“Tomar café da manhã como rei, ter um almoço de príncipe e jantar como um plebeu”. Provavelmente você já ouviu esse ditado que atravessa gerações e sugere que o último prato do dia deve ser bem modesto. Mas o que há de verdade por trás disso? Será que se o jantar for parecido com o almoço há um risco maior de engordar? No fim das contas, como deve ser essa refeição?
Para a nutricionista Desire Coelho, doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), essas questões ainda não têm respostas tão definitivas. “No geral, quando a pessoa tem uma alimentação equilibrada e as calorias estão coordenadas durante todo o dia, o horário que ela come não importa tanto”, defende.
Segundo a endocrinologista Tarissa Petry, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP), até existem estudos indicando uma possível relação entre o comer noturno e o ganho de peso, porém, eles foram realizados com pouca gente. “Isso é um problema ao estudar dietas, porque é preciso ver o impacto em grupos maiores e por mais tempo”, explica. Fora isso, tem a dificuldade de manter os indivíduos seguindo um determinado padrão alimentar por tempo suficiente para chegar a conclusões mais certeiras.
Mas há uma área de pesquisa que vem avançando nos últimos anos chamada crononutrição, que avalia justamente relação entre o que comemos e o momento do dia em que isso acontece. Nesse sentido, um estudo publicado na Cell Metabolism no final do ano passado, investigou a relação entre refeições noturnas e o impacto em hormônios reguladores de apetite.
Os resultados mostraram que comer tarde aumentou a fome, interferiu na relação entre grelina e leptina – hormônios responsáveis pela fome e saciedade, respectivamente – e diminuiu o gasto energético de dia. Para Desire, a grande questão é entender se essas alterações são capazes de efetivamente impactar no peso.
Pode comer, mas há cuidados importantes
Ainda não há motivos para pensar em jejum ou em um pratinho de salada depois do pôr do sol. Montar um prato mais completo no jantar – com arroz, feijão, uma carne e salada – não é um problema, desde que haja um equilíbrio ao longo do dia inteiro, como comentou Desire. Também é importante considerar o gasto energético. Afinal, existe uma máxima que não pode ser ignorada: engordar (ou não) tem a ver com o balanço entre as calorias ingeridas e o quanto gastamos, e os exercícios são essenciais para auxiliar na queima de energia.
Além de focar no bom senso, o que faz bastante sentido é evitar que a última refeição do dia aconteça muito perto da hora de se deitar. Isso porque, nesse momento, o organismo realmente começa a desacelerar. Então, comer perto do descanso pode atrapalhar a digestão e até prejudicar a qualidade do sono.
O problema é que, nos dias de hoje, seguir essas regrinhas é um desafio. Veja: o dia e a noite sempre ajudaram a regular a produção de hormônios. Durante a manhã, por exemplo, a tendência é termos uma liberação aumentada de cortisol, que nos “acorda” e prepara para as atividades diurnas, como o trabalho. Já à noite entra em ação a melatonina, hormônio que vai desacelerando o corpo e favorecendo a chegada do sono.
Só que, segundo Tarissa, a luz elétrica mudou um pouco o rumo dessa história. “Se eu tenho luz e estou acordada à noite, assistindo televisão, jogando videogame ou com a tela do celular no rosto, essa luminosidade vai me avisar: ‘coma, porque você precisa de energia para continuar a fazer essas coisas’”, descreve. Daí porque, muitas vezes, temos dificuldade de parar de comer no período noturno.
Há mais fatores que contribuem para isso. Por exemplo: um indivíduo mais matutino ou vespertino costuma realizar refeições mais fartas durante o dia, porque é quando precisa de mais energia para executar seus afazeres. Esse é um perfil de pessoa que, à noite, poderia fazer só um lanchinho. “O que muitas vezes acontece é que ela chega em casa, vê todo mundo jantando e, aí, janta também”, nota Desire.
Outro aspecto que contribui para a comilança noturna é associar esse momento a uma espécie de compensação pelo dia cansativo e corrido. “À noite, estamos mais cansados física, mental e emocionalmente. Então, a tendência é buscarmos alimentos que nos proporcionem a sensação de recompensa, ou seja, são aqueles ricos em gorduras e açúcar. Isso é um traço evolutivo”, comenta a nutricionista.
Para evitar que o jantar contribua para o ganho de peso, Desire e Tarissa deram algumas dicas. Confira:
- Conheça-se: o autoconhecimento sobre hábitos alimentares (os bons e os maus), necessidades pessoais e rotina ajuda a planejar horários para comer. Assim, não chegamos famintos em uma refeição.
- Organize-se: se você acabar chegando ao jantar faminto, e não houver um plano para esse momento, provavelmente a situação vai acabar em pizza – literalmente. Por isso, tenha sempre à disposição opções mais equilibradas na geladeira ou no freezer.
- Atenção ao relógio: o ideal é que a última refeição aconteça entre três e quatro horas antes de dormir. O bom funcionamento do corpo requer um período longo sem ingerir alimentos – o chamado jejum noturno –, que deve ser de 11 a 12 horas, e coincide com o nosso sono.
- Evite certos alimentos: fontes de gordura e açúcar exigem trabalho extra de digestão, então é melhor maneirar nesses alimentos horas antes de dormir. Itens considerados estimulantes, como café e chocolate (ambos têm cafeína), também tendem a atrapalhar o sono. Melhor não arriscar.
- Diferencie a fome da vontade de comer: Enquanto a fome verdadeira pode ser sentida no corpo todo, e faz a gente buscar qualquer tipo de alimento, a vontade de comer está mais relacionada à própria cabeça, ou seja, com questões psicológicas que envolvem compensação. Esse desejo quase sempre é direcionado a comidas gordurosas e açucaradas.
- Peça ajuda: se você sente que o chamado comer noturno é um hábito que está te prejudicando, não tenha vergonha e busque apoio. Há muitas questões relacionadas à alimentação que demandam o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, formada não só por nutricionistas como também por psicólogos.