Alzheimer: hospitais oferecem ‘treinamento para o cérebro’ para tentar adiar evolução de demências


Centros médicos como Oswaldo Cruz, Einstein e Santa Casa indicam reabilitação cognitiva para tentar fortalecer conexões neuronais e, assim, retardar aparecimento ou evolução de demências

Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Na tentativa de retardar o avanço da doença de Alzheimer ou evitar que quadros de comprometimento cognitivo leve evoluam para uma demência, hospitais de São Paulo têm oferecido a um crescente número de pacientes a chamada reabilitação cognitiva, uma série de treinamentos para o cérebro que busca fortalecer as conexões neuronais das áreas mais comprometidas e manter saudáveis regiões do órgão ainda preservadas.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz criou em 2020 o Núcleo de Memória, grupo focado no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas de cognição. A equipe multiprofissional, além de detectar quadros demenciais, faz uma avaliação aprofundada das áreas mais comprometidas do cérebro de cada paciente e define as intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.

“Muitas pessoas questionam de que adianta ter um diagnóstico precoce de Alzheimer se não há nada que se pode fazer. Mas isso é mentira. Na reabilitação cognitiva, conseguimos criar novas reservas cognitivas em áreas que começam a ser prejudicadas e, com isso, retardar em alguns anos a progressão da doença para quadros mais graves”, explica Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo de Memória do hospital.

continua após a publicidade

O especialista coordena um serviço que conta com reabilitação cognitiva também na Santa Casa de São Paulo, onde atende majoritariamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele conta que, no sistema público, é mais comum atender idosos que já chegam com estágios moderados ou graves de demência e que a evolução da doença acaba sendo mais rápida sem uma intervenção precoce.

No Oswaldo Cruz, o paciente com queixas cognitivas primeiro passa por testes clínicos e exames de sangue e de imagem para que o médico descubra se já há uma demência instalada e qual seu grau. Após esse primeiro diagnóstico, ele é encaminhado para uma avaliação ainda mais detalhada com um neuropsicólogo.

“É uma análise aprofundada, que pode durar de seis a oito sessões e que vai avaliar as diferentes funções cognitivas, como memória, atenção, capacidade de aprendizagem, habilidades espaciais, funções executivas do cérebro”, explica Priscilla Brandi Gomes Godoy, neuropsicóloga do Núcleo de Memória do Oswaldo Cruz.

continua após a publicidade
Com o incentivo da filha, Thayná, e acompanhamento de uma terapeuta ocupacional, Maria Cecília aprendeu artesanato em MDF após o diagnóstico de Alzheimer Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Treinamento inclui aprendizado de habilidades novas

Após a avaliação, diz a especialista, o paciente passa a ser acompanhado semanalmente por diferentes profissionais do núcleo, como neuropsicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo, a depender da necessidade. Eles utilizam diferentes técnicas e exercícios para estimular o cérebro do paciente, o que inclui aprender habilidades novas, como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma ou desenvolver um talento artístico, e exercícios em plataformas digitais que desafiam o cérebro a estimulam e melhoram as funções de memória, atenção, organização, planejamento, entre outras.

continua após a publicidade

“Em termos de neuroplasticidade (capacidade do cérebro de aprender e se adaptar), quanto mais a gente usa determinadas áreas, mais as sinapses se fortalecem e, com isso, a gente consegue retardar o avanço de problemas cognitivos”, diz Priscilla.

O Hospital Israelita Albert Einstein também oferece serviço semelhante por meio de seu centro de reabilitação e do Núcleo de Excelência em Memória (Nemo). “Eu costumo fazer uma analogia para os meus pacientes comparando com um problema físico. Se você tem uma lesão no joelho, por exemplo, você não vai na academia fazer qualquer exercício. Você vai procurar um fisioterapeuta que vai analisar a lesão, ver que tipos de exercícios são os mais recomendados para fortalecer a região. Com o cérebro, é parecido”, diz Jerusa Smid, neurologista do Grupo Médico-Assistencial de Memória e Cognição do Einstein.

continua após a publicidade

A médica ressalta que o estímulo cognitivo pode ser especialmente benéfico para aqueles que manifestam queixas de cognição, mas que ainda não têm um quadro de demência. Para esses pacientes, não há um consenso sobre o uso de medicamentos e as intervenções não-farmacológicas, portanto, são ainda mais importantes como estratégia para tentar prevenir o aparecimento da demência ou adiá-la ao máximo.

“Para quem tem qualquer nível de demência, sempre usamos medicamentos que ajudam a adiar a progressão da doença. Mas para aqueles que têm um comprometimento cognitivo leve, estudos mostram que não há benefícios no uso do medicamento, então apostamos nas estratégias não-farmacológicas, que incluem cuidar da saúde física e cardiovascular e fazer atividade física e reabilitação cognitiva”, diz.

No trabalho com o neuropsicólogo, além de estímulos a novas habilidades e aprendizados, são incluídos exercícios de memorização, listas de palavras, leitura de textos com pedido para que o paciente faça uma síntese e um comentário sobre o que leu, entre outros exercícios. “Em fases mais adiantadas da doença, também trabalhamos com a terapia de reminiscências, que é pegar a história familiar do paciente, quem são os filhos, netos e outras memórias da vida dele”, afirma Jerusa.

continua após a publicidade

Veja dicas de treinamento cognitivo

Para que o paciente tenha um diagnóstico e tratamento correto, é imprescindível buscar uma equipe especializada, mas veja abaixo alguns exemplos de atividades que ajudam a aumentar a reserva cognitiva:

  • Aprenda uma nova habilidade: um instrumento musical, um novo idioma, um tipo artesanato que nunca experimentou etc;
  • Aumente a frequência de leitura e a diversidade e complexidade de textos lidos: procure ler notícias e livros de assuntos variados (em especial de temas que você não domina);
  • Após leituras de livros e notícias, experimente fazer breves resumos com os pontos mais importantes do material ou comentários com sua opinião sobre os pontos de vista trazidos;
  • Procure jogos que exijam um bom desempenho de diferentes áreas do cérebro, como xadrez e sudoku;
  • Experimente também exercícios específicos para diferentes áreas do cérebro em aplicativos como Lumosity e Cognifit;
  • Busque recursos externos que te ajudem a memorizar e planejar as atividades do dia a dia: agendas, calendários, alarmes e caixas organizadoras são algumas opções. Essas estratégias não só auxiliam ajudam a lembrar de compromissos, como também estimulam áreas do cérebro responsáveis pela memorização, atenção, planejamento e organização.
continua após a publicidade

Segundo Paula Gouveia, neuropsicóloga do Einstein, além dos exercícios para preservar habilidades, é fundamental que o profissional pense em estratégias que ajudem o pacientes nas dificuldades práticas do dia a dia.

“Se a dificuldade é lembrar de um compromisso ou do horário de tomar um remédio, adaptamos a rotina e buscamos recursos externos para ajudar esse paciente. Pode ser uma agenda, um calendário, um alarme no celular, uma caixinha de remédios”, diz a especialista.

Softwares e aplicativos oferecem exercícios para diferentes estágios

Paula conta ainda que a equipe usa plataformas digitais criadas especificamente para o treinamento cognitivo e que oferecem exercícios tanto por área do cérebro a ser estimulada quanto por nível de dificuldade. “Você pode escolher se quer trabalhar mais a memória, a atenção, a flexibilidade mental, as funções executivas e também o nivel de sofisticação desses exercícios”, conta.

Alguns desses softwares, como o Cogmed e o NeuroUP, são de uso exclusivo de profissionais, que escolhem os melhores exercícios para cada caso e dão acesso ao paciente para que ele possa fazer o treinamento. Outros apps, como o Lumosity e o Cognifit, têm uso aberto para a população em geral.

Os especialistas ressaltam que tanto os pacientes que apresentam somente o comprometimento cognitivo leve quanto pacientes em diferentes estágios do Alzheimer ou outra demência podem ter algum benefício com a reabilitação cognitiva, mas dizem ser fundamental adaptar o treinamento de acordo com o quadro de cada paciente, seu histórico educacional e seus gostos. Isso é importante para que a pessoa mantenha a adesão ao tratamento e sinta-se desafiado.

