada e o empoderamento da paciente. Ao se perceber dona de suas escolhas, a mulher tem mais liberdade para desmistificar a doença e, questionar formas de tratamento, e se sente fortalecida para enfrentar os percalços que virão, ficando menos suscetível a abandonar os cuidados com a saúde.

A nova relação médico-paciente surgiu devido ao avanço tecnológico que facilitou o acesso ao conhecimento sobre doenças em diversas plataformas digitais. “Muitas pacientes chegam informadas, querendo participar. Não faz sentido uma medicina de cima para baixo, em que o médico diz o que fazer, e a paciente obedece”, diz Alessandra Morelle, oncologista e pesquisadora do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Para ela, o papel do profissional é o de um consultor, que vai usar seu conhecimento na discussão de prós e contras de medidas a serem adotadas.

Oncologista da Rede D’Or e chefe do grupo de oncologia mamária do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), Laura Testa concorda que a medicina paternalista é arcaica e diz que pacientes que se apropriam de sua condição aderem mais aos tratamentos. Às mais tímidas, ela sugere três perguntas básicas para se situarem de como está sua saúde. São elas: Que tipo de câncer eu tenho? Qual o estágio da minha doença? Qual tratamento eu vou fazer?

Autonomia e engajamento

Cada câncer de mama é enfrentado de um jeito, podendo requerer práticas como radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia (bloqueio hormonal) e terapia- -alvo, além de cirurgia. Um tratamento pode levar de oito meses a um ano – uns mais, outros menos tempo. Nos resultados, sabe-se que pacientes com tumores de até 2 cm e axila negativa quando tratadas têm chance de mortalidade equiparada à da população sem câncer, como aponta César Cabello, coordenador da área de Mastologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para o especialista, até para determinados casos mais avançados, com tecnologia e novas drogas, tornou-se possível falar em controle. “Há mulheres que vivem muitos anos com qualidade, como se tivessem uma doença crônica, como diabetes.”

 A descoberta de um tumor traz angústia e incerteza. A paciente merece ser orientada quanto ao que existe de maior eficácia e menos efeitos colaterais. “Mulheres esclarecidas participam mais do tratamento”, diz o mastologista. No entanto, salienta, é preciso seguir evidência científica e ética. “Muitas mulheres falam: ‘doutor, eu não quero morrer, retire as duas mamas’. Mas poucas têm indicações para esse procedimento.” Ele conta que, depois de muito esclarecimento, elas entendem que quase sempre é sensato conservar a mama.

Morelle atenta para a autoestima. “As mamas têm um simbolismo forte para a mulher. Por mais que os tratamentos sejam menos invasores, ela tem uma perda gigante. Quando a gente consegue colocar essa paciente no centro das decisões do tratamento, isso ajuda a aliviar o sofrimento emocional e aumenta o engajamento dela.”

A qualidade de vida tende a ser mais complicada para quem não assume as rédeas.  A quimioterapia pode antecipar sintomas de menopausa, e a etapa da hormonioterapia pode acentuá-los. Com essa sobrecarga colateral, 30% das pacientes abandonam a medicação de bloqueio hormonal ou não a tomam com a frequência ideal. “Mas não comunicam nada; isso se descobre em exames sanguíneos”, diz Morelle.

Já a protagonista quer ficar boa logo, e procura formas de amenizar sintomas das terapias, seja investindo em atividade física para não perder músculo, alimentação adequada, psicoterapia, meditação e apoio de organizações não governamentais (ONGs). O mundo digital também está a favor de sua autonomia. Criado por Alessandra Morelle, o aplicativo Tummi ajuda brasileiras a organizarem sua rotina de cuidados oncológicos e a agirem rapidamente em situação de risco. E há plataformas – como o www.coletivopink.com – que trazem conteúdo esclarecedor para dar voz à paciente.

Empatia deve nortear condutas médicas

Ao receber um diagnóstico de câncer, seja qual for, 30% das pessoas entram em choque emocional. A doença é rotulada como mortal e, nos tumores mamários, por mais que as mulheres estejam mais esclarecidas sobre tratamento, chance de cura e de sobrevida, a descoberta de um tumor pode fragilizar bastante. A acolhida no consultório e a conduta empática da equipe multiprofissional farão diferença na jornada dessa paciente.

Laura Testa, do Icesp, afirma que as consultas devem ser transparentes, mas com tato. “Estudos mostram que, ao falar uma palavra que impacta muito, como câncer ou quimioterapia, o pensamento da paciente vai longe, e ela não consegue absorver direito o que está sendo falado.” A médica sugere que essas indagações partam da paciente ou sejam deixadas mais para o final do encontro, quando alguns temas já foram conversados.

Nas consultas para falar sobre recidiva, a oncologista diz que é fundamental uma conversa empática porque, na cabeça da paciente, o que se passa é a culpa. “Temos de tranquilizar a paciente, explicar que isso aconteceu não pelo que ela fez ou deixou de fazer. Aconteceu porque a doença foi mais esperta do que a gente.”

A médica Cristiana Tavares, oncologista da Rede D’Or e professora na Universidade de Pernambuco, aponta uma particularidade a ser considerada frente aos diagnósticos de tumor mamário. “Temos de ser cuidadosos em nossas abordagens, porque no Brasil não se pode adotar a mesma conduta dos consultórios americanos, britânicos, germânicos. A dinâmica tem de ser outra, porque o povo latino é mais sensível, mais passional”. 

Outra orientação que ela segue e transmite aos seus alunos é enxergar as pacientes como pessoas individualizadas. “Não estamos recebendo um par de mamas! Cada paciente que chega tem sua história de vida, seus traumas, sua cultura, sua história conjugal.”

Na abordagem de Cristiana Tavares, ela procura mudar o enfoque da paciente sobre seu diagnóstico. “Eu digo que existem várias mortes em vida; e a gente pode morrer e renascer várias vezes. Pode ser que essa dor, esse impacto, venha para a gente fazer uma avaliação e promover mudanças. A doença vem como uma forma de transformação.”

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.