“Todas essas tarefas dos apps e materiais de reabilitação têm que ter níveis de dificuldade diferentes. Não pode ser muito fácil, mas também não pode ser algo tão complexo que seja frustrante”, diz Paula, que ressalta ainda que devem ser evitados materiais infantilizados.

Os especialistas do Oswaldo Cruz e do Einstein destacam ainda a importância de pacientes e familiares seguirem os exercícios de estimulação cognitiva também em casa. “É preciso levar esse processo de estímulo para a rotina, não só com exercícios, mas tentando manter a autonomia do idoso quando possível”, diz Priscilla.

As neuropsicólogas contam que muitas famílias, diante de um quadro de demência, passam a fazer tudo pelo parente doente e desistem de tentar ensinar coisas novas ou ajudar o idoso a se lembrar de algo. “Alguns acham que ele não vai se lembrar mais de nada, então não tentam estimular a memória. Nós orientamos a manter os estímulos, desafiar a memória deles, mesmo que seja com o auxílio de dicas ou elaboração de associações que facilitem a memorização e as lembranças”, relata Paula.

Dicas para familiares de idosos com demência ou comprometimento cognitivo

  • Mesmo que o paciente passe por reabilitação cognitiva com neuropsicólogo ou outro profissional, continue oferecendo estímulos mentais na rotina em casa. Quanto mais treinamento o cérebro do idoso tiver, maior será a construção de novas reservas cognitivas e mais lenta será a progressão da doença;
  • Não pressuponha que o idoso não vai mais lembrar de nada a partir do diagnóstico ou que ele não se lembra porque não está se esforçando o bastante. É comum nos quadros de demência que as memórias mais antigas sigam preservadas e que o paciente tenha dificuldade com as memórias mais recentes. Auxilie seu familiar dando dicas quando ele está tentando lembrar de algo em vez de dar logo a resposta;
  • Fazer associações ajuda muito pessoas com problemas de memória a lembrar de fatos mais facilmente. Se o idoso conhece alguém novo, sugira associações com nomes de conhecidos ou de alguém famoso para que ele possa guardar o nome do novo conhecido, por exemplo.
  • Evite uma postura de superproteção. Claro que, em estágios mais graves, o paciente vai precisar de cuidado em tempo integral e supervisão em atividades corriqueiras, mas nos estágios mais leves é recomendável que o idoso mantenha as tarefas que ainda consegue fazer. Em casos que envolvem algum risco, como cozinhar, uma alternativa é deixá-lo fazer, mas com supervisão.
Maria Cecília, diagnosticada com Alzheimer há oito anos, passou a usar um calendário personalizado para ajudá-la a não esquecer de compromissos e tarefas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Dizem que nem parece que minha mãe tem o diagnóstico há oito anos’

Desde que sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer, há oito anos, a professora Thayná Mattos, de 36 anos, passou a buscar formas de fortalecer a cognição da mãe e, assim, tentar garantir por mais tempo a qualidade de vida e a autonomia da idosa. “O diagnóstico assusta, no começo eu não queria acreditar. Mas depois que caiu a ficha, começamos a trabalhar com essa nova realidade”, diz.

Maria Cecília Mattos, hoje com 70 anos, passou a ser atendida semanalmente por uma terapeuta ocupacional, que busca desenvolver novas habilidades na paciente e apresentar estratégias para lidar com problemas de desatenção e memória. “Ela faz arteterapia, começou a fazer artesanatos em madeira e MDF. Já fizemos até feira para vender os produtos. Esgotou tudo e já temos encomendas online”, conta Thayná.

A filha também comprou calendários personalizados para a mãe, com a programação da semana, e definiu tarefas que, em alguns dias da semana, passaram a ser responsabilidade de Maria Cecília, como passear com o cachorro ou estender roupas após a lavagem.

“Logo após o diagnóstico, ela parou de trabalhar e isso bagunçou a rotina. Ela ficava muito deitada, acordava tarde e percebi que estava ficando deprimida. Além da arteterapia, adotamos um cachorro e isso a deixou muito feliz. Além do amor enorme que ela criou por ele, ter um animal em casa ajudou ela a desenvolver a memória, o planejamento, a organização porque ela passou a ter responsabilidades no cuidado dele”, diz a professora.

Thayná diz acreditar que o estímulo cognitivo, junto com os exercícios físicos e as relações sociais que a mãe mantém, têm ajudado Maria Cecília a ter uma progressão mais lenta da doença.

“Muita gente que tem familiares com Alzheimer não acreditam que ela já está com oito anos de diagnóstico e está tão bem e com algum nível de autonomia. Por isso acho importante quebrar o estigma e buscar diagnóstico precoce, porque é possível fazer algo para aliviar”, diz a professora, que há três anos passou a compartilhar a rotina com a mãe em sua página no Instagram, dando dicas e trocando informações com outros cuidadores.

“Quando a minha mãe teve o diagnóstico, eu só encontrava as piores coisas na internet sobre a doença. Pensava na cena de um idoso acamado, que não conseguia fazer nada. O meu objetivo é mostrar que não é sempre assim, que todos esses estímulos que a gente oferece podem ter um grande benefício”, diz.

Na tentativa de retardar o avanço da doença de Alzheimer ou evitar que quadros de comprometimento cognitivo leve evoluam para uma demência, hospitais de São Paulo têm oferecido a um crescente número de pacientes a chamada reabilitação cognitiva, uma série de treinamentos para o cérebro que busca fortalecer as conexões neuronais das áreas mais comprometidas e manter saudáveis regiões do órgão ainda preservadas.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz criou em 2020 o Núcleo de Memória, grupo focado no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas de cognição. A equipe multiprofissional, além de detectar quadros demenciais, faz uma avaliação aprofundada das áreas mais comprometidas do cérebro de cada paciente e define as intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.

“Muitas pessoas questionam de que adianta ter um diagnóstico precoce de Alzheimer se não há nada que se pode fazer. Mas isso é mentira. Na reabilitação cognitiva, conseguimos criar novas reservas cognitivas em áreas que começam a ser prejudicadas e, com isso, retardar em alguns anos a progressão da doença para quadros mais graves”, explica Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo de Memória do hospital.

O especialista coordena um serviço que conta com reabilitação cognitiva também na Santa Casa de São Paulo, onde atende majoritariamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele conta que, no sistema público, é mais comum atender idosos que já chegam com estágios moderados ou graves de demência e que a evolução da doença acaba sendo mais rápida sem uma intervenção precoce.

No Oswaldo Cruz, o paciente com queixas cognitivas primeiro passa por testes clínicos e exames de sangue e de imagem para que o médico descubra se já há uma demência instalada e qual seu grau. Após esse primeiro diagnóstico, ele é encaminhado para uma avaliação ainda mais detalhada com um neuropsicólogo.

“É uma análise aprofundada, que pode durar de seis a oito sessões e que vai avaliar as diferentes funções cognitivas, como memória, atenção, capacidade de aprendizagem, habilidades espaciais, funções executivas do cérebro”, explica Priscilla Brandi Gomes Godoy, neuropsicóloga do Núcleo de Memória do Oswaldo Cruz.

Com o incentivo da filha, Thayná, e acompanhamento de uma terapeuta ocupacional, Maria Cecília aprendeu artesanato em MDF após o diagnóstico de Alzheimer Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Treinamento inclui aprendizado de habilidades novas

Após a avaliação, diz a especialista, o paciente passa a ser acompanhado semanalmente por diferentes profissionais do núcleo, como neuropsicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo, a depender da necessidade. Eles utilizam diferentes técnicas e exercícios para estimular o cérebro do paciente, o que inclui aprender habilidades novas, como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma ou desenvolver um talento artístico, e exercícios em plataformas digitais que desafiam o cérebro a estimulam e melhoram as funções de memória, atenção, organização, planejamento, entre outras.

“Em termos de neuroplasticidade (capacidade do cérebro de aprender e se adaptar), quanto mais a gente usa determinadas áreas, mais as sinapses se fortalecem e, com isso, a gente consegue retardar o avanço de problemas cognitivos”, diz Priscilla.

O Hospital Israelita Albert Einstein também oferece serviço semelhante por meio de seu centro de reabilitação e do Núcleo de Excelência em Memória (Nemo). “Eu costumo fazer uma analogia para os meus pacientes comparando com um problema físico. Se você tem uma lesão no joelho, por exemplo, você não vai na academia fazer qualquer exercício. Você vai procurar um fisioterapeuta que vai analisar a lesão, ver que tipos de exercícios são os mais recomendados para fortalecer a região. Com o cérebro, é parecido”, diz Jerusa Smid, neurologista do Grupo Médico-Assistencial de Memória e Cognição do Einstein.

A médica ressalta que o estímulo cognitivo pode ser especialmente benéfico para aqueles que manifestam queixas de cognição, mas que ainda não têm um quadro de demência. Para esses pacientes, não há um consenso sobre o uso de medicamentos e as intervenções não-farmacológicas, portanto, são ainda mais importantes como estratégia para tentar prevenir o aparecimento da demência ou adiá-la ao máximo.

“Para quem tem qualquer nível de demência, sempre usamos medicamentos que ajudam a adiar a progressão da doença. Mas para aqueles que têm um comprometimento cognitivo leve, estudos mostram que não há benefícios no uso do medicamento, então apostamos nas estratégias não-farmacológicas, que incluem cuidar da saúde física e cardiovascular e fazer atividade física e reabilitação cognitiva”, diz.

No trabalho com o neuropsicólogo, além de estímulos a novas habilidades e aprendizados, são incluídos exercícios de memorização, listas de palavras, leitura de textos com pedido para que o paciente faça uma síntese e um comentário sobre o que leu, entre outros exercícios. “Em fases mais adiantadas da doença, também trabalhamos com a terapia de reminiscências, que é pegar a história familiar do paciente, quem são os filhos, netos e outras memórias da vida dele”, afirma Jerusa.

Veja dicas de treinamento cognitivo

Para que o paciente tenha um diagnóstico e tratamento correto, é imprescindível buscar uma equipe especializada, mas veja abaixo alguns exemplos de atividades que ajudam a aumentar a reserva cognitiva:

  • Aprenda uma nova habilidade: um instrumento musical, um novo idioma, um tipo artesanato que nunca experimentou etc;
  • Aumente a frequência de leitura e a diversidade e complexidade de textos lidos: procure ler notícias e livros de assuntos variados (em especial de temas que você não domina);
  • Após leituras de livros e notícias, experimente fazer breves resumos com os pontos mais importantes do material ou comentários com sua opinião sobre os pontos de vista trazidos;
  • Procure jogos que exijam um bom desempenho de diferentes áreas do cérebro, como xadrez e sudoku;
  • Experimente também exercícios específicos para diferentes áreas do cérebro em aplicativos como Lumosity e Cognifit;
  • Busque recursos externos que te ajudem a memorizar e planejar as atividades do dia a dia: agendas, calendários, alarmes e caixas organizadoras são algumas opções. Essas estratégias não só auxiliam ajudam a lembrar de compromissos, como também estimulam áreas do cérebro responsáveis pela memorização, atenção, planejamento e organização.

Segundo Paula Gouveia, neuropsicóloga do Einstein, além dos exercícios para preservar habilidades, é fundamental que o profissional pense em estratégias que ajudem o pacientes nas dificuldades práticas do dia a dia.

“Se a dificuldade é lembrar de um compromisso ou do horário de tomar um remédio, adaptamos a rotina e buscamos recursos externos para ajudar esse paciente. Pode ser uma agenda, um calendário, um alarme no celular, uma caixinha de remédios”, diz a especialista.

Softwares e aplicativos oferecem exercícios para diferentes estágios

Paula conta ainda que a equipe usa plataformas digitais criadas especificamente para o treinamento cognitivo e que oferecem exercícios tanto por área do cérebro a ser estimulada quanto por nível de dificuldade. “Você pode escolher se quer trabalhar mais a memória, a atenção, a flexibilidade mental, as funções executivas e também o nivel de sofisticação desses exercícios”, conta.

Alguns desses softwares, como o Cogmed e o NeuroUP, são de uso exclusivo de profissionais, que escolhem os melhores exercícios para cada caso e dão acesso ao paciente para que ele possa fazer o treinamento. Outros apps, como o Lumosity e o Cognifit, têm uso aberto para a população em geral.

Os especialistas ressaltam que tanto os pacientes que apresentam somente o comprometimento cognitivo leve quanto pacientes em diferentes estágios do Alzheimer ou outra demência podem ter algum benefício com a reabilitação cognitiva, mas dizem ser fundamental adaptar o treinamento de acordo com o quadro de cada paciente, seu histórico educacional e seus gostos. Isso é importante para que a pessoa mantenha a adesão ao tratamento e sinta-se desafiado.

“Todas essas tarefas dos apps e materiais de reabilitação têm que ter níveis de dificuldade diferentes. Não pode ser muito fácil, mas também não pode ser algo tão complexo que seja frustrante”, diz Paula, que ressalta ainda que devem ser evitados materiais infantilizados.

Os especialistas do Oswaldo Cruz e do Einstein destacam ainda a importância de pacientes e familiares seguirem os exercícios de estimulação cognitiva também em casa. “É preciso levar esse processo de estímulo para a rotina, não só com exercícios, mas tentando manter a autonomia do idoso quando possível”, diz Priscilla.

As neuropsicólogas contam que muitas famílias, diante de um quadro de demência, passam a fazer tudo pelo parente doente e desistem de tentar ensinar coisas novas ou ajudar o idoso a se lembrar de algo. “Alguns acham que ele não vai se lembrar mais de nada, então não tentam estimular a memória. Nós orientamos a manter os estímulos, desafiar a memória deles, mesmo que seja com o auxílio de dicas ou elaboração de associações que facilitem a memorização e as lembranças”, relata Paula.

Dicas para familiares de idosos com demência ou comprometimento cognitivo

  • Mesmo que o paciente passe por reabilitação cognitiva com neuropsicólogo ou outro profissional, continue oferecendo estímulos mentais na rotina em casa. Quanto mais treinamento o cérebro do idoso tiver, maior será a construção de novas reservas cognitivas e mais lenta será a progressão da doença;
  • Não pressuponha que o idoso não vai mais lembrar de nada a partir do diagnóstico ou que ele não se lembra porque não está se esforçando o bastante. É comum nos quadros de demência que as memórias mais antigas sigam preservadas e que o paciente tenha dificuldade com as memórias mais recentes. Auxilie seu familiar dando dicas quando ele está tentando lembrar de algo em vez de dar logo a resposta;
  • Fazer associações ajuda muito pessoas com problemas de memória a lembrar de fatos mais facilmente. Se o idoso conhece alguém novo, sugira associações com nomes de conhecidos ou de alguém famoso para que ele possa guardar o nome do novo conhecido, por exemplo.
  • Evite uma postura de superproteção. Claro que, em estágios mais graves, o paciente vai precisar de cuidado em tempo integral e supervisão em atividades corriqueiras, mas nos estágios mais leves é recomendável que o idoso mantenha as tarefas que ainda consegue fazer. Em casos que envolvem algum risco, como cozinhar, uma alternativa é deixá-lo fazer, mas com supervisão.
Maria Cecília, diagnosticada com Alzheimer há oito anos, passou a usar um calendário personalizado para ajudá-la a não esquecer de compromissos e tarefas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Dizem que nem parece que minha mãe tem o diagnóstico há oito anos’

Desde que sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer, há oito anos, a professora Thayná Mattos, de 36 anos, passou a buscar formas de fortalecer a cognição da mãe e, assim, tentar garantir por mais tempo a qualidade de vida e a autonomia da idosa. “O diagnóstico assusta, no começo eu não queria acreditar. Mas depois que caiu a ficha, começamos a trabalhar com essa nova realidade”, diz.

Maria Cecília Mattos, hoje com 70 anos, passou a ser atendida semanalmente por uma terapeuta ocupacional, que busca desenvolver novas habilidades na paciente e apresentar estratégias para lidar com problemas de desatenção e memória. “Ela faz arteterapia, começou a fazer artesanatos em madeira e MDF. Já fizemos até feira para vender os produtos. Esgotou tudo e já temos encomendas online”, conta Thayná.

A filha também comprou calendários personalizados para a mãe, com a programação da semana, e definiu tarefas que, em alguns dias da semana, passaram a ser responsabilidade de Maria Cecília, como passear com o cachorro ou estender roupas após a lavagem.

“Logo após o diagnóstico, ela parou de trabalhar e isso bagunçou a rotina. Ela ficava muito deitada, acordava tarde e percebi que estava ficando deprimida. Além da arteterapia, adotamos um cachorro e isso a deixou muito feliz. Além do amor enorme que ela criou por ele, ter um animal em casa ajudou ela a desenvolver a memória, o planejamento, a organização porque ela passou a ter responsabilidades no cuidado dele”, diz a professora.

Thayná diz acreditar que o estímulo cognitivo, junto com os exercícios físicos e as relações sociais que a mãe mantém, têm ajudado Maria Cecília a ter uma progressão mais lenta da doença.

“Muita gente que tem familiares com Alzheimer não acreditam que ela já está com oito anos de diagnóstico e está tão bem e com algum nível de autonomia. Por isso acho importante quebrar o estigma e buscar diagnóstico precoce, porque é possível fazer algo para aliviar”, diz a professora, que há três anos passou a compartilhar a rotina com a mãe em sua página no Instagram, dando dicas e trocando informações com outros cuidadores.

“Quando a minha mãe teve o diagnóstico, eu só encontrava as piores coisas na internet sobre a doença. Pensava na cena de um idoso acamado, que não conseguia fazer nada. O meu objetivo é mostrar que não é sempre assim, que todos esses estímulos que a gente oferece podem ter um grande benefício”, diz.

Na tentativa de retardar o avanço da doença de Alzheimer ou evitar que quadros de comprometimento cognitivo leve evoluam para uma demência, hospitais de São Paulo têm oferecido a um crescente número de pacientes a chamada reabilitação cognitiva, uma série de treinamentos para o cérebro que busca fortalecer as conexões neuronais das áreas mais comprometidas e manter saudáveis regiões do órgão ainda preservadas.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz criou em 2020 o Núcleo de Memória, grupo focado no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas de cognição. A equipe multiprofissional, além de detectar quadros demenciais, faz uma avaliação aprofundada das áreas mais comprometidas do cérebro de cada paciente e define as intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.

“Muitas pessoas questionam de que adianta ter um diagnóstico precoce de Alzheimer se não há nada que se pode fazer. Mas isso é mentira. Na reabilitação cognitiva, conseguimos criar novas reservas cognitivas em áreas que começam a ser prejudicadas e, com isso, retardar em alguns anos a progressão da doença para quadros mais graves”, explica Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo de Memória do hospital.

O especialista coordena um serviço que conta com reabilitação cognitiva também na Santa Casa de São Paulo, onde atende majoritariamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele conta que, no sistema público, é mais comum atender idosos que já chegam com estágios moderados ou graves de demência e que a evolução da doença acaba sendo mais rápida sem uma intervenção precoce.

No Oswaldo Cruz, o paciente com queixas cognitivas primeiro passa por testes clínicos e exames de sangue e de imagem para que o médico descubra se já há uma demência instalada e qual seu grau. Após esse primeiro diagnóstico, ele é encaminhado para uma avaliação ainda mais detalhada com um neuropsicólogo.

“É uma análise aprofundada, que pode durar de seis a oito sessões e que vai avaliar as diferentes funções cognitivas, como memória, atenção, capacidade de aprendizagem, habilidades espaciais, funções executivas do cérebro”, explica Priscilla Brandi Gomes Godoy, neuropsicóloga do Núcleo de Memória do Oswaldo Cruz.

Com o incentivo da filha, Thayná, e acompanhamento de uma terapeuta ocupacional, Maria Cecília aprendeu artesanato em MDF após o diagnóstico de Alzheimer Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Treinamento inclui aprendizado de habilidades novas

Após a avaliação, diz a especialista, o paciente passa a ser acompanhado semanalmente por diferentes profissionais do núcleo, como neuropsicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo, a depender da necessidade. Eles utilizam diferentes técnicas e exercícios para estimular o cérebro do paciente, o que inclui aprender habilidades novas, como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma ou desenvolver um talento artístico, e exercícios em plataformas digitais que desafiam o cérebro a estimulam e melhoram as funções de memória, atenção, organização, planejamento, entre outras.

“Em termos de neuroplasticidade (capacidade do cérebro de aprender e se adaptar), quanto mais a gente usa determinadas áreas, mais as sinapses se fortalecem e, com isso, a gente consegue retardar o avanço de problemas cognitivos”, diz Priscilla.

O Hospital Israelita Albert Einstein também oferece serviço semelhante por meio de seu centro de reabilitação e do Núcleo de Excelência em Memória (Nemo). “Eu costumo fazer uma analogia para os meus pacientes comparando com um problema físico. Se você tem uma lesão no joelho, por exemplo, você não vai na academia fazer qualquer exercício. Você vai procurar um fisioterapeuta que vai analisar a lesão, ver que tipos de exercícios são os mais recomendados para fortalecer a região. Com o cérebro, é parecido”, diz Jerusa Smid, neurologista do Grupo Médico-Assistencial de Memória e Cognição do Einstein.

A médica ressalta que o estímulo cognitivo pode ser especialmente benéfico para aqueles que manifestam queixas de cognição, mas que ainda não têm um quadro de demência. Para esses pacientes, não há um consenso sobre o uso de medicamentos e as intervenções não-farmacológicas, portanto, são ainda mais importantes como estratégia para tentar prevenir o aparecimento da demência ou adiá-la ao máximo.

“Para quem tem qualquer nível de demência, sempre usamos medicamentos que ajudam a adiar a progressão da doença. Mas para aqueles que têm um comprometimento cognitivo leve, estudos mostram que não há benefícios no uso do medicamento, então apostamos nas estratégias não-farmacológicas, que incluem cuidar da saúde física e cardiovascular e fazer atividade física e reabilitação cognitiva”, diz.

No trabalho com o neuropsicólogo, além de estímulos a novas habilidades e aprendizados, são incluídos exercícios de memorização, listas de palavras, leitura de textos com pedido para que o paciente faça uma síntese e um comentário sobre o que leu, entre outros exercícios. “Em fases mais adiantadas da doença, também trabalhamos com a terapia de reminiscências, que é pegar a história familiar do paciente, quem são os filhos, netos e outras memórias da vida dele”, afirma Jerusa.

Veja dicas de treinamento cognitivo

Para que o paciente tenha um diagnóstico e tratamento correto, é imprescindível buscar uma equipe especializada, mas veja abaixo alguns exemplos de atividades que ajudam a aumentar a reserva cognitiva:

  • Aprenda uma nova habilidade: um instrumento musical, um novo idioma, um tipo artesanato que nunca experimentou etc;
  • Aumente a frequência de leitura e a diversidade e complexidade de textos lidos: procure ler notícias e livros de assuntos variados (em especial de temas que você não domina);
  • Após leituras de livros e notícias, experimente fazer breves resumos com os pontos mais importantes do material ou comentários com sua opinião sobre os pontos de vista trazidos;
  • Procure jogos que exijam um bom desempenho de diferentes áreas do cérebro, como xadrez e sudoku;
  • Experimente também exercícios específicos para diferentes áreas do cérebro em aplicativos como Lumosity e Cognifit;
  • Busque recursos externos que te ajudem a memorizar e planejar as atividades do dia a dia: agendas, calendários, alarmes e caixas organizadoras são algumas opções. Essas estratégias não só auxiliam ajudam a lembrar de compromissos, como também estimulam áreas do cérebro responsáveis pela memorização, atenção, planejamento e organização.

Segundo Paula Gouveia, neuropsicóloga do Einstein, além dos exercícios para preservar habilidades, é fundamental que o profissional pense em estratégias que ajudem o pacientes nas dificuldades práticas do dia a dia.

“Se a dificuldade é lembrar de um compromisso ou do horário de tomar um remédio, adaptamos a rotina e buscamos recursos externos para ajudar esse paciente. Pode ser uma agenda, um calendário, um alarme no celular, uma caixinha de remédios”, diz a especialista.

Softwares e aplicativos oferecem exercícios para diferentes estágios

Paula conta ainda que a equipe usa plataformas digitais criadas especificamente para o treinamento cognitivo e que oferecem exercícios tanto por área do cérebro a ser estimulada quanto por nível de dificuldade. “Você pode escolher se quer trabalhar mais a memória, a atenção, a flexibilidade mental, as funções executivas e também o nivel de sofisticação desses exercícios”, conta.

Alguns desses softwares, como o Cogmed e o NeuroUP, são de uso exclusivo de profissionais, que escolhem os melhores exercícios para cada caso e dão acesso ao paciente para que ele possa fazer o treinamento. Outros apps, como o Lumosity e o Cognifit, têm uso aberto para a população em geral.

Os especialistas ressaltam que tanto os pacientes que apresentam somente o comprometimento cognitivo leve quanto pacientes em diferentes estágios do Alzheimer ou outra demência podem ter algum benefício com a reabilitação cognitiva, mas dizem ser fundamental adaptar o treinamento de acordo com o quadro de cada paciente, seu histórico educacional e seus gostos. Isso é importante para que a pessoa mantenha a adesão ao tratamento e sinta-se desafiado.

“Todas essas tarefas dos apps e materiais de reabilitação têm que ter níveis de dificuldade diferentes. Não pode ser muito fácil, mas também não pode ser algo tão complexo que seja frustrante”, diz Paula, que ressalta ainda que devem ser evitados materiais infantilizados.

Os especialistas do Oswaldo Cruz e do Einstein destacam ainda a importância de pacientes e familiares seguirem os exercícios de estimulação cognitiva também em casa. “É preciso levar esse processo de estímulo para a rotina, não só com exercícios, mas tentando manter a autonomia do idoso quando possível”, diz Priscilla.

As neuropsicólogas contam que muitas famílias, diante de um quadro de demência, passam a fazer tudo pelo parente doente e desistem de tentar ensinar coisas novas ou ajudar o idoso a se lembrar de algo. “Alguns acham que ele não vai se lembrar mais de nada, então não tentam estimular a memória. Nós orientamos a manter os estímulos, desafiar a memória deles, mesmo que seja com o auxílio de dicas ou elaboração de associações que facilitem a memorização e as lembranças”, relata Paula.

Dicas para familiares de idosos com demência ou comprometimento cognitivo

  • Mesmo que o paciente passe por reabilitação cognitiva com neuropsicólogo ou outro profissional, continue oferecendo estímulos mentais na rotina em casa. Quanto mais treinamento o cérebro do idoso tiver, maior será a construção de novas reservas cognitivas e mais lenta será a progressão da doença;
  • Não pressuponha que o idoso não vai mais lembrar de nada a partir do diagnóstico ou que ele não se lembra porque não está se esforçando o bastante. É comum nos quadros de demência que as memórias mais antigas sigam preservadas e que o paciente tenha dificuldade com as memórias mais recentes. Auxilie seu familiar dando dicas quando ele está tentando lembrar de algo em vez de dar logo a resposta;
  • Fazer associações ajuda muito pessoas com problemas de memória a lembrar de fatos mais facilmente. Se o idoso conhece alguém novo, sugira associações com nomes de conhecidos ou de alguém famoso para que ele possa guardar o nome do novo conhecido, por exemplo.
  • Evite uma postura de superproteção. Claro que, em estágios mais graves, o paciente vai precisar de cuidado em tempo integral e supervisão em atividades corriqueiras, mas nos estágios mais leves é recomendável que o idoso mantenha as tarefas que ainda consegue fazer. Em casos que envolvem algum risco, como cozinhar, uma alternativa é deixá-lo fazer, mas com supervisão.
Maria Cecília, diagnosticada com Alzheimer há oito anos, passou a usar um calendário personalizado para ajudá-la a não esquecer de compromissos e tarefas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Dizem que nem parece que minha mãe tem o diagnóstico há oito anos’

Desde que sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer, há oito anos, a professora Thayná Mattos, de 36 anos, passou a buscar formas de fortalecer a cognição da mãe e, assim, tentar garantir por mais tempo a qualidade de vida e a autonomia da idosa. “O diagnóstico assusta, no começo eu não queria acreditar. Mas depois que caiu a ficha, começamos a trabalhar com essa nova realidade”, diz.

Maria Cecília Mattos, hoje com 70 anos, passou a ser atendida semanalmente por uma terapeuta ocupacional, que busca desenvolver novas habilidades na paciente e apresentar estratégias para lidar com problemas de desatenção e memória. “Ela faz arteterapia, começou a fazer artesanatos em madeira e MDF. Já fizemos até feira para vender os produtos. Esgotou tudo e já temos encomendas online”, conta Thayná.

A filha também comprou calendários personalizados para a mãe, com a programação da semana, e definiu tarefas que, em alguns dias da semana, passaram a ser responsabilidade de Maria Cecília, como passear com o cachorro ou estender roupas após a lavagem.

“Logo após o diagnóstico, ela parou de trabalhar e isso bagunçou a rotina. Ela ficava muito deitada, acordava tarde e percebi que estava ficando deprimida. Além da arteterapia, adotamos um cachorro e isso a deixou muito feliz. Além do amor enorme que ela criou por ele, ter um animal em casa ajudou ela a desenvolver a memória, o planejamento, a organização porque ela passou a ter responsabilidades no cuidado dele”, diz a professora.

Thayná diz acreditar que o estímulo cognitivo, junto com os exercícios físicos e as relações sociais que a mãe mantém, têm ajudado Maria Cecília a ter uma progressão mais lenta da doença.

“Muita gente que tem familiares com Alzheimer não acreditam que ela já está com oito anos de diagnóstico e está tão bem e com algum nível de autonomia. Por isso acho importante quebrar o estigma e buscar diagnóstico precoce, porque é possível fazer algo para aliviar”, diz a professora, que há três anos passou a compartilhar a rotina com a mãe em sua página no Instagram, dando dicas e trocando informações com outros cuidadores.

“Quando a minha mãe teve o diagnóstico, eu só encontrava as piores coisas na internet sobre a doença. Pensava na cena de um idoso acamado, que não conseguia fazer nada. O meu objetivo é mostrar que não é sempre assim, que todos esses estímulos que a gente oferece podem ter um grande benefício”, diz.

Na tentativa de retardar o avanço da doença de Alzheimer ou evitar que quadros de comprometimento cognitivo leve evoluam para uma demência, hospitais de São Paulo têm oferecido a um crescente número de pacientes a chamada reabilitação cognitiva, uma série de treinamentos para o cérebro que busca fortalecer as conexões neuronais das áreas mais comprometidas e manter saudáveis regiões do órgão ainda preservadas.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz criou em 2020 o Núcleo de Memória, grupo focado no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas de cognição. A equipe multiprofissional, além de detectar quadros demenciais, faz uma avaliação aprofundada das áreas mais comprometidas do cérebro de cada paciente e define as intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.

“Muitas pessoas questionam de que adianta ter um diagnóstico precoce de Alzheimer se não há nada que se pode fazer. Mas isso é mentira. Na reabilitação cognitiva, conseguimos criar novas reservas cognitivas em áreas que começam a ser prejudicadas e, com isso, retardar em alguns anos a progressão da doença para quadros mais graves”, explica Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo de Memória do hospital.

O especialista coordena um serviço que conta com reabilitação cognitiva também na Santa Casa de São Paulo, onde atende majoritariamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele conta que, no sistema público, é mais comum atender idosos que já chegam com estágios moderados ou graves de demência e que a evolução da doença acaba sendo mais rápida sem uma intervenção precoce.

No Oswaldo Cruz, o paciente com queixas cognitivas primeiro passa por testes clínicos e exames de sangue e de imagem para que o médico descubra se já há uma demência instalada e qual seu grau. Após esse primeiro diagnóstico, ele é encaminhado para uma avaliação ainda mais detalhada com um neuropsicólogo.

“É uma análise aprofundada, que pode durar de seis a oito sessões e que vai avaliar as diferentes funções cognitivas, como memória, atenção, capacidade de aprendizagem, habilidades espaciais, funções executivas do cérebro”, explica Priscilla Brandi Gomes Godoy, neuropsicóloga do Núcleo de Memória do Oswaldo Cruz.

Com o incentivo da filha, Thayná, e acompanhamento de uma terapeuta ocupacional, Maria Cecília aprendeu artesanato em MDF após o diagnóstico de Alzheimer Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Treinamento inclui aprendizado de habilidades novas

Após a avaliação, diz a especialista, o paciente passa a ser acompanhado semanalmente por diferentes profissionais do núcleo, como neuropsicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo, a depender da necessidade. Eles utilizam diferentes técnicas e exercícios para estimular o cérebro do paciente, o que inclui aprender habilidades novas, como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma ou desenvolver um talento artístico, e exercícios em plataformas digitais que desafiam o cérebro a estimulam e melhoram as funções de memória, atenção, organização, planejamento, entre outras.

“Em termos de neuroplasticidade (capacidade do cérebro de aprender e se adaptar), quanto mais a gente usa determinadas áreas, mais as sinapses se fortalecem e, com isso, a gente consegue retardar o avanço de problemas cognitivos”, diz Priscilla.

O Hospital Israelita Albert Einstein também oferece serviço semelhante por meio de seu centro de reabilitação e do Núcleo de Excelência em Memória (Nemo). “Eu costumo fazer uma analogia para os meus pacientes comparando com um problema físico. Se você tem uma lesão no joelho, por exemplo, você não vai na academia fazer qualquer exercício. Você vai procurar um fisioterapeuta que vai analisar a lesão, ver que tipos de exercícios são os mais recomendados para fortalecer a região. Com o cérebro, é parecido”, diz Jerusa Smid, neurologista do Grupo Médico-Assistencial de Memória e Cognição do Einstein.

A médica ressalta que o estímulo cognitivo pode ser especialmente benéfico para aqueles que manifestam queixas de cognição, mas que ainda não têm um quadro de demência. Para esses pacientes, não há um consenso sobre o uso de medicamentos e as intervenções não-farmacológicas, portanto, são ainda mais importantes como estratégia para tentar prevenir o aparecimento da demência ou adiá-la ao máximo.

“Para quem tem qualquer nível de demência, sempre usamos medicamentos que ajudam a adiar a progressão da doença. Mas para aqueles que têm um comprometimento cognitivo leve, estudos mostram que não há benefícios no uso do medicamento, então apostamos nas estratégias não-farmacológicas, que incluem cuidar da saúde física e cardiovascular e fazer atividade física e reabilitação cognitiva”, diz.

No trabalho com o neuropsicólogo, além de estímulos a novas habilidades e aprendizados, são incluídos exercícios de memorização, listas de palavras, leitura de textos com pedido para que o paciente faça uma síntese e um comentário sobre o que leu, entre outros exercícios. “Em fases mais adiantadas da doença, também trabalhamos com a terapia de reminiscências, que é pegar a história familiar do paciente, quem são os filhos, netos e outras memórias da vida dele”, afirma Jerusa.

Veja dicas de treinamento cognitivo

Para que o paciente tenha um diagnóstico e tratamento correto, é imprescindível buscar uma equipe especializada, mas veja abaixo alguns exemplos de atividades que ajudam a aumentar a reserva cognitiva:

  • Aprenda uma nova habilidade: um instrumento musical, um novo idioma, um tipo artesanato que nunca experimentou etc;
  • Aumente a frequência de leitura e a diversidade e complexidade de textos lidos: procure ler notícias e livros de assuntos variados (em especial de temas que você não domina);
  • Após leituras de livros e notícias, experimente fazer breves resumos com os pontos mais importantes do material ou comentários com sua opinião sobre os pontos de vista trazidos;
  • Procure jogos que exijam um bom desempenho de diferentes áreas do cérebro, como xadrez e sudoku;
  • Experimente também exercícios específicos para diferentes áreas do cérebro em aplicativos como Lumosity e Cognifit;
  • Busque recursos externos que te ajudem a memorizar e planejar as atividades do dia a dia: agendas, calendários, alarmes e caixas organizadoras são algumas opções. Essas estratégias não só auxiliam ajudam a lembrar de compromissos, como também estimulam áreas do cérebro responsáveis pela memorização, atenção, planejamento e organização.

Segundo Paula Gouveia, neuropsicóloga do Einstein, além dos exercícios para preservar habilidades, é fundamental que o profissional pense em estratégias que ajudem o pacientes nas dificuldades práticas do dia a dia.

“Se a dificuldade é lembrar de um compromisso ou do horário de tomar um remédio, adaptamos a rotina e buscamos recursos externos para ajudar esse paciente. Pode ser uma agenda, um calendário, um alarme no celular, uma caixinha de remédios”, diz a especialista.

Softwares e aplicativos oferecem exercícios para diferentes estágios

Paula conta ainda que a equipe usa plataformas digitais criadas especificamente para o treinamento cognitivo e que oferecem exercícios tanto por área do cérebro a ser estimulada quanto por nível de dificuldade. “Você pode escolher se quer trabalhar mais a memória, a atenção, a flexibilidade mental, as funções executivas e também o nivel de sofisticação desses exercícios”, conta.

Alguns desses softwares, como o Cogmed e o NeuroUP, são de uso exclusivo de profissionais, que escolhem os melhores exercícios para cada caso e dão acesso ao paciente para que ele possa fazer o treinamento. Outros apps, como o Lumosity e o Cognifit, têm uso aberto para a população em geral.

Os especialistas ressaltam que tanto os pacientes que apresentam somente o comprometimento cognitivo leve quanto pacientes em diferentes estágios do Alzheimer ou outra demência podem ter algum benefício com a reabilitação cognitiva, mas dizem ser fundamental adaptar o treinamento de acordo com o quadro de cada paciente, seu histórico educacional e seus gostos. Isso é importante para que a pessoa mantenha a adesão ao tratamento e sinta-se desafiado.

“Todas essas tarefas dos apps e materiais de reabilitação têm que ter níveis de dificuldade diferentes. Não pode ser muito fácil, mas também não pode ser algo tão complexo que seja frustrante”, diz Paula, que ressalta ainda que devem ser evitados materiais infantilizados.

Os especialistas do Oswaldo Cruz e do Einstein destacam ainda a importância de pacientes e familiares seguirem os exercícios de estimulação cognitiva também em casa. “É preciso levar esse processo de estímulo para a rotina, não só com exercícios, mas tentando manter a autonomia do idoso quando possível”, diz Priscilla.

As neuropsicólogas contam que muitas famílias, diante de um quadro de demência, passam a fazer tudo pelo parente doente e desistem de tentar ensinar coisas novas ou ajudar o idoso a se lembrar de algo. “Alguns acham que ele não vai se lembrar mais de nada, então não tentam estimular a memória. Nós orientamos a manter os estímulos, desafiar a memória deles, mesmo que seja com o auxílio de dicas ou elaboração de associações que facilitem a memorização e as lembranças”, relata Paula.

Dicas para familiares de idosos com demência ou comprometimento cognitivo

  • Mesmo que o paciente passe por reabilitação cognitiva com neuropsicólogo ou outro profissional, continue oferecendo estímulos mentais na rotina em casa. Quanto mais treinamento o cérebro do idoso tiver, maior será a construção de novas reservas cognitivas e mais lenta será a progressão da doença;
  • Não pressuponha que o idoso não vai mais lembrar de nada a partir do diagnóstico ou que ele não se lembra porque não está se esforçando o bastante. É comum nos quadros de demência que as memórias mais antigas sigam preservadas e que o paciente tenha dificuldade com as memórias mais recentes. Auxilie seu familiar dando dicas quando ele está tentando lembrar de algo em vez de dar logo a resposta;
  • Fazer associações ajuda muito pessoas com problemas de memória a lembrar de fatos mais facilmente. Se o idoso conhece alguém novo, sugira associações com nomes de conhecidos ou de alguém famoso para que ele possa guardar o nome do novo conhecido, por exemplo.
  • Evite uma postura de superproteção. Claro que, em estágios mais graves, o paciente vai precisar de cuidado em tempo integral e supervisão em atividades corriqueiras, mas nos estágios mais leves é recomendável que o idoso mantenha as tarefas que ainda consegue fazer. Em casos que envolvem algum risco, como cozinhar, uma alternativa é deixá-lo fazer, mas com supervisão.
Maria Cecília, diagnosticada com Alzheimer há oito anos, passou a usar um calendário personalizado para ajudá-la a não esquecer de compromissos e tarefas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Dizem que nem parece que minha mãe tem o diagnóstico há oito anos’

Desde que sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer, há oito anos, a professora Thayná Mattos, de 36 anos, passou a buscar formas de fortalecer a cognição da mãe e, assim, tentar garantir por mais tempo a qualidade de vida e a autonomia da idosa. “O diagnóstico assusta, no começo eu não queria acreditar. Mas depois que caiu a ficha, começamos a trabalhar com essa nova realidade”, diz.

Maria Cecília Mattos, hoje com 70 anos, passou a ser atendida semanalmente por uma terapeuta ocupacional, que busca desenvolver novas habilidades na paciente e apresentar estratégias para lidar com problemas de desatenção e memória. “Ela faz arteterapia, começou a fazer artesanatos em madeira e MDF. Já fizemos até feira para vender os produtos. Esgotou tudo e já temos encomendas online”, conta Thayná.

A filha também comprou calendários personalizados para a mãe, com a programação da semana, e definiu tarefas que, em alguns dias da semana, passaram a ser responsabilidade de Maria Cecília, como passear com o cachorro ou estender roupas após a lavagem.

“Logo após o diagnóstico, ela parou de trabalhar e isso bagunçou a rotina. Ela ficava muito deitada, acordava tarde e percebi que estava ficando deprimida. Além da arteterapia, adotamos um cachorro e isso a deixou muito feliz. Além do amor enorme que ela criou por ele, ter um animal em casa ajudou ela a desenvolver a memória, o planejamento, a organização porque ela passou a ter responsabilidades no cuidado dele”, diz a professora.

Thayná diz acreditar que o estímulo cognitivo, junto com os exercícios físicos e as relações sociais que a mãe mantém, têm ajudado Maria Cecília a ter uma progressão mais lenta da doença.

“Muita gente que tem familiares com Alzheimer não acreditam que ela já está com oito anos de diagnóstico e está tão bem e com algum nível de autonomia. Por isso acho importante quebrar o estigma e buscar diagnóstico precoce, porque é possível fazer algo para aliviar”, diz a professora, que há três anos passou a compartilhar a rotina com a mãe em sua página no Instagram, dando dicas e trocando informações com outros cuidadores.

“Quando a minha mãe teve o diagnóstico, eu só encontrava as piores coisas na internet sobre a doença. Pensava na cena de um idoso acamado, que não conseguia fazer nada. O meu objetivo é mostrar que não é sempre assim, que todos esses estímulos que a gente oferece podem ter um grande benefício”, diz.

Na tentativa de retardar o avanço da doença de Alzheimer ou evitar que quadros de comprometimento cognitivo leve evoluam para uma demência, hospitais de São Paulo têm oferecido a um crescente número de pacientes a chamada reabilitação cognitiva, uma série de treinamentos para o cérebro que busca fortalecer as conexões neuronais das áreas mais comprometidas e manter saudáveis regiões do órgão ainda preservadas.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz criou em 2020 o Núcleo de Memória, grupo focado no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas de cognição. A equipe multiprofissional, além de detectar quadros demenciais, faz uma avaliação aprofundada das áreas mais comprometidas do cérebro de cada paciente e define as intervenções farmacológicas e não-farmacológicas.

“Muitas pessoas questionam de que adianta ter um diagnóstico precoce de Alzheimer se não há nada que se pode fazer. Mas isso é mentira. Na reabilitação cognitiva, conseguimos criar novas reservas cognitivas em áreas que começam a ser prejudicadas e, com isso, retardar em alguns anos a progressão da doença para quadros mais graves”, explica Diogo Haddad, neurologista e coordenador do Núcleo de Memória do hospital.

O especialista coordena um serviço que conta com reabilitação cognitiva também na Santa Casa de São Paulo, onde atende majoritariamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele conta que, no sistema público, é mais comum atender idosos que já chegam com estágios moderados ou graves de demência e que a evolução da doença acaba sendo mais rápida sem uma intervenção precoce.

No Oswaldo Cruz, o paciente com queixas cognitivas primeiro passa por testes clínicos e exames de sangue e de imagem para que o médico descubra se já há uma demência instalada e qual seu grau. Após esse primeiro diagnóstico, ele é encaminhado para uma avaliação ainda mais detalhada com um neuropsicólogo.

“É uma análise aprofundada, que pode durar de seis a oito sessões e que vai avaliar as diferentes funções cognitivas, como memória, atenção, capacidade de aprendizagem, habilidades espaciais, funções executivas do cérebro”, explica Priscilla Brandi Gomes Godoy, neuropsicóloga do Núcleo de Memória do Oswaldo Cruz.

Com o incentivo da filha, Thayná, e acompanhamento de uma terapeuta ocupacional, Maria Cecília aprendeu artesanato em MDF após o diagnóstico de Alzheimer Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Treinamento inclui aprendizado de habilidades novas

Após a avaliação, diz a especialista, o paciente passa a ser acompanhado semanalmente por diferentes profissionais do núcleo, como neuropsicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo, a depender da necessidade. Eles utilizam diferentes técnicas e exercícios para estimular o cérebro do paciente, o que inclui aprender habilidades novas, como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma ou desenvolver um talento artístico, e exercícios em plataformas digitais que desafiam o cérebro a estimulam e melhoram as funções de memória, atenção, organização, planejamento, entre outras.

“Em termos de neuroplasticidade (capacidade do cérebro de aprender e se adaptar), quanto mais a gente usa determinadas áreas, mais as sinapses se fortalecem e, com isso, a gente consegue retardar o avanço de problemas cognitivos”, diz Priscilla.

O Hospital Israelita Albert Einstein também oferece serviço semelhante por meio de seu centro de reabilitação e do Núcleo de Excelência em Memória (Nemo). “Eu costumo fazer uma analogia para os meus pacientes comparando com um problema físico. Se você tem uma lesão no joelho, por exemplo, você não vai na academia fazer qualquer exercício. Você vai procurar um fisioterapeuta que vai analisar a lesão, ver que tipos de exercícios são os mais recomendados para fortalecer a região. Com o cérebro, é parecido”, diz Jerusa Smid, neurologista do Grupo Médico-Assistencial de Memória e Cognição do Einstein.

A médica ressalta que o estímulo cognitivo pode ser especialmente benéfico para aqueles que manifestam queixas de cognição, mas que ainda não têm um quadro de demência. Para esses pacientes, não há um consenso sobre o uso de medicamentos e as intervenções não-farmacológicas, portanto, são ainda mais importantes como estratégia para tentar prevenir o aparecimento da demência ou adiá-la ao máximo.

“Para quem tem qualquer nível de demência, sempre usamos medicamentos que ajudam a adiar a progressão da doença. Mas para aqueles que têm um comprometimento cognitivo leve, estudos mostram que não há benefícios no uso do medicamento, então apostamos nas estratégias não-farmacológicas, que incluem cuidar da saúde física e cardiovascular e fazer atividade física e reabilitação cognitiva”, diz.

No trabalho com o neuropsicólogo, além de estímulos a novas habilidades e aprendizados, são incluídos exercícios de memorização, listas de palavras, leitura de textos com pedido para que o paciente faça uma síntese e um comentário sobre o que leu, entre outros exercícios. “Em fases mais adiantadas da doença, também trabalhamos com a terapia de reminiscências, que é pegar a história familiar do paciente, quem são os filhos, netos e outras memórias da vida dele”, afirma Jerusa.

Veja dicas de treinamento cognitivo

Para que o paciente tenha um diagnóstico e tratamento correto, é imprescindível buscar uma equipe especializada, mas veja abaixo alguns exemplos de atividades que ajudam a aumentar a reserva cognitiva:

  • Aprenda uma nova habilidade: um instrumento musical, um novo idioma, um tipo artesanato que nunca experimentou etc;
  • Aumente a frequência de leitura e a diversidade e complexidade de textos lidos: procure ler notícias e livros de assuntos variados (em especial de temas que você não domina);
  • Após leituras de livros e notícias, experimente fazer breves resumos com os pontos mais importantes do material ou comentários com sua opinião sobre os pontos de vista trazidos;
  • Procure jogos que exijam um bom desempenho de diferentes áreas do cérebro, como xadrez e sudoku;
  • Experimente também exercícios específicos para diferentes áreas do cérebro em aplicativos como Lumosity e Cognifit;
  • Busque recursos externos que te ajudem a memorizar e planejar as atividades do dia a dia: agendas, calendários, alarmes e caixas organizadoras são algumas opções. Essas estratégias não só auxiliam ajudam a lembrar de compromissos, como também estimulam áreas do cérebro responsáveis pela memorização, atenção, planejamento e organização.

Segundo Paula Gouveia, neuropsicóloga do Einstein, além dos exercícios para preservar habilidades, é fundamental que o profissional pense em estratégias que ajudem o pacientes nas dificuldades práticas do dia a dia.

“Se a dificuldade é lembrar de um compromisso ou do horário de tomar um remédio, adaptamos a rotina e buscamos recursos externos para ajudar esse paciente. Pode ser uma agenda, um calendário, um alarme no celular, uma caixinha de remédios”, diz a especialista.

Softwares e aplicativos oferecem exercícios para diferentes estágios

Paula conta ainda que a equipe usa plataformas digitais criadas especificamente para o treinamento cognitivo e que oferecem exercícios tanto por área do cérebro a ser estimulada quanto por nível de dificuldade. “Você pode escolher se quer trabalhar mais a memória, a atenção, a flexibilidade mental, as funções executivas e também o nivel de sofisticação desses exercícios”, conta.

Alguns desses softwares, como o Cogmed e o NeuroUP, são de uso exclusivo de profissionais, que escolhem os melhores exercícios para cada caso e dão acesso ao paciente para que ele possa fazer o treinamento. Outros apps, como o Lumosity e o Cognifit, têm uso aberto para a população em geral.

Os especialistas ressaltam que tanto os pacientes que apresentam somente o comprometimento cognitivo leve quanto pacientes em diferentes estágios do Alzheimer ou outra demência podem ter algum benefício com a reabilitação cognitiva, mas dizem ser fundamental adaptar o treinamento de acordo com o quadro de cada paciente, seu histórico educacional e seus gostos. Isso é importante para que a pessoa mantenha a adesão ao tratamento e sinta-se desafiado.

“Todas essas tarefas dos apps e materiais de reabilitação têm que ter níveis de dificuldade diferentes. Não pode ser muito fácil, mas também não pode ser algo tão complexo que seja frustrante”, diz Paula, que ressalta ainda que devem ser evitados materiais infantilizados.

Os especialistas do Oswaldo Cruz e do Einstein destacam ainda a importância de pacientes e familiares seguirem os exercícios de estimulação cognitiva também em casa. “É preciso levar esse processo de estímulo para a rotina, não só com exercícios, mas tentando manter a autonomia do idoso quando possível”, diz Priscilla.

As neuropsicólogas contam que muitas famílias, diante de um quadro de demência, passam a fazer tudo pelo parente doente e desistem de tentar ensinar coisas novas ou ajudar o idoso a se lembrar de algo. “Alguns acham que ele não vai se lembrar mais de nada, então não tentam estimular a memória. Nós orientamos a manter os estímulos, desafiar a memória deles, mesmo que seja com o auxílio de dicas ou elaboração de associações que facilitem a memorização e as lembranças”, relata Paula.

Dicas para familiares de idosos com demência ou comprometimento cognitivo

  • Mesmo que o paciente passe por reabilitação cognitiva com neuropsicólogo ou outro profissional, continue oferecendo estímulos mentais na rotina em casa. Quanto mais treinamento o cérebro do idoso tiver, maior será a construção de novas reservas cognitivas e mais lenta será a progressão da doença;
  • Não pressuponha que o idoso não vai mais lembrar de nada a partir do diagnóstico ou que ele não se lembra porque não está se esforçando o bastante. É comum nos quadros de demência que as memórias mais antigas sigam preservadas e que o paciente tenha dificuldade com as memórias mais recentes. Auxilie seu familiar dando dicas quando ele está tentando lembrar de algo em vez de dar logo a resposta;
  • Fazer associações ajuda muito pessoas com problemas de memória a lembrar de fatos mais facilmente. Se o idoso conhece alguém novo, sugira associações com nomes de conhecidos ou de alguém famoso para que ele possa guardar o nome do novo conhecido, por exemplo.
  • Evite uma postura de superproteção. Claro que, em estágios mais graves, o paciente vai precisar de cuidado em tempo integral e supervisão em atividades corriqueiras, mas nos estágios mais leves é recomendável que o idoso mantenha as tarefas que ainda consegue fazer. Em casos que envolvem algum risco, como cozinhar, uma alternativa é deixá-lo fazer, mas com supervisão.
Maria Cecília, diagnosticada com Alzheimer há oito anos, passou a usar um calendário personalizado para ajudá-la a não esquecer de compromissos e tarefas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Dizem que nem parece que minha mãe tem o diagnóstico há oito anos’

Desde que sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer, há oito anos, a professora Thayná Mattos, de 36 anos, passou a buscar formas de fortalecer a cognição da mãe e, assim, tentar garantir por mais tempo a qualidade de vida e a autonomia da idosa. “O diagnóstico assusta, no começo eu não queria acreditar. Mas depois que caiu a ficha, começamos a trabalhar com essa nova realidade”, diz.

Maria Cecília Mattos, hoje com 70 anos, passou a ser atendida semanalmente por uma terapeuta ocupacional, que busca desenvolver novas habilidades na paciente e apresentar estratégias para lidar com problemas de desatenção e memória. “Ela faz arteterapia, começou a fazer artesanatos em madeira e MDF. Já fizemos até feira para vender os produtos. Esgotou tudo e já temos encomendas online”, conta Thayná.

A filha também comprou calendários personalizados para a mãe, com a programação da semana, e definiu tarefas que, em alguns dias da semana, passaram a ser responsabilidade de Maria Cecília, como passear com o cachorro ou estender roupas após a lavagem.

“Logo após o diagnóstico, ela parou de trabalhar e isso bagunçou a rotina. Ela ficava muito deitada, acordava tarde e percebi que estava ficando deprimida. Além da arteterapia, adotamos um cachorro e isso a deixou muito feliz. Além do amor enorme que ela criou por ele, ter um animal em casa ajudou ela a desenvolver a memória, o planejamento, a organização porque ela passou a ter responsabilidades no cuidado dele”, diz a professora.

Thayná diz acreditar que o estímulo cognitivo, junto com os exercícios físicos e as relações sociais que a mãe mantém, têm ajudado Maria Cecília a ter uma progressão mais lenta da doença.

“Muita gente que tem familiares com Alzheimer não acreditam que ela já está com oito anos de diagnóstico e está tão bem e com algum nível de autonomia. Por isso acho importante quebrar o estigma e buscar diagnóstico precoce, porque é possível fazer algo para aliviar”, diz a professora, que há três anos passou a compartilhar a rotina com a mãe em sua página no Instagram, dando dicas e trocando informações com outros cuidadores.

“Quando a minha mãe teve o diagnóstico, eu só encontrava as piores coisas na internet sobre a doença. Pensava na cena de um idoso acamado, que não conseguia fazer nada. O meu objetivo é mostrar que não é sempre assim, que todos esses estímulos que a gente oferece podem ter um grande benefício”, diz.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.